3 minute read

MISSÃO: ESTAR ONDE É MAIS PRECISO

Joana Bailão* D.R.

abrir os olhos e ver a rede mosquiteira a abraçar-me a cama, que vou abrir a porta e ver alguém a varrer

Advertisement

Regressei de Moçambique da missão do GASPORTO (Grupo de Ação Social do Porto) há pouco mais de três meses, e é ainda muito difícil traduzir em palavras uma experiência tão transformadora e que tem ainda uma carga emocional tão poderosa.

Sempre quis fazer voluntariado, mas encontrar a Casa certa para o poder concretizar foi um processo demorado. De cada vez que me cruzava com o GASPORTO, nos corredores da FEUP, tinha sempre a desculpa perfeita e que, invariavelmente, tinha que ver com falta de tempo. Na verdade, ao longo dos últimos quatro anos a servir neste grupo, percebi que, na realidade, não temos falta de tempo: temos apenas hierarquias de valores que nos levam a adiar decisões.

O GASPORTO não é apenas uma ONGD – Organização Não Governamental para o Desenvolvimento, é uma Escola de Vida, que nos ensina a olhar o mundo com mais amor, a perceber a importância das pessoas, a criar relações com respeito e igualdade e, fundamentalmente, a estar onde é mais preciso.

Ir em missão internacional sempre foi um sonho, mas as responsabilidades nunca o permitiam. E assim, fui aprendendo a estar onde era mais preciso... Nas atividades do meu voluntariado semanal, em fins de semana de trabalho, missões nacionais, angariações de fundos, etc. Este ano, finalmente, tive a sorte de tudo se conjugar para que tivesse oportunidade de ir.

Macia foi a vila moçambicana onde estive em agosto e setembro com mais quatro voluntários, e onde pudemos Estar realmente na comunidade, testemunhando e contribuindo para o impacto que o GASPORTO tem em Moçambique.

Durante os dois meses de missão, tivemos oportunidade de conhecer in loco os três Programas de Cooperação para o Desenvolvimento do GASPORTO: Crescer de Mãos Dadas, é um programa de apadrinhamento de crianças órfãs ou vulneráveis, que apoia cerca de 100 crianças e as suas famílias, garantindo o acesso à educação, à saúde e a bens primários, com acompanhamento contínuo do seu percurso escolar e familiar. Kukula é um centro de educação e de desenvolvimento infantil que integra quatro centros de explicações onde se pretende reforçar o ensino do Português e da Matemática, facilitando a aprendizagem das crianças. Pfuka U Famba (que significa Levanta-te e Anda, em changana) foi o primeiro programa a ser desenvolvido pelo GASPORTO em Moçambique. É um centro de reabilitação nutricional para crianças com subnutrição, sinalizadas pelos serviços de saúde locais, que providencia leite e papas enriquecidas e promove, junto das mamãs, formações regulares para a sua capacitação e autonomia.

Sempre em colaboração com os profissionais locais que trabalham ao longo do ano em cada um dos projetos, desenvolvemos formações e atividades para as mamãs e bebés do Pfuka, ajudamos na reabilitação e manutenção de alguns dos espaços e planeamos e desenvolvemos atividades e dias diferentes para as crianças do Kukula e para os afilhados do Crescer de Mãos Dadas. Desta forma, pudemos perceber o impacto que o GASPORTO tem na Macia e testemunhar em primeira mão a diferença que faz na vida das centenas destes bebés, crianças e jovens. Algo que não temos noção, verdadeiramente, por mais que ouçamos os relatos.

Servir numa realidade tão diferente da nossa é perspetivar tudo o que somos e temos, através de uma oportunidade de crescimento inacreditável, com ensinamentos marcantes para a vida. Marcou-me, sem dúvida, a simplicidade da vida. Aperceber-me o quão em excesso vivemos. Aprendi que precisamos de tão pouco. Marcaram-me as mulheres. As mamãs guerreiras, cheias de matimba (força). As mamãs cuidadoras, que não têm filhos e, nem por isso, deixam de ser mães.

As chefes de família, as trabalhadoras, as provedoras dos lares. Todas as que trabalham de sol a sol e que, mesmo assim, têm tempo para parar. E saudar. E cantar. E dançar. E confiar. E fazer-nos sentir parte da família.

Marcaram-me as pegadas no chão. Os sorrisos. Mesmo aqueles que escondem um olhar triste, sofrido.

Marcou-me o calor da terra nos pés. O caminhar sem óculos de sol e sem música, sem ruído a distrair-me do que se passa à minha volta. As cores das capulanas.

Marcaram-me as maravilhosas particularidades desta comunidade… a maneira de falar e de comunicar, o tempo que reservam para saudar. As conversas inesperadas com desconhecidos. O ritmo moçambicano. O tempo.

Regressei com a certeza de que deixei lá muito de mim, naquela que foi e será agora, para sempre, a minha (nossa) casa. Trouxe comigo muitas aprendizagens, muito amor, muita partilha. Muita saudade. Mas acima de tudo, muita gratidão pela oportunidade de servir e de crescer… com o GASPORTO.”

This article is from: