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“NÃO SEI VIVER LONGE DO MAR”

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Days to Remember

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O investigador Tiago Fazeres Ferradosa divide o seu tempo entre a Secção de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente do Departamento de Engenharia Civil da FEUP e o grupo de investigação Marine Energy do CIIMAR. Dedica-se à investigação das erosões em estruturas colocadas em ambiente marinho.

Uma experiência ERASMUS na University College London na parte final do percurso em Engenharia Civil foi determinante na escolha da hidráulica marítima como área de investigação no futuro que não tardaria. A tese relacionada com o transporte de sedimentos e erosões localizadas em estruturas offshore - como as que vemos serem aplicadas às turbinas eólicas – abriu-lhe as portas para o doutoramento e um contacto muito próximo com empresas e parceiros neste setor. No meio de tanta água, a do mar era a que mais o atraía e a partir daí a ideia de futuro tornou-se fácil. “Não sei viver longe do mar, e há nele um quê de desconhecido e de desafiador que me agrada”, confessa Tiago Ferradosa. Entrevista na primeira pessoa ao investigador que define a Engenharia Civil e em particular a Hidráulica Marítima como “elegantes expressões de superação do Homem”.

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Porque optou por Engenharia Civil?

Confesso que, quando era mais novo, não sabia bem que carreira gostaria de seguir. Sempre gostei de lidar com pessoas acima de tudo e cheguei a ponderar áreas mais ligadas às ciências sociais, no entanto sempre soube muito bem o que não queria. Quando fui para a Universidade, sempre olhei para os profissionais da Engenharia Civil como agentes de mudança cuja atividade, além de muito transversal, resultava em património físico, intelectual e outras dimensões que podiam moldar o Mundo. O meu gosto em lidar com pessoas e a minha vontade de contribuir para o rumo do que me rodeava foi o que me fez escolher esta área. A partir daí, tomei-lhe o gosto e agora já não é uma profissão, é um vício.

Fez rapidamente a interligação à Hidráulica Marítima? O que o fascina nesta área?

Ocorreu de forma natural. Quando me comecei a aproximar do final do curso, tinha presente a importância de experimentar outras realidades académicas e profissionais e graças ao programa ERASMUS acabei por realizar a dissertação na University College London em parceria com a Secção de Hidráulica e Recursos Hídricos do Departamento de Engenharia Civil (DEC) da FEUP. Antes de iniciar essa “aventura” já tinha um gosto especial pela Hidráulica, com particular destaque para os domínios da Hidráulica Marítima.

À data, fiz uma tese relacionada com o transporte de sedimentos e erosões localizadas em estruturas offshore (como as que vemos serem aplicadas às turbinas eólicas). Depois do mestrado seguiu-se o doutoramento que dava continuidade a esta investigação e que me permitiu contactar de perto com empresas do setor da Hidráulica Marítima, participar em projetos de R&D&I que me desafiaram… e o meu percurso foi-se adensando. A ideia de o Homem, na sua pequenez e fragilidade, querer colocar infraestruturas no mar e vergá-lo às sua vontade pode ser uma ideia romântica, mas é também o que mais me fascina.

Como surgiu a oportunidade de fazer investigação na Secção de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente do DEC/FEUP?

E no CIIMAR?

Com o decorrer da dissertação de mestrado em Londres e na FEUP as oportunidades foram surgindo, sobretudo após a atribuição da bolsa de doutoramento. Foram quatro anos na FEUP, com muitas horas dedicadas ao Laboratório de Hidráulica e outras tantas em diversas instituições com as quais a SHRHA e o DEC mantinham colaboração. Tive passagens pela Universidade Aalborg, pela Universidade de Stavanger, pela HR Wallingford, sempre em projetos de R&D em que a FEUP participava ou liderava.

É preciso lutar por uma Economia do Mar que vá além da pesca e do turismo

Nota Biográfica

Apaixonado por Hidráulica Marítima, Tiago Ferradosa concluiu com sucesso o Mestrado Integrado em Engenharia Civil (2012) e o Programa Doutoral em Engenharia Civil (2018) na FEUP. Atualmente, está ligado ao DEC/FEUP e ao CIIMAR onde concentra a sua investigação na área das erosões em estruturas em ambiente marinho. Foi investigador na University College London (UCL) e Presidente da Rede de Jovens Profissionais da IAHR Portugal. Atua ainda como Presidente da Comissão Especializada em Água e Energia da Associação Portuguesa dos Recursos Hídricos.

É editor da International Association for Hydro-Environment Engineering and Research Newsflash Europe e co-Editor in Chief da revista científica Maritime Engineering.

Quando me aproximava do final do doutoramento, a minha equipa liderada pelo professor Francisco Taveira Pinto tinha obtido financiamento da FCT para um projeto que se focava na análise de risco de fundações de eólicas offshore (projeto ORACLE). Acabei por ingressar nesse projeto, já como Pós-Doc. Posteriormente, tive a sorte de ser um dos investigadores abrangidos pelo Estímulo ao Emprego Científico da FCT e passei para os quadros do CIIMAR, embora mantivesse as minhas atividades diárias pela FEUP e pelo Laboratório de Hidráulica. Atualmente, vou desenvolvendo projetos onde a FEUP e o CIIMAR atuam de mãos dadas. Isto é algo que me dá bastante alegria, porque são casas cheias de valor e de pessoas dedicadas, cujo trabalho profissional eu admiro.

Quais as principais áreas da sua investigação?

Em virtude da multidisciplinaridade do Marine Energy Group (CIIMAR) e da SHRHA, tenho vindo a desenvolver investigação em diversas áreas, mas em geral todas elas se enquadram no domínio das Estruturas Offshore (por outras palavras, aquelas que colocamos em alto mar ou longe da costa). Dedico-me essencialmente ao estudo da estabilidade de fundações de eólicas, à previsão de fenómenos extremos e ao dimensionamento de sistemas de proteção para fundações. Vou tentando que a subunidade “Offshore Structures and Foundations” do Marine Energy Group se dedique também a outros domínios que são de relevo para o futuro, como a aquacultura offshore, a co-localização de aproveitamentos de energia do mar ou o desenvolvimento de ferramentas para a resolução de problemas da Engenharia Civil e da Hidráulica Marítima. Os nossos investigadores, a par com as equipas de coordenação do CIIMAR e do DEC, têm feito um esforço grande para que as nossas atividades não se executem de forma isolada, mas sempre em parceria porque isso permite-nos ter outro tipo de resultados.

Como vê a aposta no estudo da Ciência e da Hidráulica Marítima?

Existe mais consciência em relação à importância dos recursos que nos rodeiam e sustentam?

No que diz respeito à minha área de investigação, que é de resto transversal a outras linhas de pesquisa na Engenharia Civil, há ainda muito a ser feito. No caso das energias renováveis marinhas, e por inerência das eólicas offshore, a consciência do público português tem vindo a aumentar no que toca a reconhecer a importância do setor. A FEUP é um bom exemplo do ótimo trabalho que permite esse reconhecimento, ainda que o atual contexto internacional também chame a atenção para a necessidade de se investir neste setor, desenvolvendo mais e melhor know-how. Talvez as pessoas não tenham essa perceção, mas nesta matéria temos dos grupos mais produtivos do mundo, não só em termos de publicações científicas produzidas por investigador, mas também no contacto com empresas internacionais desta área. Neste momento, a nossa equipa já realizou projetos de consultoria avançada para países como a Bélgica, a França ou Dinamarca e está agora a entrar em realidades muito competiti- vas como a dos Estados Unidos e Austrália, só para referir alguns exemplos. Do ponto de vista académico, temos vindo a destacar-nos com a atribuição de prémios. Acho que as diferentes classes da sociedade percebem a importância da investigação aplicada ao estudo das ciências do mar e da hidráulica marítima, principalmente à luz dos eventos geopolíticos mais recentes, na Europa e noutros palcos geográficos. No entanto, os nossos recursos são limitados, e por isso lidamos com dificuldades que são habituais em muitas áreas da investigação, como a falta de recursos humanos, de verbas, o excesso de burocracia associado às mais variadas vertentes do nosso trabalho. Estas lacunas não são novidade. Acho que o importante é focarmo-nos em tomar as melhores decisões possíveis para o futuro e lutar por condições que nos permitam aproveitar estes recursos naturais. Há que saber aproveitar as oportunidades já anunciadas para as energias marinhas, na aquacultura, na sustentabilidade de infraestruturas portuárias e noutras componentes da Economia do Mar. Só assim se cria a imagem de setores com vitalidade que atraem os mais jovens, as empresas e contribuem gerando riqueza efetiva. Temos equipas de investigação e empresas a prestar serviços e a trazer valor acrescentado para o estrangeiro, nomeadamente, para o norte da Europa. Se o fazem lá, certamente o podem fazer cá. É preciso lutar por uma Economia do Mar que vá além da pesca e do turismo, pese embora a importância destes.

Recentemente, tornou-se Professor Auxiliar no DEC. Como se pode fixar talento académico nesta área?

A Engenharia Civil tem vindo a enfrentar alguns “rótulos” que são um pouco injustos e que por vezes afastam os talentos desta área. Basta olhar para qualquer grande infraestrutura, obra ou empreendimento e rapidamente nos apercebemos que surge um coro de vozes a propósito dos impactos ambientais e da sustentabilidade. Nos domínios da Hidráulica, temas como as barragens, a energia hídrica e as estruturas de proteção costeira são sistematicamente conotados com alguma carga negativa. No entanto, acho que estes estigmas não poderiam estar mais desajustados da realidade. Repare-se que hoje não damos um passo na Engenharia Civil em que não tenhamos presente a necessidade de preservar o ambiente, as espécies e a necessidade de executar as coisas com responsabilidade. Temos vindo a fazer um caminho de desmistificação destes rótulos. É um processo difícil e demorado, mas penso que a sociedade está a perceber, a seu ritmo, que os Engenheiros Civis e a investigação neste domínio é crucial para a criação de um futuro que se pretende sustentável. Já a fixação de talentos académicos, em qualquer área, acontece quando se valorizam as pessoas. Isso passa por lhes dar condições de trabalho, em temáticas científicas de relevo e com impacto na malha social e empresarial, assim como procurar mais e melhor financiamento para investigação, proveniente das empresas e não apenas da FCT ou outras entidades semelhantes. Esse esforço tem vindo a ser feito na FEUP, mas claro que ainda há margem para evoluir e nós estamos cá para isso.

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