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a viver a crédito do Planeta e das próximas gerações”

O caminho para a sustentabilidade pode ser sinuoso, mas as cartas já estão lançadas. A Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP) lançou no início do ano um projeto inédito de educação para o desenvolvimento sustentável - o EDS@FEUP.

Sensibilizar para a necessidade de adotar ferramentas e comportamentos que possam contribuir para um futuro comunitário assente em estratégias de sustentabilidade é o principal objetivo do EDS@FEUP.

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A aposta na formação de docentes, a integração da Educação para o Desenvolvimento Sustentável em unidades curriculares selecionadas e a promoção de ações de caráter transversal são alguns dos diferentes eixos que vão nortear o projeto.

Jorge Moreira da Silva, antigo Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, foi convidado a integrar este projeto que representa uma viragem na forma como se pretende educar os jovens estudantes da FEUP para as questões relacionadas com a sustentabilidade.

Na sua opinião, pode a sustentabilidade ser a chave para a resolução de desafios à escala global? De que forma?

O nosso modelo de desenvolvimento não é viável, nem é sustentável. A falta de ambição na resposta a desafios globais demonstra que estamos a viver a crédito do Planeta e das próximas gerações e que é urgente reabilitar o direito ao futuro.

O conceito de desenvolvimento sustentável – assente no tripé económico, social e ambiental e nos princípios de solidariedade intergeracional e de cooperação internacional – é aquele que mais se adequa à resolução dos grandes desafios globais e aos constrangimentos estruturais nacionais. A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, assente em 17 objetivos - universais, interdependentes e ambiciosos -, traduz uma matriz que deve orientar todas as políticas internacionais e nacionais, assim como as opções empresariais e as escolhas individuais. E se isso já era verdade no momento da sua aprovação em 2015, hoje revela-se verdadeiramente incontornável. No atual contexto de policrises – alterações climáticas, perda de biodiversidade, pandemia, inflação e guerra na Ucrânia – tornou-se ainda mais notória a natureza multidimensional dos desafios e ainda mais visível a interdependência entre todos os países.

Associa-se o desenvolvimento sustentável à dimensão ambiental, mas vai além disso. O que fazer para mudar este paradigma, sobretudo nas camadas jovens?

É um erro associar a sustentabilidade apenas às questões ambientais. Precisamos de um modelo de desenvolvimento que concilie os objetivos económicos, ambientais e sociais. Precisamos de modelos de desenvolvimento económico e opções empresariais que evoluam da utilização intensiva de recursos naturais para a circularidade e para a eficiência; da produção e utilização de recursos fósseis para as energias renováveis e para a descarbonização; da mão de obra precária, com baixos rendimentos e pouco qualificada para a capacitação e valorização plena do capital humano; das desigualdades, entre homens e mulheres, no acesso ao trabalho e na remuneração salarial para uma verdadeira igualdade de oportunidades e para a conciliação entre trabalho e vida familiar; da poluição e destruição de biodiversidade para a remuneração dos serviços dos ecossistemas e valorização do capital natural. Hoje, os mais jovens estão fortemente alinhados com a agenda ambiental, mas existe ainda muito trabalho a fazer na mobilização para uma agenda mais abrangente de desenvolvimento sustentável, nomeadamente, no domínio social.

Falta proatividade à educação neste campo?

Os maiores desafios que hoje se colocam a nível nacional e internacional só podem ser ultrapassados com uma enorme aposta no conhecimento, na formação, na inovação e na tecnologia. O papel das instituições de ensino superior é, pois, crucial na promoção de um modelo de crescimento e de desenvolvimento sustentável.

Acredito, sinceramente, que a FEUP tem condições para assumir um papel internacional e nacional, ainda mais relevante nos temas do desenvolvimento sustentável, da revolução energética, da transição climática e da valorização do capital natural.

De que forma a política deve influenciar as tomadas de decisão relacionadas com a sustentabilidade?

São os cidadãos e as empresas que materializam a mudança dos padrões de consumo e produção na direção da sustentabilidade. Mas os governos têm um papel determinante na definição de políticas que assegurem a salvaguarda dos direitos sociais e a internalização de todas as externalidades ambientais nos processos e produtos, na monitorização e avaliação das estratégias e políticas de desenvolvimento sustentável e nos mecanismos de financiamento.

Sendo impossível referir-me a todas estas dimensões das políticas públicas, permita-me que sublinhe o papel dos governos na criação de condições para que o investimento privado seja cada vez mais orientado para os desafios da sustentabilidade. Estamos perante uma enorme oportunidade de crescimento sustentável. As medidas de descarbonização na área da energia, exigindo 5 biliões de dólares por ano, podem gerar um adicional de 4% no PIB mundial até 2030 e quadruplicar o número de postos de trabalho na área das renováveis. Ora, à medida que o enquadramento regulatório avança (nomeadamente com a recente aprovação da taxonomia europeia para finanças sustentáveis e as normas da OCDE para blended finance e investimento de impacto), são crescentes os sinais de maior envolvimento do sistema financeiro na agenda do desenvolvimento sustentável. As tendências são muito positivas: em 2021, o volume de finanças sustentáveis (seguindo os padrões ESG) atingiu 35 biliões de dólares, o investimento de impacto atingiu 1.2 biliões de dólares e as obrigações verdes atingiram 600 mil milhões de dólares.

Portugal não se pode limitar a encarar as oportunidades do investimento sustentável na sua vertente pública ou comunitária (designadamente, via PRR); é crucial criar condições para atrair investimento privado associado ao ESG, investimento de impacto e obrigações verdes.

Se pudesse implementar uma ou duas medidas para salvar o planeta, quais seriam?

O nosso maior desafio ambiental, mas também social e económico, é o combate às alterações climáticas. O cumprimento e reforço do Acordo de Paris é a última oportunidade de que dispomos para enfrentar a mudança climática. Mas é também a nossa melhor oportunidade para relançar o crescimento e criar emprego.

Apesar dos progressos, estamos muito aquém do necessário. Em primeiro lugar, existe uma notória incoerência entre a ambição necessária para atingir o objetivo de limitar o aumento da temperatura a 1,5⁰C e os compromissos de redução das emissões apresentados pelos quase 200 países signatários do Acordo de Paris (o que na prática nos coloca numa trajetória de aumento da temperatura 2,6⁰C). Logo, é urgente rever as metas nacionais em 2023.

Em segundo lugar, existe uma notória incoerência entre os anúncios de neutralidade carbónica para 2050, por parte de mais de uma centena de governos, e a ausência de políticas consistentes de redução das emissões nos próximos oito anos. Os países comprometeram-se em reduzir as emissões em 45% até 2030, mas o somatório das diversas metas nacionais aponta para uma redução de apenas 5%.

Exemplos de ações que considere um verdadeiro exemplo de compromisso para com as políticas de sustentabilidade?

Este é o momento de avançar para a concretização de um menu de políticas climáticas que é conhecido há muito tempo e que tarda, em muitos países, por falta de coragem: rever as metas de redução das emissões para níveis mais exigentes e compatíveis com o objetivo de limite do aumento da temperatura a 1,5⁰C; eliminar os subsídios aos combustíveis fósseis (que recebem cinco vezes mais apoios do que as energias renováveis); avançar para novas medidas de fiscalidade verde (seja penalizando atividades e comportamentos insustentáveis através de taxas de carbono, seja atribuindo incentivos fiscais que remunerem a sustentabilidade).

Nota Biográfica

Jorge Moreira da Silva é Professor Catedrático Convidado da FEUP. Foi Diretor da Cooperação para o Desenvolvimento da OCDE; Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia; Gestor do Programa Global de Financiamento à Energia e às Alterações Climáticas do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP); Consultor do Presidente da República nas áreas da Ciência e Ambiente; Secretário de Estado do Ambiente e do Ordenamento do Território; Secretário de Estado da Ciência e do Ensino Superior; Deputado; Eurodeputado (e relator permanente do Parlamento Europeu para as Alterações Climáticas).

É licenciado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores (área de Energia) pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, com uma pós-graduação em Alta Direção de Empresas pela AESE/IESE Business School da Universidade de Navarra.

É essencial promover a interligação, à escala global, de vários sistemas de comércio de emissões (inspirados no sistema europeu que vigora desde 2005); reforçar as interligações energéticas na União Europeia; assegurar, já nesta década, 100% de eletricidade renovável, erradicando o uso de carvão, massificando a utilização das energias renováveis tecnologicamente maduras e avançando para uma nova geração de tecnologias renováveis.

O futuro passa por acelerar a transição para a mobilidade elétrica e interditando a venda de novos veículos a combustão a partir de 2025; por aumentar a eficiência energética e hídrica nos edifícios e promover a reabilitação urbana em detrimento da nova construção; introduzir mais restrições à entrada e circulação de automóveis nas cidades, atribuindo as receitas de eventuais portagens ao financiamento dos transportes públicos, cuja rede, qualidade e interoperabilidade tem de ser reforçada; utilizar plenamente o potencial da inteligência artificial e do big data, para impulsionar a inteligência e sustentabilidade das cidades; investir na resiliência dos territórios e em medidas de adaptação às alterações climáticas; remunerar os serviços dos ecossistemas e o valor da floresta enquanto sumidouro de carbono.

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