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“A FEUP vai progressivamente fazendo cidade”

Paulo Pinho é um dos principais especialistas portugueses em mobilidade urbana e há 20 anos foi o responsável pela coordenação do Plano de Expansão do Metro do Porto, “projeto de investigação aplicada” que veio revolucionar para sempre a área metropolitana do Porto. A seu cargo teve ainda os Planos Regionais de Ordenamento do Território dos Açores e da Madeira, vários Planos Diretores Municipais e o Plano de Mobilidade e Transportes de Matosinhos. É o fundador do CITTA - Centro de Investigação do Território, Transportes e Ambiente - que coordenou até 2022.

Há 23 anos a FEUP mudou-se para o campus da Asprela, à época o maior edifício público construído em Portugal. O que representou em termos urbanísticos e da mobilidade esta obra?

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Devo dizer que, em contraste com o entusiasmo da maioria dos meus colegas, acompanhei o desenvolvimento do projeto da nova Faculdade com alguma preocupação inicial. Esta preocupação não tinha a ver com a solução arquitetónica que os arquitetos Pedro Ramalho e Luís Ramalho desenvolveram, e que deram origem a um notável conjunto edificado que, 20 anos passados, mantém a sua qualidade, funcionalidade e intemporalidade. Se, por um lado, enquanto docente da casa, sentia que as condições de trabalho iriam melhorar bastante, como se veio a verificar com o agrado de todos, por outro, sabia que iria deixar o centro da cidade para trás, centro esse que, já então, dava sinais de algum declínio, que veio a agravar-se nos anos seguintes. Vivi em Glasgow entre 1981 e 1985, para prosseguir a especialização e o doutoramento na área do Planeamento Urbano, e tive a oportunidade de vivenciar os profundos efeitos do declínio central das cidades que se seguiram aos anos 60 de prosperidade e expansão, de que Glasgow, na Europa, era um dos exemplos mais paradigmáticos.

Só que as cidades são entidades vivas, sempre em transformação, e aos tempos de declínio sucederam-se, numa primeira fase, e em reação, um tempo de forte investimento público na reabilitação urbana e, logo a seguir, um período de enorme efervescência imobiliária na reabilitação dos edifícios degradados e vazios da cidade, em grande medida associado, e como resposta, ao êxito do Porto como destino turístico. E com o sucesso turístico se resolveram velhos problemas, e se criaram, (in)evitavelmente, outros novos.

A esta distância, devo relativizar as minhas preocupações iniciais, e reconhecer, com satisfação, que a passagem da FEUP para a Asprela, sob a liderança competente e empenhada do Prof. Marques dos Santos, então Diretor da FEUP, trouxe uma nova vida à Faculdade e contribuiu decisivamente para o seu desenvolvimento, prestígio e afirmação nacional e internacional. Até a cidade veio a perdoar a deslocalização da FEUP e se tem vindo a aproximar. Em sinal de retribuição, a FEUP vai progressivamente fazendo cidade, à medida que à sua volta o Campus se vai desenvolvendo e consolidando.

Esteve desde o início ligado à criação de ciclos de estudo nas áreas de planeamento do território e projeto urbano. O que o motivou a colocar estas áreas “no mapa” da educação em engenharia?

Creio que está a referir-se aos cursos de Mestrado e

Doutoramento na área do Planeamento, uma vez que a especialização em Planeamento Territorial, fundada pelo Prof. Valente de Oliveira no âmbito do curso de Engenharia Civil, já vem dos anos 70 (o ano de 2022 assinala 50 anos).

Começando pelo curso de Mestrado, inicialmente designado de Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano (corresponde ao atual Mestrado em Planeamento e Projeto Urbano), tratou-se de uma iniciativa conjunta da FEUP e da FAUP, sendo do lado desta, impulsionada pelos Profs. Nuno Portas e Fernandes de Sá, e do nosso lado, por mim e pela Profª. Isabel Vazquez. O curso dirigia-se maioritariamente aos nossos estudantes de licenciatura em engenharia e arquitetura, recebendo também estudantes com outras formações. Em meados dos anos 90, começaram-se a formar os primeiros mestres em Planeamento Urbano. O sucesso foi imediato. O curso ia abrindo portas no mercado de trabalho, ou permitindo a progressão no emprego, nomeadamente nas autarquias locais.

Todos os anos o curso tinha (e ainda tem, agora sob a direção do Prof. Brandão Alves) muito mais candidatos que lugares a oferecer. Ao longo da última década, o número de estudantes estrangeiros aumentou rapidamente, estando atualmente, em larga maioria, gerando um ambiente de ensino e aprendizagem particularmente estimulante e desafiador. E apraz-me registar, que embora a FEUP e a FAUP tenham culturas e formas de estar e de ensinar/aprender muito distintas, a parceria entre estas escolas se tem mantido ao longo dos anos em moldes muito semelhantes aos inicialmente acordados.

A criação do Programa Doutoral em Planeamento do Território (PDPT) culmina a formação nesta área científica na FEUP, que assim se reparte pelos três ciclos dos estudos universitários. Há muito que se vinha a sentir a necessidade de criação de um programa doutoral exclusivamente dedicado ao Planeamento Territorial e a iniciativa da sua criação em 2012/13 foi e continua a ser inédita no panorama do ensino superior universitário em Portugal. Os trabalhos preparatórios de conceção e organização contaram com a colaboração da Prof.ª Isabel Vazquez, e do Prof. Paulo Conceição, a que veio juntar-se depois a FCTUC pela mão do Prof. António Pais Antunes, com quem vínhamos a negociar o alargamento do CITTA aos investigadores da área dos Transportes e do Planeamento da Universidade de Coimbra.

O que impulsionou a criação do CITTA e que conhecimento multidisciplinar é que veio trazer?

Devo confessar que das diversas iniciativas que tenho liderado ou participado na FEUP, a criação do CITTA foi, talvez, a mais desafiante e apaixonante para mim. A ideia começa a tomar forma logo a seguir à nossa passagem para a Asprela. Não eram só as maiores e melhores condições de trabalho que passamos a ter que suscitavam o abraço de novos desafios, era também a perceção que a FEUP estava a mudar e, na verdade, todo o sistema de investigação em Portugal com o impulso decisivo do então Ministro Mariano Gago.

Tornava-se claro, pelo menos para alguns de nós, que o futuro da universidade portuguesa dependia do modo como progredissem e se afirmassem internacionalmente as suas atividades de investigação, uma vez que, na maioria dos casos e certamente na FEUP, o desafio do ensino de qualidade há muito que estava ganho, como era aliás amplamente reconhecido, quer no plano nacional quer no internacional.

No início da década de 2000, a investigação no DEC era organizada em torno de um único centro de investigação, o CEDEC, que congregava todas as áreas de especialização da engenharia civil; estruturas, construções, materiais, geotecnia, hidráulica, vias de comunicação e planeamento. No processo de avaliação da FCT que se seguiu, salvo erro em 2002 ou 2003, o painel de avaliadores externos criticou a excessiva heterogeneidade das áreas científicas e recomendou a sua subdivisão de forma a salvaguardar uma maior coerência interna, em termos das áreas de investigação nucleares. Surgiu assim o CITTA, na altura com apenas cinco investigadores doutorados, agregando as áreas do Planeamento do Território e das Vias de Comunicação. Os primeiros anos não foram fáceis para o novo Centro e tivemos que rapidamente virar-nos para as candidaturas aos fundos europeus que iam dando os seus frutos, ao ponto de sermos contactados por colegas da FCTUC que nos propuseram a sua integração no CITTA. A reorgani- zação que se sucedeu, representou uma verdadeira refundação do CITTA, agora com dois polos, no Porto e em Coimbra, a reforçar os seus laços internacionais e a sua investigação de cariz multidisciplinar. Neste processo de desenvolvimento, ultrapassamos os 100 investigadores integrados, 50% dos quais com doutoramento, atingindo a classificação de Excelente na última avaliação da FCT.

O que espera da FEUP daqui a 20 anos?

Em Planeamento costumamos dizer que o futuro não se prevê, prepara-se! E para preparar o futuro da FEUP, os seus diversos corpos têm sabido escolher as sucessivas lideranças, de que a recente eleição do Prof. Rui Calçada é mais um bom exemplo. Se há coisa que muito prezo na FEUP é o espírito critico, aberto e frontal, mas igualmente de profundo respeito pelas diferenças de opinião. Tal característica alimenta um ambiente saudável e intelectualmente estimulante que impregna a forma de ser e de estar da FEUP, num aparente desprendimento à casa que somos. Certamente que iremos continuar a saber ensinar, investigar e influenciar as políticas públicas, mas cada vez mais se exige saber “ensinar para aprender”, “ensinar para investigar” e para exercer os direitos e deveres de cidadania ativa.

Com a aceleração da história, das ideias e do conhecimento científico, este tem vindo a banalizar-se, à medida que as formas de acesso se multiplicam, se facilitam e se generalizam. Como é bem sabido, o grande desafio que se coloca no futuro ao processo de ensino/aprendizagem é dotar os estudantes de capacidades e competências, profissionais e (inter) pessoais, mas também intemporais e interritoriais. Por outras palavras, capazes de formar engenheiros, com a capacidade de se adaptarem aos mais diversos contextos, formas e estilos de trabalho, garantindo, em simultâneo, que onde quer que estejam, sejam capazes de coordenar e liderar equipas multidisciplinares e multiculturais, sem perder de vista a dimensão social e ambiental da atividade que exercem.

Tal como o CITTA, os projetos de grandes dimensões, como o desafio de planear a expansão do Metro do Porto, são trabalhos de equipa, em que o rigor do diagnóstico, a fundamentação técnica e científica da estratégia de atuação, e a pertinência das propostas finais, espelha a qualidade da equipa de trabalho que está por trás. Embora se tratasse de uma encomenda à FEUP de natureza profissional, encarámos este trabalho como um verdadeiro projeto de investigação aplicada. Tínhamos consciência da sua importância para a cidade e para toda a Área Metropolitana do Porto (AMP), e estávamos seguros de que possuíamos o know-how nas várias valências e áreas de competência que deveriam concorrer para que a obra viesse a ter efetivas consequências e deixasse uma marca nos investimentos subsequentes na expansão da rede.

As expectativas da Direção da Metro e da Junta Metropolitana apontavam para a extensão das linhas existentes sobre novos territórios mais periféricos e, dessa forma, os municípios da AMP ainda não servidos. Em 2006, à medida que o trabalho ia avançando, tornava-se claro que a expansão da rede teria de inverter a estratégia seguida na primeira fase de investimentos e que resultou numa rede radial composta por dois eixos, um Norte-Sul, que servia a Asprela, e o outro Este-Oeste, concentrando várias linhas cujas pontas se abriam em várias direções. Com efeito, toda a evidência científica mostrava que o sucesso de uma rede de metro está profundamente ligado ao modo como ela se insere no território, privilegiando as áreas de maior densidade de pessoas, empregos e serviços, e os trajetos que correspondem às efetivas necessidades de deslocação das pessoas. Por outro lado, era preciso atender à natureza genuinamente policêntrica da Área Metropolitana do Porto e à constituição de uma verdadeira estrutura reticular que permitisse introduzir a flexibilidade de movimentos que a rede inicial não permitia.

Fácil será concluir que entre a visão técnica, alicerçada na evidência científica, e a visão política, influenciada pelas estruturas de decisão da Metro do Porto e da Junta Metropolitana, se desenhava um espaço de divergência que importava encurtar num processo de diálogo e convergência que veio a acontecer e a ser transposto para um Memorandum de Entendimento assinado com o governo. Infelizmente estávamos então perto da profunda crise económica que o país atravessou entre 2011 e 2015, e que resultou no adiamento dos investimentos na expansão do Metro do Porto. Mais recentemente, e em boa hora, os investimentos vieram a ser retomados, e com um novo impulso, pese embora todos os transtornos que têm causado e que irão ainda causar nas frentes de obra espalhadas pela cidade.

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