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Para Paloma e Fernanda
Indo para o cinema. Expressão que pode ter mais de um significado. Registra uma frase que repeti muitas vezes ao longo da vida. Mas, pode ser também indicadora de um caminho a explorar. Alguns já o fizeram. Outros gostariam de fazê-lo. Qualquer que seja o significado do título desse livro, o leitor escolherá aquele que lhe soar melhor. 4
Mas, além do significado, o título aponta para um momento particular em minha vida. Escolhi registrá-lo nessa forma de livro de bolso.
Curitiba, maio de 2013.
Fernando Gimenez
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No escurinho 6
da sala de cinema mundo s贸 meu.
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DEZ REAIS
SUMÁRIO
Dez reais Solidão e esperança em Medianeras de Gustavo Taretto O Sudoeste: Poesia em preto e branco/ branco e preto em poesia Haikais 8
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Agenor é professor aposentado. Ensinava literatura brasileira no ensino médio. Aos sessenta anos, mora sozinho em uma quitinete na Rua Riachuelo em Curitiba. Tem uma coleção de livros de bolso. Freguês assíduo do pequeno comércio em torno do Passeio Público, com só dez reais no bolso, quer gastá-los bem. Quem ficará com os dez reais: o engraxate, o açougueiro, o livreiro ou o garçom? Dalton é quem sabe.
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CENA 1
CENA 2
INTERIOR QUITINETE MANHÃ 10 HORAS
INTERIOR FARMÁCIA DE DUAS PORTAS MEIO DIA
Agenor toma café com leite.
Balança antiga com mostrador grande.
Pequena mesa com dois banquinhos, ao lado de um sofá velho com três lugares. Travesseiro, lençol e coberta desfeitos sobre o sofá. Criado mudo com luminária antiga e alguns livros esparramados. Um livro entreaberto no chão, perto de onde está o travesseiro. Som de televisão com noticiário local. Não há portaretratos. Paredes nuas, mas em uma delas há estantes com centenas de livros de bolsos.
Agenor sobe na balança. Confere seu peso. Desce. Vai até o balcão. Moça com guarda-pó branco, sorridente, atrás do balcão, dirige a ele.
Travelling de 270º a partir de Agenor, mostrando móveis e paredes parando nas estantes dos livros. Zoom em livro de Dalton Trevisan: 111 ais. Ao lado placa de homenagem com os seguintes dizeres:
Ao nosso professor de literatura brasileira, Agenor de Assis Machado, uma homenagem da turma 2010, Ensino Médio, Colégio Estadual Olavo Bilac. Agenor coloca xícara, pires, garfo e faca na pia e margarina na geladeira. Café solúvel e adoçante vão para pequeno móvel com uma gaveta e porta, branco, onde ficam mantimentos, ao lado de uma geladeira tipo frigobar, branca e amarelada do tempo. Em cima da geladeira, fruteira de vime com bananas, laranja e limões. Agenor sai de casa.
FARMACÊUTICA Bom dia. Em que posso ajudar? 11
AGENOR Bom dia. Tem genérico de Viagra?
FARMACÊUTICA De 20 ou 50 miligramas?
AGENOR 50. Caixa com quatro. Dá para um mês. Um por semana.
Farmacêutica sorri.
FARMACÊUTICA Vai pagar no dinheiro ou cartão?
AGENOR Com cartão. Tem desconto para aposentado?
FARMACÊUTICA Não, mas posso parcelar em duas vezes.
AGENOR Tá bom. 12
Ruídos de carros trafegando, buzinas e som de ambulância distante. Reflexos dos pedestres, apressados, nas vitrines da farmácia, por trás de Agenor quando este fala.
CENA 3 EXTERNA PORTA DE PEQUENA SAPATARIA 13 HORAS Sapateiro sentado em banqueta na porta da sapataria, barrigudo, barbudo e cabeludo, tipo papai Noel, mas de cabelos ruivos, macacão cinza sujo de graxa, palito de dente na boca. Interior da sapataria com estante com vários embrulhos. Placa informando: Serviços não retirados em 30 dias serão doados para o Lar dos Velhinhos.
AGENOR Tenho dois pares para engraxar. Quanto você cobra? SAPATEIRO Cinco reais cada.
AGENOR Puxa! Tá caro!
SAPATEIRO Tá caro não. O senhor que ganha pouco.
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CENA 4
CENA 5
EXTERNA PASSEIO PÚBLICO 14h00
EXTERNA PASSEIO PÚBLICO 14h10
AGENOR Quanto é a pipoca?
PROSTITUTA Vamos até a torre que faço oral em você.
PIPOQUEIRO Quatro reais. Quer doce ou salgada?
AGENOR Só uma chupeta?
AGENOR Salgada. Sou diabético.
PROSTITUTA Por delão você quer mais o que?
Agenor tira dinheiro do bolso da calça. Uma nota de dez e duas de dois reais. Pega saquinho de pipoca. Dá dinheiro para o pipoqueiro. Guarda os dez reais no bolso da camisa. Olha para a direita. Câmara subjetiva. Mulher de minissaia vermelha, botas pretas até os joelhos. Loura, batom vermelho forte, blusa branca de botões entreabertos. Seios fartos à mostra em sutiã vermelho. Som de pedestres conversando, crianças brincando e das aves do passeio público
AGENOR Com dez reais dá pra engraxar dois pares de sapato.
Agenor dá as costas para a prostituta e sai andando devagar. Passa casal de jovens fazendo jogging.
PROSTITUTA (off) Velho maluco.
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CENA 6 INTERIOR AÇOUGUE 15h00 Grande espelho atrás do balcão frigorífico, encostado na parede e pendurado no teto com leve inclinação. Manchas revelam que espelho já é bem velho. Reflete carnes dentro do balcão e parte da calçada. OSVALDO Fala seu Agenor.
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AGENOR Tudo bem Osvaldo? OSVALDO Tranquilo. O que vai ser hoje? AGENOR Os três bifes de sempre. OSVALDO Coxão mole ou patinho?
AGENOR Patinho, né Osvaldo! Mais barato. Açougueiro amola faca. Corta os três bifes. Câmara lenta e close no último corte. OSVALDO Que mais? AGENOR Por hoje é só. Osvaldo entrega o pacote OSVALDO Dez reais seu Agenor. Agenor põe a mão no bolso para pegar o dinheiro, mas hesita e se dirige a Osvaldo. AGENOR Osvaldo, posso pagar no sábado? OSVALDO Tudo bem. No sábado o senhor acerta.
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CENA 7 INTERIOR SEBO 15h30 CAPITU (Morena, pele clara, duas tranças, óculos redondos, aro escuro, uniforme de colegial, meias trêsquartos brancas, saia plissada azul marinho até o joelho e camisa branca) Boa tarde professor.
AGENOR Oi Capitu, tem alguma coisa para mim? 18
CAPITU O Dalton que o senhor procurava.
AGENOR A gorda do Tikri bar?
CAPITU Esse mesmo, quase novo.
AGENOR Quanto?
CAPITU Dez reais também. Mesmo preço do último.
Agenor põe a mão no bolso para pegar o dinheiro, mas hesita. Olhando para Capitu.
AGENOR Vou levar. Posso pagar depois?
CAPITU Claro professor.
Capitu se vira de costas e aproxima-se da estante. Pega livro que estava separado dos demais.
Música: Maria Bethânia cantando Roberto Carlos.
Agenor olha para as pernas de Capitu. Capitu ser vira e entrega livro. Agenor se mostra meio envergonhado, sem jeito.
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CENA 8 INTERIOR TIKRI BAR 16h00 Agenor entra no Tikri bar. (Ambiente em penumbra, mas não muito escuro. Balcão de lanchonete à direita com cinco bancos altos. Luzes vermelhas ao fundo indicam a existência de um espaço de salão maior, mais escuro. Mesas e cadeiras de plástico no salão da frente. Esta parte iluminada por luz amarela um pouco fraca. Mulher negra, bem gorda, sentada em um dos bancos junto ao balcão. Fuma. Não há outros clientes. Acompanha em voz baixa bolero cantado por Alcione). 20
Agenor senta-se em mesa perto da saída para a calçada. Há mais duas cadeiras além da que ocupa. Coloca o livro sobre a mesa.
AGENOR Uma cerveja Dorival. Não esquece o amendoinzinho.
Câmara mostra livro sobre a mesa
AGENOR Acabei de comprar
DORIVAL Ontem vi ele no Passeio Público.
AGENOR Devia estar atrás de inspiração.
Agenor pega caixa de remédios do bolso. Abre e tira um comprimido. Toma com um copo de cerveja. De um gole só. Enche o copo novamente. Começa a ler. Relógio marca 4 horas. Dorival e gorda conversam no balcão. Ele do lado de dentro. Não se ouve o que dizem. Música: Alcione canta outro bolero.
Dorival se aproxima da mesa. Cerveja, porção de amendoim japonês e um copo nas mãos. Abre e serve.
DORIVAL Dalton Trevisan de novo?
AGENOR (off) Dorival, traz mais uma.
Câmara em Agenor. Continua lendo.
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DORIVAL (off) Tá na mão.
Dorival traz a cerveja e abre. Agenor olhando em direção à bunda da mulher no balcão. Close na bunda gorda que sobra no assento do banco. Imóvel.
AGENOR Às vezes fico em dúvida. Isso é vida mesmo? 22
Close na bunda da gorda que se movimenta ajeitando-a no banco.
Mesa com duas garrafas vazias, copo com um dedo de cerveja, poucos amendoins no pratinho. Relógio marca cinco horas. Agenor fecha o livro. Dorival apresenta a conta. DORIVAL Dez reais. Vai pendurar? AGENOR Sim. DORIVAL Deixo anotado então.
AGENOR (off) Ou só estamos na mente do escriba?
AGENOR Estou só com dez reais e tenho que terminar um negócio no Passeio Público.
DORIVAL Não entendi seu Agenor.
DORIVAL Sem problemas. Outro dia o senhor paga.
AGENOR (Cara de tédio) Deixa pra lá.
AGENOR Já tomei o azulzinho hoje. O Dalton vai gostar.
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DORIVAL (Cara de espanto) Não entendi seu Agenor.
AGENOR Deixa pra lá. Até mais ver.
DORIVAL Inté seu Agenor.
SOLIDÃO E ESPERANÇA EM MEDIANERAS DE GUSTAVO TARETTO
Agenor caminha em direção à calçada. Vira à direita. 24
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Câmara mostra Portal do Passeio Público em plano geral. Câmara sobe dos pés de Agenor até seu rosto. Em movimento, se afastando, enquanto Agenor caminha. Distância relativa se mantém. Plano médio de Agenor. Agenor sorri e pisca para a câmara. Fade out.
A WEB, além de ser um avanço tecnológico do qual o cinema se apropria, tem sido também objeto presente na narrativa fílmica, caracterizando uma tendência do cinema contemporâneo. As redes sociais e os diferentes mecanismos de interconectividade permitidos pela web foram incorporados na trama de alguns filmes.
Por exemplo, Mensagem para você, dirigido por Nora Ephron e lançado em 1999, é um filme no qual os dois personagens principais vividos por Meg Ryan e Tom Hanks se conhecem primeiro por meio da troca de mensagens pela WEB. Outro filme, mais recente que tem a WEB como parte integrante da narrativa é Rede Social que conta a história da criação do Facebook. Esse filme foi lançado em 2010 com direção de David Fincher.
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Buenos Aires? Medianeras (Paredes laterais). O mesmo que os separa é o mesmo que os une. (www.medianeras.com/historia.php). O próprio diretor relata que Medianeras resultou de um conjunto de ideias que surgiram de suas observações e curiosidade por entender Buenos Aires e aos que vivem nestes dias. Para ele, Medianeras é uma fábula urbana, uma construção artificial e graciosa sobre a vida moderna.
Em 2011, Medianeras de Gustavo Taretto retorna ao uso da WEB como meio de conexão entre um homem e uma mulher jovens e solitários. Com uma estrutura narrativa muito parecida com a de Mensagem para Você, o filme de Taretto tem um ritmo mais acelerado e espirito crítico que o tornam muito superior ao de Nora Ephron que se caracteriza basicamente como uma comédia romântica.
Com uma forte relação com a arquitetura, segundo Taretto, o filme foi construído em quatro pilares.
O filme de Gustavo Taretto, lançado no Brasil em 2011, foi chamado de Medianeras: Buenos Aires na época do amor virtual. Estrelado por Javier Drolas e Pilar López de Ayala, Martin e Mariana, respectivamente o filme se passa em Buenos Aires e retrata o cotidiano solitário de dois jovens que não se conhecem, mas se comunicam pela WEB. A sinopse do filme conta:
O segundo pilar é composto pela solidão urbana e neurose coletiva. Pessoas que convivem em prédios, no entanto, sentem-se sozinhas. Pessoas indiferentes com as demais que lotam um vagão de metrô. São fonte de inquietação uns para os outros.
Martin é um fóbico que está em vias de recuperação. Aos poucos vai saindo de sua reclusão em uma quitinete e abandonando seu vício pelo mundo virtual. Mariana, recém-separada, tem a cabeça tão bagunçada quanto o apartamento em que se refugia. Deveriam conhecer-se ou não? Como podem ser encontrar em uma cidade superpovoada e caótica como
O primeiro pilar é uma reflexão sobre a Buenos Aires que vai sendo construída pelos seus habitantes de forma caótica, imprevisível, contraditória, luminosa, empobrecida, hostil, mas ainda assim atraente.
O terceiro pilar, segundo Taretto, trata da incomunicabilidade. Apesar de tanta tecnologia cujo objetivo é nos conectar, mas falham nesse objetivo. As pessoas preferem fazer pedidos de entregas ao telefone ao invés de se reunir com amigos. Nossa vida é uma armadilha da modernidade que nos deixa cômodos e isolados. Por fim, o quarto pilar é o dos encontros e desencontros. Para Taretto, é a busca do amor que é custoso de
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encontrar. É difícil encontrar a peça que se encaixe de modo a permitir que a vida se complete e funcione (www.medianeiras.com/hisória.php). Nessa arquitetura baseada em quatro pilares, Taretto faz bom uso do espaço-tempo cinematográfico. O filme começa com uma narração superposta a uma série de fotografias de Buenos Aires. A história é narrada, após a apresentação das duas personagens centrais, em três momentos, baseados em estações do ano: um outono curto, um inverno longo, e a primavera enfim. O filme trata de forma bem humorada e delicada as buscas típicas de jovens em nossa sociedade contemporânea, mas com ênfase na busca pelo outro, metaforicamente representada pela busca de Wally, em “Onde está Wally?” 28
Na mitologia grega encontra-se a estória da Caixa de Pandora. Júpiter andava às turras com Prometeu que havia modelado o primeiro homem de barro, além de ter dado aos humanos o acesso ao fogo. Assim, certo dia Júpiter pediu que Vulcano, junto com Minerva, sua mulher, criassem uma companhia para o homem. Os dois criaram Pandora, uma linda mulher, que era quase tão bela quanto a mais bela das deusas. Júpiter ficou muito satisfeito com a criação de Minerva e Vulcano. Em seguida a despachou para o reino dos mortais com um presente em sinal de seu apreço pelos humanos: uma caixa ricamente enfeitada com ouro e prata. Mas era um engodo. Júpiter avisou que Pandora não deveria abrir a caixa nunca. Pandora e a caixa chegaram até Epimeteu, que era o irmão humano de Prometeu e este ficou impressionado
com ambas. Levou Pandora e a caixa para seu quarto. Pandora adormeceu e sonhou que abrira a caixa e dela saíram somente coisas belas. Quando acordou não resistiu, abriu a caixa. Da caixa escaparam a Doença, a Gula, a Inveja, a Avareza, a Arrogância, a Crueldade, o Egoísmo. Ou seja, Júpiter usou Pandora para castigar os humanos enviando todas as maldades e vilanias que tornam nossa vida desagradável. Mas nem tudo estava perdido, em certo momento Pandora conseguiu fechar novamente a caixa e pensou que nada havia sobrado dentro dela. Olhando mais uma vez viu um rosto muito belo e jovem, que Pandora descobriu ser a Esperança. Medianeras, como se disse acima, retrata dois jovens, Mariana e Martin, que não se conhecem pessoalmente, cada um com sua vida solitária em Buenos Aires, até o encontro entre eles. O retrato que Taretto faz da vida em Buenos Aires lembra um pouco a Caixa de Pandora. Uma arquitetura opressora que leva as pessoas a se isolarem cada vez mais. A falta de comunicação é uma constante. Um ritmo acelerado de vida impede que as pessoas tenham chance de efetivamente se encontrar. Mariana e Martin representam a juventude de nossa sociedade contemporânea que parece não ter possibilidade de construir um futuro profissional e afetivo. O contato humano é intermediado por artefatos tecnológicos que dão uma falsa impressão de proximidade. Estamos sozinhos na multidão. Fobias e psicoses estão presentes na vida desses jovens. Isso lembra as maldades e vilanias que escaparam da Caixa de Pandora e continuam a atormentar os humanos.
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Mas, há uma esperança. Mariana continua a sua busca da felicidade. A esperança não escapou da Caixa de Pandora. Mariana continua buscando Wally na cidade. No dia em que ambos se rebelam e abrem janelas para o mundo nas paredes laterais de seus prédios, as medianeras, é como se os dois começassem a encontrar a porta de saída de seus mundos reclusos. Mariana olha para a rua e enxerga Wally (Martin). Corre em disparada para alcançá-lo. Na pressa, deixa para trás sua fobia de elevadores. A busca da felicidade, inspirada na esperança, não lhe dá tempo de temer. A solidão não é inescapável!
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O SUDOESTE: POESIA EM PRETO E BRANCO /BRANCO E PRETO EM POESIA
2013. Fevereiro. Dia 12. Terça-feira de Carnaval. 17h30min. Paraná. Curitiba. Portão Cultural. Cine Guarani. Tempo e espaço do começo de uma jornada poética de duas horas de duração.
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Fui assistir a Sudoeste, filme de Eduardo Nunes de 2011, realizado em preto e branco, narra um dia na vida de Clarice, dia que contém toda sua vida. Mágico, fantástico, poético, o filme me prendeu do começo ao fim com a presença de Simone Spoladore, Dira Paes e Léa Garcia. Com roteiro do próprio Eduardo Nunes com Guilherme Sarmiento e fotografia espetacular de Mauro Pinheiro Jr, o filme narra como “numa vila isolada do litoral brasileiro onde tudo parece imóvel, Clarice percebe a sua vida durante um único dia, em descompasso com as pessoas que ela encontra e apenas vivem aquele dia como outro qualquer. Ela tenta entender a sua obscura realidade e o destino das pessoas a sua volta num tempo circular que assombra e desorienta” (www.cineclick.com. br/filmes/ficha/nomefilme/sudoeste/id/17842). 32
Em certos momentos, o filme me fez lembrar outras produções recentes do cinema brasileiro que assisti nos últimos três meses e muito me agradaram – Circular, Curitiba Zero Grau, produções paranaenses, e O Som ao Redor, produção pernambucana. Os quatro filmes, de certa forma, ao abordarem temas distintos, trazem, também, uma mensagem de esperança na utopia: a poética de O Sudoeste; a otimista de Curitiba Zero Grau; a desconfiada de Circular; e a vingativa de O Som ao Redor. Cada um desses filmes, ao seu modo, encaminha uma maneira de lidar com a possibilidade de transformação positiva na vida, na sociedade, no ser humano, no mundo. A propósito, sobre a utopia, há um livro muito bom de Lúcia Nagib justamente intitulado A Utopia no Cinema Brasileiro – matrizes, nostalgias e distopias. Publicado em 2006, pela Cosac Naify, nesse texto a professora Lúcia Nagib traça um panorama da produção cinematográfica
brasileira desde o Cinema Novo até a produção contemporânea. Aliás, Alcino Leite Neto, em texto na orelha do livro, aponta justamente que o livro tem, entre seus méritos, o principal que é estabelecer os elos e as divergências entre o cinema novo – momento alto do modernismo no Brasil, e a produção contemporânea. Uma lista de filmes imperdíveis da cinematografia brasileira é analisada em seis capítulos. Os filmes brasileiros analisados são: Deus e o diabo na terra do sol (1964), Terra em transe (1967), Terra estrangeira (1995), Corisco e Dadá (1996), Crede-mi (1967), Brasil perfumado (1997), Abril despedaçado (2001), Central do Brasil (1998), O primeiro dia (1999), Latitude zero (2000), Hans Staden (1999), Como era gostoso meu francês (1970-72), Macunaíma (1969), Orfeu (1999), Orfeu Negro (1959), Cidade de Deus (2002) e O invasor (2002). Mas, voltando a O Sudoeste, o filme me agradou muito pela forma de filmagem. Além de preto e branco, muita câmara parada, com paisagens estonteantes, onde os personagens vão entrando pelas laterais. Além disso, detalhes de peças e roupas, em close, dando uma sensação intimista muito intensa. Por fim, os primeiros momentos do filme são verdadeiramente angustiantes, sem falas, apenas ruídos, e trocas de olhares entre os personagens, com Léa Garcia atuando de forma primorosa. Acredito que este possa ser visto como um verdadeiro cinema poesia proposto por Pasolini em 1965 e, discutido, por exemplo, em Pier Paolo Pasolini e o Cinema como Poesia de Ana Paula Schlesener, em artigo
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de 2010 publicado na revista Analecta (www.unicentro. br/editora/revistas/analecta/v7n1/Pier%20Paolo%20 10.pdf). Saí da sala de cinema em êxtase. Mas, parece que as forças do acaso conspiravam para meu estado de espírito continuar poético.
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No carro, voltando para casa, ligo o rádio e ouço Vanessa da Matta fazendo uma interpretação belíssima de O que será de Chico Buarque (http://www.vagalume.com.br/ vanessa-da-mata/o-que-sera.html), música tema de Dona Flor e seus dois maridos. Adaptação de romance de Jorge Amado, o filme dirigido por Bruno Barreto, foi lançado em 1976, tornando-se um dos grandes sucessos do cinema brasileiro daquele ano. Dele participaram José Wilker, Mauro Mendonça e Sonia Braga, formando o triângulo amoroso entre Dona Flor e um marido vivo e outro morto. A letra de O que será é uma das melhores manifestações poéticas de Chico Buarque. Por fim, parando na garagem de meu prédio, o rádio tocava Zeca Baleiro cantando Disritmia (www.kboing. com.br/musica-e-letra/zeca-baleiro/88640-disritmia/). Poesia em música! Assim, terminou minha jornada poética em plena terça-feira de Carnaval. Referências NAGIB, Lúcia A utopia no cinema brasileiro: matrizes, nostalgia, distopias. São Paulo: Cosac Naify, 2006. SCHLESENER, Ana Paula Pier Paolo Pasolini e o Cinema como Poesia. Analecta, v.7, n. 1, p. 141-149, 2006.
HAIKAIS
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Ser cinéfilo da vida faz algo que não é a quilo.
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Cinema-arte bem inspirado o coração parte
Foi lanterninha. Vieram celulares, foi pra caminha. No escurinho, ao lado dela, ganhei mais que beijinho.
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Filme brasileiro?
Cinema francês?
Calma. Se não gosta,
Muito lento, não aguento.
tem o estrangeiro.
Vi filme chinês.
Filme estrangeiro?
Entretenimento
Não se irrite. Escolha
é o que busca? Filme
um brasileiro.
com movimento.
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Filme indiano?
Na dialética,
É música e romance
o espectador foge
e, talvez, um piano.
da vida patética.
Filme americano?
Na vida prática,
É só o que mostram.
o espectador, não quer
Errar é humano!
a gramática.
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Filme argentino
Filmes italianos?
sem Ricardo Darín? Será
Do neorealismo, gosto
que bati pino?
dos primeiros anos.
Filme britânico
Asas do Desejo.
sem Michael Caine? Não!
Wenders, anjos que passam,
Entro em pânico!
por que não os vejo?
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Ver filmes, enfim,
Vi com Buñuel
se é no cinema,
que a própria vida
prazer sem fim.
soa surreal.
Foi no cinema
Leão de Glauber
que o cego estrangeiro
com sete cabeças foi
viu o dilema.
multinacional.
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Filme poético
No Sudoeste
escalafobético
em preto e branco
magnético.
vida agreste.
Em Sete Anos encontrei na ausência sua presença.
Filme mágico narrativa poética lagrimotiva.
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Na cinemateca,
Um cão andaluz
filme experimental
vagando perdido na
com perereca.
Estação da Luz.
Morte em Veneza,
Força visceral,
de Mann para cinema
sangue, música, dança
jovem beleza.
sobrenatural. (Para Saura)
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Anjo caído,
Ir ao cinema
paixão recolhida,
ou ao catecismo?
sonho perdido.
Foi seu dilema.
(Para Win Wenders) Finda a crença,
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Do vagabundo,
opção feita, no filme
os filmes transformaram
marcou presença.
surpreso mundo. (Para Chaplin)
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Mente movida, entre cinema e gestĂŁo, vida vivida. Com as imagens 52
tentou ensinar a ver alĂŠm das miragens.
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Fotografia de capa: Fernando Gimenez Fotografias internas: Flickr (W.G.Bored, D.D.Garcia, J.Kruse, OverMundo) Proj. Grafico e Diagramação: Marcelo Barão
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Tiragem: 56 exemplares Gráfica: Print-It Papel: Miolo em Polen Gold 80, capa em Couche Fosco 250 Curitiba, Maio 2013.
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INDO PARA O CINEMA Fernando Antonio Prado Gimenez
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