É dia de feira! Por Tiago Tavares
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Criadas há décadas, as feiras tornaram-se programas certos nos fins de semana em Três Rios. A mais tradicional acontece no bairro Vila Isabel, mas o centro da cidade também recebe os feirantes. A população aprova os produtos e passa a ter uma relação de amizade com os vendedores. Ao ar livre e com variedade de produtos, elas sobrevivem e ganham clientes de novas gerações.
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uncionando no mesmo local há mais de 60 anos, segundo a população, a feira da Vila Isabel é realizada todos os domingos, começa cedo e termina perto do horário do almoço. São mais de 50 barracas vendendo desde frutas, legumes e verduras até discos de vinil, ervas e roupas. Já às sextas e aos sábados é a vez do centro de Três Rios receber os feirantes. Essa funciona na Rua Sete de Setembro, bem ao lado do Colégio Municipal Walter Francklin. Em mais de 30 anos de existência, já passou por outros locais, como próximo ao Corpo de Bombeiros e na margem direita do rio Paraíba do Sul.
Assim como os legumes e verduras, as memórias dos feirantes são frescas para relembrar situações que ajudam a contar a história das feiras. Uma dessas pessoas é a sul-paraibana Lucineia Rodrigues Braga, a dona Lúcia, 56 anos, que há mais de 30 trabalha na feira em Três Rios. “Eu comecei na Beira Rio, depois fomos para o Corpo de Bombeiros, em seguida para o outro lado do rio, próximo ao Fórum, e de lá voltamos para a Beira Rio”, relembra Lúcia enquanto pica a couve que seria ensacada e vendida. Para manter os clientes há tantos anos, Lúcia aposta na qualidade dos produtos e
no atendimento familiar. “Os mercados já vendem tudo, então temos que ter uma mercadoria boa e uma amizade com o freguês. As pessoas querem um bom atendimento, aqui trabalhamos em família. O meu filho e minha nora são ótimos para atender, os clientes gostam de comprar com eles. Meus filhos trabalharam na feira, casaram na feira, os clientes foram ao casamento deles, tiveram filho e os clientes vestiram o bebê, deram de tudo. Os fregueses não são apenas fregueses, são amigos”, explica Lúcia. Se a feira do centro é tranquila e mais silenciosa, a da Vila Isabel é daquelas típicas, com muito barulho, pessoas gri-
VARIEDADE Funcionando há anos e sempre com produtos frescos, as feiras atraem milhares de pessoas todas as semanas
Respeito O atendimento familiar é um diferencial e conquista fregueses de todas as idades
preço O bom preço é um diferencial nas feiras e atrai clientes de toda região
AO AR LIVRE Mais tradicional, a feira da Vila tem frutas, legumes, roupas, flores e até discos
Clientes Moradora do Cantagalo, a aposentada Neide Fátima Camilo vai à feira todos os domingos
tando e barracas com muita variedade. Para deixar tudo preparado, os feirantes começam a montar as barracas antes do sol nascer e às 4h30 já estão à venda as verduras, legumes e muito mais. Muito mais mesmo, como no caso de José Luis, que há seis anos vende discos de vinil em uma barraca ao lado de outra que vende ervas. “Tenho mais de mil discos, coleciono há mais de dez anos e como já enjoei de alguns, eu vendo”, explica o vendedor, fã de Amado Batista. Assim como as mercadorias, as histórias de vida também são variadas, como a do pernambucano Silvanildo José da Silva, de 32 anos. Depois de ser morador de rua e usuário de drogas, Baiano, como é conhecido, ficou internado junto com a esposa em uma clínica de recuperação e, agora, é vendedor de morangos na feira da Vila Isabel. “Era morador de rua e usuário de drogas, fiquei em um centro de recuperação internado durante dois anos e fui liberto do vício. Então comecei a trabalhar vendendo cloro e, há três anos, comecei a vender morango”, conta. As histórias de vida de muitas pessoas não seriam completas se não envolvessem as feiras, como a de João Messias de Souza, também apelidado de Baiano, mas que nasceu em Caratinga (MG). Ele trabalha há mais de 23 anos como feirante e construiu a vida em Três Rios. No início, vendia caldo de cana com pastel, hoje trabalha com
TRADIÇÃO A feira da Vila Isabel ainda comercializa animais vivos
Amigos Em três décadas trabalhando no centro de Três Rios, Lúcia fez vários amigos
Assim como legumes e verduras, as memórias dos feirantes são frescas para lembrar situações vividas nas feiras legumes e verduras. Nos anos de atuação, viu várias modificações como as mudanças dos locais da feira do Centro e o crescimento da feira da Vila Isabel. “Antes, a feira era menor e só vendiam verduras, legumes e frutas. Hoje em dia tem até camelô”, conta Baiano. Ao ser questionado sobre lembranças de histórias vistas e vividas na feira, ele diz não lembrar. “Essa feira tem tanta história que a gente nem lembra mais. As coisas aqui acontecem rápido”, completa o sorridente e tímido feirante que ensaca a verdura para entregar ao cliente. Além das histórias diversas dos feirantes, também existem as dos consumidores que visitam as barracas há anos. Na Vila Isabel, muitos saem de outros pontos da cidade para consumir os produtos frescos, como faz Neide Fátima Camilo, do bairro Cantagalo. “Eu gosto muito de vir à feira, a qualidade do produto é boa e tem muita diversidade. Os produtos estão sempre frescos e as pessoas me atendem bem”, ressalta Neide, que escolhe tomates enquanto é entrevistada. O técnico de enfermagem Sebastião Neves Junior, o Tião, como é conhe-
cido, trabalha de segunda a sábado e aproveita o domingo para fazer compras na feira. “Eu costumo comprar alface, mostarda, cheiro verde, hortelã e batata. Às vezes venho com R$ 20 e compro muitas coisas. Além disso, encontro um parente, um amigo e até amigos que não vejo há muito tempo. Fora o caldo de cana e o pastel, coisas que só tenho a oportunidade de saborear aqui, já que trabalho a semana toda”, conta Tião. Outro ponto que chama a atenção na feira é o sistema organizacional, já que não há concessão da prefeitura aos feirantes. Por isso eles organizam-se entre si e têm a própria ética de trabalho. Segundo o feirante João Messias, foram raras as vezes que presenciou brigas entre os colegas por concorrência ou espaço. “Um respeita o espaço do outro, todos se ajudam”, explica João enquanto responde o preço da abóbora. A data exata do início das feiras trirrienses ninguém sabe ao certo, mas a cada domingo, sexta-feira ou sábado, alguém descobre a existência delas e mais histórias são inseridas no meio de tantas outras.