Seu Joaquim, um brasileiro de coragem
A histรณria de um realizador chamado Joaquim Romero Fuentes
Tudo o que aprendeu na lida esse mestre no ofício da vida se dispôs a ensinar. E a primeira lição aos seus foi o respeito e à gratidão a Deus por esse mundo habitar. Sua trajetória guarda histórias de um intenso labutar. Junto da família pioneira, desfia lembranças de algibeira que ele se apraz em contar...
PROJETO ESPECIAL
Av. Carneiro Leão, 135, 9° andar, Cj 902 – CEP 87013-080 Maringá-PR Tel/fax (44) 3028-5005 rogeriorecco@flammacom.com.br www.flammacom.com.br PROJETO GRÁFICO E EDITORAÇÃO
André Renato Bacarin APOIO TÉCNICO
Elizabetti Furlan, Marly Aires e Célia Proença AGRADECIMENTOS
João Laércio Lopes Leal, Jorge Fregadolli, Kurt Jakowatz, Cézar Lima, Akimitsu Yokoyama, Letícia Bertelli, Sociedade Rural de Maringá, Cocamar e família Fuentes IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Midiograf
Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) (Biblioteca Central - UEM, Maringá - PR., Brasil) R295j
Recco, Rogério Seu Joaquim, um brasileiro de coragem : a história de um realizador chamado Joaquim Romero Fuentes / Rogério Recco. -- Maringá : Midiograf, 2008. 136 p. : il. ; color., fig. ISBN 978-85-60591-14-5
1. Joaquim Romero Fuentes, 1916- - Biografia. 2. Pioneirismo - História - Maringá, PR. 3. Colonização - História - Maringá, PR. 4. História regional Maringá, PR. 5. Cafeicultura - História - Maringá, PR. I. Título. CDD 21.ed. 981.62
Seu Joaquim, um brasileiro de coragem A história de um realizador chamado Joaquim Romero Fuentes
1ª Edição - Maringá - PR - 2008 Obrigado, Senhor, por mais um dia
À MINHA QUERIDA LUÍZA No início de 1949, em plena juventude e cheios de sonhos, eu e Luíza chegamos a esta cidade com dois filhos pequenos, Luíza e Miguel, além de Amélia, irmã de minha esposa, ainda criança. Maringá tinha apenas dois anos e, como distrito de Mandaguari, não oferecia nenhum tipo de conforto. Filho de imigrantes espanhóis e natural de Taquaritinga (SP), fiz da dura lida no campo a minha escola, enquanto Luíza, também de descendência espanhola e do mesmo município paulista, mostrou-se uma mulher batalhadora, esposa e mãe dedicada, dona de um coração generoso. Abençoados por uma longa existência marcada por muitos desafios e conquistas, nos sentimos felizes e realizados em meio à nossa maior riqueza: a família e uma grande legião de amigos. Sem esquecer que o cenário dessa trajetória, Maringá, é hoje uma bela e imponente metrópole. Assim, com mais de 70 anos de casados, decidimos perpetuar em livro a nossa história. Desprovidos de vaidade, legamos dessa forma um registro às gerações do futuro. Uma história com a qual se procura, também, contribuir para a preservação da memória regional. Tudo, na vida, fizemos pedindo a Deus que nos iluminasse e nos orientasse, respeitando sempre os divinos ensinamentos. E, se não restam mais a juventude e os sonhos de outrora, o amor permanece vivo e intenso. Falo, é claro, de Luíza, minha companheira durante todos esses anos. A Deus e a ela agradeço por tudo. JOAQUIM ROMERO FUENTES
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SEMEADORES DO BEM Sempre tive muito orgulho de meus pais. Muito orgulho mesmo. Seu Joaquim é um homem raro, que conseguiu superar todas as suas limitações e transformar-se em um doutor da vida. Mesmo quase analfabeto e pouco acostumado ao convívio social em sua terra natal, permanecendo quase todo o tempo na propriedade da família, onde trabalhava duro na roça do amanhecer ao fim do dia, ele revelou-se um homem fino, dócil, carinhoso e gentil. À sua curiosidade, perspicácia e interesse pela vida, deve tudo o que aprendeu, sempre cultivando muitos sonhos e sabendo como realizá-los. Nunca perdeu de vista a simplicidade, o jeito humilde, a sabedoria da gratidão, a fé em Deus e a esperança no futuro. E enxergava longe, gostando de chamar para si a responsabilidade, revelando-se um líder natural. Seu Joaquim teve a felicidade de somar ao seu espírito irriquieto e empreendedor, a ternura e a garra de uma mulher que o acompanhou por mais de 70 anos. Dona Luíza, incansável em seus afazeres de dona de casa, mãe e esposa, dedicava-se também à arte da costura. Assim, durante tempos, participou do orçamento da família, trabalhando intensamente. Mas foi além: sensível e dona de um coração extremamente caridoso, ela tornou-se uma protetora dos menos favorecidos. Generosa, dedicada, doou grande parte de seu tempo, e de sua vida, a obras sociais, o que fazia com incontida alegria. Dona Luíza tinha uma enorme paixão pela vida e pelas pessoas. Diariamente, era procurada por dezenas de famílias em busca de ajuda e nunca alguém a viu sentir-se incomodada por isso. Encaminhava enfermos para médicos que, também dispostos a ajudar, nada cobravam. Engajava-se em campanhas para a estruturação de entidades assistenciais e, em casa, produzia fraldas e cueiros com a ajuda de uma equipe laboriosa. Em casa, ainda, reunia amigos e convidados para rotineiras rodadas de bingo, angariando recursos que mantinham aquelas mesmas entidades e creches. Meus pais sempre estiveram voltados, portanto, para a família e o mundo à volta, contribuindo diretamente como pioneiros e cidadãos para o progresso de Maringá e da região. Com seus filhos ainda pequenos, eles chegaram aqui em 1949, dispostos a enfrentar todos os desafios, que foram sendo vencidos um a um. Por isso, ao passear por esta cidade, observando seus recantos e também as pessoas, sei que, neles, há um pouco da contribuição positiva e generosa de seu Joaquim e de dona Luíza, dois guerreiros. Eles souberam, a seu modo, tornar o mundo um pouco melhor, escrevendo uma história de amor e de bondade, além de formarem uma família numerosa e feliz. E, se meu pai jamais leu algum livro, ele, mesmo assim, aprendeu a admirar essas obras pela sua importância como documento histórico. Por isso, preocupou-se em deixar tudo registrado em detalhes neste bonito livro, que fica para a posteridade. LUÍZA MARTOS F. BELTRAN
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Apêndice
ABREVIATURAS • COCAMAR - Sigla da Cooperativa de Cafeicultures de Maringá Ltda., cuja denominação foi alterada para Cocamar Cooperativa Agroindustrial • CTNP - Companhia de Terras Norte do Paraná • CMNP - Companhia Melhoramentos Norte do Paraná • IBC - Instituto Brasileiro do Café • SRM - Sociedade Rural de Maringá MEDIDAS AGRÁRIAS: • Alqueire - o paulista (mesmo usado no Paraná) tem 24.200 m2. • Hectare - unidade de área com 10.000 m2. TERMINOLOGIA DO CAFÉ • Madeirar café - expressão usada antigamente que consistia de cobrir com lascas de madeira a muda do café plantado, para protegê-la. • Arruação - a limpeza ao redor do cafeeiro para o início dos trabalhos de colheita. • Derriça - a “panha” do café. • Rastelar - com um rastelo, retira-se os grãos deixados embaixo da saia do café. • Limpar tronco - ato de catar os grãos que ficam muito próximos ao tronco do cafeeiro, no
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chão, difíceis de alcançá-los com o rastelo. • Bater panha - após rastelar, é preciso tirar o “grosso” de folhas e impurezas que vêm junto aos grãos. • Abanar café - com o uso de uma peneira, fazer a separação de frutos e impurezas. • Terreiro - local para onde o café era levado após a colheita, a fim de secar. Ali, precisava ser amontado, enleirado e mexido, para não fermentar. À noite, cobria-se. • Café em coco - da maneira como sai da roça, apenas seco. • Café beneficiado ou bica corrida - é o produto já sem a casca e o chamado “pergaminho”, que envolve os grãos. • Café despolpado ou lavado - após a colheita, os grãos maduros são descascados, seguem para um tanque de fermentação, são lavados e secos. • Cereja descascado - o café maduro é descascado e vai para secagem. Pode ou não passar pelo demucilador, para ficar mais limpo. • Café peneira - classificação por tamanho dos grãos. • Café moca - grãos redondos. • Café bebida dura - que mantém as propriedades, sem sofrer interferência ou deterioração da qualidade. • Café riado - bebida aguada, ruim • Café rio - bebida de sabor pouco agradável, sem qualidade.
Muito devotado a Deus, Joaquim sempre procurou levar sua vida de maneira a não ter motivos, mais tarde, para arrepender-se. Reconhecido como homem ponderado e extremamente correto, que nunca deixou de ser solidário e generoso, além de exemplar chefe de família. No entanto, com o avançar dos anos, algo que no seu entender não deveria ter sido feito no passado, começou a incomodá-lo e, de certa forma, a amargurar-lhe o coração. Durante os anos setenta, após aconselhar-se com um amigo, Joaquim conta que decidiu “abrasileirar” o seu nome, mais precisamente o apelido de família, alterando-o de Fuentes para Fontes. Julgava ele que, assim, ficaria melhor e mais fácil a compreensão. Para isso, conseguiu um despacho favorável da Justiça em Taquaritinga (SP), sua cidade natal. Só que, pouco tempo mais tarde, analisando melhor, Joaquim considerou que a mudança não havia sido bem pensada. E que, se pudessem opinar, ascendentes como o avô paterno Joaquim, e o próprio pai, Miguel, certamente não a aprovariam. O novo nome, afinal, perdera a lembrança e a essência de sua origem espanhola. As inúmeras obrigações forçaram-no por várias vezes a deixar de lado a decisão de tentar voltar atrás. Com o passar do tempo, habituou-se a “Fontes”, assim como os seus familiares. E, somente aos 92 anos, após a perda de Luíza, sua companheira durante sete décadas, é que Joaquim resolveu procurar a Justiça na tentativa de, enfim, reverter a mudança que já se tornava, para ele, motivo de angústia. Reaver o “Fuentes” seria o mesmo, afinal, que resgatar um pouco da própria identidade e história. Portanto, independente do que for decidido, e por vontade de Joaquim, o seu nome foi grafado neste livro com o antigo sobrenome.
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Sumário
6 - À minha querida Luíza 7 - Semeadores do bem Introdução 11 - A catedral Parte 1 29 - Um personagem marcante na história de Maringá 30 - Uma história na Sociedade Rural de Maringá 32 - Reorganizar a entidade 33 - Um jeito de olhar sempre para o futuro 41 - Mensagem e prestação de contas 43 - Um dos fundadores da Cocamar Parte 2 49 - Da Andaluzia empobrecida para as lavouras de café 52 - Café, progresso e crise 55 - Aos 14 anos, um trabalhador como qualquer outro 56 - Moço vaidoso, sempre gostou de cuidar-se 57 - Luíza, uma paixão arrebatadora Parte 3 61 - Casados, buscando o próprio caminho 62 - A vontade de conhecer o Norte do Paraná 66 - A mudança para Lucélia 67 - Amélia passa a integrar a família 69 - A nova investida no Paraná. Era tudo ou nada 71 - A família se muda para Maringá e “tira a sorte grande” Parte 4 75 - Dinheiro deu até para comprar terras no Mato Grosso 76 - Luíza faz nome como costureira; Maringá era barro e poeira 78 - Com a segunda safra, Joaquim quitou o sítio 79 - Os irmãos e os pais são trazidos para o Paraná 82 - Empreendedor, Joaquim vira formador de fazendas Parte 5 89 - O “expert” Joaquim era procurado para indicar negócios e formar lavouras 90 - Os filhos se casam 90 - Dono de 11 propriedades rurais ao mesmo tempo 93 - A cafeicultura entra em declínio 95 - Rondônia, um lugar para investir 98 - Geada de 1975 decreta o fim do café Parte 6 103 - O cavalo Mangalarga paulista: uma paixão 107 - Jumentos pêga: animais de primeira 108 - Como presidente, reestruturou o Clube Hípico 110 - À frente da construção do maior edifício residencial do Paraná Parte 7 115 - Luíza, dama da filantropia 118 - A estrela o violino 120 - Herança em vida Parte 8 123 - Merecedor de muitas homenagens 126 - Joaquim recebe a mais alta homenagem da ACIM, a Comenda Américo Marques Dias 128 - Em síntese, um realizador 130 - Agradecimento 132 - Referências
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Introdução A catedral
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uando Maringá, então com 24 anos, preparava-se para comemorar seu primeiro quarto de século, um grande monumento inacabado chamava atenção em sua área central. Eram as obras da futura catedral, um projeto ousado para a época e de características incomuns para uma igreja como as pessoas estavam acostumadas. Os trabalhos haviam iniciado no final da década de 50 e chegavam ao ano de 1971 sem prazo definido para terminar. A idéia de levantar uma catedral começou a ser considerada logo que o primeiro bispo diocesano, dom Jaime Luiz Coelho, chegou à cidade, em 24 de março de 1957, vindo de Ribeirão Preto (SP). Paulista de Franca, ele foi ordenado sacerdote em 1941 e era cura da catedral de São Sebastião quando, aos 40 anos, foi eleito bispo de Maringá pelo Papa Pio XII. Apenas quinze anos antes, em 1942, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), responsável pela colonização regional, havia assentado a pedra fundamental da cidade nascente, formando a seguir um pequeno núcleo de povoamento no espigão hoje conhecido como “Maringá Velho”. O patrimônio se resumia a apenas seis quadras e uma rua principal, abrindo uma pequena clareira no mato. Essa “boca de sertão”, como se dizia, era o destino de muita gente que chegava trazendo sonhos. O povo ia despencando de jardineiras empoeiradas, ao mesmo tempo em que famílias chacoalhavam em caminhões ou davam cabo, finalmente, à exaustiva viagem feita em carroça. Não há como descrever a façanha
O primeiro bispo diocesano, dom Jaime Luiz Coelho, chegou a Maringá em 1957
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de vencer aquelas estradinhas precárias que serpenteavam o matagal, com todas as suas ameaças. No caminho, muitos ficavam assustados com as cenas que iam encontrando. Era só primitivismo, barro e poeira. Atraído pela propaganda que se fazia do Norte do Paraná, na época ainda em plena fase de desbravamento, o contingente humano era movido pela esperança de fazer a vida no comércio, enriquecer produzindo café ou simplesmente oferecer sua mão-de-obra. Precisava-se, afinal, de trabalhadores braçais para derrubar árvores, ajudantes em geral, pedreiros, carpinteiros e tudo o mais. Em nome do café, a floresta vinha abaixo, devastada por um exército de homens empunhando foices e machados. Por fim, queimavam tudo, promovendo incêndios cuja fumaça, de tão intensa, custava a dissipar. A denominação do povoado teria sido sugerida por dona Elizabeth, esposa do escocês Arthur Thomas, que dirigia a colonização, a propósito da famosa música de Joubert de Carvalho, “Maringá, Maringá”. A canção fazia sucesso na época, inclusive entre a peãozada, que trabalhava duro em meio a uma sinfonia de assovios. Como havia subestimado o potencial de crescimento de Maringá - projetada inicialmente para 20 mil habitantes - a Companhia decidiu suspender, por vários anos, a venda de terrenos para evitar que o efervescente patrimônio se desenvolvesse de forma desordenada. Ao mesmo tempo, convencida do futuro do lugar, a empresa encomendou o projeto de uma moderna cidade para 200 mil moradores em uma planície situada pouco abaixo daquele espigão. Foi assim que o urbanista Jorge de Macedo Vieira idealizou o traçado de Maringá em sua prancheta, na capital paulista, sem nunca visitar a região. Imaginou as avenidas com seus canteiros centrais, as ruas, os parques. O desenho buscou linhas que se adequariam às características da paisagem e clima locais, bem como a proteção dos fundos de vale e sua vegetação natural, criando logradouros integrados à malha viária. Dom Ernesto de Paula, bispo de Jacarezinho entre 1941 e 1945, disse certa vez a dom Jaime que passando pelo lugar, em direção a Paranavaí (povoado que na época se chamava Fazenda Brasileira), avistou na beira da estrada, aos pés de uma floresta, uma placa com a indicação “Maringá”. Ali seria construída a futura cidade. Fundada em 10 de maio de 1947, quando finalmente começaram as vendas de terrenos urbanos, em um ano Maringá seria elevada à categoria de Vila, ficando vinculada como distrito ao município de Mandaguari. Em 14 de novembro de 1951, tornava-se município através da Lei 790. Contava, então, com uma área de 486.527 2 km e três distritos (Iguatemi, Floriano e Ivatuba). Com isso, a cidade ganhava impulso.
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Nessa época, seria levantada a Igreja Matriz, inteiramente de madeira, material que se utilizava para construir, até então, a maior parte das casas e estabelecimentos comerciais, retirada da mata ao redor. A preferida era a peroba, por sua resistência e durabilidade. Antes disso, em 1946, o “Maringá Velho” já contava com uma capela, erguida também com madeira pelo padre alemão Michael Emil Clement Scherer, mas de dimensões diminutas. O mesmo sacerdote, aliás, já havia construído outra capela, a de São Bonifácio, em 1940, na fazenda do mesmo nome, situada onde hoje é a Cidade Alta, bairro da região sul. No dia 10 de abril de 1950, o bispo de Jacarezinho (diocese à qual Maringá pertencia), dom Geraldo de Proença Sigaud, criou a Paróquia da Santíssima Trindade de Maringá, desmembrando-a da Paróquia de Nossa Senhora Aparecida de Mandaguari. Mas como em 1950 a Igreja Católica proclamara o Dogma da Assunção Gloriosa de Maria, em 15 de agosto de 1953 a denominação da Paróquia foi mudada por dom Geraldo para Nossa Senhora da Glória, homenageando a Virgem Assunta ao Céu. No ano seguinte, o então arcebispo de Curitiba, dom Manuel da Silveira D’Elboux, impressionado com o desenvolvimento dos chamados Norte Novo e Norte Novíssimo (respectivamente as regiões de Londrina e Maringá), propôs criar as dioceses dessas duas cidades, desmembrando-as de Jacarezinho. Ambas foram oficializadas em 1° de fevereiro de 1956 e os respectivos bispos, dom Geraldo Fernandes e dom Jaime Luiz Coelho, tomaram posse em 1957. Em seus primeiros pronunciamentos, dom Jaime confiou na ajuda dos céus para prometer aos fiéis que a região estaria livre, por cinco anos seguidos, de um flagelo que atormentava a economia regional: as geadas, causa do empobrecimento repentino de muitos cafeicultores. Segundo ele, o prometido se cumpriu: não houve nenhuma geada intensa nesse período.
A Igreja Matriz, em honra a Nossa Senhora da Glória, foi construída em 1950, totalmente de madeira Acervo Kenji Ueta
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No alto, a Cava do Bosque, em Ribeirão Preto, que tinha o formato previamente imaginado para a catedral. O recorte de jornal acima, com as formas do foguete Spoutinik, (e uma cruz desenhada no topo) fez o bispo mudar de idéia
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Logo após assumir, dom Jaime quis construir uma catedral. Segundo ele, o bispo de Jacarezinho havia deixado uma sugestão de projeto, mas o mesmo seguia um estilo que não combinava com a cidade nascente. Então, no início, chegou a imaginar uma igreja com formato parecido ao da Cava do Bosque, um ginásio de esportes de Ribeirão Preto que havia sido inaugurado em 1952. No entanto, em 1957, o religioso teve sua atenção despertada para um fato que fascinava toda a humanidade: o início da corrida espacial, em que os russos saíram na frente, colocando em órbita o primeiro satélite espacial, o Spoutinik. Na sequência, lançaram aos céus o Spoutinik II, levando a bordo a cadela Kudriavka, o primeiro ser vivo a viajar para fora do globo. A inquietante era dos foguetes e a modernidade que envolvia a busca do homem pelo espaço, levaram o bispo a refletir. A decisão quanto ao formato ocorreu finalmente quando, diante de um recorte de jornal com a fotografia da nave especial, ele riscou uma cruz na extremidade superior da mesma. Sim, seria um grande cone, inspirado no Spoutinik, que em russo - Poustinikki - significa “o peregrino que se afasta do mundo para ficar mais perto do céu”. “Assim seria a catedral de Nossa Senhora da Glória de Maringá, lembrando a Assunção Gloriosa de Maria em Corpo e Alma ao Céu”, disse dom Jaime. A idéia foi transmitida pouco depois ao arquiteto paulista José Augusto Bellucci, profissional indicado pelo diretor-gerente da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (que sucedera a CTNP), Hermann Moraes Barros. Durante as conversações para e elaboração do projeto, dom Jaime lembra que Bellucci o convenceu de algumas mudanças. O bispo queria, por exemplo, que fosse incluída uma coroa de concreto como parte da estrutura, no alto, para homenagear Nossa Senhora da Glória. O peso, no entanto, tornaria isso inviável. Então, a coroa foi desenvolvida na base, onde ficam os vitrais. O arquiteto também recomendou que a cruz não fosse de ferro, como se pretendia, para evitar que balançasse. Ela seria de concreto, integrando a construção. A pedra fundamental, um pedaço de mármore retirado das escavações realizadas junto ao túmulo na Basílica de São Pedro, em Roma, e bento pelo Papa Pio XII, foi lançada no dia 15 de agosto de 1958 em cerimônia promovida por dom Jaime e presidida pelo arcebispo de Curitiba, dom Manuel da Silveira D’Elboux.
No mês seguinte, a publicação “Norte do Paraná em Revista”, editada por Aristeu Brandespin, trouxe na capa um desenho da nova edificação (feito pelo imigrante alemão Edgar Osterroth, morador na cidade desde 1951), estampando as dimensões do monumento, considerado arrojadíssimo. Com diâmetro de 50 metros, o cone teria uma nave única, também circular, com outro diâmetro interno de 38 metros e capacidade para 3.500 pessoas, que poderiam se distribuir por duas galerias superpostas. Ao apresentar o projeto da catedral aos diretores da CMNP, dom Jaime pediu que não fossem construídos prédios públicos atrás da mesma, como Câmara Municipal e Fórum, que estavam previstos para o local. A própria diocese havia recebido um espaço ali, para a instalação da Cúria, que foi devolvido pelo bispo. Para implantar os alicerces da construção, em 1959, dom Jaime mobilizou pessoalmente toda a comunidade, envolvendo poder público, Companhia Melhoramentos, empresas, associações, clubes de serviço e particulares. O prefeito Américo Dias Ferraz contribuiu prontamente, disponibilizando maquinário para a escavação e a remoção da terra no terreno onde seriam instaladas as fundações. Fez também a doação de grande volume de areia e pedras, além de alguma quantidade de ferro e cimento. Pessoas representativas da sociedade integraram uma comissão, o que possibilitou adquirir parte dos materiais. Assim, durante algum tempo, tudo o que se arrecadava em festas, quermesses e doações diversas, materializava-se em forma de concreto e sapatas. Segundo lembra dom Jaime, grandes festas populares eram realizadas com barracas que representavam nações, em que se fazia a venda de rifas de bonecas vestidas com trajes típicos de cada país. Por vezes, os trabalhos perdiam velocidade. Não raramente, a obra era interrompida durante longos períodos, prejudicada por chuvas. Para incrementar a construção, o bispo promoveu uma campanha entre produtores de
Publicação de 1958 apresentou um desenho da arrojada catedral, feito por Edgar Osterroht. Ao lado, festividade religiosa na Igreja Matriz
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café. Alguns faziam doações voluntárias, mas uma equipe foi organizada para sair a campo e conseguir arrecadações de, no mínimo, 100 sacas por agricultor. Desse volume, segundo dom Jaime, 10% remuneravam a pessoa que conseguisse a doação, outros 10% seguiam para a paróquia da localidade, 10% eram destinados ao vigário e 70% para custear as obras da catedral e do seminário diocesano, que também estava sendo levantado. Dom Jaime lembra que, certa ocasião, um homem extremamente humilde o procurou, chegando-se a pensar que o mesmo apenas queria uma esmola. “Vim aqui trazer a minha contribuição em dinheiro”, disse ele. Em 1959, o que havia até então era a base e parte do primeiro lance de concreto, com cerca de 7 metros de altura. Nos anos 60, não fosse pela ajuda pessoal do prefeito Luiz Moreira de Carvalho (que comandou a cidade entre 1966 e 1969), o empreendimento possivelmente não teria avançado muito. “Ele aceitou ser o presidente da comissão por três anos e meio e Maringá muito lhe deve por isso”, registrou dom Jaime. O andamento das obras havia ficado, desde o início, a cargo de várias comissões, com muitas pessoas prestando sua colaboração. Em 1971, portanto, com a torre já alta, o bispo promoveu uma reunião com figuras exponenciais do
Era cura da catedral quando a obra começou, o padre Germano Mayer SAC. O engenheiro Oberon Floriano Dittert, um dos fundadores e professor da Universidade Estadual de Maringá, participou inicialmente dos trabalhos. Ao lado, sapatas e começo da construção; acima, etapas já na época do prefeito Luiz de Carvalho Acervo Kenji Ueta
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Em 1971, a comissão formada para concluir a obra contou com a participação de Joaquim Romero Fuentes na função de primeiro-tesoureiro
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município, ocasião em que deliberou-se por um esforço conjunto para que a construção fosse terminada até o dia 10 de maio do ano seguinte, a tempo de coincidir com duas comemorações: os 25 de Maringá e os 15 da Diocese. O prazo, extremamente apertado, de pouco mais de dez meses, exigiria um grande esforço para que se pudesse alcançar aquele objetivo. Isso dependeria não apenas da conquista de recursos financeiros, mas do empenho de toda uma equipe. Assim, uma comissão pró-construção foi formada com a participação do pároco, Monsenhor Sidney Luiz Zanettini, do fazendeiro Joaquim Romero Fuentes, do colonizador Ênio Pepino, dos gerentes de banco Jayme Cambaúva e Mário Bulhões da Fonseca, e dos empresários Francisco Feio Ribeiro, Joaquim Duarte Moleirinho e Satiro Okamoto. Outras pessoas, mesmo sem integrar a comissão, colocaram-se à disposição. Entre elas, o prestativo coronel Eduardo da Silva Ramos Filho (particular amigo de Joaquim Fuentes, que mesmo residindo em Curitiba permaneceu uma longa temporada em Maringá, ajudando no que fosse possível), Emílio Germani e Odilon Pupulin. Lideranças setoriais, proprietários de serrarias, comerciantes e produtores rurais também não se negaram a participar. O grupo teria amplos poderes, dados por dom Jaime, para continuar os trabalhos, que estavam sendo executados desde o período do prefeito Luiz de Carvalho por uma construtora da cidade, a Empresa Norte Paranaense de Construção Ltda (Enorpa), de propriedade do engenheiro civil Antonio Almir dos Santos. No início dos anos 60, a propósito, o engenheiro havia trabalhado na Prefeitura e foi o responsável pela oficialização do projeto. ..... Reconhecido por sua seriedade e o histórico de pioneirismo na região, sendo, de longa data, um colaborador das obras da catedral, o fazendeiro Joaquim Romero Fuentes foi convidado para o cargo de primeiro-tesoureiro, ficando a atribuição de segundo-tesoureiro para o colonizador Ênio Pepino. Segundo dom Jaime, Pepino foi um dos mais ativos colaboradores, integrando comissões desde praticamente o início da obra. Assim, o grupo começou a mobilizar-se, cada qual em sua função, na difícil tarefa de, no prazo estabelecido, entregar à comunidade a enorme construção inteiramente concluída. Uma curiosidade: Joaquim e o Monsenhor Zanettini, apesar de viverem há anos na mesma cidade, haviam se conhecido, casualmente, durante uma viagem de trem entre Santos e São Paulo, ocorrida algum tempo antes. Logo depois de assumir, Joaquim decidiu verificar pessoalmente a situação em que se encontravam os materiais já disponíveis, usados na obra, como ferragens, que estavam espalhados ao redor da mesma. Concluiu que seria indispensável recolher
tudo para o interior da construção, a fim de evitar furtos. No entanto, ao comunicar sua decisão ao então encarregado, Joaquim deparou-se com o pouco interesse do mesmo, percebendo idêntico comportamento dos demais trabalhadores. Diante disso, Joaquim procurou o Monsenhor Zanettini, bem como os demais integrantes, para dizer-lhe que os trabalhos, com toda a certeza, não avançariam se dependessem da vontade daquela equipe. Recorda o fazendeiro que isto deixou o religioso bastante preocupado. Assim, como ninguém discordou, houve a substituição do pessoal e os materiais foram recolhidos. Como iria responsabilizar-se pela guarda e a aplicação de um dinheiro que pertencia à comunidade, Joaquim achava melhor precaver-se. Então, consultou o grupo para saber da possibilidade de fazer toda a contabilidade em seu escritório, pedindo aos demais membros um voto de confiança. Poderia, assim, acompanhar de perto e detalhadamente todas as entradas e saídas do caixa. Autorizado, confiou esse trabalho a um contador seu, Antonio Esteves. E solicitou ao gerente da Companhia Melhoramentos, Alfredo Werner Nyeffler, que, periodicamente, mandasse dois contadores da empresa para uma conferência da contabilidade, o que foi feito por Atair Niero e Hélio Jarreta. Mas, para que obra pudesse, enfim, recomeçar a todo vapor, seria preciso uma enorme quantidade de cimento. Mas como consegui-lo? O jeito seria pedir para a
A edificação em 1971 e o desafio de vê-la concluída no ano seguinte para as comemorações dos 25 anos de Maringá e os 15 da Diocese Acervo Kenji Ueta
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Hermann Moraes Barros, diretor da Cia. Melhoramentos, contribuiu com todo o cimento durante o período em que Joaquim foi o primeirotesoureiro. Embaixo, o dia da retirada do madeirame que permitiu ver a cruz de concreto; o mestre de obras João Corredato, o “Barba Rala”, aparece no topo
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única empresa que, certamente, poderia ajudar: a Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), dona de uma fábrica de cimento no Estado de São Paulo, a Cia. Portland Maringá. Então, Joaquim tomou a iniciativa de manter contato com o gerente Alfredo Nyeffler para que fosse marcada uma reunião com a diretoria, a fim de formalizar o pedido. Poucos dias depois, o prestativo Nyeffler retorna com a informação de que alguns dirigentes da Companhia, entre eles o diretor Hermann Moraes Barros, muito ligado a Maringá, estariam na cidade, ficando agendado um encontro. Nesse dia, Joaquim e alguns outros integrantes da comissão, como o Monsenhor Zanettini e o segundo-tesoureiro Ênio Pepino, apresentaram aos dirigentes a proposta de conclusão da catedral. Na oportunidade, o fazendeiro inquiriu a Hermann Moraes Barros se a Companhia poderia contribuir com o cimento. Antes de dar sua resposta, Barros quis saber de Joaquim qual o seu cargo na comissão. Ao ser informado que era ele o primeiro-tesoureiro, o diretor-gerente respondeu que mandaria sim todo o cimento. Era o que faltava para que os trabalhos, enfim, pudessem deslanchar. Nessa nova fase, a torre começou a subir em ritmo rápido, impulsionada por muitas outras contribuições obtidas pelos integrantes da comissão, o que acabou gerando um clima de otimismo e expectativa favorável em Maringá. Uma equipe de 50 homens trabalhava a todo vapor, comandada por um mestre de obras conhecido como “Barba Rala”, que depois chegou a ser vereador em Sarandi. Em seu escritório, folheando os livros contábeis e administrando o caixa da construção, Joaquim não tinha dúvida: as obras estavam avançando conforme o esperado, com tudo sob controle. Em pouco tempo, finalmente, a igreja estaria pronta. Ele havia deixado todos os seus afazeres para, durante dez meses, dedicar-se de corpo e alma à empreitada. Assim, no final de abril de 1972, cerca de dez dias antes do início das comemorações do jubileu, a construção em concreto foi finalizada com a construção de uma enorme cruz de 10 metros no topo da torre. Retornando de uma viagem a bordo de seu avião, Joaquim ainda teve tempo de ver a figura de um trabalhador, de pé, sobre um dos enormes braços da cruz. No dia 10 de maio, o cardeal arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eugênio de Araújo Sales, presidiu a celebração de uma missa no local.
O reconhecimento ao trabalho de Joaquim, Ênio, Monsenhor Zanettini, Coronel Ramos e de toda a equipe foi feito publicamente durante um almoço, no Country Club, pelo próprio diretor da Companhia, Hermann Moraes Barros, ao lado de dom Jaime. Na ocasião, como já era previsível, não faltou quem procurasse aproveitar-se, atribuindo a si a finalização do empreendimento e “esquecendo” dos demais. No entanto, para tudo ficasse bem claro e não se cometesse injustiça, Barros e o bispo teriam dito que não fosse pela dedicação e a credibilidade daqueles homens, dificilmente a catedral teria sido concluída em prazo tão rápido. Os 16 vitrais, criados pelo artista plástico alemão Lorenz Helmair, que vivia em Curitiba, “simbolizam a caminhada em busca da eternidade”, segundo dom Jaime. E foram também motivo de uma campanha complementar para a finalização das obras. O primeiro vitral foi doado pelo pioneiro Silvino Fernandes Dias em homenagem ao filho Bento, que havia falecido há pouco tempo em acidente automobilístico; o segundo, o da porta, por Ênio Pepino; o terceiro, por Alfredo Nyeffler; o quarto, pelo prefeito Silvio Magalhães Barros; quatro deles pelo goNa foto de Kenji vernador Ney Braga, que era amigo pessoal do bispo. O restante, pelos Ueta, o dia derradeiro fiéis. O governador doou também todo o granito utilizado no piso, inda pequena igreja de cluindo o do batistério e do altar-mor. madeira. A 7 de janeiro Por fim, a pedido de dom Jaime e de Ney Braga, o prefeito João de 1973, com a retirada Paulino (1977-1982) fez a retirada de várias construções existentes na da primeira telha, praça, entre as quais um prédio do Posto de Saúde e uma casa de macomeçam as celebrações deira, onde funcionava a antiga Guarda Mirim, erguidos durante a litúrgicas na nova gestão de Adriano Valente (1969-1972). E coube a Sincler Samcatedral, ainda batti, sucessor de João Paulino (que elegeu-se deputado federal), inacabada realizar o ajardinamento e implantar as fontes luminosas. Escrevendo certa ocasião sobre o monumento, o arquiteto Manfredo Osterroth, autor do projeto do altar-mor, disse duvidar que os maringaenses tenham conhecimento de que a obra não consiste de apenas uma catedral. “São duas cascas de concreto cônicas, em cujo entrevão desenvolvem-se, desde sacristia a altar, catacumbas até cripta, enfim um minucioso e vasto
Para Joaquim, a doação do cimento por parte da Companhia foi decisiva, sem o qual a conclusão da obra teria sido impossível. Ele elogiou a Companhia por ter realizado um projeto de colonização que foi modelo em todo o mundo, sem nunca ter havido problemas com terras. “A visão empreendedora de seus precursores, somada à dedicação e à seriedade de seus diretores e funcionários, criou oportunidades e promoveu o desenvolvimento em um ambiente de paz”, disse o fazendeiro
Paulo Gruchoviski também prestou serviços como mestre de obras na construção
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Fotos: acervo “Sua boa estrela”
programa eclesiástico que culmina com um mirante a quase 100 metros de altura. Realmente a catedral é uma das maiores do mundo. Além de Lorenz Helmair, autor dos vitrais, dois artistas maringaenses eternizaram seu talento com obras no interior da catedral: Zanzal Mattar, que fez todas as pinturas de imagens, e Conrado Moser, que em meados dos anos 80 esculpiu e doou um enorme crucifico de madeira, com cerca de 7 metros, colocado ao lado do altar-mor. No mês de julho de 1997, ao deixar o governo da Diocese de Maringá, depois de quarenta anos, dom Jaime agradeceu a todos que se dispuseram a colaborar na construção, em particular aos prefeitos Américo Dias Ferraz e Luiz de Carvalho, ao Monsenhor Zanettini, aos senhores Joaquim Romero Fuentes e Ênio Pepino, que relacionou como “forças motoras deste grande empreendimento”.
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A catedral de Maringá é considerada um interessante projeto da arquitetura sacra, figurando entre os mais altos monumentos (1° da América Latina e 10° do mundo). INFORMAÇÕES GERAIS • Pedra fundamental: 15/08/1958 • Início da construção (alicerces): julho de 1959 • Término da construção em concreto: 10/05/1972 • Total construído: 5.000 m3 • Altura: 124m (114m mais 10 m da cruz) • Degraus das escadas: 482 até o mirante e 598 até a cruz • Sacos de cimento: 30.000 • Ferro: 600 toneladas • Areia: 3.600 m3
• Pedra britada: 4.100 m3 • Granito/piso: 1.967 m2 (“ouro velho”, trazido do Espírito Santo) • Total de vitrais: 16 (1.125 m2), adquiridos da Arte Sul (SP) • 1ª missa na catedral inacabada: 31/12/1972 • 1° vitral colocado: 05/12/1976 • Último vitral (16°) colocado: dezembro de 1979 • Consagração da catedral: 03/05/1981 • Título de catedral “Basílica Menor”: 21/01/1982
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Um mirante a 84 metros, de onde se visualiza grande parte da catedral. Aqui o projeto previa colocar 8 sinos, mas o peso tornou isso inviável
Em um dos pavimentos, a 45 metros do solo, há um ossário com 1.400 lóculos e espaço para mais 600 O Museu Diocesano abriga um acervo de objetos e relíquias no terceiro pavimento
Detalhe do altar-mor, projetado pelo arquiteto Manfredo Osterroth, e de parte dos bancos de cerejeira
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Dezesseis vitrais, criados por Lorenz Helmair, simbolizam, em meio a um jogo de luzes rendilhado em concreto, a História da Salvação
Fotos: Flamma
REGISTRO No mês de março de 2007, a família Fuentes recepciona arcebispos, bispos e padres de cidades de vários Estados, além de convidados
Em março de 2007, exatamente 50 anos após sua chegada a Maringá e 25 da conclusão do monumento, dom Jaime fez uma visita a Joaquim em seu apartamento, no 34° andar do Edifício Royal Garden. De lá, em companhia de outros 25 arcebispos e bispos brasileiros que participavam das festividades do jubileu de ouro da Diocese, eles avistaram, de um plano privilegiado, a bela catedral. Como que despontando de uma floresta - devido a intensa arborização das praças e vias públicas -, o monumento diferenciava-se, majestoso, em meio a uma enorme massa de prédios. Na sacada do apartamento, recostado ao parapeito e contemplando a obra que idealizou, dom Jaime recordou-se da origem do projeto, explicando-o em detalhes aos demais religiosos. Décadas depois daquele emblemático 1972, a catedral aguarda pela instalação de um elevador que leve ao belvedere. O formato cônico, com a inclinação lateral, impede que um modelo convencional seja empregado. Contudo, um grupo de lideranças e empresários da cidade trabalha na busca de uma solução. E pretende, ainda, atender outras antigas reivindicações, como dotar a igreja de um sistema de sinos eletrônicos e também de um órgão de tubos.
Em março de 2007, Joaquim (dir.) recebe dom Jaime em sua residência, de onde se tem uma visão privilegiada da catedral
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A prestação de contas publicada em março de 1973 no jornal Folha do Norte do Paraná
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Parte 1
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Fundador e primeiro presidente da Sociedade Rural de Maringá, da qual é o associado n° 1, Joaquim voltou a presidir a entidade, por mais dois mandatos, 25 anos depois. No Parque de Exposições, empresta seu nome à arena coberta e à Casa do Criador.
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Um personagem marcante na história de Maringá
O
fazendeiro e sertanista Joaquim Romero Fuentes é um personagem importante na história de Maringá. Embora sempre cortejado por lideranças, jamais aceitou disputar ou ocupar cargo político e garante nunca ter alimentado pretensões nesse campo, dizendo-se “apolítico”. Mesmo assim, nunca se negou a prestar sua contribuição pessoal para que Maringá, politicamente, obtivesse conquistas, como ocorreu em 1951. Naquele ano, pouco tempo depois de ter chegado à cidade, Joaquim foi convidado a integrar um grupo que seguiu até Curitiba com a missão de fazer um pleito ao governador do Estado, Bento Munhoz da Rocha Neto. Desejava-se que Maringá, pelo desenvolvimento que apresentava, obtivesse sua emancipação, deixando assim de ser um mero distrito de Mandaguari, município do qual dependia excessivamente. Sensível aos argumentos, o governador atendeu quase de pronto. Três décadas depois, durante o governo de Álvaro Dias, Joaquim voltaria a ser um representante de Maringá nos contatos com o Palácio Iguaçu, presidindo um grupo de
Comissão que foi a Curitiba reivindicar a criação do município de Maringá, em 1951, Joaquim é o primeiro à esquerda, de pé Foto Revista Tradição
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amigos integrado por pessoas de diversas áreas, que se reunia regularmente com o propósito de discutir e apresentar reivindicações ao governo. Mesmo desprovido de escolaridade, Joaquim Fuentes destacava-se de tal forma por sua capacidade de liderar, ponderar e expor suas idéias que, não raras vezes, interlocutores desavisados o chamavam por “doutor”. Tanto o respeitavam que, em determinada época, mesmo na condição de quase analfabeto, chegou a presidir o Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) em Maringá. Foi, também, merecedor dos mais importantes reconhecimentos e honrarias que se pode atribuir a um cidadão, como títulos de cidadania honorária e benemérita de sua cidade e do Paraná, além de uma série de outras homenagens, conferidas, da mesma forma, por lideranças rurais, entidades de classe, universidades, enfim, conforme veremos neste livro.
Uma história na Sociedade Rural de Maringá
Lucidez, serenidade, disposição: características marcantes Foto: Letícia Bertelli
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Na noite de 28 de junho de 2004, centenas de associados participaram de assembléia promovida pela Sociedade Rural de Maringá, quando ficou definido o mês de agosto para a eleição da nova diretoria para a gestão 2004/2006. Na ocasião, o nome de Joaquim Romero Fuentes - primeiro presidente da entidade, entre 1979/1981- foi escolhido em consenso para liderar uma chapa única. Presidida por Neri Fabre e secretariada por João Giannasi, a assembléia foi rápida e objetiva, sem contestação. Sobre isso, Joaquim conta ter sido procurado, algumas semanas antes, por um grupo de diretores da Sociedade Rural de Maringá, em seu escritório. Na oportunidade, foi consultado sobre a possibilidade de aceitar a presidência, a respeito do que respondeu, sem fazer rodeios: “Se acham que ainda sou útil para a entidade, aceito”. O autor abre aqui um parêntese para dizer que já conhecia Joaquim, pessoalmente, há muitos anos. Porém, jamais havia tido tanta proximidade com ele quanto em 2007, quando fez parte de sua equipe na Sociedade Rural de Maringá.
E confessa que, em 2004, quando soube de seu retorno à presidência da entidade, já beirando os 90 anos, não acreditava que pudesse dar conta do recado. Pensou: cumpriria Joaquim, certamente, apenas uma função simbólica, decorativa, sem atribuições importantes e de pouca responsabilidade, apenas emprestando o prestígio de seu nome à administração. Engano. Presidir a Sociedade Rural não é tarefa simples e, sim, uma atribuição espinhosa, sujeita a desafios de toda ordem, principalmente para um homem de idade tão avançada. Um deles, manter em equilíbrio os inúmeros interesses ali reinantes, lidando com vaidades e grupos distintos, quase sempre conflitantes. É preciso ter disposição, firmeza, paciência e muito jogo de cintura. Mesmo assim, o presidente, por sua carga de preocupações, não está livre de dissabores. O “seu Joaquim”, como é chamado, nunca foi de fugir da raia. É daqueles que gostam de participar de todas as reuniões e, mesmo com alguma dificuldade, ler contratos, conversar sobre mínimos detalhes com cada diretor antes de tomar as decisões e assinar embaixo. Por isso, está sempre bem informado de tudo e em condições de dialogar e argumentar com qualquer interlocutor. O corpo fragilizado pela idade e o avanço da surdez parecem não ser obstáculos para Joaquim: a lucidez e a serenidade, em contrapartida, são algumas de suas características mais marcantes, assim como o trato respeitoso e cheio de gentilezas, a elegância com que se apresenta, sempre trajando terno e não dispensando o chapéu de pelica. De imediato, consegue inspirar simpatia e respeito, sendo capaz de despertar nas pessoas aquela saudosa lembrança dos avós mais queridos. Ninguém nunca o vê alterado, esbravejando, proferindo palavrão. Ele não é disso. Muito mais fácil vê-lo sorrindo, atendendo a todos com fineza e atenção. Na Expoingá de 2007, em que um dos dois domingos do evento coincidiu com o dia das Mães, Joaquim mandou comprar 500 rosas vermelhas que, com disposição, saiu entregando pessoalmente a senhoras pelo parque. Apresentou-se bem a seu modo, impecável, com um sorriso cativante e quase infantil, que o acompanha sempre. Sensível, emotivo, homem temente a Deus, caridoso, com sua personalidade forjada no cabo da enxada. Só mesmo quando atingiu a fase adulta é que aprendeu a ler e a escrever com alguma desenvoltura. Mesmo assim, nunca deixou de ser um negociante perspicaz, rápido nos cálculos, sem nunca se deixar enganar. Com instinto e visão de empreendedor, aprendeu cedo a enxergar longe, a sonhar com novas fronteiras, a conhecer as pessoas olhando em seus olhos. 31
Reorganizar a entidade
No retorno de Joaquim à presidência da Sociedade Rural, a realização da Expoingá em 2005 e 2006 esbarrou em grandes desafios: além da forte crise da agricultura, o Paraná foi surpreendido com o anúncio de febre aftosa
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Em 2004, para preservar a Sociedade Rural e o próprio Parque de Exposições, que caminhava para uma situação de sucateamento, Joaquim não hesitou em atender a apelos de um grupo de dirigentes e voltar à presidência, exatamente 25 anos depois. Com a concordância e o apoio dos demais integrantes da diretoria, uma das primeiras medidas foi não renovar o contrato de terceirização do mais importante evento da cidade, a Expoingá, exposição de âmbito agropecuário, comercial e industrial que recebe, em média, 500 mil visitantes. Organizou equipe e tratou de implementar a feira por conta e risco, sem medo e até mesmo enfrentando boicotes. Para complicar, a edição do evento em 2005 ocorreu em meio a um período de forte crise da agricultura, que afetou os negócios na região. No ano seguinte, isto se somou a um desastroso anúncio de febre aftosa no Paraná, que abalou a pecuária e quase inviabilizou a realização. Para que a entidade não se sobrecarregasse de dívidas bancárias, a custos que poderiam tornar-se impagáveis, Joaquim decidiu lançar mão de suas próprias economias, emprestando dinheiro à Sociedade Rural em troca, apenas, da correção da inflação. Em 2006, poucos meses depois de completar 90 anos, o presidente viveria uma das situações mais difíceis e constrangedoras de sua vida, conforme definiu. Por força das circunstâncias, obrigou-se a enfrentar um inédito e ruidoso bate-chapa pela presidência da entidade, o qual venceu com boa margem. Mas seria, de qualquer
forma, uma vitória com sabor amargo, segundo costuma lembrar. Um embate assim deixaria sequelas, além de acirrar divergências. Mas, cercado de um grande número de fiéis amigos, Joaquim encorajou-se a seguir em frente. Portanto, em 2007, quando o autor deste livro participou de sua equipe na organização de mais uma Expoingá, encontrou Joaquim investido em uma postura ainda mais decidida. Tanto que, poucos meses antes da feira, sentindo-se inseguro e desconfortável em relação a uma comissão que havia sido instituída para a execução do evento, o presidente não teve dúvida: expôs suas argumentações e, com o apoio de outros diretores, acabou dissolvendo-a.
Um jeito de olhar sempre para o futuro Apesar da idade, Joaquim não precisa de óculos para suas leituras. O que mais impressiona nele, entretanto, é a maneira como encara a vida. Ao contrário dos idosos que, naturalmente, se apegam ao passado e vivem de recordações, ele insiste em olhar para o futuro. Mal termina uma exposição - desafio do qual parece gostar especialmente - e já está pensando na próxima, fazendo novos planos. Entusiasmado, não se furta de falar em público, apesar de suas limitações. Porém, com um jeito simples e cativante, deixando aflorar a emotividade - e quase sempre as lágrimas, ele consegue prender a atenção dos ouvintes que, sensibilizados, o aplaudem efusivamente.
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REGISTRO
Joaquim, associado número 1 da Sociedade Rural de Maringá, tornou-se o seu primeiro presidente em 1979
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Joaquim foi eleito presidente da Sociedade Rural de Maringá (SRM) no mesmo dia de fundação da entidade, a 16 de agosto de 1979, durante reunião ocorrida na agência do Banco Itaú, que estava sob o comando do gerente Francisco Rodrigues Dias. Nessa época, a cidade era administrada pelo prefeito João Paulino Vieira Filho. Até então, realizar a exposição agropecuária - que vinha ocorrendo regularmente desde 1972 - era uma atribuição do poder público, que constituía todo ano uma comissão especial para esse fim. Em seu primeiro ano, a realização tinha o nome de Expofemar.
Na oportunidade, foi definido mandato com duração de dois anos e eleitos, também, os conselhos deliberativo e fiscal. Integravam a diretoria de Joaquim Romero Fuentes: Waldemar Alegretti (1° vicepresidente), Giovani Ridolfi (2° vice-presidente), Pedro Martins Philipp (3° vicepresidente), José Geraldo da Luz (1° secretário), Aloísio de Lima Bastos (2° secretário), Ivaldo Borges Horta (3° secretário); Luiz Antonio Penha (1° tesoureiro), Francisco Feio Ribeiro Filho (2° tesoureiro), Nilson Mariuci (3° tesoureiro); diretores sem pasta: Joaquim Gomes Caetano, Caetano A. B. Cervantes, Ermelindo Bolfer e Paolo Rafaele Farris; jurídico: Luigi More Ubaldini; departamento agrotécnico: Lauro Fernandes Moreira; departamento econômico: Adhemar Schiavone; social: Waldomiro Planas; estudos e pesquisas: Basílio Bacarin; departamento agro-industrial: Gilberto Rezende de Campos; pecuária de corte: Raimundo Coimbra Leite; pecuária de leite: Guilherme Meyer; eqüinos e asininos: Clóvis Junqueira Franco; pequenos animais: Ary Aladino Cândido; café, algodão e cereais: Oswaldo Moraes Corrêa; atividades rurais: Guido Nogueira. Conselho Fiscal: Francisco do Prado Dias, Wilson Pulzatto, Altair Niero, Iter Moreschi e Jaime Valler (efetivos), Jayme Cambaúva, Mario Lins Peixoto, Jurandir Rodrigues Oliveira, Alfredo Garcia e Aloysio Gomes Carneiro (suplentes). Conselho Deliberativo: Afonso Campos Lima, Ângelo Planas, Anníbal Bianchini da Rocha, Alfredo Werner Nyeffler, Aparecido Zafanelli, Carlos Américo M. Silva, Carlos Rodolpho Philipp, Edi Oliveira Vieira, Enio Pepino, Felizardo Meneguetti, Jud Nicolau, Jitsuji Fujiwara, João Batista Leonardo, José Ferreira Branco e Sérgio Arílio Soares (efetivos), Mauro Santos Jorge, Miguel Martos Fontes, Milton Linhares Monteiro, Orlando Alves Cyrino, Olyntho Schmitt, Paulo de Abreu, Paulo Teófilo, Pedro Valias de Rezende, Raimundo do Prado Vermelho, Reynaldo Rehder Ferreira, Rudy Alvarez, Said Felício Ferreira, Vanor Henriques, Wilmar Xavier Ferreira e Waldomiro Meger.
A solenidade de hasteamento das bandeiras: começava o desafio de realizar o evento e estruturar a Rural
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O sal providencial
Nessa época, a Sociedade Rural tinha pouco dinheiro em caixa, mas Joaquim achou uma maneira de entregar a presidência ao sucessor, Giovani Ridolfi, em condições financeiras muito melhores do que quando começou. E foi uma história curiosa: certa vez, quase no final do mandato, o presidente foi procurado por Alcides Parizotto, à época representante no Norte do Paraná do Sal de marca “Ema”, produto oriundo de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Disse-lhe Parizotto, já antigo conhecido de Joaquim, que o sal teria uma alta de preços muito grande nos meses seguintes, aconselhando-o a comprar alguma quantidade para fornecer aos associados. Pensativo e certo de estar diante da oportunidade de fazer um bom negócio, Joaquim acordou a aquisição de um grande volume: 40 mil sacos. Apostava ele na informação privilegiada que lhe havia sido dada por Parizotto, e também na própria intuição, que não costumava falhar. Mas alguns membros da Rural, como o diretor-financeiro Antonio Luiz Penha, mostraram-se preocupados e relutantes em concordar. Era, afinal, uma enorme quantidade, que poderia causar desnecessário endividamento à SRM. Mas o presidente não arredou pé e garantiu a compra. De fato, o produto teria um forte reajuste de preço, “mais até do que se imaginava”, lembra Joaquim, e, com seu estoque, a Rural ficou em situação confortável, assegurando recursos financeiros para que Ridolfi pudesse iniciar com tranquilidade a sua gestão.
A Casa do Criador e a arena coberta: homenagens No dia 30 de abril de 2004, a diretoria da Sociedade Rural de Maringá, à época presidida por Neri Fabre, inaugurou a Casa do Criador Joaquim Romero Fuentes, prestando assim uma homenagem ao primeiro presidente da entidade. Com a participação de mais de quinhentas pessoas, o evento foi iniciado com a inauguração de três placas ostentando o nome do homenageado. A Casa do Criador, situada defronte à sede da SRM, é uma construção de 732m2 de área, projetada pela arquiteta Salet Singh Galles, como uma típica casa de fazenda, com ampla área externa coberta, uma capela e uma churrasqueira. Também a arena coberta, que ficou pronta em maio de 1997, leva o nome de Joaquim Romero Fuentes. Multiuso, é
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A Casa do Criador Joaquim Romero Fuentes, inaugurada em abril de 2004
a maior do gênero na América Latina, cujo projeto tem a assinatura da engenheira civil Marcela Zanin Meneguetti, de Maringá. Com 105 metros de vão livre e 8 mil metros quadrados de área total, o local tem capacidade para 20 mil pessoas sentadas. O projeto de fundação é do engenheiro João de Miranda. Na época em que foi concluída, segundo Marcela, a arena apresentava um dos maiores vãos livres do mundo, sendo até hoje considerada uma referência por sua leveza, demandando 400 toneladas de aço. Para se ter uma idéia, o estádio nacional de Pequim, o chamado “Ninho do Pássaro”, que se tornou a principal marca das Olimpíadas de 2008, exigiu 19 mil toneladas. A engenheira conta que a arena coberta de Maringá foi, por muito tempo, mencionada em congressos internacionais de engenharia envolvendo aço, com publicações em 16 idiomas. Detalhe importante, ressalta, é o fato de ter sido inteiramente concebida e construída por maringaenses, demorando 1 ano e 8 meses para ficar pronta. Ela lembra que, mesmo desse porte, a obra foi desenvolvida sem atrapalhar a realização de eventos no Parque de Exposições, entre os quais a Expoingá. Segundo Marcela, Joaquim, com sua coragem e capacidade de realização, foi sempre um estimulador do empreendimento. Para ela, sua determinação pode ser comparada ao instinto desbravador do castor, animal símbolo da engenharia, que nunca se intimida diante do desafio de penetrar a obscura floresta para construir o ninho. 37 10
Acervo: SRM
Letícia Bertelli
A arena coberta Joaquim Romero Fuentes, de aplicação multiuso é considerada uma referência internacional em construção com aço e tem capacidade para 20 mil pessoas sentadas (no detalhe, no alto à esquerda, quando ainda não tinha cobertura). O parque de exposições ganhou em 1972 o nome do então presidente da República, Emílio Garrastazu Médici. Mas, em 1994, a denominação foi alterada para Francisco Feio Ribeiro, pioneiro de Maringá
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Letícia Bertelli
Joaquim, entre o governador Roberto Requião e o vice-governador Orlando Pessuti na abertura da Expoingá 2007. Respeitoso com o amigo, Requião costuma dizer que o Parque de Exposições é “a casa do Joaquim”.
Na solenidade de abertura da feira em 1981, adiantando-se a uma pessoa que gostava de discursar e havia pedido para falar em nome da Sociedade Rural, Joaquim apropriou-se do microfone e, fazendo a leitura de um texto, bem a seu jeito, acabou dando conta do recado. O pronunciamento, afinal, era uma prerrogativa dele, o presidente, e de mais ninguém. “O ministro que estava presente pegou o papel do discurso que eu fiz, enfiou no bolso e levou embora para Brasília”, recorda-se.
Repare que Reinhold Stephanes, presente na Expoingá 1981 como diretor do Incra, participou como ministro da Agricultura na Expoingá 2007 César Lima
O discurso
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Joaquim e o menino
Na foto acima, Tercílio Cotrim e Joaquim; ao lado, peça publicitária da última exposição sob a responsabilidade de Joaquim e sua equipe. No período 2004-2008, o Parque de Exposições teve sua estrutura inteiramente revitalizada, com reforma das instalações, nova camada de pavimentação, ampliações diversas e inúmeras outras melhorias.
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Certa vez, uma mulher procurou Joaquim em seu escritório para dizer-lhe que gostaria muito que seu filho trabalhasse com ele. Era quase um pedido. Aquela senhora decidida e de jeito simples queria apenas que o menino, ainda muito novo, tivesse um norte e uma referência na vida. Sensibilizado, Joaquim acolheu-o, mas não para trabalhar e, sim, orientar-lhe. Quando a idade permitiu, o jovem foi admitido como funcionário da Sociedade Rural, revelando-se uma pessoa dedicada e confiável, tanto que tornou-se de extrema importância para a administração do parque e as edições da Expoingá. Ele conhece cada detalhe e resolve problemas com desenvoltura e rapidez. Na edição da Expoingá 2008, Tercílio Cotrim respondeu pela comercialização dos espaços, uma tarefa sempre complicada que ele conseguiu dar conta com tranqüilidade. Quando lembra da preocupação de sua mãe em encaminhar-lhe na vida, dá um sorriso e acrescenta: “ela disse para o seu Joaquim que, se precisasse, podia até me dar umas palmadas”. Mas ele garante, sorrindo mais ainda, que isto nunca foi necessário.
Os presidentes Presidentes da Sociedade Rural de Maringá até 2008: Joaquim Romero Fuentes (1979-1981), Giovanni Lorenzo Ettore José Maria Ridolfi (1981-1985), Ermelindo Bolfer (1985-1987), Hélio Edys Delmutti Costa Curta (1987-1991), Otávio Dias Chaves Júnior (1991-1993), João Carvalho Pinto (1993-1997), Alcides Fanhani (19972000), Neri Fabri (2000-2004) e novamente Joaquim Romero Fuentes (2004-2008), sucedido por Maria Iraclézia de Araújo (2008-2010) .
Mensagem e prestação de contas
Em setembro de 2008, ao terminar seu segundo ciclo na presidência da Sociedade Rural de Maringá, Joaquim Romero Fuentes fez a divulgação de uma mensagem de saudação à nova presidente, Maria Iraclézia de Araújo, acompanhada de uma prestação de contas.
“Ao passar o honroso cargo de presidente da Sociedade Rural de Maringá à minha sucessora, Maria Iraclézia de Araújo, faço-o com o sentimento de dever cumprido. Entre 2004 a 2008, realizamos investimentos de R$ 1,6 milhão, destinados a um amplo trabalho de reestruturação do parque de exposições. Já em agosto de 2004 iniciavam-se obras voltadas a oferecer melhor atendimento e conforto a expositores e ao público. - Foram construídos 92 dormitórios em 5 pavilhões, além de banheiros, para acomodar peões e tratadores. - Instalou-se 105 cocheiras para equinos (equipadas de cochos e bebedouros com boias automáticas nas baias). - Um pavilhão com 650 m2 foi inteiramente readequado para atender criadores de ovinos e caprinos. - Barracões diversos para acomodação de animais foram ampliados, com a construção de três novos pavilhões para gado de elite, o que elevou a capacidade de alojamento de 456 para 837 cabeças por turno. - Realizou-se o recapeamento asfáltico nas vias no interior do parque. - Construção de banheiros e fraldários para portadores de deficiência, bem como de participantes do programa de equoterapia mantido pela SRM. - Construção de escadas internas e externas na arena coberta. - Reformulação e ampliação da praça de alimentação com total de 1.536m², incluindo a construção de quatro banheiros. - Construção de 3 reservatórios para atendimento às lanchonetes do pavilhão de Indústria e Comércio e também nas baias para equinos. - Instalação de quatro centrais de gás, visando a oferecer maior segurança e em atendimento às exigências legais. - Construção de novos cochos de água e ração em 9 barracões de bovinos, com mudança do posicionamento dos animais. - Ampliação do barracão de pequenos animais em 150m², que passou a ter área total de 450m², acrescido de escritório, banheiros e despensa. - Ampliação e melhorias no barracão de ovinos, com a construção de um alojamento, banheiro 41 10
completo para tratadores e cobertura do respectivo restaurante. - O Recinto de Leilões Ermelindo Bolfer recebeu várias melhorias, oferecendo mais segurança ao público. - Os sanitários do pavilhão de Indústria e Comércio foram reformados. - Tratores do parque foram reformados, realizando-se a aquisição de veículo utilitário e duas carretas agrícolas. - Construída a Casa do Produtor de Leite com área de 220m². - Construção de um muro de 440m em torno do Parque na Av. Guaiapó. - Construção de banheiros masculinos e femininos no Pavilhão Branco, além de uma sala com estrutura completa para acomodar, durante as edições da Expoingá, o Juizado da Infância de da Juventude. Melhorias ocorreram, também, na sala destinada à Polícia Civil, bem como no Módulo da Polícia Militar, incluindo a construção de mais um banheiro. - Construção de 4 salas com banheiro e cozinha para servirem de apoio às empresas leiloeiras. - As áreas de estacionamento receberam melhorias com novo cascalhamento e revestimento de pedra, além de cobertura de pó de pedra. - Aquisição de mais de 600 telhas de eternit para reparos em pavilhões. - Uma nova sala de apoio é construída, com a colocação de pisos cerâmicos nas demais salas existentes, incluindo a construção de banheiros. - Aquisição de móveis e equipamentos de informática para aparelhamento na estrutura necessária para as edições da Expoingá. - Instalação de uma nova central de telefonia com DDR, mediante comodato com a Brasil Telecom. - Obras de prevenção e segurança a incêndios, em atendimento às normas do Corpo de Bombeiros. Maria Iraclézia de Araújo recebe, portanto, uma Rural estruturada, preparada para atender exposições de grande porte, leilões, shows musicais em alta escala, além de espaços apropriados para futuras edificações. Deixo a presidência, mas não a Rural. Continuarei apoiando naquilo que me é permitido, e até quando Deus quiser. Felicitações, Iraclézia, e equipe. “ Joaquim Romero Fuentes 42
Um dos fundadores da Cocamar Em 1963, na condição de um dos líderes da agricultura regional, Joaquim foi um dos fundadores da maior organização econômica de Maringá, a atual Cocamar Cooperativa Agroindustrial, tornando-se o seu associado número 2. Como a pequena entidade, na época, não possuía estrutura para atender aos cafeicultores quanto ao recebimento e beneficiamento da safra, possivelmente acabaria malogrando. No entanto, certo de que o cooperativismo seria uma forma de os produtores organizarem-se, Joaquim teve uma atitude decisiva: ofereceu sua própria máquina de café, incluindo escritório, para ser usada como a primeira sede da cooperativa. Assim, por dois anos, até que conseguisse estruturar-se, a Cocamar ocupou as instalações do estabelecimento situado na rua Caramuru, prestando serviços aos cafeicultores. Naquela época, o segmento cafeeiro enfrentava um período de dificuldades ocasionadas pelos baixos preços do produto. Se Joaquim não tivesse oferecido sua máquina, que possuía desde 1951, a cooperativa, talvez, nem passasse da fase embrionária, a exemplo do que ocorreu com muitas outras organizações do gênero no Paraná. Dentre os 46 fundadores, Joaquim, à época dono de várias fazendas, detinha a maior quantidade de terras. Por isso, foi o que subscreveu o maior número de quotas-partes na cooperativa: 7.600, no valor total de Cr$ 760 mil. O segundo, Orlando Alves Cyrino, possuía 5.600. O terceiro, José Freitas Cayres Filho: 4.000. Aloysio Gomes Carneiro (3.600), Orélio Moreschi (3.000), Waldemar Gomes da Cunha (2.800), Domingos Salgueiro, Elias Izar, Ruy Itiberê da Cunha, Hildebrando de Freitas Cayres, Pedro Valias de Rezende (todos com 2.000), Benedito Lara (1.800), Luiz Alfredo (1.600), Antonio Martos Peres (1.500), Arthur Braga Rodrigues Pires e Ermelindo Bolfer (1.200), José Amando Ribas, Guerino Venturoso Fiorio e Ricarte Oliveiro de Freitas (1.000), Anatalino Boeira de Souza e dona Mercy Salermo Rodaminsku (800), Ney Infante Vieira (760), Augusto Pinto Pereira e Hélio Moreira (700), Ivaldo Borges Horta (680), Edmundo Pereira Canto (540), Antonio Manetti e Juan Saldana Garcia (500), Francisco Valias de Rezende
Joaquim assinou a ficha de cooperado número 2 da cooperativa e foi o seu principal incentivador
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REGISTRO
Em 2008, a velha máquina de café foi doada por Joaquim ao acervo da Cocamar
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O parque industrial da Cocamar: considerada uma das maiores do País, a cooperativa faturou 1,3 bilhão de reais em 2008. Na foto abaixo, Joaquim e o irmão Francisco (já falecido) durante as comemorações dos 40 anos da Cocamar em 2003, quando receberam homenagens
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Joaquim, sempre cuidadoso com a saúde
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(440), João Piovezan, Affonso Lopes Alves, Irineu Pozzobon, José Geraldo da Costa Moreira, Ângelo Dianese, Josué Moraes, Mário Pedretti Tilio e Santo Pingo (300), José Alcindo Rittes (280), Divino Bortolotto (230) Odwaldo Bueno Neto, Manoel de Freitas Cayres, Antonio Hubner e Bertholdo Hubner (200), Gustavo Hubner (160), Diogo Martins Esteves (150) e Joaquim de Araujo (100) completaram a lista. Ao mesmo tempo, Joaquim Fuentes integrou o primeiro conselho de administração da Cocamar, ao lado de Arthur Braga Rodrigues Pires (diretor-presidente), Aloysio Gomes Carneiro (diretor-gerente), Benedito Lara (secretário), Ermelindo Bolfer, Luiz Alfredo e Domingos Salgueiro. ..... “Jamais imaginei que viveria tanto”, ele costuma dizer. Certamente, muito menos assim, trabalhando e com tantas responsabilidades. Num país preconceituoso em relação aos idosos, Joaquim é uma exceção. O segredo da longevidade pode estar em sua maneira sempre alegre e também no cultivo de alguns hábitos que o acompanham por toda a vida, como levantar cedo, preservar os horários de refeições, repousar toda vez que se cansa e manter a cabeça ativa. Ele nunca fumou, nem foi de beber e muito menos de cometer extravagâncias, como passar noites acordado. Aos 50 anos, abandonou voluntariamente o consumo de carne vermelha por sentir-se “intoxicado”, sendo orientado, a partir de então, a adotar uma alimentação bem mais leve e saudável. No início dos anos 80, quando ainda presidia a Sociedade Rural, o fazendeiro acreditou estar acometido de labirintite, motivo que o levou a deixar a entidade, apesar de vários apelos para que continuasse. No entanto, após minucioso exame feito em Campinas por um renomado especialista conhecido como Dr. Escudeiro, constatou-se que Joaquim estava, na realidade, sofrendo de calcificação na coluna. De volta a Maringá, a primeira coisa que fez foi entrar em contato com o deputado federal Ronaldo Caiado, médico ortopedista e seu amigo pessoal. Por recomendação de Caiado, o tratamento foi inteiramente realizado em São Paulo pelo médico Edmundo Barras. Por causa da próstata, também, Joaquim não hesitou em ir atrás dos melhores profissionais em Cleveland, nos Estados Unidos. A exemplo do que fez com tudo na vida, ele sempre soube cuidar muito bem da própria saúde. ..... A história de Joaquim, que chegou a Maringá em 1949, quando a cidade tinha apenas 2 anos, está associada aos tempos de pioneirismo e, de forma definitiva, ao próprio desenvolvimento da região.
Parte 2
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Com dez anos passou a ocupar-se da varrição do quintal e do trato diário da criação. Aos 12, executava metade do trabalho de um adulto. Aos 14, mais encorpado, era um trabalhador como outro qualquer.
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Da Andaluzia empobrecida para as lavouras de café
N
o crepúsculo do século XIX, levas de imigrantes europeus aportavam em grande número no Brasil. O país, que acabara de abolir a mão-de-obra escrava, formada de negros traficados da África, carecia de contingentes de trabalhadores para suprir as fazendas de café no Estado de São Paulo e colonizar regiões no Sul. A chegada dessa gente, grande parte de pele clara, era também uma forma de “branquear” a população, 80% da qual, na época, formada de negros, índios e mestiços. Famílias de várias nacionalidades, entre elas espanholas, como as dos Romero e a dos Fuentes, encorajaram-se a deixar suas terras e a cruzar o Atlântico em busca de melhores perspectivas. Ambas viviam da agricultura empobrecida na região da Andaluzia e, como tantas outras, vislumbraram a oportunidade de fazer a vida no Brasil. Em um primeiro momento, elas se engajaram no trabalho braçal nos cafezais e, alguns anos mais tarde, com o fruto de seu suor, conquistariam suas próprias terras. O sonho da prosperidade trazia ânimo e disposição para todos que chegavam. Quando os Fuentes, ainda por volta de 1890, saíram de Granada rumo ao Novo Mundo, trouxeram com eles, entre seus filhos, o menino Miguel, de 5 anos. Já os Romero, praticamente naquela mesma época, deixaram a Almeria com a pequena Joanna, de 2 anos, ainda nos braços. Quis o destino que as duas famílias se fixassem no mesmo município paulista,
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Taquaritinga, onde os cafezais se perdiam de vista. Teriam ali, na vizinhança, imigrantes italianos, alemães e de outras origens que, como eles, sonhavam com tempos mais promissores. Miguel e Joanna se conheceram e, em 1915, casados, deram início a uma história comum entre aquele povo estrangeiro, marcada pela dedicação ao trabalho e tiveram 14 filhos. O primogênito, nascido em 23 de junho de 1916, receberia o nome do avô paterno: Joaquim. Nesse dia, a mãe Joanna ainda estava sob o sol, capinando a roça, quando lhe sobrevieram as dores do parto: foi só o tempo de chegar em casa e chamar, apressadamente, a parteira. Joaquim teve seis irmãos (Pedro, Manuel, Miguel, Francisco, Antônio e José) e sete irmãs (Carmen, Maria, Joana, Irene, Mercedes, Terezinha e Joaquina).
Europa
Espanha
EUA
Ásia África
América do Sul
Os Fuentes e os Romero deixaram a Espanha por volta de 1890, radicando-se no município paulista de Taquaritinga para trabalhar em lavouras de café
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Oceania
Taquaritinga
SP São Paulo
Ao lado do avĂ´ paterno, de quem herdou o nome, o pequeno Joaquim, nascido em 23 de junho de 1916 Acervo de famĂlia
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Café, progresso e crise
Os fazendeiros trocaram o trabalho escravo pelo assalariado
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A Coffea arábica, arbusto orginário da Etiópia, chegara ao país um século antes, em 1727, trazido da Guiana Francesa por Francisco de Melo Palheta. Inicialmente plantado no Pará, de lá é que foi levado para a Baixada Fluminense, o Vale do Paraíba e São Paulo, onde se desenvolveu de maneira extraordinária. No Vale do Paraíba, próximo ao Rio de Janeiro e seu porto e com uma população bastante numerosa, havia boa oferta de mão-de-obra escrava. Entre 1820 e 1830, o café já ocupava o terceiro lugar na pauta de exportações, com 18% do total, atrás do açúcar e do algodão. Nas duas décadas seguintes passou ao primeiro lugar, representando mais de 40% das exportações brasileiras. As plantações estenderam-se aos Estados vizinhos, Minas Gerais e Oeste de São Paulo, concentrando-se principalmente em Campinas e Ribeirão Preto. Além de gerar um novo ciclo numa economia ainda primária e exportadora, essa expansão mudou-lhe totalmente o eixo. Em primeiro lugar, acabou com a supremacia do Nordeste, transplantando-a para o Sudeste; em segundo, ligou o Brasil a novos parceiros no exterior, aos Estados Unidos especialmente, e, por fim lançou as primeiras bases para a industrialização do país. A fazenda brasileira daqueles tempos tentava ser capitalista, mas era escravocrata. Sem escravos, o preço da mão-de-obra disparou. Os fazendeiros foram obrigados a trocar o trabalho escravo pelo assalariado, recrutando gente da Europa, mas isso somente quando não restavam outras alternativas como a de usar
cativos nacionais, trazidos do Nordeste. Com mais três décadas, começaram a chegar os imigrantes japoneses. O café tornou-se a atividade econômica mais dinâmica do país e rasgou caminhos para a abertura de estradas, ferrovias e portos, sem falar em vilas, cidades e palácios para os seus barões. Nos anos 20, dois bilhões de arbustos, 60% deles plantados no Estado de São Paulo, produziam ¾ das exportações do país. O Brasil respondia por 70% do consumo mundial. Em 1921 e 1927/28 houve safras maiores do que a demanda, mas acreditava-se na época que seria possível garantir os preços internacionais para sempre, por causa da eficiência dos armazéns reguladores e de um órgão criado para a ocasião: o Instituto Paulista de Defesa Permanente do Café (depois Instituto do Café do Estado de São Paulo), que entrou em ação com um empréstimo de 10 milhões de libras dos banqueiros ingleses Lazard Brothers. Não deu certo devido às disputas internas entre Estados brasileiros, como Minas Gerais e Espírito Santo, descontentes com a supremacia de São Paulo, e externas, como a expansão da produção da Colômbia, hoje o terceiro maior produtor mundial e grande concorrente do Brasil. Pesou mais, entretanto, o fato de que o consumo mundial aumentava devagar e a produção brasileira crescia em alta velocidade - simplesmente dobrou entre 1921 e 1928. Nos primeiros dias de agosto de 1929, com uma safra ainda maior que a anterior, o império do café começou a desabar. Não havia comprador para os estoques que abarrotavam os armazéns. Nos últimos dias do mesmo mês, a partir de 24, com o “crash” da Bolsa de Nova York a situação ficou ainda pior, se é que era possível. A saca estava cotada em 200 mil réis. Em janeiro de 1930, em 21 mil réis. Houve uma revolução política naquele ano (outra em 1932, com uma seca severa que durou até 1933, no Nordeste). O governo de Getúlio Vargas herdou a montanha de café sem destino. Num congresso de lavradores em São Paulo, o escritor modernista Oswald de Andrade pediu a palavra para proclamar: “Sou um encalacrado que fala a um congresso de encalacrados”. A crise do café gerou uma convulsão em toda a sociedade brasileira. Era interna e externamente a atividade econômica mais dinâmica do país, e nela estava investida
Sem estar livre de traumas, o café tormou-se a atividade econômica mais dinâmica do país, abrindo caminho para o desenvolvimento
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Depois de 1930, nunca mais a agricultura brasileira foi a mesma
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grande parte do capital. As fazendas de café eram núcleos ativos do consumo de alimentos. Estradas, ferrovias e portos foram abertos essencialmente para servi-lo. O café criou um mercado consumidor e contribuiu de forma decisiva para a acumulação de capitais que delinearam o desenvolvimento industrial. Quando seu preço despencou no mercado internacional, muitos cafeicultores viram na tragédia uma oportunidade de redenção: correram para a indústria. Esta beneficiou-se de financiamentos do governo para a importação de maquinário e do incentivo à imigração estrangeira, traduzindo em grande contingente de mão-de-obra especializada e barata. O governo, como fizera em 1929, continuou comprando e destruindo safras de café - cerca de 80 milhões de sacas entre 1931 e 1939. Com isso, favoreceu a exportação de outros produtos, como frutas, algodão, óleo e minério de ferro, e também o desenvolvimento de uma economia baseada no mercado interno. Mas nunca mais a agricultura brasileira seria a mesma depois de 1930. A expansão da fronteira agrícola, a partir daí, deixou de basear-se na contribuição da mão-de-obra estrangeira e passou a depender quase exclusivamente das migrações internas. Essa expansão foi em grande parte fomentada por empresas loteadoras e de colonização, ligadas a ferrovias, bancos e grupos econômicos estrangeiros, muito mais que ao governo, como veremos adiante. Tratava-se de uma operação comercial e especulativa, atiçada pelo processo inflacionário crônico, embora formalmente se destinasse a multiplicar o número das pequenas e médias propriedades. Serviu para resguardar e consolidar a posição do grande capital mercantil e financeiro, abalado pela crise do café e pelos efeitos da grande depressão mundial.
Aos 14 anos, um trabalhador como qualquer outro Em seus primeiros meses, o bebê Joaquim era levado diariamente pela mãe ao cafezal, permanecendo ali, devidamente agasalhado, sob a saia de uma das plantas, enquanto todos trabalhavam de manhã até o entardecer. Durante o dia, por várias vezes, ela o amamentava ali mesmo. O garoto cresceu saudável e forte. Com dez anos, passou a ocupar-se da varrição do quintal e do trato diário da criação, além de levar comida para o pai na lavoura. Aos doze anos, demonstrando sempre muita vontade, era capaz de executar metade do trabalho de um adulto. Aos 14, mais encorpado, um trabalhador como qualquer outro. No pequeno sítio, em Taquaritinga, a família cultivava café e culturas de subsistência, como milho, arroz, feijão e amendoim. Além de algumas vacas de leite, eram criados porcos, cabritos e aves, sem esquecer que havia de tudo um pouco entre hortaliças e frutas. Todas as tarefas, nessa época, eram executadas com força braçal, de sol a sol, pois não existia outro recurso. Todos acordavam às 5 horas e só voltaram para casa ao anoitecer. Costumeiramente, saboreavam arroz, feijão, ovo frito e carne, tudo de produção própria, acompanhado de água e café. Volta e meia, nos finais de semana, os Fuentes abatiam um dos capados reservados para engorda. Nessa hora, a família se reunia, cada qual com sua tarefa, para retalhar o animal e preparar os derivados. A banha e a carne, ao final, eram acondicionados em latas de 20 litros para o consumo do dia-a-dia. Com essa gordura, temperava-se o arroz e o feijão. A mãe Joanna, cozinheira exímia, conservava tradições culinárias comuns de toda família espanhola, como a miga - um prato preparado com farinha de trigo - e o puchero, um cozido à base de garbanzo, o nosso grão de bico. Com o tempo, ela passaria a ir menos para a lida no cafezal, mas as muitas atribuições em casa e os cuidados com os filhos não a impediam de estar também no terreiro, durante parte do dia, em meio ao frio ou sob sol escaldante, com o rastelo nas mãos, mexendo grãos de café que haviam sido deixados a secar. Quando sobrava um tempo, por menor que fosse, Joanna e as filhas aproveitavam goiabas, abóboras, morangas e até mesmo cascas de laranja para o preparo de doces, sem falar de derivados de leite.
No quadro, reprodução da primeira casa habitada pela família, onde Joaquim nasceu. Abaixo, ele ainda um adolescente (Acervo de família)
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Moço vaidoso, sempre gostou de cuidar-se
A elegância, incluindo o uso de chapéu: uma característica de Joaquim que, inicialmente, preferiu os da marca brasileira Ramenzoni, fabricados com pelo de lebre. Só mais tarde, nos anos oitenta, durante viagem à Itália, ele se renderia ao modelo borsalino, de feltro, que o acompanharia pelo resto da vida
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Sem nunca ter tido chance de freqüentar uma escola, ao menos para aprender a escrever o próprio nome, Joaquim encarava tudo quanto era serviço braçal. Ainda antes de fazer 15 anos, abanava de 30 a 35 sacas de café, daquelas de 110 litros que, com agilidade e esforço, colocava nas costas para levá-las ao carreador, onde uma carroça aguardava para transportar a carga até o terreiro. Nessa época, o jovem ganharia seu primeiro presente. O “avuelo” Joaquim, pai de seu pai, presenteou-o com uma bezerra que acabara de nascer, cuja mãe morrera durante o parto. Disse-lhe o avô: “Se você criar, é sua”. Feliz, o moço batizou-a “Violeta”, passando a dedicar todo cuidado ao animal, o que exigiu um esforço redobrado. Às 5 da manhã, antes de seguir para a roça, ele corria até o curral onde separava uma vaca que estava amamentando, para que “Violeta” nela pudesse mamar. E fazia o mesmo na hora do almoço e à meia-noite. Em companhia do pai ele trabalhava no sítio durante a semana inteira e, sem demonstrar cansaço, se sentia liberado aos domingos para ir à cidade onde, na feira, comercializava alho e cebola que produzia para si em um pequeno pedaço da propriedade da família. Com o resultado das vendas, se permitia um capricho: comprar coisas pessoais. Joaquim era vaidoso e apreciava vestir-se bem, preferindo, na medida do possível, produtos da melhor qualidade. Era assim que se exibia em público, comparecendo a festas ou missas trajando impecáveis ternos de linho “S 120”. Nos pés, reluzentes botinas de cromo alemão e, na cabeça, um chapéu, fabricado com pelo de lebre. Educado, equilibrado, agradável, ele gostava de conversar principalmente com pessoas de mais idade, que sempre tinham alguma experiência a transmitir. Dessa forma, aquele aparentemente rude batalhador da roça revelava-se um moço de fino trato, embora analfabeto, o que era bastante comum na época. Com toda a vida devotada ao trabalho, não tivera ele condições de frequentar uma escola. Na verdade, esteve em uma, ainda criança, por cerca de um mês, mas preferiu sacrificar os estudos para que o pai tivesse alguém a ajudá-lo na lavoura. No entanto, mesmo iletrado, Joaquim era um conhecedor, como poucos, das regras de contas. Nas
quatro operações - soma, subtração, multiplicação e divisão - ninguém lhe passava a perna. Ainda jovem, praticamente uma criança, já era uma pessoa de muita fé. Trabalhando, costumava elevar o pensamento a Deus, quase suplicando: “Será que um dia eu vou ter alguma coisa para conseguir ajudar os meus familiares?”. Sem dúvida, um abençoado futuro reservava o Criador para esse seu filho tão obstinado.
Luíza, uma paixão arrebatadora Anos mais tarde, quando chegou o momento de fazer a seleção para prestar o serviço militar, Joaquim foi encaminhado pelo pai a um amigo na cidade, um espanhol também procedente da Almeria, de nome Miguel Martos. Joaquim passou uma noite em sua residência, o que facilitaria para que, no amanhecer do dia seguinte, ele se apresentasse sem atraso na corporação militar. Submetido a exames, acabou dispensado do Exército, o que não o livrou do Tiro de Guerra. Era justamente este o seu desejo, pois não pretendia ausentar-se da família, principalmente do pai, do qual era o braço direito. No entanto, a noite passada fora de casa foi arrebatadora e por uma dessas razões que só o coração consegue explicar: sob o teto de Miguel, encantara-se com uma das filhas deste, Luíza, a primeira de uma família de 8 irmãos. Uma jovem bonita, caseira e prestimosa, que revelava muito talento para costurar. De hábitos delicados, ela havia também se impressionado com a personalidade, a firmeza de caráter e a maneira de ser de Joaquim. Nos meses que se seguiram, os jovens enamorados tiveram absoluta certeza de que estavam felizes um com o outro e confiantes de que o seu amor seria para sempre. Após seis meses de namoro e noivado, casaram-se no dia 29 de setembro de 1937 na Igreja São Sebastião em Taquaritinga, ele com 20 anos e ela com 18. Pouco tempo antes, o “avuelo” Joaquim - que lhe havia presenteado com a bezerra “Violeta” faleceu repentinamente, o que significou um duro
Luíza, a primeira de uma família de oito irmãos, estudou até o quarto ano primário; acima, com idade de um ano
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golpe para o neto, que nutria pelo avô especial admiração. Este, aliás, seria muito lembrado poucos dias depois do casamento, quando Joaquim viu-se diante da “avuela” Joaquina, que lhe entregou um presente em dinheiro: 3 contos de réis. Disse ela estar apenas cumprindo uma promessa feita ainda em vida pelo marido, que manifestara a vontade de prestar ajuda ao rapaz, agora em uma nova fase de sua vida.
O casamento foi celebrado no dia 29 de setembro de 1937 na Igreja de São Sebastião, em Taquaritinga
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Parte 3
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Mesmo contrariando a vontade do pai, a propriedade de café foi comprada em Maringá. Em apenas dois anos, graças ao seu trabalho, ela estaria totalmente quitada. Pouco tempo depois, pais e irmãos seriam trazidos para o Paraná.
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Casados, buscando o próprio caminho
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niciando sua jornada a dois, Joaquim e Luíza decidiram mudar-se para a cidade, determinados a lutar pela própria sorte. No sítio, o rapaz fez sua mala e, ao lado do pai, indagado sobre o que faria com o rebanho de vinte e tantas cabeças que havia originado de “Violeta”, respondeu que nenhuma delas lhe pertencia. O gado todo, afinal, havia nascido e se criado nas terras do pai. Era este, na visão do filho agradecido, o legítimo dono dos animais. Quando casou-se, Joaquim tinha pressa em dar um rumo para sua vida. Para isso, contava com 4 contos de réis, além dos 3 que haviam sido entregues pela “avuela” Joaquina por vontade do falecido marido. Após o casório, o casal ficou três dias na casa de Miguel e Isabel, os pais de Luíza, na cidade. Então, sabendo que o sogro estava saindo de viagem para o sertão de Rio Preto, “região muito boa”, como ouvia dizer, Joaquim pediu para acompanhá-lo. Surpreso, Miguel não se conteve: “mas você acabou de casar...” Assim mesmo ele quis ir, explicando que queria definir logo seu caminho, pois com o casamento, havia assumido “uma grande responsabilidade”. Durante os dias em que o marido ficou fora, Luíza preferiu ficar no sítio, com os sogros. Na viagem, Joaquim constatou que Rio Preto oferecia muitas oportunidades a quem quisesse, por exemplo, comprar e revender cereais. Assim, ao retornar com o sogro para Taquaritinga, resolveu se estabelecer nesse ramo, reativando um imóvel de 8 portas que pertencera ao “avuelo” Joaquim e estava em desuso. Tudo
Logo após o casamento, Joaquim tornou-se comerciante, iniciando pela compra e venda de arroz
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arranjado, voltou para Rio Preto onde fez a aquisição de uma carga de 30 sacos de arroz para revender a comerciantes. Mesmo sem experiência no ofício da negociação, soubera ele selecionar um produto de qualidade, o que interessou aos compradores. Estes costumavam expor os sacos de arroz abertos em seus armazéns para fazer a venda “picada” aos consumidores. Vendendo sem muita demora aquela primeira carga, o rapaz animou-se a fazer novas compras e como tinha sempre um bom produto para oferecer, conquistou a confiança dos comerciantes e formou logo uma clientela. Além de arroz, trabalhava com feijão, milho e até mesmo açúcar. Ele viajava de trem para várias cidades do interior paulista em busca de mercadorias. O açúcar tinha que buscar em Ribeirão Preto, enquanto o feijão, só achava mesmo, do bom, em Apucarana, no Norte do Paraná, região que estava sendo colonizada. Para chegar a essa cidade, seguia de trem até Marília, completando o percurso em ônibus. Enquanto Joaquim estava fora, era Luíza quem cuidava sozinha do armazém, achando tempo ainda para os afazeres domésticos e, é claro, a costura, que não abandonava nunca. Fazendo roupas, ela participava do orçamento da casa. Nessa época, já no final dos anos 1930, sempre trabalhando com seriedade, Joaquim havia se dado bem na nova profissão e prosperava, tornando-se uma pessoa de prestígio em Taquaritinga. Em 1938, nascia a primeira filha do casal, que recebera o mesmo nome da mãe: Luíza. Dois anos depois, vinha ao mundo Miguel, cujo nome homenageava os pais de ambos.
A vontade de conhecer o Norte do Paraná
SP Londrina Maringá Mandaguari Apucarana
PR
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No interior de São Paulo, já não era novidade para ninguém que o Norte do Paraná despontava como uma nova fronteira agrícola, com oportunidades para quem quisesse ter as próprias terras, Taquaritinga compradas em condições facilitadas. Mas era preciso derrubar o mato e enfrentar uma vida de despojamento e privações, investindo tudo no cultivo do café, o São Paulo produto agrícola mais valioso da época, que muitos chamavam de “ouro verde”. Todos os dias se via gente seguindo viagem em direção àquele Estado, o que despertava a curiosidade e o interesse de Joaquim.
De fato, uma empresa controlada por ingleses, a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP), havia adquirido 515 mil alqueires paulistas de sertão paranaense, em meados dos anos 1920. Astutos e perspicazes, os ingleses liderados por um escocês de nome Simon Fraser, o Lord Lovat, haviam descoberto uma preciosidade debaixo daquela imensa floresta de 40 metros de altura: terras vermelhas da melhor qualidade. Eram terras tão boas e férteis ao longo de uma extensa planície irrigada por muitos rios e córregos, que eles decidiram levar adiante um dos maiores e mais bem sucedidos projetos de colonização de que se tem notícia no mundo. Tudo já estava bem pensado. A área seria dividida em pequenos lotes, oferecendo-se aos interessados a oportunidade de adquirilos, mediante pagamento em condições ajustadas por vários anos. Quem comprasse, precisaria derrubar o mato e plantar café, lançando mão dos lucros a serem obtidos com essa cultura para saldar o compromisso com a empresa colonizadora. Para facilitar o transporte das safras cafeeiras, a Estrada de Ferro Sorocabana já havia instalado um ramal entre a cidade paulista de Ourinhos, na divisa com o Paraná, e Cambará. ..... Maringá era um lugar muito divulgado naquela época. O nome do então povoado, sinônimo de riqueza para muitos, era ouvido no rádio e também na boca das pessoas, quase que a todo momento. Por causa disso, em 1941, Joaquim decidiu, sozinho, conhecer a tão comentada região. O que viu, ao chegar, foi um pequeno amontoado de casebres ao lado de ruas descalças e poeirentas, um fim de mundo, mas com intenso movimento de caminhões carregados de café. Havia, também, gente levantando casas e estabelecimentos comerciais, numa sinfonia de martelos e serrotes. Na redondeza, fazendo longas fileiras, a lavoura de café ia substituindo as matas. As estradas eram ruins e não havia energia elétrica, desconforto que não causava desânimo: Joaquim via aquilo tudo, afinal, como um manancial de oportunidades, que precisavam ser aproveitadas. Era um lugar para se investir. Pensando assim, dirigiu-se à Companhia de
Vencer estradas precárias era um desafio para quem se aventurasse no Norte do Paraná. Acima, trecho entre Mandaguari e Maringá, no início da colonização Foto: Akimitsu Yokoyama
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Detalhe do chamado “Maringá Velho”, por onde começou a cidade de Maringá Foto: Cia Melhoramentos
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Terras, onde foi atendido por Waldemar Gomes da Cunha (que anos mais tarde seria um de seus companheiros na fundação da Cocamar), conhecido como Waldemar Barbudo, dono de uma enorme barba que justificava o apelido. Disse-lhe que se interessava em conhecer um espigão apropriado para o plantio de café. Então, um corretor levou-o à Gleba Jaguaruna, onde desceram por uma picada até a beira do rio. O candidato a comprador, entretanto, não gostou muito do que viu, dizendo não ser aquilo o que procurava. No dia seguinte, ambos dirigiram-se para um lugar conhecido como Miozótis e, de novo, Joaquim ficou desapontado. Depois de argumentar que ali não valeria a pena plantar café, pois o mesmo apresentava-se como um campo propício para geadas, o rapaz afirmou ao corretor sua disposição de desistir de procurar terras e ir embora. Talvez o Paraná fosse só uma ilusão, pensava. Retornando ao escritório da Companhia, avistou-se novamente com Waldemar Barbudo, ao qual disse, aborrecido, que ele certamente não havia entendido. E que não queria saber de mais nada, a não ser tomar o caminho de volta. No entanto, depois de alguma insistência, Joaquim concordou em reconsiderar sua decisão e ir dar uma olhada em outro local, o que fez meio a contragosto. Na localidade Santo Maneta, enfim, se viu diante do que, desde o início, tinha imaginado encontrar, após tanto ouvir falar de Maringá. Uma mata magnífica, com madeira de qualidade e palmital abundante, o que revelava toda a exuberância das terras vermelhas. Bem impressionado, o moço não teve dúvida: ali brotaria uma beleza de cafezal. Joaquim sabia muito bem distinguir uma mata suscetível a geada. Observava a copa das árvores, se estavam bem formadas, e ia examinar o estado de espécies sensíveis como o jaracatiá e a imbaúba, de madeira mole. Por fim, a existência de palmitos, em
abundância, confirmava a excepcional fertilidade das terras. De volta ao escritório e agora muito contente com o que lhe tinha sido mostrado, Joaquim fez a reserva de 200 alqueires, mas isso - deixou claro - dependeria ainda de uma confirmação posterior, uma vez que precisaria voltar para Taquaritinga e conversar com seus familiares. A empolgação, porém, esfriaria quando, em sua cidade natal, o rapaz se colocou diante da família para relatar o que havia visto no Paraná. Isto porque ao mesmo tempo em que corriam histórias fantásticas de gente que enriquecia rapidamente com o café, todos ouviam falar, também, dos fracassos de muitos que tinham deixado o interior paulista para correr atrás da tal riqueza nas terras vermelhas. O grande medo se justificava em função das constantes geadas, que faziam o povo sofrer no sertão paranaense. Falava-se, por exemplo, que uma única noite de frio intenso colocava a perder tudo o que se conseguira juntar ao longo de anos. O sujeito anoitecia rico e amanhecia pobre. Por isso repetia-se, em tom de deboche, uma frase que se ouvia por tudo quanto era canto: “O Paraná é só enganação, quando não é geada é poeirão”. Assim, sem restar-lhe nenhuma saída e diante da absoluta relutância dos familiares, Joaquim resolveu desistir de seu projeto na região de Maringá. Na verdade, seria apenas uma desistência temporária, pois embora acatando a decisão da família, ele jamais deixaria esmorecer o sonho de ir cultivar as terras vermelhas. O perigo da geada não o assustava. Sabia que, de alguma forma, seu destino apontava para a região que estava sendo colonizada. Quem sabe isto fosse possível em uma outra oportunidade.
A existência de palmitos em abundância revelava a fertilidade das terras, próprias para o café. Abaixo, uma propriedade na região Acervo: Kurt Jakowatz
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Em apenas quatro anos, de 1937 a 1941, comprando e revendendo cereais, Joaquim conseguiu juntar 400 contos de réis. Dessa forma, ele vencia com seu próprio esforço e o de Luíza, sem depender de ninguém
Lucélia, próximo a Adamantina, ficava em uma das extremidades da Estrada de Ferro Sorocabana
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A mudança para Lucélia A bem da verdade, quase toda a década de 40 seria bastante complicada para os cafeicultores brasileiros e também para quem investiu em terras no Paraná. Os preços estavam baixos, como resultado ainda da grande depressão havida na década anterior, quando o governo de Getúlio Vargas, para tentar reverter as reduzidas cotações, mandou queimar parte dos grandes estoques nacionais. No entanto, foi também uma década especialmente fria, de fortes geadas, como a que sobreveio em 1943, deixando um rastro de estragos e desolação. Por isso, na cidade de Taquaritinga, Joaquim teve que ouvir muitos comentários de seus familiares, os quais se referiam, repetidamente, à acertada decisão de não ter investido no Paraná. Nem isto, contudo, conseguiria abalar o seu ânimo. Querendo muito da vida, sabia ele que se ficasse por mais alguns anos em Taquaritinga, acabaria se acomodando. Embora tivesse o apoio de Luíza para o que julgasse ser melhor para a família, os filhos estavam crescendo e as coisas, certamente, se tornariam mais difíceis. Por isso, em 1944, Joaquim decidiu mudar de ares e trocar a vida de comerciante de cereais em Taquaritinga pela de dono de uma máquina de arroz em Lucélia, município da região Oeste de São Paulo, próximo a Adamantina, um dos limites da Estrada de Ferro Sorocabana. Nesse novo negócio, ele passou a comprar, beneficiar e vender o produto, aproveitando-se do conceito que tinha conquistado no interior paulista. Como era reconhecido pela qualidade do produto com que trabalhava, o empreendimento deu certo. Foi assim por cinco anos, mas sem nunca deixar de cultivar a vontade - mais do que isso, o sonho - de fixar-se como produtor de café nas terras de fertilidade cantada em verso e prosa, cuja lembrança aflorava todos os dias, da região de Maringá.
Nesse tempo, Luíza aprimorou-se como costureira e passou, inclusive, a vestir noivas. Era muito trabalho, mas sem nunca deixar de lado os cuidados com os dois filhos pequenos. No entanto, a cidade de Lucélia viveria um drama que custaria muitas vidas à população: um surto de tifo negro, enfermidade de difícil controle que, volta e meia, alastrava-se pelo interior brasileiro. A menina Luíza adoecera gravemente, o que exigiu, por várias semanas, a integral dedicação e acompanhamento dos pais. Felizmente, não teve ela o mesmo destino de outros porque a família, contando com alguma estrutura financeira, pôde fazer todo o possível, levando-a para ser tratada em Marília pelos melhores profissionais. Só mais tarde, superado o pesadelo, a vida finalmente voltaria à normalidade. Muito embora estivesse se dando bem no comércio de arroz, Joaquim parecia pouco realizado nessa atividade, pois como fora criado na lavoura e entendia muito de café, era no campo onde queria estar. Ter as suas terras, um cafezal conduzido ao seu jeito... ah, isso era o que lhe fazia bem!
Amélia passa a integrar a família Sempre muito seguro e responsável, Joaquim era especialmente querido pelos sogros, que ainda viviam com alguns dos filhos em Taquaritinga, entre os quais a pequena Amélia, de 6 anos. O casamento com Luíza ia muito bem e todos podiam ver que o casal, sempre devotado ao trabalho, teria uma vida próspera. Essa perspectiva levou dona Isabel, mãe de Luíza, a chamar a filha e o genro, em determinada ocasião. Desenganada pelos médicos, teria ela apenas mais algum tempo de vida. Na oportunidade, juntamente com o marido Miguel, dirigiu a eles um pedido: que cuidassem de Amélia, o que foi aceito prontamente. Quem conhecia Joaquim e Luíza tinha certeza de que eles jamais negariam apoio e total envolvimento. Por isso, logo depois, quando retornaram para Lucélia, levando com eles a criança, a família havia sido acrescida de mais um membro. Como previsto, dona Isabel falecera pouco tempo depois e, na partilha dos bens, o pai reservou, como herança, uma quantia em dinheiro a cada um de seus filhos.
Luiza passou a trabalhar como costureira, ajudando no orçamento da casa. Abaixo, dona Isabel, sua mãe, que confiou-lhe o futuro de Amélia, a irmã mais nova
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O que coube a Luíza e Amélia - 40 mil cruzeiros para cada uma - ele deixaria sob a guarda de Joaquim, mas pediu que Luíza abrisse mão da herança para que sua parte fosse somada a de Amélia, assegurando a esta melhores possibilidades no futuro. Joaquim encarregou-se, portanto, de empregar o dinheiro em uma propriedade que julgasse adequada para, mais tarde, entregar à Amélia. Sobre este assunto, falaremos adiante.
A nova investida no Paraná. Era tudo ou nada Sempre pensando no Paraná, Joaquim não abandonava seu projeto. Assim, certo dia em fevereiro de 1949, na tentativa de convencer os familiares, ele decidiu convidar o pai e um cunhado, Francisco, para que fossem conhecer terras no município de Rancharia, bem perto da divisa com o Paraná. Sua intenção era outra: já sabia que aquela região não se prestava ao cultivo de café e, como já estariam lá mesmo, aproveitaria para sugerir um passeio até Maringá, “mais por curiosidade”, apenas para que todos pudessem conhecer a região. Como previa, as terras fracas de Rancharia foram logo dispensadas e, diante da concordância do pai e do cunhado, eles adentraram em terras paranaenses para uma viagem “sem compromisso”. Assim, logo que chegaram ao Hotel Maringá, no chamado “Maringá Velho”, após cansativo percurso por estrada poeirenta, desper-
Detalhe de Maringá: a cidade prosperava em meio a lavouras de café
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taram a atenção de alguns corretores de terras que, estrategicamente, ficavam por ali, sondando o movimento. Quando aparecia alguém que, imaginavam, tivesse jeito de investidor, abordavam sem demora, sob pena de perderem uma gorda comissão. Foi o caso de um corretor que se apresentou aos recém-chegados, indagando-lhes se tinham interesse em adquirir um imóvel. Vendo que tudo caminhava conforme o esperado, Joaquim disse-lhe que os três gostariam de ver uma lavoura de café produzindo. O homem, então, lembrou-se de uma propriedade de 50 alqueires, situada nos lados do Guaiapó, a qual pertencia a um senhor de idade, chamado Petráglia, que tinha manifestado interesse em vendê-la. O negócio, disse o corretor, poderia ser fechado por 1 milhão e 200 mil cruzeiros, com uma entrada de 50% do valor e o restante em parcelas a serem combinadas por dois ou três anos. Sem aparentar interesse na compra, mas querendo ir ver a área, o grupo foi levado de “pé-de-bode” até a propriedade, onde haviam 30 mil pés de café. No local, logo na entrada, os ocupantes do carro desceram para examinar o cafezal, cujos pés estavam carregados. Animados, vendo tratar-se de uma lavoura magnífica, Joaquim e o pai combinaram de enveredar cada qual por um talhão para verem melhor a carga e se encontrar mais abaixo, para conversar. Até então, Joaquim não tinha revelado seu interesse em comprar aquelas terras ou qualquer outra na região, mas quando encontrou-se com o pai, este falou-lhe que “era realmente uma fazendinha muito boa e os pés de café estavam carregados”. Então, Joaquim disse que pretendia tratar com o dono, sr. Petráglia, a fim de conhecer as possibilidades. Durante o contato, o proprietário pediu inicialmente 1 milhão e 300 mil cruzeiros, 100 a mais do que havia dito o corretor, mas concordou em baixar para 1.200 assim que ouviu a
A propriedade de 50 alqueires do sr. Petráglia tinha um cafezal exuberante, que impressionou Joaquim. Em poucas horas, o negócio estava fechado Acervo Kurt Jakowatz.
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Em 1° de novembro de 1942, o governo Getúlio Vargas alterou a unidade da moeda nacional de milréis para cruzeiro
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reclamação de Joaquim. Ele pediu, então, uma entrada de 600 mil cruzeiros e estipulou o pagamento do restante em três parcelas anuais de 200, o que poderia ser feito, é claro, com os lucros da própria produção. Sem dúvida que a proposta seduziu Joaquim de imediato, para aflição do pai, que não queria nem pensar no assunto. Mas o filho, como não tinha todo o dinheiro, indagou ao sr. Petráglia se não poderia dar a entrada com 500 mil cruzeiros, o que lhe foi negado. Como o proprietário não abria mão de receber uma entrada de 600 mil, correspondente à metade do valor, Joaquim temeu pelo negócio, pois só tinha mesmo 500 mil, tudo o que havia conseguido juntar. Uma diferença grande, mas que diminuiu com a disposição do cunhado Francisco de emprestar-lhe 30 mil cruzeiros. Os 70 restantes conseguiria - pensou - recorrendo a um “papagaio” na agência do Banco do Brasil em Lucélia, sua cidade. Vendo que a transação estava embalada e caminhando para um desfecho, o pai de Joaquim desesperou-se e demonstrou ao filho toda a sua contrariedade e irritação. “Por que iria se endividar tanto?”, inquiriu. E se sobreviesse uma geada, como honraria os compromissos? Poderia arruinar-se, como tantos outros, argumentava ele, na inútil tentativa de convencer o filho. Mesmo diante dos apelos, Joaquim manteve-se irredutível, disposto a comprar as terras. Só pediu ao proprietário que aguardasse até o dia seguinte, para ter tempo de organizar-se e oficializar a decisão. No caminho de volta, até o hotel, o pai não descansou um só minuto na tentativa de demover o filho da decisão de investir todo o seu dinheiro na propriedade de café em Maringá. Foi aí que Joaquim, em tom resoluto e definitivo, disse ao pai que sempre tinha ouvido e respeitado seus conselhos, mas agora era com ele. “Que seja o que Deus quiser!” Inquieto e ansioso, Joaquim não aguentou ficar meia hora no hotel e já quis voltar para a propriedade a fim de fechar o negócio. O pai, profundamente aborrecido, não viu outra alternativa senão embarcar com o filho e o genro no “péde-bode”. A viagem, no entanto, seria curta para ele: no caminho, tão enfezado estava que resolveu “apiar” do carro logo na primeira quadra, deixando de acompanhar os dois. Na fazenda, tudo fora acertado.
A família se muda para Maringá e “tira a sorte grande” Joaquim chegou especialmente feliz em sua cidade, onde participou a novidade à Luíza e às crianças. Diante disso, a família tratou de organizar a mudança para o Paraná e colocar à venda a máquina de beneficiamento de arroz. Eles iriam viver no sertão, na terra das oportunidades. Como o sr. Petráglia havia dado um prazo para o pagamento do restante da entrada, Joaquim dirigiu-se então ao Banco do Brasil, onde o gerente, embora sem recusar-lhe o “papagaio”, apenas disse, em tom desanimador, que investir no Paraná era “loucura”. Sem dar ouvidos aos comentários negativos que vinham dos conhecidos e também dos familiares, Joaquim, Luíza e os filhos chegaram a Maringá no dia 13 de março daquele ano, instalando-se na Vila Operária, em uma casa vizinha a da família Schiavone. A mudança havia sido amontoada em cima de uma pequena caminhonete, que incluía até mesmo um suíno no interior de uma gaiola. “Quando chegamos, as pessoas achavam que tratava-se de uma família de ciganos”, lembra Joaquim. Era praticamente véspera da safra de café. Sentindo-se perfeitamente ambientado a essa região, o novo fazendeiro não encontrou dificuldades. Em curto espaço de tempo já havia organizado a mão-de-obra e os detalhes da colheita, que prometia muito trabalho. De fato, tudo transcorreria muito bem nos meses seguintes - melhor, aliás, do que esperava. Para dizer a verdade, Joaquim tinha tirado a sorte grande, feito um negócio da China, acertado em cheio. Além de ser um ano em que não aconteceu geada forte, o preço do café - como consequência de vários anos seguidos de crise - começou a subir sem parar, criando um clima de euforia entre os cafeicultores, que se sentiam aliviados.
Em Maringá, Joaquim e Luíza instalaram-se em uma casa na Vila Operária. A mudança ocorreu no dia 13 de março de 1949
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Com boa safra e preço remunerador Joaquim começou bem sua vida no Paraná
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Assim, ao final da colheita, que se desenvolveu em meio a um festival de boas notícias - pois o preço saiu de 40 para chegar a 48 cruzeiros a saca - os produtores comemoraram os resultados e a região toda era só alegria. Ano bom de café significava, afinal, comércio movimentado nas cidades, vendas em profusão, trabalhadores satisfeitos. Cafeicultor em época de preço bom era senhor respeitado, pessoa influente, cobiçado por tudo quanto era comerciante. Se o sujeito fosse solteiro, então, “que partido”, suspiravam as moças. Joaquim, portanto, que acabara de chegar, havia se dado bem. Ao contrário de tantos outros, que sofreram com geadas, preços baixos por vários anos e foram ficando para trás, consumidos pelo desânimo e achando que lidar com café era pura ilusão, ele só tinha motivos para agradecer a Deus, que lhe havia apontado o caminho do Paraná no momento certo. Para isso, teve que fechar os ouvidos até mesmo para os conselhos do pai, coisa que nunca havia feito. Seu Miguel, que ficara ressentido com a decisão do filho e voltara bravo para Taquaritinga, com certeza iria ficar satisfeito quando soubesse. Sim, pois o impetuoso Joaquim acumulara uma safra de nada menos que 4.700 sacas de 40 quilos de café em coco (ainda não beneficiado), que valiam um dinheirão. O “menino” estava certo, pensaria o pai. Com isso, as rusgas seriam esquecidas.
Parte 4
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Conhecedor das melhores terras para a implantação da lavoura cafeeira, ele nunca se dava mal. Por isso, muito procurado por investidores, tornou-se um concorrido formador de fazendas.
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Dinheiro deu até para comprar terras no Mato Grosso
C
om o resultado da venda de sua gorda safra de café, Joaquim pagou a primeira das três parcelas de 200 mil cruzeiros ao sr. Petráglia, quitou o “papagaio” com o Banco do Brasil em Lucélia e saldou toda uma série de despesas decorrentes da lavoura. Mesmo assim, sobrara ainda o bastante para, mais depressa do que tinha imaginado, investir na expansão de seus negócios. Deixando agora aflorar o espírito sertanista que por tantos anos cultivou sem nunca ter tido a oportunidade de lhe dar vazão, ele voltou os olhos para o Mato Grosso. Naquela época, o Estado ainda não havia sido desmembrado em dois (o que só ocorreria em 1979) e a situação era ainda sinônimo de quase primitivismo - e oportunidade. Se no interior do Paraná o rápido processo de colonização não conseguira tirar a região do atraso em que se encontrava, pois as estradas eram sofríveis e luz só mesmo a de lampiões e lamparinas, no Mato Grosso - onde até o nome assustava - tudo se mostrava muito pior. O tal “progresso” ensaiava timidamente seus primeiros passos e as cidadezinhas não passavam de pequenos povoamentos isolados na selva. No entanto, os visionários e empreendedores já enxergavam aquela região como uma nova fronteira, onde o desenvolvimento, apesar da persistente incredulidade e do pessimismo de muitos, não demoraria a chegar. Quando isso ocorresse e as coisas andavam depressa, desafiando os prognósticos de qualquer um, os investimentos em terras seriam recompensados por grandes valorizações. Isto, afinal, já tinha acontecido no Paraná.
Como as estradas eram muito ruins, Joaquim preferiu comprar propriedades servidas por rios. Assim, usando balsas, era muito mais fácil chegar às sedes das mesmas
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Luíza faz nome como costureira; Maringá era barro e poeira
Embora tivesse rápido crescimento, a cidade de Maringá oferecia pouco ou quase nenhum conforto aos seus moradores Acervo Kenji Ueta
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Desde que chegou a Maringá, Luíza dedicou-se ao seu trabalho de costureira, recebendo, logo, um grande número de encomendas, inclusive de noivas. Como a cidade era muito pequena e precária, com todas as ruas descalças, quando chovia tudo virava um grande pesadelo: caminhões e carros atolados, sem esquecer que as viagens de ônibus por estradinhas de terra eram repletas de imprevistos e, não raro, os próprios passageiros tinham que descer para empurrar os veículos, ficando completamente enlameados. Na cidade, em todo lugar, enormes poças de água escondiam crateras e as pessoas caminhavam com dificuldades sobre o lamaçal, às vezes afundando até os joelhos e, mesmo, caindo sobre o barro. Se sair de casa era complicado, voltar também significava aborrecimentos, pois a lama grudava nos calçados, emporcalhando tudo, para desespero das mulheres. Quando não era a chuva e seus efeitos, a reclamação ficava por conta da poeira. Com o movimento incessante de veículos, levantando pó o tempo todo, como deixar as casas abertas e as roupas secando nos varais? Nas moradias mais humildes, cheias de frestas, as famílias já acordavam empoeiradas. Tudo isso sem falar do calor infernal, com aquele abafamento que resultava da derrubada dos matos, e também a fuligem das queimadas, os mosquitos, enfim. Os pioneiros, para conseguir dormir, tinham que providenciar fumaça com a queima do esterco seco de vaca e, se pudessem, mosquiteiros. Mas nem todos tinham esse luxo e a vida era sofrida. Em 1949, quando a família de Joaquim chegou a Maringá, somente uns poucos comerciantes podiam contar com energia elétrica gerada por motor a diesel. Nas casas, quem precisasse ler ou estudar à noite sob a luz de um lampião, ficava com o rosto escurecido pela fumaceira. É que muitos queimavam óleo de querosene ou de mamona, colhida no quintal, que gerava uma enorme poluição. Banhos, só de bacia, com água esquentada num latão, ou no chamado
“tiradentes” (um balde levantado por carretilha, com um chuveiro na parte inferior, onde cabiam 20 litros). Poucas casas possuíam mictórios com vasos sanitários: a maioria se servia, mesmo, era de uma “casinha” no fundo do quintal, fechada com ”tramela”, em cujo interior só havia um pequeno buraco no chão por onde passavam os dejetos. Assim era a tão falada Maringá. Mesmo desse jeito, o lugarejo atraía gente de todas as partes do Brasil e até do estrangeiro, que chegava confiante em fazer fortuna, seja produzindo café ou trabalhando com comércio. Aliás, os estabelecimentos comerciais fervilhavam e os proprietários não tinham medo de vender a prazo, mesmo sem qualquer garantia. Eram muito conhecidas, por exemplo, a Casa Ribeiro, de Francisco Feio Ribeiro, a Casa do Povo, de Antonio Ribeiro, a Casa Peralta, a Casa Andó, a Casa Anete, a Casa Planeta, de Ângelo Planas, a sapataria dos irmãos Scramin, o cinema de Odwaldo Bueno Neto, o bazar de sortimentos de sua esposa, dona Ethel, e o estúdio fotográfico de Paulo Kenji Ueta. Na Casa Planeta achava-se de tudo, desde ferragens, utensílios, ferramentas, peças em geral e até sementes e alguns insumos. Como muitos não tinham dinheiro e haviam comprado terras para pagar com as safras futuras, Planas fornecia o que precisavam e anotava em uma caderneta. Aos poucos eles iam pagando, pois até que o café se formasse, plantavam feijão, arroz, milho, amendoim e criavam alguns animais. A grande maioria era formada por gente ordeira, honesta e trabalhadora, mas também havia malandros. Por qualquer coisa, alguém sacava um revólver ou uma peixeira, de modo que as desavenças, não raramente, eram resolvidas ao modo rude do sertão.
A Casa Planeta, de Ângelo Planas, abriu as suas portas em 1945 Foto: Revista Tradição
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Com a segunda safra, Joaquim quitou o sítio
Em apenas dois anos, Joaquim já era um cafeicultor de sucesso
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Logo depois da colheita, a florada da segunda safra de café de Joaquim revelou-se “espetacular”, como diziam os cafeicultores, anunciando que a produção do ano seguinte, se tudo corresse bem, poderia ser tão boa quanto a última. A farta produção cafeeira havia realizado o sonho de pessoas que acreditaram nesse negócio ou, pelo menos, consertado a vida de um grande número de produtores que há anos vinham sofrendo perdas em função de geadas e baixos preços. Confirmando as expectativas, a safra de 1950 apresentou, a exemplo da anterior, alta produtividade, fato que se somou a um preço ainda mais remunerador para a saca de café, já por volta de 50 cruzeiros. Os cafeicultores só tinham motivo para comemorar: levavam para suas tulhas, mais uma vez, um volume considerável de produção, que representava generosa lucratividade. Foi o caso, já não surpreendente, de Joaquim, que contabilizou a colheita de mais 4.400 sacas de 40 quilos de café em coco, outra enorme quantidade. Com isso, ele consolidava-se como fazendeiro de sucesso, podendo-se dizer que havia se estruturado financeiramente no curto prazo de dois anos. Tanto que quando o sr. Petráglia apareceu para cobrar a segunda das três parcelas da dívida, de 200 mil cruzeiros, Joaquim atendeu a um pedido dele e quitou logo tudo, antecipando o pagamento também da que venceria no ano seguinte. E, sem esquecer sua origem, destinou outros 60 mil cruzeiros para que algumas entidades assistenciais de Taquaritinga pudessem reforçar ajuda a famílias pobres. Como tudo em Maringá ainda estava por fazer, as poucas escolas ali man-tidas eram simplórias. Por isso, interessados em proporcionar um estudo de qualidade para as crianças, os Fuentes deci-diram, em 1950, mandá-las para São Paulo, logo depois que terminaram o curso pri-mário
no Colégio Oswaldo Cruz. Assim, enquanto Luíza e Amélia foram internadas no Colégio Santa Marcelina, situado no bairro de Perdizes, Miguel seguiria para o Colégio Arquidiocesano, em Vila Mariana. Lá, permane-ceram por três anos até concluir o ensino básico, após o que voltaram para Maringá. Na cidade, ainda, as duas jovens teriam aulas de piano com um músico talentoso que havia imigrado da Itália: Aniceto Matti. Em casa, a mãe Luíza, quase sempre permanecendo longos períodos sozinha, pois Joaquim costumava viajar com frequência, dedicava-se cada vez mais ao ofício da costura.
Os irmãos e os pais são trazidos para o Paraná
Passeio em São Paulo: o casal Joaquim e Luíza, acompanhado dos filhos Luíza (esq.) e Miguel (dir.), e Amélia (irmã mais nova da esposa)
Joaquim não parava e nem tinha medo de enfrentar aquelas estradas quase intransitáveis. Quando chovia pesado, elas se enchiam de lagoas e o lamaçal grudento constituía desafio mesmo a quem se atrevesse a prosseguir a cavalo. Molhadas, as árvores vergavam, quase impedindo o caminho. Na estiagem, qualquer movimento levantava tamanha poeira que, não raro, motoristas perdiam o rumo e acidentavam-se. Pois ele, acompanhado de um motorista habilidoso, embarcava em um jipe, geralmente de madrugada, veículo com o qual percorria grandes distâncias em jornadas exaustivas que podiam durar vários dias. Só mesmo um jipe para suportar tanto castigo. Esse veículo rústico, que teve papel crucial na Segunda Guerra, ajudando os aliados a avançar sobre as linhas inimigas, suportar as mais difíceis condições de clima e de terreno e a transportar soldados, cargas e armas, era considerado um herói pelos norte-americanos. 79
Joaquim passou a comprar terras ainda tomadas de mato, que eram abertas e transformadas em fazendas. Mesmo correndo riscos de deparar-se com animais ferozes e traiçoeiros, ele gostava de entrar na floresta, sozinho ou acompanhado, munido de bússola e altímetro para não se perder. Certa vez, achando-se próximo de um bando de queixadas, precisou buscar refúgio em uma árvore. Em outra ocasião, em suas constantes viagens pelo Mato Grosso, contraiu malária. Pouco tempo depois do tratamento, Joaquim foi acometido de uma forte gripe e, inesperadamente, voltou a padecer de malária, cujo vírus estava incubado. Ele lembra que os fazendeiros costumavam ter, sempre à mão, uma caixa de medicamentos para o caso de lesões durante o trabalho e também de acidentes, por exemplo, com animais peçonhentos.
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Produzido em larga escala pelas empresas Bantam, Ford e Willys-Overland, disseminou-se rapidamente pelo interior do Brasil. Como dizia-se, era fiel como um cachorro, forte como uma mula e ágil como um cabrito. Assim, sempre muito determinado, Joaquim atravessava picadões em meio a floresta, superando todos os obstáculos. Era, afinal, o jeito mais prático e econômico de sair de Maringá para conhecer outras regiões do Paraná que estavam sendo abertas pela Companhia. Quando a distância era grande e o tempo lhe pressionava, preferia alugar um dentre os muitos teco-tecos que cruzavam os céus do Norte do Paraná, cuja aventura não deixava de ser assustadora. Voava-se sem qualquer plano em aeronaves velhas, que há muito não passavam por manutenção. O jeito era confiar em pilotos nem sempre habilitados, que aterrissavam em qualquer campo aberto, por entre tocos e árvores. Tudo, no entanto, valia a pena: obcecado, o cafeicultor estava o tempo todo atrás de novas oportunidades, inclusive em Estados vizinhos. Estruturado, Joaquim passou a investir então em um negócio lucrativo: a compra, por valores acessíveis, de terras ainda tomadas de mato, que eram abertas e transformadas em fazendas para serem vendidas mais tarde com a consequente valorização.
No Paraná, o objetivo era sempre o mesmo: encontrar áreas apropriadas para o plantio de novos cafezais. No entanto, sua primeira providência, tão logo se sentiu seguro em relação ao seu futuro e o de sua família, foi a compra de lotes de terra em várias regiões do Norte do Paraná, que fragmentou em áreas de 10 alqueires onde, em cada qual, plantou 15 mil pés de café. Com aqueles 80 mil cruzeiros entregues pelo pai como herança a Amélia, fez o mesmo: adquiriu 10 alqueires e cultivou a mesma quantidade de cafeeiros, deixando tudo pronto. Quando o trabalho de plantio e demais cuidados haviam terminado, chamou os irmãos que ainda não tinham o próprio negócio e distribuiu as frações de terra para cada um, com a tranquilidade de que as mesmas poderiam ser pagas no futuro, da maneira como fosse possível. Com tal atitude, Joaquim proporcionava uma oportunidade aos familiares, visto que eles praticamente já não acalentavam muitas expectativas no lugar onde viviam. Na busca por uma vida melhor, há anos haviam deixado Taquaritinga e se mudado para a localidade de Lácio, na região de Marília. Para a família, portanto, era uma oportunidade de ouro, imperdível, concebida à maneira generosa de Joaquim e aceita de bom grado por todos que, uns mais, outros menos, souberam tirar proveito e encaminhar-se. Para Amélia, que se casaria com José, o irmão mais novo de Joaquim, aquele dinheiro havia sido muito bem empregado. Para os pais, o filho reservaria nada menos que a propriedade de café em Maringá. Decidira-se, obviamente, a vendê-la ao genitor nas mesmas condições facilitadas que havia proporcionado aos irmãos. Estava ele, por tudo isso, feliz e satisfeito com os rumos de sua vida: sentia-se um agraciado por Deus. Assim, pai e mãe também se mudariam para o Paraná. O velho Miguel, quem diria, tomava posse da fazendinha que, não muito tempo atrás, tinha sido motivo de atrito com o filho. Coisas do destino.
Dona Joanna e Miguel, os pais de Joaquim, mudaram-se para a fazendinha em Maringá. Na cidade, viveram até o fim de suas vidas, (ela em 1970 e ele em 1972)
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Empreendedor, Joaquim vira formador de fazendas
Em Eldorado, no Mato Grosso, foi iniciado o sistema de recria e engorda de bois
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Antes mesmo de fechar negócio com o pai, Joaquim havia comprado 1.800 alqueires em Eldorado, no Mato Grosso. Ali, a realidade era bem diferente da que encontrara no Paraná. A região prometia, igualmente, recompensar quem acreditasse em seu futuro e chegasse primeiro “para beber água limpa”, como se diz. Mas não, propriamente, para os que desejassem cultivar café. A vocação daquele Estado, com grandes áreas ainda recobertas de mato, apresentava-se mais favorável, isto sim, para a atividade pecuária. Demonstrando espírito empreendedor e plena confiança em seu projeto, Joaquim lançou-se à empreitada de formar a fazenda - a qual receberia o nome de “Santo Antônio” -, o que lhe valeu a experiência de iniciar-se no sistema de criação, recria e engorda de bois. Para isso, constituiria plantel com cerca de mil cabeças de vacas pantaneiras aneloradas, tendo adquirido alguns touros do criador Celso Garcia Cid, de Londrina, introdutor da raça Nelore no Brasil. Como nas outras propriedades que desbravaria doravante, ele se preocuparia sempre com a preservação dos córregos, rios e mananciais de água, deixando larga proteção natural em forma de matas ciliares que se transformavam em corredores de biodiversidade, com intensa vida animal. Joaquim não ficaria muito tempo à frente dessas terras, que seriam vendidas, mais tarde, por um valor bem maior do que havia pago. Desde 1951, como já foi dito anteriormente, o fazendeiro contava com a sua própria máquina de beneficiamento e padronização de café em Maringá, num terreno situado na Rua Caramuru. Com isso, deixou de depender do serviço de terceiros, processando ele mesmo as suas safras. No entanto, os pais, já idosos, preferiram viver na cidade e não na propriedade rural. Ficaria bem mais cômodo para eles e, diante de qualquer emergência, teriam a facilidade de os recursos estarem à mão. Mas o velho Miguel havia adotado o costume de, todos os dias, acordar muito cedo - como sempre fazia -, e seguir a pé até o sítio,
dispensando o uso de automóvel, veiculo com o qual não se acostumava. Daquela sua maneira teimosa de ser, não havia quem o demovesse. Gastar dinheiro com combustível, por exemplo, não era com ele. Por isso, Joaquim começou a ter motivos para preocupar-se. Como já não tinha idade para suportar longas caminhadas todos os dias, esforço que se somava ao trabalho sempre cansativo na fazenda de café, talvez para o pai isto tivesse se transformado em um fardo pesado demais. Ele se mostrava sempre um apaixonado pela lavoura e nutria por aquelas terras abençoadas um sentimento de respeito e gratidão. Elas haviam, afinal, aberto as portas de uma nova e promissora vida para toda a família. Se um dia Miguel se debatera, até enfurecidamente, para que o filho não a comprasse, receoso de prejuízos e dívidas que poderiam arruiná-lo, agora admitia que havia sido excessivamente zeloso. Assim, depois de ponderar com o pai e com cada um dos irmãos, Joaquim readquiriu a propriedade em 1953, que ficaria com ele durante mais algum tempo até vendê-la à família Cunha, que residia na vizinhança. O que pretendia era continuar comprando novas áreas para plantar café. E foi isto o que fez, logo depois: sempre através da Companhia Melhoramentos, adquiriu dois lotes rurais em Jussara e outro em Terra Boa. Naquele primeiro município, acabou ficando com apenas um, que viria a ser a Fazenda Santa Leonor, onde plantou 80 mil cafeeiros. Em Terra Boa, na Agrícola São João, outros 70 mil pés foram cultivados. À época, o café puxava progresso e desenvolvimento para os municípios e os povoados que iam surgindo, além de atrair um grande número de famílias de trabalhadores que se instalavam em colônias, nas próprias fazendas. A lavoura proporcionava serviço o ano inteiro, com capina e arruação, além de arrumações nos terreiros onde os grãos eram levados para secar, sem falar das tulhas e das sacarias. Mas era nos tempos de colheita que tudo se transformava em um grande formigueiro humano. Homens, mulheres, jovens, todos se envolviam intensamente, do amanhecer ao final da tarde, na derriça dos grãos, na tarefa de varrição, limpeza, abanação, ensacamento e transporte, sem falar da lavagem e da secagem. O pagamento de toda essa mão-de-obra
O cafeicultor passou a contar com a sua própria máquina de beneficiamento e padronização, já em 1951
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dinamizava e fortalecia o comércio das regiões. Conhecedor das melhores terras para a implantação da lavoura cafeeira, Joaquim nunca se dava mal. As plantas se desenvolviam e, anos mais tarde, respondiam com safras abundantes. Como também examinava minuciosamente a vegetação antes de comprar os lotes, sabia onde os efeitos das geadas seriam menos danosos. Dessa forma, seus cafezais, invariavelmente, resistiam bem ao período frio e, com isso, ele seguia em frente, acumulando capital e sempre fazendo nome como “expert” no assunto. O segredo, repetia muitas vezes Joaquim a amigos e interessados, estava em reparar bem no “jeitão” da mata original, principalmente nas árvores frondosas, procurando saber se vicejavam ali espécies mais sensíveis a baixas temperaturas, como o jaracatiá, de madeira mole. Dava preferência, também, a lugares com vegetação abundante em palmitos - o que evidenciava fertilidade - e verificava se havia nascentes de água no espigão, outro indicativo favorável. A natureza, portanto, revelava os sinais e era preciso saber enxergar e compreendêlos, lembrando que o frio rigoroso, assim com os ventos fortes, geralmente se serviam de canais e corredores facilitados pela topografia e acidentes geográficos, seguindo baixadas, vales e fazendo com que geadas intensas, bem como tempestades com destruições se repetissem de forma frequente em determinadas regiões.
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REGISTRO
O presente de grego Ainda no começo dos anos 50, Joaquim, apesar de ainda praticamente um recém-chegado ao Paraná, já era homem de grande prestígio. Por isso, foi procurado por uma autoridade que estava outorgando gratuitamente títulos de posses de terras na região de Nova Esperança. Ainda naquela época, o Estado do Paraná era detentor de extensas áreas de terras devolutas em municípios do Noroeste, as quais já estavam sendo ocupadas por posseiros. O título oferecido a Joaquim, tinha vindo, na verdade, em nome de sua esposa Luíza. Mesmo desconfiado, ele concordou em ser levado até o local. Lá chegando, a triste constatação: tratava-se mesmo, como imaginava, de uma área ocupada por algumas famílias de posseiros. Então, Joaquim devolveu o título, recomendando que o mesmo fosse entregue às famílias ali instaladas. Sempre correndo atrás de oportunidades, Joaquim jamais foi um “oportunista”. Queria vencer na vida, mas tinha que ser por seus próprios méritos, sem dever favores e muito menos pisar em ninguém.
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Parte 5
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O ciclo do café chegou ao fim em 1975, quando a geada negra dizimou a cafeicultura paranaense. Joaquim, que abria fazendas por conta própria em várias regiões do Brasil, passou a dedicar-se à atividade pecuária.
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Exímio conhecedor de terras para plantar café, ele percorria regiões em todo o Norte do Paraná
O “expert” Joaquim era procurado para indicar negócios e formar lavouras
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o início dos anos 50, o Norte do Paraná, com a exuberância de suas terras vermelhas, atraía investidores de praticamente todas as regiões do Brasil e mesmo do exterior. Para muitos, elas eram sinônimo de lucro e enriquecimento. A fama da região levava a pensar que ser dono de uma fazenda no Norte do Paraná, ao contrário do que se falava em outros tempos, poderia ainda valer muito a pena. Joaquim, então, passou a ser bastante procurado por investidores para indicar negócios, o que ele fazia com satisfação e sem nada pedir em troca. Alguns, mesmo sem conhecê-lo, mas sabendo de sua seriedade, chegavam a confiar tanto que mandavam dinheiro pelo banco. Outros pediam a Joaquim que este os auxiliasse no plantio de café, o que acontecia, muitas vezes, sem que os donos das terras se preocupassem em acompanhar o serviço e seus respectivos custos. Confiavam plenamente. A confiança era tão grande que até mesmo pessoas ligadas à Companhia Melhoramentos procuravam Joaquim para uma consulta ou orientação nos seus investimentos em terras. Ele realizava esse trabalho em parceria com um tio, Antonio Martos Peres, o Tonico, que era irmão de seu sogro. Tonico era um especialista em plantio de café. Enquanto o tio permanecia no campo, Joaquim geralmente ficava na cidade, cuidando da administração e arrumando gente para serviços como a derrubada do mato e o coveamento do café. 89
Os filhos se casam
Os Fuentes se mudariam da pequena casa na Vila Operária para uma outra, bem mais confortável, na rua Santos Dumont (onde hoje é a cooperativa de crédito Sicredi). Em 1957, a filha Luíza se casa em São Paulo com o advogado Caetano Agrário Beltran Cervantes, a quem havia conhecido um ano antes. Foram duas paixões, na verdade: Caetano e a profissão deste, que muito a encantou. Tanto que, 17 anos mais tarde, ela também se formaria advogada. Pouco tempo depois, no Paraná, seria a vez de Amélia se casar e, como já dito, com José, o irmão mais novo de Joaquim. Nessa época, o filho Miguel preparava-se para fazer o vestibular do curso de Direito, mas seu destino seria outro: foi trabalhar como provador e classificador de café no Instituto Brasileiro do Café (IBC), em Curitiba. Por ser ainda muito jovem em uma profissão onde só atuavam pessoas mais experientes, ganhou logo o apelido de “Nenê”, ao qual se somaria um outro, “Boca de Ouro”, por seu apurado paladar. Depois de algum tempo, Miguel trocaria o IBC na capital pelo trabalho de classificador de café em Paranavaí, cidade onde, ao mesmo tempo, tomaria conta de três máquinas cafeeiras. Ele se casou em 1962, aos 22 anos, com Leoni Franco Rosa.
Dono de 11 propriedades rurais ao mesmo tempo Depois de muito viajar de jipe, caminhão e fusca, percorrendo longas distâncias, Joaquim foi ampliando seu patrimônio, chegando a ter 11 propriedades ao mesmo tempo, espalhadas por vários municípios onde, após comprar a maior parte delas quando ainda eram tomadas pelo mato, cultivou cerca de 400 mil cafeeiros. Para os trabalhos de condução das lavouras e colheita, mobilizava mais de 2 mil trabalhadores por ano, o que exigia intenso envolvimento de sua parte no sentido de acompanhar pessoalmente o que fosse possível. A colheita do produto iniciava em abril e maio e ia até agosto. À época, os
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cafezais eram formados, em sua maioria, de árvores altas, com três metros. Por isso, para derriçar os grãos situados nos ramos superiores, utilizava-se escadas. Sempre que podia, o produtor inspecionava pessoalmente todas as etapas da produção, como a secagem dos grãos nos terreiros, feita com o revolvimento dos grãos para evitar que fermentassem. Por fim, quando tudo estava recolhido em tulhas, chegava o momento de pensar na comercialização. Joaquim costumava vender somente após o mês de setembro, época em que não havia mais o risco de uma geada e a pressão da colheita sobre os preços. O mercado se tornava, assim, mais remunerador. Com tanta correria e precisando estar em muitos lugares em curtos intervalos de tempo, Joaquim tinha que ser mais rápido nas viagens. Por isso, começou a voar em aviões alugados, o que tornou mais fácil o trabalho de administrar as fazendas e, de quebra, viajar para outras regiões do País, deixando de depender daquelas estradas sofríveis. Com isso, o filho Miguel entusiasmou-se pela profissão de aviador. Tanto empolgado o rapaz ficou que após fazer um curso de pilotagem e garantir o brevê, decidiu investir suas economias na compra de um “teco-teco” Paulistinha. O primeiro vôo foi de Paranavaí para Maringá, sobrevoando a estrada. Algum tempo depois, o pequeno avião foi substituído por um Cessna 172, mais equipado, que permitiu a Miguel deixar o trabalho nas máquinas de café e dedicar-se à aviação comercial. Depois de começar a viajar com o filho, Joaquim finalmente decidiu que teria o seu próprio avião, mas não deixava por menos: tinha que
Espalhados por vários municípios, as propriedades eram, penosamente, percorridas com jipe e outros veículos nada confortáveis
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Viajar pelo céu tornou a vida bem mais fácil
ser um de última geração. Assim, Miguel e um outro piloto, o Coronel Eduardo da Silva Ramos Filho, seguiram para Kansas, nos Estados Unidos, para buscá-lo. Era um moderno monomotor Cessna Skylane 182, sendo que a viagem de volta para o Brasil demorou uma semana. A bordo de sua aeronave, Joaquim riscaria os céus do País, sempre em busca de “novas oportunidades”, palavras de que tanto gostava.
REGISTRO Os companheiros Várias pessoas fizeram parte da história de Joaquim, auxiliando-o com muito empenho, lealdade e profissionalismo na condução de seus negócios. A começar pelos seus irmãos Francisco, Pedro, Manuel e José, parentes como Antonio Martos Peres, o Tonico (que foi, inclusive, um de seus companheiros na fundação da Cocamar), Antonio Ribaroli, Bento Panichela, Francisco Montoro, o Paco, Caetano Agrário Beltran Cervantes, e o gerente geral das fazendas, o amigo Laerte Alves. Foram tantos, trabalhando em épocas diferentes, que Joaquim prefere citar apenas alguns “para não cometer injustiça”. Muitos, após anos de trabalho, saíram estruturados para tomar conta de suas coisas. Desses Laerte foi o que mais tempo ficou ao lado do fazendeiro: 22 anos. “Ele nos atendia sempre com muito carinho”, lembra Luíza, a filha de Joaquim.
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No início dos anos 60, o Paraná respondia por 28% da safra mundial de café. O setor estava desorganizado e os preços não eram remuneradores
A cafeicultura entra em declínio Nos anos sessenta, a cultura do café começou a dar sinais de que seu ciclo estava entrando em declínio. Os preços não eram tão remuneradores, a produção estava desorganizada e as perspectivas mostravam-se pouco animadoras. Com isso, surgiria um grande número de cooperativas de cafeicultores no Estado do Paraná e no País, resultado de medidas colocadas em prática pelo governo federal para ajustar a produção - o Brasil era, folgadamente, o líder mundial -, a um novo panorama internacional. À época, os estoques brasileiros, ao redor de 70 milhões de sacas, correspondiam por ano a uma parte elevada do consumo mundial, sendo que só o Paraná produzia em torno de 25 milhões de sacas. Em 1962, dois fatos relevantes para a economia brasileira no momento em que o café reinava absoluto na pauta de exportações, levariam o País a desenvolver esforços para tentar organizar a produção interna e a comercialização, além de melhorar a qualidade das safras. O primeiro deles, a criação da Organização Internacional do Café (OIC), cujo objetivo era tomar medidas que levassem ao equilíbrio do mercado; o segundo, a assinatura do Acordo Internacional do Café entre nações produtoras e consumidoras. Foi uma época de expectativas e incertezas para o setor, cujos estoques eram vultosos, lembrando que o Brasil atravessava um período de grandes mudanças, com
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a transferência da capital federal para Brasília, a surpreendente renúncia do presidente Jânio Quadros e a sequência de fatos políticos que culminaram com a dramática tomada do poder pelos militares em 1964. Conforme citado no início deste livro, a fundação de cooperativas, reunindo cafeicultores, era uma maneira de organizar o setor produtivo nas diversas regiões e fazer o processamento do produto, ao passo que, de acordo com a nova conjuntura, o Instituto Brasileiro do Café (IBC) passaria a ser dotado de estruturas armazenadoras para guardar as safras nas zonas cafeeiras, principalmente no Paraná. Pretendia-se que os grandes volumes a serem estocados, certamente por muitos anos, tivessem ao menos um padrão de qualidade razoável. Através de linhas de crédito disponibilizadas via Banco do Brasil, o governo estimulou a criação e a estruturação de cooperativas, entidades que serviriam para proteger os cafeicultores da ação exploratória dos intermediários, que detinham as informações do mercado e estabeleciam, como queriam, os preços do produto. Nessa época, entretanto, já havia ficado para trás o melhor momento da cafeicultura, cujos lucros amealhados por quem se dedicava às lavouras, ficavam bem abaixo do que se conseguira em épocas anteriores. Gente enriquecendo com o chamado “ouro verde” não se via mais. Mesmo assim, o café não havia perdido sua importância econômica e tampouco a majestade, continuando a levar progresso aos municípios e a fazer surgirem cidades quase que do dia para a noite. Café em flor: o melhor período da atividade já havia ficado para trás
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Rondônia, um lugar para investir Dentre as várias e promissoras regiões brasileiras, Rondônia foi um Estado que sempre mereceu a atenção de Joaquim. Ainda em meados dos anos 60, ele teria avistado, durante uma viagem de avião, uma bonita área de 2 mil hectares, situada a 12 quilômetros da cidade de Vilhena. Na época, manifestou desejo de adquirir a propriedade, encravada em uma das melhores glebas da região. O negócio não saiu na época, mas Joaquim não desistiu. Em 1992, finalmente, pessoas ligadas à proprietária, uma filha do falecido senador Olavo Pires, moradora em Presidente Prudente (SP), procuraram-no. Essa fazenda, denominada “São Joaquim”, por sua topografia plana, sempre foi motivo de orgulho e contentamento para o dono que, consultado posteriormente por possíveis compradores, nunca quis vendê-la. Em outros Estados, o fazendeiro possuiu por algum tempo uma propriedade de café em Monte Carmelo, no Triângulo Mineiro, onde o crescimento dessa cidade se deu, posteriormente, sobre as terras que haviam lhe pertencido. Em um dos bairros que ali se instalaram, a municipalidade batizou uma das ruas com o nome de Joaquim Romero Fuentes, em homenagem ao antigo proprietário. Quando tinha 60 anos, Joaquim comprou uma grande área em Guarantã do Norte (MT), na chamada “Estrada da Baiana”. Eram 20 mil hectares. Nessa época, um agrimensor de Marialva (PR) sugeriu a Joaquim que a fazenda fosse loteada. No entanto, por tratarem-se de terras ácidas e fracas, ele acabou não aprovando a idéia, sob o argumento de que elas não trariam retorno a quem se dispusesse a comprá-las. Até então, não se conhecia braquiária e ninguém cogitava cultivar soja no Cerrado. Joaquim lembra que ficou especialmente impressionado com a existência, ali, de duas enormes lagoas, “que eram de uma rara beleza”. No entanto, como não vislumbrava a possibilidade de dar aproveitamento econômico à fazenda, ele aceitou trocá-la, pouco tempo depois, por uma máquina de beneficiamento de arroz em Mandaguari (PR). Das diversas áreas que passaram por suas mãos no Mato Grosso, de uma, em especial, Joaquim se recorda com emoção. Foi no município de Diamantino, onde havia comprado 10 mil hectares em uma localidade denominada “Cachoeira de Pau”. As terras, quase tudo com mata intocada, pertenciam a Miguel Tranjan, um amigo de Maringá, que as ofereceu a Joaquim por um valor considerado bastante razoável. Este disse ao vendedor: “Como eu não tenho ideia do que estou comprando e você não tem ideia do que está vendendo, recomendo que faça negócio com outra pessoa”. Mas
Joaquim apostou em Rondônia e teve propriedades, também, em vários outros Estados
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A moderna aeronave, adquirida quase zero
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Tranjan foi decisivo: “Prefiro vender para o senhor porque esse dinheiro que recebo de suas mãos é abençoado”. Ao visitar as terras, o novo dono descobriu que vivia ali, em um pequeno rancho, sozinho, há mais de 15 anos, um posseiro de cor negra. Tratava-se de uma pessoa já de certa idade, extremamente humilde e submissa, que foi receptiva ao visitante. Ao ser solicitado, o homem acompanhou-o em uma caminhada até um rio próximo. Na conversa, percebeu-se tratar de uma pessoa de boa índole e merecedora de confiança. Segundo Joaquim, era um homem bom, algo pouco comum em lugares recém-desbravados e ermos como aquele, onde as dificuldades e ameaças geralmente tornavam as pessoas hostis e severas. De volta ao casebre, meio sem jeito e constrangido, Joaquim revelou ao posseiro que havia comprado aquelas terras. Resignado e sem nada pedir, o homem, que passou a chamá-lo de “patrãozinho”, apenas disse, calmamente, que pegaria suas coisas e se mudaria. Sensibilizado, o proprietário pediu-lhe que ficasse tomando conta, afirmando que se havia alguém ali que merecia ser chamado de dono de parte daquelas terras, esse alguém era o próprio morador. Assim, pouco tempo depois, Joaquim vendeu a propriedade e, no momento de ser lavrada a escritura em Cuiabá, compareceu ao cartório em companhia do posseiro, que deu sua anuência. Então, para surpresa deste, uma parte substanciosa do valor da venda foi colocada em suas mãos. Emocionado, feliz e muito agradecido, ele disse a Joaquim que, a partir daí, estaria “garantido”, com recursos o bastante para viver com tranquilidade o resto de sua vida. Quando se lembra desse episódio, Joaquim se emociona e seus olhos ficam marejados. “A alegria daquele senhor me deixou muito contente e comovido”, recorda-se. ..... Aquele monomotor Cessna que, algum tempo antes, Joaquim havia mandado buscar nos Estados Unidos, já havia dado lugar a um outro do mesmo modelo Cessna Skylane
tirado, igualmente, zero de fábrica. Desse, Joaquim passaria para um Bonanza V-35, também novo, até chegar a um aerocomander Shirak 500, com motor a pistão, considerado uma das aeronaves mais seguras até então. “Meu pai tinha muito ciúme desse avião”, lembra Miguel. Só ele e outros dois pilotos, Carlitos e Barcelos, é que estavam autorizados a conduzi-lo.
REGISTRO Plantio com sementes As lavouras de café formadas por Joaquim e demais produtores, na época, eram cultivadas com sementes. Só mais tarde é que se começou a fazer o plantio usando mudas, a exemplo do que ocorre até hoje. Para tanto, trabalhadores abriam covas com o formato de um quadrado e várias sementes eram lançadas. Quando estas germinavam, chegava o momento da raleação, deixando-se apenas quatro (uma em cada um dos cantos). Em seguida, as plantinhas, ainda tenras, eram protegidas fazendo-se uma pequena “casinha” com paus e gravetos. O espaçamento entre as mudas podia variar, ficando entre quatro por quatro metros ou três e meio por quatro metros, três e meio por três e meio ou ainda três metros por três e meio. Isso deixava bastante espaço entre elas, possibilitando o plantio de culturas de subsistência nas ruas intercalares, entre as quais milho, feijão e arroz. Como o café demorava pelo menos três anos para entrar em produção plena, o pessoal sobrevivia com o que cultivava no meio da lavoura. Fazer isso hoje, com o cafezal implantado em sistema adensado, seria impossível. Segundo Joaquim, a maior parte dos pés de café era da variedade Mundo Novo, de porte alto, e Bourbon, de tamanho menor, ambas bastante produtivas. Como os cafeeiros podiam atingir dois, dois e meio e até três metros de altura, os trabalhadores tinham que usar escadas para fazer a derriça dos grãos da parte superior. Até isso mudou, hoje em dia: os cafés foram desenvolvidos para atingir a altura de um homem mediano, disseminando-se um grande número de variedades que apresentam tolerância a doenças e também ao nematóide (espécie de verme do solo que ataca as raízes e contribuiu para a decadência da cultura no Paraná). Por causa do nematóide, o plantio começou a ser feito com mudas enxertadas. Até a década de 70, lembra Joaquim, a cultura não sofria com as pragas e doenças que hoje são comuns e constituem fatores limitantes, como bicho-mineiro, ferrugem, além do próprio nematóide. 97 10
Geada de 1975 decreta o fim do café Se durante os anos sessenta a cafeicultura viveu um longo período de crise, marcado por preços baixos que fizeram com que grande número de produtores mudasse de atividade, na década seguinte este setor sofreria um golpe de misericórdia. A forte geada ocorrida em 18 de junho de 1975 - que ficou conhecida como “geada negra”, a mais severa em todo o século -, destruiria praticamente todo o parque cafeeiro paranaense, o que abalou a economia estadual, ainda dependente dessa cultura. Para se ter uma idéia dos estragos, na safra de 1975, cuja colheita já havia sido encerrada antes da geada, o Paraná produziu 10,2 milhões de sacas de café, 48% da produção brasileira. O Estado era o centro mundial nessa cultura e tinha uma produtividade superior à média nacional. No ano seguinte, a colheita foi de apenas 3,8 mil sacas. Nenhum grão de café chegou a ser exportado e a participação paranaense na produção brasileira caiu para 0,1%. Nos dias seguintes já começava a consolidar-se a idéia de que o estrago seria duradouro. O governador Jayme Canet Júnior anunciava que o orçamento do Estado seria reduzido em 20% no ano seguinte. O prognóstico dos especialistas era de que o prejuízo chegaria a Cr$ 600 milhões (o equivalente, pela cotação da época, a US$ 75 milhões), apenas nas lavouras de café. Outras culturas, como o trigo, também sofreram perdas importantes, de mais de 50%. Mas era o café que sustentava a economia do Paraná naquela época uma situação que mudaria logo em seguida, já que os cafeicultores nunca mais se recuperariam desse impacto. A intempérie, considerada um divisor de águas na agricultura do Paraná, desencadearia um amplo processo de mudanças em todos os municípios produtores, visto que, quase repentinamente, a lavoura cafeeira cederia espaço para outros cultivos de menor risco. Na verdade, o café já vinha perdendo sua soberania e muitos agricultores, a guisa de diversificar os seus negócios, tinham partido para culturas mecanizadas, como trigo e soja, tidas como interessantes novidades até então. Além 98
da vantagem do ciclo rápido, sendo plantadas e colhidas no prazo de poucos meses, essas lavouras dispensavam o grande contingente de trabalhadores do qual o produtor de café não podia abrir mão. Eram, portanto, bem mais lucrativas, se bem que ainda faltavam estruturas, bem como conhecimento e tecnologias apropriadas para quem quisesse implementá-las. Pode-se afiançar que com o advento da geada de grandes proporções de 1975, o agricultor acabou num beco sem saída e foi praticamente obrigado a rever seu negócio. Sem dizer que a recuperação do parque cafeeiro, com a adoção de práticas como a recepa - uma poda drástica em que é deixada apenas uma pequena parte do tronco para rebrotar - seria dispendioso, demoraria anos e, de qualquer maneira, manteria o cafeicultor em situação de alto risco caso novas geadas sobreviessem. Portanto, o que ocorreu foi uma debandada geral. De cultura mais importante, o café até então conhecido como “ouro verde” - seria relegado à condição de mero coadjuvante na paisagem agrícola. Ao mesmo tempo, o fim de centenas de milhares de empregos no campo provocaria um súbito e dramático esvaziamento da população rural, processo que por vários anos alimentaria correntes migratórias em direção aos grandes centros urbanos. De uma hora para outra, municípios que haviam surgido e se mantinham em função da atividade cafeeira, acabaram ficando sem parcela expressiva de sua população. O café já estaria mesmo condenado a perder sua liderança na agricultura parana-
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ense. Além da ocorrência da forte geada de 1975, que desestruturou a maior parte das propriedades e serviu para mostrar que a economia estadual não poderia mais ficar à mercê da monocultura cafeeira, tudo parecia conspirar contra essa lavoura. Em várias regiões do Paraná, a ocorrência de nematóide - uma espécie de verme do solo, que ataca as raízes, como falamos antes - enfraquecia e inviabilizava os cafeeiros, fustigados ainda por outros tipos de pragas e doenças vorazes. Ao mesmo tempo, como exigia um enorme contingente de trabalhadores, o café passou também a ser uma grande fonte de dor-de-cabeça para os fazendeiros diante do advento da indústria de ações trabalhistas, que parecia não ter fim. ..... Com isso, Joaquim foi redirecionando seus negócios para a pecuária que, em poucos anos, seria sua principal atividade. A preocupação, agora, estava em implementar um sistema cada vez mais eficiente de criação, recria e engorda de bovinos da raça Nelore, o que fez até 1990, quando passou a dedicar-se, exclusivamente, ao processo de recria e engorda. Em suas fazendas, chegou a ter um plantel de 20 mil cabeças. Mais uma vez, o destino desafiava Joaquim, que respondia sempre com empreendedorismo e visão de futuro. Na verdade, enquanto cafeicultor, ele procurava especializar-se também na pecuária de corte. Anos mais tarde, o café seria apenas uma lembrança.
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Parte 6
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O fazendeiro nĂŁo se importou em pagar muito caro por um exemplar que se sobressaiu em meio aos demais: Gandhi. Mais tarde, com tĂtulos nacionais, seria ele o mangalarga paulista mais bonito e respeitado de sua ĂŠpoca.
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O cavalo Mangalarga paulista: uma paixão
A
paixonado por cavalos, Joaquim destinou parte da sua Fazenda “Água Limpa”, situada ao lado da BR-376, no município de Presidente Castelo Branco, região de Maringá, para a criação e seleção de equinos, tornando-se um conceituado representante da raça Mangalarga Paulista, várias vezes premiado em leilões e exposições nacionais. Nas décadas de 70 e 80, levou para casa prêmios bastante cobiçados, obtidos com fêmeas como DL Nota da Alvorada, Esmeralda JOF, Fragata JO, Fada de São Luiz, Congada JOF e Birmânia, além de potros de alto nível, como Gandhi, Reagan, Almirante, Galante e outros. A raça Mangalarga Paulista, cujos animais muito se parecem com a conformação do Andaluz, foi formada pelo Tenente-Mor Francisco Antônio Diniz Junqueira e seus descendentes, que se estabeleceram com fazendas, em 1812, onde é hoje o Município de Orlândia (SP), levando cavalos, entre os quais Fortuna, do mesmo sangue do Mangalarga mineiro. Outras introduções de Minas buscaram o aperfeiçoamento das formas, agilidade, resistência, robustez etc. Estes animais e seus produtos eram testados em longas caçadas, de maneira a proceder uma seleção verdadeiramente funcional. Aqueles que não satisfaziam às exigências dos criadores eram eliminados da reprodução. Joaquim começou a gostar de cavalos ainda menino, sensibilizado pela lealdade 103
desses animais em relação aos donos. Um de seus avôs, certa vez, retornando da cidade, precipitou-se ao chão e, como efeito da queda, ficou por algum tempo desacordado às margens de uma estrada. Pois o animal que lhe servia de montaria permaneceu o tempo todo ali, ao seu lado, até que o homem recobrasse os sentidos e pudesse voltar para casa. Histórias assim permaneceriam para sempre na memória de Joaquim, para quem “o cavalo é o animal que mais conhece o instinto da pessoa, e sabe exatamente o que ela tem dentro de sua alma”. No futuro, ele se tornaria um criador e selecionador respeitado no País, mas lembra que só decidiu entrar nesse negócio quando viu que reunia condições de comprar animais de primeira qualidade. Para começar seu plantel, dirigiu-se a um leilão no Estado de São Paulo, onde Abaixo, Gandhi, o principal destaque do selecionado plantel de Joaquim
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adquiriu 12 éguas e também alguns potros que pertenciam a Geraldo Lins Junqueira, da família formadora do Mangalarga Paulista. Depois, em companhia de um amigo, foi até a propriedade de um parente deste, José Oswaldo Junqueira, também importante criador, considerado um dos responsáveis pelo aperfeiçoamento da
raça. Lá, depois de apresentar-se como iniciante na criação, explicou ao fazendeiro que tinha o objetivo de comprar um potro de alta qualidade. Junqueira, então, chamou um de seus peões, ordenando que o mesmo fosse buscar os animais, os quais ficaram expostos em um redondel. Joaquim logo se sentiu atraído por um exemplar que se sobressaiu em meio aos demais, pelo seu porte e beleza: Gandhi. O proprietário, no entanto, pediu muito dinheiro, explicando que o potro era filho do que de melhor havia na raça: o pai Turbante e a mãe Carolina. A alta pedida não
O plantel da “Água Limpa” era considerado um dos melhores do País, atraindo compradores interessados em qualidade
impediu que Joaquim o adquirisse, convencido de que estava fazendo um bom negócio. Com apenas 7 meses, Gandhi ainda não havia sido desmamado, sendo amansado ali mesmo na fazenda de José Oswaldo Junqueira. Com esse potro, que se tornou um garanhão de renome no Brasil, Joaquim obteve premiações em concursos que reuniram a nata do Mangalarga Paulista. Certa vez, em São Paulo, competindo com cerca de 80 animais altamente selecionados de criadores como José Orpheu da Costa e Ivan Aidar, Gandhi foi classificado entre três finalistas e, no outro dia, satisfazendo com folga a todos os quesitos impostos pelos jurados, arrebatou os títulos de Grande Campeão Potro e Grande Campeão Montado em Ribeirão Preto. “É o cavalo mais bonito da raça”: a frase foi proferida por José Oswaldo Junqueira que, certa vez, de passagem pelo Paraná, dirigindo-se a um leilão em Paranavaí, fez questão de visitar a Fazenda “Água Limpa” para rever Gandhi. O plantel de Joaquim, claro, suscitaria muitos desafios, um deles partindo, nada menos, que de José Orpheu da Costa, dono de preciosidades como Ícaro, muito temido entre os competidores. Houve um torneio em Esteio (RS) e o paranaense Jaffer Felício Jorge, de Paranavaí, prontificou-se a levar Reagan, um dos melhores
“O cavalo é o animal que mais conhece o instinto de alguém, ele consegue enxergar o que uma pessoa tem dentro de sua alma” (Joaquim)
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cavalos nascidos na ”Água Limpa”, para participar da disputa. No Rio Grande do Sul, Reagan foi montado por Daldinho Castilho, que preparou o potro durante três dias. Ao final, tornou-se o grande campeão do evento, o que foi motivo de muita satisfação para Joaquim. Um dos mais rigorosos juízes do País, Eduardo Marques teria dito ao proprietário: “Um cavalo criado por você é, com certeza, o que melhor existe na raça”. Outros dois filhos de Reagan - que descendia de Cocar - também foram campeões: Galante, que chegou a arrebatar título importante em Brasília (DF), e Almirante. Dessa forma, Joaquim participou durante mais de dez anos de eventos relacionados ao Mangalarga Paulista, inclusive concorridos leilões realizados tradicionalmente no Palace, em São Paulo. O criador, no entanto, não apreciava muito vender e nem comprar cavalos em leilões. Gostava mesmo era de fazer negócios nas próprias fazendas, onde, sob a luz do sol, podia apresentar melhor ou examinar cuidadosamente cada detalhe do cavalo. Se estivesse na condição de comprador, seria uma maneira de precaver-se, evitando “comprar gato por lebre”. Joaquim recorda-se que em todos os eventos dos quais participava, o público, Reagan, um dos melhores produtos da “Água Limpa”
conhecedor de sua preocupação e esmero em exibir os melhores produtos, costumava aplaudir de pé os animais da “Água Limpa”. Chegou a ter um plantel de 80 cobiçados exemplares, entre potros e éguas da melhor estirpe, mas, depois de uma década nessa atividade, decidiu desfazer-se do rebanho. “Criar cavalos é um hobby muito caro”, justificou, comentando que já na fase final de seu criatório, a égua Birmânia era um dos principais destaques. Birmânia foi oferecida a José Orpheu da Costa, que demorou em responder. Nesse meio tempo, a égua participou e venceu um campeonato em São Paulo. Com isso, um outro criador, Reinaldo Bertolini, antecipou-se a José Orpheu e acabou ficando com o animal.
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Jumentos pêga: animais de primeira Além de criador de cavalos Mangalarga Paulista, Joaquim destacou-se, também, pela criação de jumentos pêga, sendo proprietário de um dos exemplares mais premiados do País. Sobre isso, reproduzimos parte de um texto publicado na Revista Globo Rural: “Quando viu as orelhas grandes e espetadas do jumento apontarem no horizonte, Martin Frank Herman soube que tinha encontrado o grande reprodutor que procurava. Era “Juazeiro do Pascoal”, campeão nacional da raça pêga e o mais imponente animal do criatório de Joaquim Romero Fuentes, de Maringá (PR), que o havia comprado de Abel Pinho Maia Sobrinho. Não foram poucas as vezes que seu Joaquim sentiu-se pressionado a vender Juazeiro - tanto por criadores que se encantavam pelo bicho quanto por sua própria família, que acreditava que já era hora de o velho patriarca pendurar as botinas. Sabe-se lá por qual motivo, o fato é que ele acabou por ceder ao assédio de Herman, não sem antes sacudir o dedo no rosto do novo proprietário: 'Só estou deixando esse jumento ir embora porque sei que você não vai trocá-lo no primeiro parque de exposição por um saco de quirera'. Herman não desapontou o velho criador. E olha que não lhe faltaram exposições nem ofertas bem mais tentadoras do que um punhado de milho nesse meio tempo: o animal por cinco vezes se sagrou grande campeão nacional da raça e em seis ocasiões foi campeão mineiro”. A história do jumento mais premiado do país se confunde com a ascensão da raça pêga no Brasil. Suas qualidades têm sido valorizadas em função do crescimento do turismo rural e de atividades de lazer, como cavalgadas e romarias. Os jumentos de todas as espécies são criados principalmente para o cruzamento com éguas, gerando, assim, mulas e burros, animais estéreis que, além de montaria, se prestam a serviços como a lida com o gado. A raça pêga, porém, tem um diferencial: é marchadora, não tendendo ao trote como os demais membros da espécie. A habilidade de marchar
A tropa de jumentos: destaque para Juazeiro do Pascoal, várias vezes campeão
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com tríplice apoio (três patas no chão e uma no ar), dizem os especialistas no assunto, produz um andamento macio e confortável, característica transmitida a seus descendentes. Esses herdam, ainda, a força e resistência do pai, enquanto ganham a boa estrutura da mãe, geralmente uma égua Campolina ou Mangalarga. Foi essa marcha característica que encantou Martin Herman, um apaixonado por mulas e equitação desde a infância. Afastado das rédeas por muitos anos, contudo, ele só voltou a montar em 1997, durante um churrasco na fazenda de um amigo. "Senti como se um vício tivesse voltado", conta ele. E isso porque o "passeio redentor" foi feito na sela de um cavalo.
Como presidente, reestruturou o Clube Hípico
Com tais empreendimentos, construídos por Joaquim sem que representassem nenhum ônus aos sócios, pois foram custeados exclusivamente por ele, o clube valorizou-se sobremaneira, tornando-se ainda mais bonito e aprazível.
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Joaquim foi um dos fundadores do Clube Hípico de Maringá. Passado algum tempo da inauguração, ele foi convidado a assumir a presidência, implementando um projeto de estruturação. Após o término do mandato e decorridos alguns anos, Fuentes foi solicitado novamente a ocupar o cargo de presidente do clube, ocasião em que deu início a várias obras, como a construção da sede de verão, sala de jogos e guarita na entrada. Mais tarde, como as obras ainda estavam em pleno andamento e o seu mandato de presidente havia esgotado, Joaquim voltou a receber apelos de amigos e sócios para que se mantivesse no cargo até o fim das mesmas, o que decidiu atender. Ficou até que a sede de verão ficasse pronta. À sala de reuniões, onde se encontrava sempre com vários companheiros para conversar, denominou Pedro Valias de Rezende, um associado que havia falecido recentemente. Com tais empreendimentos, o clube valorizou-se sobremaneira, tornando-se ainda mais bonito e aprazível. “É um orgulho muito grande ter sido convidado por duas vezes para exercer o cargo de presidente de um clube tão importante para a cidade”, diz Joaquim, que participou da fundação de vários outros clubes da cidade, entre os quais o Maringá Clube, Country Club, Centro Português, Associação Atlética Banco do Brasil (AABB) e Centro de Tradições Gaúchas Rincão Verde. Foi, ainda, presidente do Núcleo de Criadores de Cavalos Mangalarga da Região de Maringá .
Detalhe do Clube HĂpico de MaringĂĄ, do qual Joaquim foi presidente em duas oportunidades
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Mesmo sem entender nada de construção, Joaquim assumiu a administração da obra
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À frente do mais alto edifício residencial do Paraná A construção do Edifício Residencial Royal Garden, o mais alto do Paraná, com 40 andares e 140 metros de altura, teve início no começo da década de oitenta, sob a responsabilidade da Construtora Garça, a partir de projeto do arquiteto José Carlos Mendes Cardoso. Situado na Avenida Tiradentes, é mais alto até que a Catedral Basílica Menor Nossa Senhora da Glória, que tem 124 metros. Posiciona-se, também, entre os mais altos arranha-céus do País. Durante a evolução da obra, a empresa enfrentou dificuldades que levaram à paralisação dos trabalhos, ao mesmo tempo também em que condôminos deixaram de pagar as chamadas de capital. Diante de um impasse que se formou, a comissão de
administração do prédio acabou destituída, marcando-se uma reunião com todos os condôminos para decidir o que fazer. Como Joaquim possuía apartamento no edifício, ele compareceu à reunião como observador, para ver o que aconteceria. Lembra que assistiu a tudo sem se manifestar, pois as pessoas estavam exaltadas. Concluída a reunião, procurou a comissão que cuidava da obra. Questionou sobre a situação, pois a maior parte dos condôminos estava decidida a desistir. Pediu-se, então, que os participantes tivessem um pouco de paciência, que seria encontrada uma solução. Passado algum tempo, três representantes do condomínio procuraram por Joaquim, pedindo a ele que assumisse a administração da obra. Surpreso, respondeu que não entendia nada de construção. Como as pessoas insistiram, ele admitiu liderar a comissão, mas desde que todos os condôminos aprovassem o seu nome e lhe dessem um voto de confiança, quitando os atrasados e também as chamadas de capital, pois procuraria fazer o melhor possível para terminar a obra. Administrando os custos com muito rigor, Joaquim avaliou que precisaria reduzir os gastos com concreto. Assim, em vez de comprar esse produto pronto, decidiu que o mesmo seria feito na própria construção, mediante a orientação de um especialista. Antes de ser utilizado em cada andar da obra, o concreto era analisado por técnicos da Universidade Estadual de Maringá (UEM), em cujo laudo o mesmo era considerado, invariavelmente, de qualidade satisfatória. Com isso, os gastos foram reduzidos em 20% e a construção seguiu em frente, sendo concluída em 1991. Joaquim lembra que na cidade, o edifício era conhecido como “elefante branco”, pois falavase de que o mesmo não seria terminado. “Mas, graças à forma apontada por Deus, a obra foi concluída com sucesso”.
Joaquim e um condômino foram pessoalmente a Porto Alegre adquirir os elevadores. Na sede da empresa, após ouvir uma explanação do que era pretendido e ser perguntado sobre como seria a forma de pagamento, o diretor respondeu que o próprio Joaquim poderia definir como pagar. Depois, o diretor explicou que “já conhecia suas referências, sabia com quem estava lidando”.
Entre os mais altos arranha-céus do País, o Royal Garden é visto de longe
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REGISTRO
Cinquenta anos de casados
Em setembro de 1977, Joaquim e Luíza completaram 50 anos de casados, em cerimônia presidida pelo querido amigo de ambos, o Monsenhor Sidney Zanetini.
Lincoln, um velho sonho Joaquim sempre gostou de dirigir e fez isso até os 83 anos, quando decidiu contratar um motorista. Para ele, uma pessoa deve dirigir até os 70 anos, no máximo: “depois disso, perde os reflexos e fica sujeito a riscos”. Para quem sempre apreciou qualidade, viajar de jipe, fusca e caminhonete, como fez durante grande parte da vida, não devia ser muito agradável. Seu sonho, mesmo era poder estar dentro de um Lincoln Continental, que considerava “o máximo em automóvel”. Se quisesse, até que poderia comprar um, mas concluiu que um veículo tão sofisticado desses não combinava com o seu jeito simples. 112
Parte 7
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Depois dos anos sessenta, quando deixou a profissão de costureira, Luíza dedicou-se integralmente aos menos favorecidos, organizando promoções para arrecadar recursos. Em Maringá, tornou-se conhecida como a “dama da filantropia”.
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Luíza, dama da filantropia
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m Maringá, Luíza sempre foi reconhecida por seu espírito humanitário, realizando um grande número de obras sociais e assistenciais. Como costureira habilidosa, que começou confeccionando as roupas dos filhos e passou, depois, a receber encomendas, inclusive de noivas, ela organizou uma equipe que fazia fraldas e cueiros para o Roupeiro Santa Rita de Cássia, de Maringá, destinando tudo para famílias pobres. Depois dos anos sessenta, quando deixou a profissão de costureira, Luíza dedicou-se integralmente à filantropia, sendo uma atuante vice-presidente do Programa do Voluntariado do Paraná (Provopar). Ela fez parte do Clube da Amizade, voltado a apoiar o Lar Escola da Criança, foi uma das fundadoras da Obra do Berço, costurando fraldas e cueiros por décadas. Realizava, também, bingos beneficentes em sua casa, destinando os recursos para a manutenção de duas creches. “Todo lugar que necessitava de ajuda contava com a disposição de Luíza, sempre alegre e contagiante”, segundo a filha. Ela lembra ainda que muitas pessoas enfermas foram tratadas através da renda proveniente de bingos, sendo que, engajados nesse espírito humanitário, alguns médicos, amigos de sua mãe, faziam questão de atender
A alegria na inauguração da creche que leva o seu nome
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Depois de receber o título de Cidadania Honorária de Maringá (proposta pelo vereador Ricardo Maia), Luíza Fuentes também foi agraciada com o título de Cidadã Benemérita do Paraná. Na foto, a comemoração em família
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gratuitamente. Os bingos aconteceram por mais de 20 anos. No dia 29 de julho de 2004, em um tributo de gratidão, a Assembléia Legislativa do Paraná conferiu o título de Cidadã Honorária do Paraná à Luíza Martos Murcia Fuentes, esposa de Joaquim, “por relevantes e valiosos serviços prestados à Maringá e ao Paraná, na área de filantropia”. O evento, que reuniu autoridades, lideranças, familiares e convidados especiais, foi realizado na Casa do Criador que leva o nome do marido, no Parque Internacional de Exposições Francisco Feio Ribeiro, em Maringá. Deslocando-se da capital do Estado, a Assembléia Legislativa do Paraná se fez representar pelos deputados Cida Borghetti e Luiz Nishimori, em cerimônia elegante, tendo Waldemar Alegretti no protocolo. Após entregar o título, a deputada Cida Borghetti teceu elogios à homenageada, por sua folha de serviços prestados aos menos favorecidos. Trouxe os cumprimentos do então presidente da Assembléia Legislativa do Paraná, Hermas Eurides Brandão, e de todos os demais colegas deputados. O então deputado Joel Coimbra, que propôs a outorga do título, ressaltou os méritos da homenageada. Luiz Nishimori também cumprimentou Luíza, ressaltando suas virtudes e seu trabalho desde que chegou a Maringá, em 1949. A homenageada, com emoção e alegria, agradeceu a honrosa lembrança, dizendo que tudo o que fez “foi de coração e ainda faria tudo de novo”. Na oportunidade, um de seus bisnetos, Caetano Beltran, fez a seguinte saudação:
“Querida vó Luíza. Fui escolhido para, em nome de todos os netos e bisnetos, falar algumas palavras que possam exprimir o que sentimos. Isto faz deste um daqueles momentos maravilhosos da vida onde temos a oportunidade de exprimir nossos sentimentos por alguém tão especial como a Vó Luíza. Ela que para nós, seus netos, sempre foi sinônimo de alegria, coragem, trabalho e fé. Sempre brincalhona e alegre, é a responsável pelas mais belas recordações que nós temos de nossa infância e adolescência. Pois a fé e a alegria não têm idade e assim a Vó Luíza sempre foi querida pelas crianças e jovens, atraindo facilmente a atenção de todos. Sempre com seu jeito simples de dona de casa, nos ensinou que os valores que realmente contam são aqueles ligados ao amor, à fraternidade e ao auxílio ao próximo, sua marca registrada. Tratando a todos com igualdade, mostrou-nos desde cedo que todas as pessoas devem ser merecedoras de nosso carinho e atenção e que não temos o direito de nos omitir frente à oportunidade de auxílio a um necessitado. Hoje todos os especialistas dizem que na educação de nossos filhos, os nossos atos do dia-a-dia contam mais do que mil conselhos, e aí temos a lhe agradecer mais uma vez querida Vovó, pois seus atos são exemplos de vida, trabalho, auxílio ao próximo e disposição, mostrando-nos o caminho certo a seguir, verdadeira bússola em nossas vidas e a quem devemos muito do que de bom temos em nosso caráter. Neste dia em que a sociedade paranaense reconhece o valor do seu serviço à nossa comunidade, erguemos a Deus uma prece de agradecimento, por ter colocado em nosso caminho tão angelical criatura, e rogando a ele que nos ilumine para que possamos ser merecedores desta dádiva. Vovó, nós te amamos muito!”
Ladeado pelos filhos Miguel e Luíza, o casal Luíza e Joaquim na comemoração dos 90 anos deste, no dia 23 de junho de 2006 117
A estrela e o violino
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elicado e envolvente, um som de violino se impõe no final da tarde de temperatura amena em Maringá. É outono e as árvores estão perdendo suas folhas. Assim, quando chegar o inverno, espécies como os ipês vão estar festivamente floridas. No céu de poucas nuvens, os últimos raios de sol fazem uma aquarela de cores. Mas, e os acordes, de onde vêm? A música é “O sole mio”, um clássico italiano. Fechando os olhos, vem a lume a imagem de uma pequena cidade de ruas descalças e poeirentas, percorridas por caminhões carregados de toras extraídas da floresta devastada, sacas de café, mudanças, mercadorias diversas. O lugarejo é Maringá em seus primeiros anos, com o casario de madeira espalhado pela grande clareira que se abriu no sertão. Que lugar movimentado! À medida em que os dias correm, mais a mata vai ficando distante, cedendo espaço para novas construções e lavouras de café. Em sua casa de madeira na Vila Operária, Luíza trabalha com costura ouvindo o rádio. Joaquim viajou para ver novas terras, abrir fazendas ou acompanhar a formação de cafezais. Os filhos Miguel, Luíza e a irmãzinha Amélia, que foi “adotada” pela família, estão em São Paulo, estudando nas melhores escolas. Sempre ao lado de Luíza, o rádio traz notícias e muitas músicas. Ela sintoniza as Rádio Nacional, Mayrink Veiga e também emissoras do Norte do Paraná. De Maringá, a Rádio Cultura. De vez em quando, inesperadamente, o som toca o seu coração. Emocionada, respira fundo. É assim toda vez que ouve “O sole mio”, canção de grande sucesso na época. Che bella cosa na jurnata 'e sole, n'aria serena doppo na tempesta! Pe' ll'aria fresca pare gia` na festa, che bella cosa na jurnata 'e sole.
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Ma n'atu sole cchiu` bello, oje ne', 'o sole mio, sta 'nfronte a te! O sole, 'o sole mio, sta 'nfronte a te, sta 'nfronte a te! Quanno fa notte e 'o sole se ne scenne, me vene quase 'na malincunia. Sotto 'a fenesta toia restarria, quanno fa notte e 'o sole se ne scenne. Ma n'atu sole cchiu` bello, oje ne', 'o sole mio, sta 'nfronte a te! O sole, 'o sole mio, sta 'nfronte a te, sta 'nfronte a te! Sem saber explicar, bate uma saudade, uma nostalgia. A música remete à infância, faz a alma viajar por jardins floridos, entrecortado por um riacho de águas transparentes. Abrindo-se novamente os olhos, a cidade é outra, muito maior, bem mais bonita, mas vê-se que é um dia triste, em que as pessoas se reúnem para compartilhar um sentimento de perda, de dor. O violino, chorosamente, entoa uma despedida; 26 de abril de 2008, o adeus a Luíza Fuentes, que partiu próximo de completar 90 anos. Aos acordes do instrumento, todos ainda veem a imagem daquela mulher vibrante, dedicada aos pobres e aos doentes, atendendo a cada um com especial atenção e carinho. Havia sempre uma solução ao seu alcance. No portão de casa, o movimento era grande. Muitos recorriam a essa mãe que mais parecia um anjo, em cujo coração sempre cabia mais um. - Bom dia, dona Luíza! E a resposta era um sorriso cativante, seguido de um abraço reconfortante. Diante dela, o dia ficava realmente melhor. A música termina, faz-se um longo silêncio. É a alma que viaja. Quando a noite chega, nem todos percebem, mas uma nova estrela está brilhando no firmamento.
LUÍZA MARTOS MURCIA FUENTES 1918-2008
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Herança em vida
Generosidade é uma palavra muito associada a Joaquim, que, sensível, sempre procurou ser justo e solidário com todos que participaram de sua vida. Em relação aos familiares, à medida que expandia seus negócios, ele fazia questão de dividir com filhos, netos e bisnetos, grande parte de suas terras. Anos após o casamento, a filha Luíza recebeu uma fazenda de 400 alqueires em Vila Alta, atual Alto Paraíso (PR). O mesmo ocorreu com o filho Miguel, que passou a ser dono de 400 alqueires na região da Serra dos Dourados, em Umuarama (PR). Mais tarde, cada um dos filhos ainda receberia, do pai, 1.500 alqueires no Mato Grosso do Sul. Para que 9 netos e 17 bisnetos também tivessem o seu patrimônio, Joaquim A sede do escritório de Joaquim, na rua Caramuru
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dividiu entre eles 50 mil hectares (cerca de 20 mil alqueires paulistas) da Fazenda Vilhena, situada no Estado de Rondônia, propriedade que havia adquirido em 1995. Fez, assim, como que a distribuição de uma herança em vida.
Parte 8
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Uma longa e profícua experiência de vida, da qual se extrai muitas lições de bravura, cidadania e brasilidade. Isto resume Joaquim.
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Merecedor de muitas homenagens
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o dia 27 de junho de 2008, Joaquim recebeu dois títulos de cidadania honorária, concedidos pela Câmara Municipal de Maringá e a Assembléia Legislativa do Paraná. Centenas de pessoas, entre autoridades, familiares e amigos, prestigiaram o evento ocorrido no Recinto de Leilões do Parque Internacional de Exposições Francisco Feio Ribeiro. Entre os presentes, os deputados estaduais Luiz Nishimori (autor da proposição, que presidiu a sessão em nome do presidente da Assembléia Legislativa, Nélson Justus), Cida Borghetti e Ênio Verri, o vice-prefeito Carlos Roberto Pupin, as vereadoras Edith Dias e Márcia Socreppa (autoras do título de cidadania do município), o arcebispo metropolitano dom Anuar Battisti, o primeiro arcebispo dom Jaime Luiz Coelho, o presidente da Associação Comercial e Empresarial de Maringá (ACIM), Adilson Emir Santos, o reitor do Cesumar, Wilson Matos Silva, o presidente da Cocamar, Luiz Lourenço, o presidente da Sicredi Maringá, Wellington Ferreira, o presidente do Sindicato Rural de Maringá, José Antonio Borghi, o presidente do Sindicato Rural de Astorga, Guerino Guandalini, e dirigentes da Sociedade Rural de Maringá.
A partir da esquerda: a deputada Cida Borghetti, Joaquim, o deputado Luiz Nishimori e o primeiro bispo diocesano de Maringá, dom Jaime Luiz Coelho
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Joaquim Fuentes ladeado pelas vereadoras Edith Dias e Márcia Socreppa; ao fundo, o vice-prefeito de Maringá, Carlos Roberto Pupin
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Abrindo a sessão, o deputado Luiz Nishimori destacou a participação de Joaquim em todas as etapas do desenvolvimento de Maringá, afirmando que a concessão do título de Cidadão Honorário do Paraná “é um reconhecimento que não poderia deixar de ser prestado a um homem de tamanha relevância para a história regional”. Discorrendo em nome da Câmara Municipal, a vereadora Edith Dias fez um relato da vida do homenageado desde o seu nascimento em Taquaritinga (SP) e o trabalho em lavouras de café da família. “Ele teve a visão de vir para o Paraná em busca de oportunidades e, com o seu empreendedorismo, tornou-se um grande cafeicultor paranaense”. Dias também fez menção à esposa de Joaquim, Luíza, reconhecida por sua intensa obra filantrópica, tendo apoiado durante décadas várias entidades assistenciais do município. A própria Luíza, lembrou a vereadora, foi merecedora de dois títulos de cidadania honorária, de Maringá e do Paraná. O vice-prefeito Carlos Roberto Pupin falou de seu apreço por Joaquim, um vizinho de condomínio a quem considera “um homem de muita energia positiva”. Pupin fez menção, ainda, à sua participação na história de Maringá, “sempre contribuindo de forma decisiva”. Ao discursar, sob forte emoção, Joaquim disse que as homenagens que estava recebendo “não iam ficar marcadas apenas no coração, mas na alma”. Com seu linguajar simples, ele comentou que “jamais poderia imaginar que chegaria aos 92 anos recebendo tanto carinho dos amigos”. E ressaltou também o amor por Maringá e à família numerosa que construiu com a esposa. “Estes são os meus maiores tesouros”, acrescentou. Ao final da programação, toda a família foi reunida no palco para que Joaquim, ao centro, soprasse velinhas diante de um grande bolo. Ele completara 92 anos no dia 23, praticamente às vésperas de receber as
honrarias. O presidente da Cocamar, Luiz Lourenço, disse que Joaquim “é uma personalidade diferenciada na história de Maringá”, pontuando-o também como “líder setorial de grande respeito”. Para o reitor do Cesumar, Wilson Matos Silva, o homenageado “representa não apenas o elo entre o início e o presente da cidade, mas uma referência para as gerações do futuro”. O presidente da ACIM, Adilson Emir Santos, mencionou que a entidade prepara uma homenagem ao pioneiro: “vamos fazer a entrega de uma comenda a esta personalidade tão importante para o município e região”. O diretor e ex-presidente da Sociedade Rural de Maringá, Neri Fabri, fez elogios ao trabalho de Fuentes à frente da entidade, classificando-o como “um homem de características muito especiais, um benfeitor de Maringá”. ..... Homenagens, aliás, é o que não falta para Joaquim: foram dezenas, sem contar as premiações nacionais que recebeu como criador de cavalos Mangalarga Paulista e os reconhecimentos como pioneiro e liderança rural em Maringá. Em 2007, foi paraninfo da turma de formandos de vários cursos do Centro Universitário de Maringá (Cesumar) e, naquele mesmo ano, recebeu homenagem da Sociedade Rural do Paraná em Londrina e também a Honra ao Mérito entregue pelo presidente do Núcleo Regional de Sindicatos Rurais do Norte e Noroeste do PR (Nurespar), Guerino Guandalini. Seus maiores prêmios, no entanto, conforme costuma dizer com alegria e emoção, foi ter formado, ao lado da esposa Luíza, uma família numerosa e feliz. E ser agraciado por Deus com uma vida longa e produtiva, trabalhando normalmente mesmo após os 90 anos. Além de presidente da Sociedade Rural de Maringá, ele despacha diariamente em seu escritório na rua Caramuru, onde, ao lado do filho Miguel e do neto que têm o mesmo nome, acompanha detalhadamente os seus negócios.
Ao lado de familiares e amigos, Joaquim sopra velinhas na passagem de seus 92 anos
O presidente do Nurespar, Guerino Guandalini, entrega certificado de Honra ao Mérito ao homenageado
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Joaquim, com a Comenda, entre dom Jaime Luiz Coelho e o presidente da ACIM, Adilson Emir Santos
Joaquim recebe a mais alta homenagem da ACIM, a Comenda Américo Marques Dias
O neto Miguel pronuncia-se em nome do homenageado
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O dia 7 de novembro de 2008 foi histórico para Joaquim Fuentes que, ao mesmo tempo, protagonizou um capítulo a parte na história da Associação Comercial e Empresarial de Maringá (ACIM). Naquela data, a entidade promoveu um evento para outorgar ao pioneiro a sua mais importante honraria: a Comenda Américo Marques Dias. Instituída para homenagear personalidades que se destacaram na história de Maringá, a Comenda havia sido entregue somente ao primeiro arcebispo metropolitano de Maringá, dom Jaime Luiz Coelho, e ao ex-prefeito Adriano José Valente (gestão 1969-1972). Realizada no Recinto de Leilões “Ermelindo Bolfer” do Parque Internacional de Exposições Francisco Feio Ribeiro, a cerimônia reuniu cerca de 500 convidados, entre familiares que vieram de várias regiões, autoridades do município e região, lideranças e empresários de vários setores, além de uma grande legião de amigos. Ao discursar, o presidente da ACIM, Adilson Emir Santos, exaltou o trabalho de pioneiros como Joaquim que, com determinação e espírito empreendedor, mudaram a história de uma região. Segundo ele, o homenageado “é uma unanimidade em Maringá pelas suas inúmeras realizações, mas também pela admiração e o respeito que sempre inspirou”. Ao final, agradeceu Joaquim “por ter sido um sonha-
dor”, ressaltando que o mundo é movido por sonhos. Representando o vice-governador Orlando Pessuti, o chefe do núcleo regional da Secretaria da Agricultura e do Abastecimento (Seab), Renato Cardoso Machado, destacou as boas relações de amizade que existem entre a Sociedade Rural de Maringá e o governo do Estado do Paraná, “fruto em grande parte do trabalho realizado por Joaquim Fuentes no tempo em que presidiu a entidade”. Por meio de um audiovisual, o homenageado assistiu a uma mensagem de saudação do próprio Pessuti, o qual afirmou que “o reconhecimento prestado a Joaquim é uma gratidão dos maringaenses”. O primeiro arcebispo de Maringá, dom Jaime Luiz Coelho, também pronunciou-se, destacando a participação de Joaquim na história de Maringá e na finalização das obras da catedral metropolitana. Ao final, falando em nome de seu avô, Miguel Fuentes agradeceu a ACIM pela honraria e a todos os presentes pelo prestigiamento. “Nós, os familiares, estamos muito felizes e orgulhosos por essa demonstração de carinho”, frisou. Ao receber o microfone para breves palavras, Joaquim se disse “muito emocionado” e, pedindo desculpas por suas limitações, reiterou agradecimentos, lembrando-se principalmente de Deus “pela bênção de, aos 92 anos de idade, estar recebendo tão importante homenagem”. Completando a programação, o bisneto Caetano Alvarez Beltran fez a leitura de um texto poético de sua autoria, focado no amor da família pelo patriarca Joaquim Fuentes. Ao final da cerimônia, dom Jaime foi convidado a fazer a entrega formal da Comenda ao homenageado, o que se deu sob muitos aplausos. A Comenda leva o nome de Américo Marques Dias, um dos idealizadores e o principal articulador para a criação da ACIM, em abril de 1953. Foi o primeiro presidente da entidade, na gestão 1953/1955. Dias faleceu em dezembro de 2007, aos 90 anos.
Emocionado, Joaquim agradece; embaixo, detalhe do elegante evento
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Em síntese, um realizador
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m 2008, quando este livro foi concluído, Joaquim, ainda presidente da Sociedade Rural de Maringá, acompanhava os preparativos de mais uma Expoingá. Após 70 anos de casados, ele e Luíza haviam formado uma família numerosa, já em sua quinta geração, composta de 9 netos, 17 bisnetos e 2 tataranetos. Luíza e Caetano presentearam os pais com 5 netos, pela ordem: - Maria Luíza, que teve duas filhas, Priscila e Patrícia, sendo esta a mãe de William e Angélica, os primeiros tataranetos; - Caetano (casado com Vera), é pai de Liane, Luíza e Caetano; - Luciane (que se casou com Altino), é mãe de Joana, Juliana e Júlio César; - Adriane (casada com Osnir), tem dois filhos: Aline e Ricardo; - e Cleófas. Já o filho Miguel, em seu primeiro casamento, com Leoni, teve três filhos: - Leony, mãe de Flávia e Fernanda;
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- Joaquim (casado com Iassi), pai de Thays, Thífani, Theodoro e Thomas; - e Patrícia (casada com Fabrício e mãe de Rafael). Miguel teve mais um filho em segundas núpcias, que recebeu o seu nome. Está casado com Rosilei. O filho casou-se com Aliene, com que tem uma filha, Maria Elisa. Já Amélia, que foi viver ainda muito criança com a família Fuentes, casou-se com José (irmão de Joaquim) e teve cinco filhos: Beatriz, Estela e Giovana (casadas respectivamente com Eniel, Fernando e Marcos), Paulo Sérgio (que se casou com Kátia) e Ana Paula (casada com Fabiano). .... Este livro foi elaborado a partir de depoimentos de Joaquim Fuentes, em sua residência, durante muitas horas em manhãs de sábado e domingo, ao longo de dois anos. Contribuíram, também, os filhos Luíza e Miguel, o neto Miguel, além de vários amigos e pioneiros de Maringá. Com lucidez, riqueza de detalhes, paciência e muita disposição para conversar, seu Joaquim fez uma incursão pelo tempo, retrocedendo décadas para resgatar episódios, fatos e passagens que considerava importantes, os quais, em sua maioria, estavam “arquivados” na memória ou eram conhecidos de algumas poucas pessoas. Por muitas vezes a emoção interrompia as palavras e marejava os seus olhos. Não raro, também, recordações de épocas tão distantes ainda conseguiam agitá-lo. Uma longa e profícua experiência de vida, da qual se extrai muitas lições de bravura, cidadania e brasilidade. Uma delas, a de que empreender e trabalhar com honestidade é a receita para prosperar e contribuir para com o desenvolvimento coletivo. A história desse pioneiro, cafeicultor e sertanista, além de marido, pai, avô, bisavô e tataravô, foi sempre marcada pela coragem, a vontade de realizar e fazer acontecer, a confiança no futuro e a fé em Deus.
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Agradecimento
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om apenas um carro de boi e muita energia física, um empreiteiro de nome Belarmino abriu praticamente sozinho uma fazenda que havia sido adquirida por nós em Eldorado, no Mato Grosso, quando aquele Estado ainda não havia sido dividido em dois. Era um homem obstinado, que levantava bem cedo para encarar o trabalho duro e só se permitia uma trégua ao anoitecer. Dele jamais se ouviu qualquer queixa e seus braços vigorosos pareciam mover montanhas. Ao final daquele serviço, recebendo a remuneração conforme o esperado, ele se foi. Só mais tarde, observando o quanto o homem havia trabalhado (e com tão poucos recursos), avaliamos que ele merecia uma recompensa maior. No entanto, mesmo procurando-o por algum tempo naquela região, jamais o reencontramos. Lembramo-nos desta passagem para dizer o quanto a natureza humana é passível de falhas que nem sempre podem ser corrigidas. Neste livro, certamente muitos de nossos amigos e familiares não se localizaram em fotografias ou citações, o que foi proposital. Com tantas pessoas queridas e verdadeiramente próximas, seria difícil (e imprudente) tentar lembrar de todas. Com certeza, muitas delas ficariam de fora, o que seria imperdoável. Aos familiares, amigos e colaboradores, a nossa gratidão e o mais profundo reconhecimento. Sentimo-nos muito honrados por tantas demonstrações de amizade, atenção e carinho, o que tem sido uma grande bênção. Que Deus, com sua imensa generosidade, retribua a todos em forma de muita saúde e felicidade. Nossos sinceros agradecimentos também àqueles cuja convivência exigiu que fôssemos pacientes na busca da superação de desafios. Na jornada de uma vida, muitas lições se assimila removendo obstáculos. Muito obrigado principalmente a Deus pela longa existência, as oportunidades oferecidas e, acima de tudo, pela graça de, ao lado de Luíza, formar uma família tão grande, amorosa e que nos orgulha tanto. JOAQUIM ROMERO FUENTES
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Referências
• Acervo da Divisão de Patrimônio Histórico - Secretaria de Cultura do Município de Maringá. • Acervo Cocamar. • Acervo Sociedade Rural de Maringá • Acervo Família Fuentes • Acervo Kenji Ueta • Carta Pastoral de Dom Jaime Luiz Coelho - 1957 • Queridos Diocesanos - Dom Jaime Luiz Coelho - 2008 • “A Sombra dos Ipês da Minha Terra” - Rogério Recco - 2005 • “Clareira Flamejante” - Rogério Recco - 2007 • Travessia - do Sertão ao Agribusiness - Agroceres • Livro “Cocamar - uma História em Quatro Décadas • “A Igreja Que Brotou da Terra” - Pe. Orivaldo Robles - 2007 • Colonização e Desenvolvimento do Norte do Paraná - (Cia. Melhoramentos) • “O Sonho se faz Assim” - Dental Press Editora • “Maringá 57 anos - A História em Conta-Gotas” - Osvaldo Reis • “Maringá Outrora e Agora” - Antenor Sanches • Revista “Sua Boa Estrela” - Mercedes-Benz (1980) • Revista Globo Rural • O Estado do Paraná • Gazeta do Povo
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O sonho incendeia a alma. Motiva o homem a desejar mais de si, a avançar para muito além. Há os que apenas sonham, placidamente, por toda a vida, enquanto outros se lançam numa grande e definitiva aposta. Como poucos, Joaquim desenvolveu a arte de sonhar com os olhos abertos e seguir confiantemente em busca de alcançar seus objetivos. Por fim, o resultado da luta de uma vida é transformado em uma conquista coletiva, o que faz dele, Joaquim, um exemplo admirável do que é capaz a espécie humana. HENRI JEAN VIANA
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Diante da terra vermelha, qual uma centelha, brilham os olhos do desbravador. E o cafĂŠ, fruto e paga de penoso labor, ĂŠ o ouro verde que assemelha ao tesouro e espelha, com todo o seu fulgor, a fibra do agricultor.
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Vó Luíza mulher de honra mulher de coragem mulher forte mulher de palavra mulher que cumpriu sua missão mulher que nos deixou amor no coração mulher que acordou mulher que marcou mulher que fez mulher que amou mulher companheira mulher santa E agora, depois de tanta bondade, acordou do sonho da vida. Caetano Alvarez Beltran (bisneto)
ISBN 978-85-60591-14-5
9 788560 591145