12 minute read
Opinião, Renato Carreira
Opinião
Renato Carreira
Advertisement
PARTNER DELOITTE
O contributo da mobilidade sustentável para a descarbonização da economia
Num mundo em que vivemos a uma velocidade acelerada, vão-se precipitando os acontecimentos a uma cadência vertiginosa. No primeiro semestre de 2022, tivemos em Portugal eleições legislativas e a tomada de posse do novo Governo, agora suportado por uma maioria absoluta na Assembleia da República. A Europa viu eclodir uma guerra em virtude da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, que ultrapassou os 100 dias e onde não se vislumbra quando poderá terminar. Os preços voltaram a subir como já não sucedia há décadas (muito influenciados pelo excecional incremento dos custos da energia e das matérias-primas) e, consequentemente, as taxas de juros já iniciaram a sua trajetória ascendente.
A somar a tudo isto, temos a pandemia provocada pela Covid-19 que teima em manter-se entre nós, renovando os receios das suas consequências a cada nova vaga.
Assim, em menos de seis meses, as perspetivas otimistas mais ou menos generalizadas que eram anunciadas para a economia mundial praticamente desapareceram e estamos agora mais perto de uma situação simultânea de estagnação económica, ou até mesmo recessão, e elevadas taxas de inflação, também designada, em Economia, por Estagflação.
Neste novo contexto, é legítimo questionar se os objetivos de descarbonização da economia e de combate às alterações climáticas vão passar para segundo plano ou sofrer novos e indesejáveis adiamentos.
No Programa do XXIII Governo Constitucional, apresentado e aprovado na Assembleia da República no início do passado mês de abril, constam quatro grandes desafios estratégicos para o quadriénio 2022-2026: 1.º Responder à emergência climática; 2.º Assegurar a transição digital; 3.º Contrariar o inverno demográfico; 4.º Combater as desigualdades.
No referido programa, o Governo assume o objetivo de: 1.º Reduzir, no horizonte de 2030, 55% as emissões de gases com efeito de estufa; 2.º Aumentar, até 2026, para 80% o peso das energias renováveis na produção de eletricidade (antecipando em quatro anos a meta anteriormente estabelecida); 3.º Aumentar para 47% o peso das energias renováveis no consumo final bruto de energia, no horizonte de 2030; 4.º Reduzir, até 2030, 40% das emissões do sector dos transportes e mobilidade.
A este nível, e dos vários compromissos que o Governo assume no seu Programa, merece especial destaque o seguinte: “Adotar uma fiscalidade verde em linha com o objetivo de transição justa com uma transferência progressiva da carga fiscal sobre o trabalho para a poluição e o uso intensivo de recursos, prosseguindo a eliminação de isenções e benefícios fiscais prejudiciais ao ambiente, e que confira uma clara vantagem fiscal aos veículos elétricos e a hidrogénio, que altere o enquadramento fiscal das entidades empregadoras favorecendo a comparticipação de transportes públicos em detrimento da disponibilização de transporte individual e que estabeleça incentivos para a eficiência energética, em particular nos edifícios de habitação.”
Medidas de reforço ambiental
Resulta assim evidente o reforço das intenções dos decisores políticos nacionais em que caminhemos para uma mobilidade sustentável e que permita promover a proteção ambiental, em linha com o compromisso que o país assumiu em 2016 de atingir a neutralidade carbónica em 2050.
Também a nível da União Europeia, o Parlamento Europeu acabou de aprovar recentemente uma proposta da Comissão que proíbe a venda de veículos novos com motor de combustão a partir de 2035. Foram também aprovados objetivos intermédios propostos pela Comissão Europeia, nomeadamente uma redução de 15% nas emissões poluentes por parte dos automóveis até 2025 e uma redução de 55% até 2030.
A importância destas metas é reforçada pelo facto de o sector dos transportes ser um dos maiores emissores de CO2 na União Europeia, estimando-se que os automóveis, só por si, sejam responsáveis por 12% do total de emissões de gases com efeito de estufa.
Orçamento do Estado sem novidades
Com todas estas manifestações de intenção e compromissos assumidos publicamente, seria de esperar que o Orçamento do Estado para 2022, que este ano foi excecionalmente discutido e aprovado na Assembleia da Republica durante o passado mês de maio (em função da rejeição da proposta de Orçamento que havia sido apresentada no passado mês de outubro e das eleições legislativas entretanto havidas no inicio do corrente ano), pudesse já materializar um conjunto de medidas efetivas ao nível da anunciada fiscalidade verde, visando conferir uma clara vantagem fiscal aos veículos elétricos e a hidrogénio.
No entanto, o Orçamento do Estado para 2022, que deverá entrar em vigor muito em breve, não traz praticamente nada de novo ao nível da mobilidade sustentável e da fiscalidade automóvel.
A única medida que merece destaque é a manutenção, em 2022, dos apoios públicos anuais para a aquisição de veículos elétricos. Os limites são genericamente mantidos, com exceção do incentivo para a aquisição de veículos elétricos ligeiros de passageiros novos por parte de pessoas singulares que passa a ser de 4.000 euros (era de 3.000 euros em 2021), limitado a 1.300 veículos (eram 700 em 2021), continuando a não ser aplicável a pessoas coletivas.
Fica, assim, muito aquém do que se esperava que pudesse vir a ser adotado no âmbito do Orçamento do Estado para o corrente ano. Apesar de ser um Orçamento que é aprovado a meio do ano a que respeita e já nos encontrarmos na antecâmara do Orçamento do Estado para 2023, urge passar das palavras aos atos e apresentar sinais claros da transição que se pretende, nomeadamente ao nível da mobilidade sustentável!
A única medida que merece destaque (no Orçamento do Estado para 2022) é a manutenção dos apoios públicos anuais para a aquisição de veículos elétricos. Os limites são genericamente mantidos, com exceção do incentivo para a aquisição de veículos elétricos ligeiros de passageiros novos por parte de pessoas singulares, que continua a não ser aplicável a pessoas coletivas
Na Helexia Portugal desde 2018, Marta Jordão é atualmente diretora de operações para a Eficiência Energética. Com mestrados em Engenharia Mecânica e Engenharia Ambiental e pós-graduação em Gestão de Energia e Eficiência Energética, desde 2003 que a sua atividade profissional de desenvolve nas áreas da Gestão de Energia e Política Ambiental. Está comprometida com a operação de transição energética da frota da Helexia Portugal que, a partir de 2023, tem previsto contar apenas com automóveis híbridos plug-in e totalmente elétricos.
AHelexia é uma multinacional a atuar nas áreas da produção de energia sustentável e ações de desenvolvimento ambiental, concebendo projetos destinados a apoiar as empresas no trajeto de redução das suas emissões, através de uma maior eficiência energética e recurso a fontes de energia mais amigas do ambiente. Em consonância com esta missão da empresa, a Helexia Portugal tem vindo a efetuar um trabalho de transição da sua própria frota automóvel, procedendo à substituição gradual das viaturas exclusivamente térmicas por veículos elétricos e híbridos plug-in, num trajeto iniciado em 2019 e que conduziu à obtenção da classificação “A” no sistema de certificação MOVE+ em 2022.
Com uma gestão de frota centralizada e um parque automóvel jovem, cuja média atual de contratos renting é de cerca de 21 meses, a empresa espera concluir o movimento de transição para uma frota totalmente elétrica no final de 2023, com exceção de uma viatura plug-in, cujo contrato termina em 2025. Isto mesmo confirmou Marta Jordão, diretora de operações da Helexia Portugal, que adianta razões que justificam esta decisão:
“Na Helexia acreditamos em potenciar e combinar sustentabilidade económica e ecológica na transição energética. Por isso, para além de trabalharmos com os nossos clientes para minimizar o desperdício e projetar e construir soluções energéticas geradoras de valor para as empresas e para o planeta, por uma questão de coerência, acabamos por também fazer esse trabalho ao nível interno.
Logo, avançar para a eletrificação da frota traz uma maior consciência interna para o vetor da mobilidade e é mais uma aposta que a Helexia faz para a sua própria transição energética”.
Frota alinhada com a missão de sustentabilidade da empresa
—— Há apenas dois anos a Helexia Portugal recebia os primeiros veículos 100% elétricos na sua frota. Uma aposta replicada em 2021 e em 2022, antecipando-se que, em 2024, a totalidade do seu parque automóvel seja formado por unidades elétricas ou híbridas plug-in. O que justificou esta decisão e que ganhos resultaram para a empresa?
E quando fica concluído o processo de renovação?
A substituição de viaturas térmicas por eletrificadas tem vindo a ser feita de forma gradual, em linha com o término dos contratos de renting. Ou seja, à medida que os contratos terminam, as viaturas térmicas são substituídas por viaturas 100% elétricas.
Em 2020, 55% da frota da Helexia era composta por veículos elétricos e híbridos plug-in. Um ano depois, 58% da frota já estava eletrificada. Agora, para 2022, a aposta na eletrificação vai aumentar e, final do ano, perspetivamos que 77% da frota seja eletrificada.
Como disse, nos futuros contratos de renting, a opção recairá sobre carros elétricos. Por isso, até ao final de 2023, todos os contratos novos vão ser efetivados com modelos 100% elétricos, ficando a restar apenas uma viatura hibrida plug-in, cujo contrato só termina em 2025.
Qual foi, ou está a ser, o nível de engajamento dos utilizadores destes novos veículos? Participaram em ações de condução, desenvolvem iniciativas nesta área?...
Em 2021, todos os condutores participaram em ações de formação em eco condução, na qual, para além de uma componente teórica, houve uma componente prática de condução de viaturas. Nesta componente, os condutores conseguiram, através da adoção de estilos de condução diferentes, avaliar e comparar o impacto que cada modelo de condução tem no consumo da viatura.
Uma vez que a Helexia é uma empresa que fornece e instala equipamento e também presta serviço nas áreas da eficiência energética e da mobilidade elétrica em particular, deduzo que isto acabou por facilitar o vosso próprio processo de transição energética da frota…
Claramente. Tivemos de equacionar a disponibilidade de infraestrutura em alguns pontos mais remotos do país, fora dos centros urbanos, onde existisse a necessidade de deslocação das equipas operacionais. Desenvolvemos também metodologias para planeamento antecipado das deslocações, de forma a contemplar tempo efetivo para carregamento das viaturas, sem afetar a operacionalidade do trabalho, por exemplo.
E o inverso? A vossa experiência ser útil para melhorar os serviços que prestam na área da mobilidade elétrica?
A Helexia trabalha em conjunto com todos os seus stakeholders para que possam também fazer a sua transição energética nas várias áreas
B.I.
> Número de viaturas: 13 automóveis ligeiros de passageiros; > Marcas e modelos presentes na frota atual: Peugeot, Hyundai, Volvo e SEAT; > Distribuição de veículos por tipo de motor: seis 100% elétricos, cinco com motor a gasóleo e dois híbridos plug-in; > Idade média da frota: inferior a dois anos; > Financiamento: exclusivamente renting. Contratos de 36 meses (a maioria), 40 e 60 meses, com inclusão de serviços de manutenção e pneus; > Política de atribuição de viatura: de acordo com a necessidade da função; > Política de Frota: gestão centralizada, com gestor de frota com competências formais definidas para a função. Política definida quanto aos critérios gerais para a alocação, uso de veículos (manutenção, despesas, etc.) e obrigações do utilizador do carro. Manutenção preventiva, troca de pneus, revisões ou outras necessidades relacionadas com a viatura geridas pelos próprios condutores, em conciliação com gestor de frota e autorização prévia da locadora. > Software: dados de consumos recolhidos através das plataformas Galp Frota, Prius, LeasePlan e Locarent. Sistema desenvolvido internamente para a gestão das viaturas e também apresentação de todo o tipo de despesas. Utiliza ainda portal Sharepoint dedicado ao programa MOVE+, para partilhar informação sobre o desempenho da frota; > Equipamento exigido na contratação: Bluetooth e sensores de estacionamento; > Sistema de pool: promovida a partilha de veículos, operacionalizada sempre que possível pelas várias equipas; > Sistemas de georreferenciação: não se aplica; > Frota decorada: não se aplica. da sua atividade. A mobilidade é mais uma das dimensões onde atuamos e queremos estar. Se queremos cumprir as metas definidas com vista ao atingimento da Neutralidade Carbónica, o sector dos transportes tem que fazer parte desta equação. Por isso, faz todo o sentido utilizar a experiência da nossa atuação para complementar o nosso leque de serviços e cumprir a nossa missão.
Neste sentido, que mensagem gostaria de deixar às empresas que pretendam ou estejam a iniciar o mesmo processo de transição energética?
Eletrificar frota das empresas acaba por ser uma opção mais sustentável e rentável para as organizações. Face aos veículos térmicos, os veículos elétricos permitem uma poupança mensal considerável.
De facto, existem dificuldades para uma efetiva transição. Apontaria como principais constrangimentos a disponibilidade de infraestruturas de carregamento fora dos grandes centros e o aspeto comportamental dos utilizadores de viaturas.
Por isso, melhorar a confiança dos condutores no que toca aos postos de carregamento, seja através da aposta na instalação de infraestrutura física de carregamento nas empresas, eventualmente até a colocação de um posto de carregamento na casa do utilizador da viatura, se tal for exequível, seguramente é um fator desbloqueador importante.
Quanto ao fator comportamental, é essencial passar a mensagem de que temos que adequar o nosso comportamento ao volante, para conseguir conduzir de forma eficiente e, assim, conseguir otimizar a autonomia de um veículo elétrico. Trata-se de um misto de aprendizagem e experiência.
Classificação “A” no MOVE+
Na sua atividade profissional, Marta Jordão desenvolve projetos dirigidos à redução do impacto da pegada de carbono das empresas clientes da Helexia, seja através de processos de melhoria de eficiência energética e de recursos ou da utilização de energia produzida a partir de fontes renováveis, por exemplo. No mesmo sentido concorre também a certificação MOVE+, ferramenta desenvolvida pela ADENE, Agência para a Energia, ao qualificar o estágio de eficiência energética de uma frota e, através de uma metodologia de apoio, identificar oportunidades que possam conduzir a uma efetiva redução de consumos e emissões. Atualmente, a própria Helexia já disponibiliza para outras empresas este serviço de implementação da certificação MOVE+, acompanhando-as num processo que garanta como resultado uma melhoria da eficiência das suas frotas de veículos.
A obtenção do certificado MOVE+ é uma mais-valia para a imagem externa da empresa?
A certificação MOVE+ vem reconhecer a aposta que tem sido feita pela nossa empresa na melhoria contínua da frota ao nível da eficiência energética, ajudando também a identificar as oportunidades de redução dos custos operacionais, redução das emissões de CO2 e a tornar a nossa frota mais sustentável.
A aposta na eletrificação já está a produzir resultados?
A aposta traduz-se em ganhos inequívocos: desde o início de 2020, reduzimos em 20% o consumo específico de energia e em 18% nas emissões específicas de CO2.
E o acompanhamento da ADENE, Agência para a Energia, ao longo do processo que levou à certificação da frota, foi importante para a obtenção destes ganhos?
A ADENE teve durante todo o processo um papel muito importante. Tratando-se de uma ferramenta inovadora, o seu acompanhamento foi essencial para entender as particularidades da ferramenta e perceber o impacto das opções tomadas e que viriam a definir o nosso roadmap nesta matéria para os próximos anos.