Foca Livre 215

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Especial p.8

Distribuição Gratuita

Jornalismo em quadrinhos apresenta novas descobertas no abrigo Usina São Jorge

Jornalismo UEPG ­ Dezembro ­ 2019 ­ 215

Túnel estreito do San Martin se mantém como único acesso para a região dos Alagados. p.5

Foto: Kauana Neitzel Foto: Yuri A. F. Marcinik

Problemas Urbanos p.2 Falta de padronização em calçadas compromete lo­ comoção de idosos.

Política p.7 Presidiários prestam ser­ viços em escolas por meio de projeto.

Cultura p.12 Concurso municipal "Poesia na Vila" divulga literatura marginal Projeto promovido pela Fundação Municipal de Cultura de Ponta Grossa dá visibilidade à poesia marginal. Cultura. p.13

Currículo inclui lendas ponta­grossenses em au­ las para crianças.

Entrevista p.10 Com mestrado em Edu­ cação, professora avalia os impactos da tecno­ logia na alfabetização.

Literário p.15 Benzedeiras contam ex­ periências vivenciadas em trabalhos de cura.

Problemas Urbanos p.3 Proposta de extinção de municípios pode preju­ dicar Porto Amazonas.


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PROBLEMAS URBANOS

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Estrutura das calçadas dificulta a locomoção de idosos em Ponta Grossa Calçadas estreitas na região do centro são umas das principais reclamações

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adeiras, buracos nas calça­ das e vias estreitas são al­ guns dos problemas en­ frentados diariamente por ido­ sos nas ruas de Ponta Grossa. Não só no centro, como é o caso da rua Augusto Ribas, que as más condições das calçadas prejudicam idosos, cadeirantes, deficientes visuais e pessoas com dificuldade de locomoção. Calçadas irregulares podem ser observadas também nos bairros, como em Olarias. A moradora Maria Aparecida Santos, 56 anos, relata que enfrenta mui­ tas dificuldades durante uma simples saída no bairro. ‘‘Muitas vezes, quando chove, as calçadas que possuem buracos ficam intransitáveis e nós, idosos, sofremos ainda mais para conseguirmos andar sem nos machucarmos’’, conta. O aposentado Jorge Fer­ reira, morador do bairro Nova Rússia, aponta a falta de estru­ tura nas calçadas e as inclina­ ções como principais proble­ mas. ‘‘Às vezes, nem mesmo os ônibus conseguem descer nes­ sas ruas inclinadas. Para nós idosos, que já possuímos a mo­ bilidade reduzida, fica ainda

mais difícil a situação”, diz. As calçadas estreitas no centro da cidade também são reclamações frequentes dos i­ dosos. De acordo com a arqui­ teta do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPLAN) de Ponta Grossa, Karla Stamou­ lis, a manutenção das calçadas é obrigação dos gestores munici­

pais e as ladeiras da cidade são questões topográficas. ‘‘Algu­ mas calçadas sofrem interven­ ção da Prefeitura com recursos municipais e estaduais, como por exemplo as ruas que ligam um bairro ao outro. Quando é feito o asfalto, já são feitas as calçadas’’, explica Karla. A intervenção do muni­

cípio é feita conforme as nor­ mas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Sta­ moulis diz ainda que o Plano Di­ retor da cidade faz uma revisão das vias e, no código de obras, é estabelecido a forma em que serão executadas e cabe ao pro­ prietário fazer as respectivas calçadas. A Prefeitura fiscaliza nos casos de denúncias. De acordo com a arqui­ teta, no Plano Diretor foi pro­ posto um projeto de mobilida­ de, chamado ‘Rotas Acessíve­ is’’, a partir de um estudo feito pelo IPLAN em 2015 em que al­ guns pontos principais da cida­ de serão conectados para facili­ tar a acessibilidade. ‘‘O município está pro­ pondo, não especificamente aos idosos, mas calçadas acessíveis de uma forma geral, seguindo as normas que estabelecem os padrões para as calçadas’’, com­ pleta Stamoulis. Por Mirella Mello

Idosos com mobilidade reduzida necessitam de ajuda para se locomoverem em Ponta Grossa. Foto: Yuri A. F. Marcinik

Ainda é pequeno o número de pessoas que conhecem e utilizam Economia Compartilhada Aplicativos de economia compartilhada que são bastante utilizados em cidades maiores possuem poucos usuários na região de Ponta Grossa

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s aplicativos de Economia Compartilhada, que per­ mitem a uma pessoa alu­ gar peças de roupas de outros, oferecer carona para dividir os custos ou trocar serviços com outros usuários já são uma rea­ lidade nas grandes cidades bra­ sileiras. Contudo, pessoas que têm interesse na adesão desses modelos de economia em cida­ des menores, como Ponta Gros­ sa, esbarram em alguns proble­ mas, a começar pela falta de usuários nesses aplicativos. É o caso, por exemplo, da empresária Tereza Justino. Ela é carioca e mudou­se recetemen­ te para Ponta Grossa, ela tentou divulgar o próprio negócio atra­ vés de um aplicativo que propõe a troca de experiências e produ­ tos, mas não obteve retorno: “É difícil pessoas de Ponta Grossa aderirem à proposta dos sites e aplicativos, aqui só consigo tro­ car serviços e produtos pessoal­ mente”, diz. O professor de Ciências Econômicas da Universidade Es­

tadual de Ponta Grossa (UEPG), Emerson Hilgemberg afirma que o custo de vida é a maior ra­ zão para o modelo de Economia Compartilhada funcionar mais em cidades maiores. “Em muni­ cípios maiores o custo de vida costuma ser mais alto, por exem­ plo, gasta­se mais com a loco­ moção, assim aplicativos que oferecem caronas compartilha­ das tornam­se atrativos por se­ rem uma opção mais barata”, explica o professor. A produtora de conteúdo no YouTube Nicoly França, mo­ radora de Ponta Grossa, afirma que em espaços físicos o mode­ lo de Economia Compartilhada tem crescido. “O comportamen­ to do consumidor está mudan­ do, as pessoas estão buscando por mais experiências na hora da compra antes da posse dos produtos. Na moda, por exem­ plo, as feiras de troca e negócios de aluguéis de roupas para o dia a dia têm se destacado muito”, ressalta. Um dos aplicativos com

mais usuários na região de Pon­ ta Grossa é o BlaBlaCar, que oferece o compartilhamento de caronas em viagens para outras cidades. A professora Adriana Wenglarek conta a experiência que teve com o app. “Conheci o aplicativo em um anúncio no si­

te onde eu buscava horários de ônibus para Curitiba, percebi que era uma opção bem mais barata, desde então, utilizo sempre”, relata. Por Maria Fernanda de Lima

Entre os principais aplicativos de economia compartilhada estão os de troca e vendas de roupas e acessórios. Foto: Jessica Allana


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PROBLEMAS URBANOS

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PEC ameaça 72 anos de história de Porto Amazonas Cidade é a única dos Campos Gerais na lista dos 101 do Paraná que podem perder status de município

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Proposta de Emenda à Constitução (PEC188/19), de autoria da presidência, prevê que municípios com me­ nos de 5 mil habitantes sejam incorporados a outros limítro­ fes para economizar no repasse de valores. Estima­se que, caso a PEC seja aprovada, um total de 1.257 municípios serão afetados, 101 deles no Paraná. Nos Campos Gerais, o único município que se enqua­ dra na proposta do governo é Porto Amazonas, no sudeste do Paraná. A cidade pode vir a ser incorporada pelos municípios da Lapa ou Palmeira, conforme previsões dos moradores. A PEC, que inclui o Ar­ tigo 115 aos Atos das Dis­ posições Constitucionais Transitórias (ADCT), prevê que municípios sem sustentabili­ dade econômi­ca sejam extintos e integrados a municípios maiores vizinhos. Todas as cidades devem comprovar até o dia 30 de junho de 2023 que a arrecadação com impostos lo­ cais equivale a mais de 10% da sua receita total. O go­verno levará em conta o Imposto Pat­ rimonial de Transfe­rência de Bens (IPTB), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Im­ posto Sobre Serviços (ISS) para totalizar a sustenta­bilidade de um município. Porto Amazonas A cidade se originou após desmembrar­se de Palmei­ ra, há 72 anos, o município era um dos mais ricos do Estado, devido à navegação e o ciclo da madeira e da erva­mate que passava pela cidade. De acordo com o diretor do Colégio Estadual Coronel A­ mazonas, Paulo César de Britto, depois que as estradas de ferro foram desativadas e que a nave­ gação perdeu sua importância (com a construção das rodo­ vias), a cidade passou pelo de­ clínio econômico e a localiza­ ção geográfica de Porto Amazo­ nas deixou de ser interessante como rota comercial. . A respeito da possibi­ lidade do município ser agrega­ do a outro, Britto ressalta os prejuízos para a cidade: “Uma das maiores dificuldades [na e­ ducação] em Porto Amazonas é fazer com que o aluno entenda que há um futuro melhor. Já é difícil arrumar emprego na cidade, e caso o aluno não con­ siga emprego nas três grandes empresas ou na fruticultura, ele é obrigado a ir para fora. A pos­ sibilidade de Porto Amazonas se

tornar parte de um distrito, aliado ao fim do ensino noturno [comunicado pelo governo do Estado do Paraná], seria muito triste diante deste cenário”. Britto também considera desanimador a possibilidade de Porto Amazonas ser incor­ porada à outra cidade limítrofe, pois significaria a perda da i­ dentidade construída pela his­ tória do município. O prefeito de Porto Ama­ zonas, Antonio Altair Polato (PPS), explicou que atualmente

índice de 10% da arrecadação dos impostos próprios não re­ presenta se a cidade é viável ou não. “A discussão tem que se dar pela qualidade de vida des­ tas populações, o que elas estão recebendo de serviços públicos e o bem estar social”, segundo o estudo da CNM. A cidade possui a Rádio Porto, 93 FM, como único meio de comunicação da localidade. Não existem sites, jornais impressos e canais de TV pró­ prios do município.

Para nós, que nascemos aqui, que lutamos tanto para morar numa cidade, ficamos um pouco tristes e pensativos quando vemos que nosso município será um pedaço de outra cidade”. faltam 150 habitantes para che­ garem aos 5 mil. Porém, o site da Prefeitura consta que o nú­ mero de habitantes chega a 4.515, conforme a estimativa do último censo do Instituto Brasi­ leiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010. Para o Prefeito, a fusão com Palmeira ou com Lapa se­ ria algo negativo para a cidade. “Essa PEC irá acabar com a his­ tória do município”, comenta Polato. O índice de arrecadação de Porto Amazonas chega a 11,5%, ficando fora da lista de municípios afetados pela PEC. O que dizem os moradores Elisa Santos de Almeida, esteticista e moradora de Porto Amazonas, conta que possui di­ ficuldade em conseguir produ­ tos para seu salão de beleza. Almeida precisa se deslocar pa­ ra outras cidades como Curi­ tiba, Palmeira, Lapa e até mes­ mo Ponta Grossa para compras. Embora Santos alegue a falta de alguns recursos e servi­ ços em Porto, ela lamenta a possibilidade de junção com ou­ tra cidade: “Para nós, que nas­ cemos aqui, que lutamos tanto para morar numa cidade, fica­ mos um pouco tristes e pensa­ tivos quando vemos que nosso município será um pedaço de outra cidade”. O jornalista Riomar Bru­ no, que atua em Porto Ama­ zonas, menciona o estudo le­ vantado pela Confederação Na­ cional de Municípios (CNM) so­ bre a arrecadação dos pequenos municípios. Conforme a CNM, o

De acordo com o Depar­ tamento de Saúde, os dados dos cadastros de famílias e pessoas feitos pelos agentes de saúde são os números mais próximos de retratar a realidade popu­ lacional do município, pois ainda há dúvidas se o número de habitantes já ultrapassou o número de 5 mil pessoas ou ainda é próximo dos 4.848, conforme a população estimada pelo IBGE. A cidade atualmente possui um pronto atendimento, uma Unidade Básica de Saúde e outra em construção. Segundo a diretora do Departamento Mu­ nicipal de Saúde, Thais Hor­ nung Sedlak, as unidades de saúde conseguem apenas reali­ zar atendimentos primários,

que tem o foco na marcação de consultas, procedimentos e exa­ mes básicos como curativos, ra­ diografias e eletrogramas. Um dos maiores problemas atuais do sistema de saúde da cidade é a demanda de especialistas. “Houve a contratação de algu­ mas especialidades, mas ainda há necessidade de re­enca­ minhar pacientes para filas de atendimento em outras cida­ des”, comenta Sedlak. Sobre a pos­sibilidade de aprovação da PEC, Sedlak responde que a autonomia do município no atendimento e na administra­ ção local do sistema de saúde seria perdida. O Pacto Federativo A PEC do Pacto Fede­ rativo compõe um pacote de três propostas feitas pela equipe econômica do governo federal, junto com a PEC Emergencial e a PEC dos Fundos Públicos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou a PEC do Pacto Federativo como proposta que visa alterar a maneira com que os municípios arrecadam receitas e recebem recursos pú­ blicos. No dia 3 de dezembro, a proposta de mudança no Pacto Federativo foi encaminhada ao relator, Senador Marcio Bittar, para análise. Por Teodoro dos Anjos

Se aprovado a PEC, Porto Amazonas poderá ter seus serviços públicos afetados. Foto: Gustavo Camargo


PROBLEMAS URBANOS

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DEZ/1 9

Brasil supera média mundial em intimidação no ambiente de ensino Problema é ainda mais grave entre estudantes de escolas públicas

O

dado da última Pesquisa internacional sobre Ensino e Aprendizagem do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), junho deste ano, indica que 28% dos corpos docentes e pedagógicos das escolas brasileiras apontaram a intimidação como um problema recorrente entre alunos. O percentual no Brasil supera as médias da América Latina (13%) e do mundo (14%). A pesquisa ouviu mais de 250 mil professores e diretores ao redor do mundo. O problema no Brasil é mais acentuado no sistema público de ensino, onde os números sobem para 35% (ensino fundamental) e 23% (ensino médio). Pedagogos definem os agressores como pessoas com necessidade de poder sobre os mais vulneráveis. A prática vai de crianças a jovens. A pedagoga e diretora na educação fundamental, Silmeri Preto, alega que a vulnerabilidade é um motivo para a intimidação. “Crianças de la-res humildes, tímidas e de famílias disfuncionais acabam sendo os alvos mais frequentes”, comenta Preto. A orientadora da Escola Alda Santos Rebonato também afirma que entre os agressores existem características familiares comuns. “Entre aqueles que costumam fazer essas brincadeiras maldosas estão crianças que foram mimadas pelos pais ou sufocadas pelo zelo excessivo”, relata a educadora. Para Keila Simionato, que atuou por 30 anos na área da Educação, esse tipo de agressão entre os jovens alia vários fatores, como a figura do agressor e o contexto. "O agressor demonstra, quase sempre, ausência de empatia e exerce uma certa liderança sobre os

Situações de bulliyng nas escolas vão desde agressões verbais a agressões físicas e intimidações.

colegas. Há alunos que o apoiam e outros que, por medo ou indiferença, não o denunciam e convivem com o problema”, comenta Simionato. A psicóloga Viviane Luisa Berger Silva, afirma que tal agressividade é um comportamento volátil. Ele tende a surgir da junção de ambiente, histórico e contexto. “A agressividade é um fator multifatorial e particular de cada indivíduo. Mas, em grande parte dos casos, é uma construção social que mescla a necessidade por pertencimento em um grupo, com um senso de precaução. Por medo de sermos vítimas, tendemos a nos aliar com os agressores, algo que é naturalizado e socialmente aceito. Por vezes é trazido culturalmente de casa”, comenta Silva.

Foto: Maria Fernanda de Lima

Berger explica que a aliança aos agressores é resultado de uma bagagem emocional deficiente que as pessoas acumulam durante seu desenvolvimento. “Por vezes, a pessoa guarda frustrações e assuntos mal resolvidos em sua vida. O que causa sofrimento é convertido em ódio como uma válvula de escape para o mundo”. A psicóloga defende a correção por medidas de estímulo. “Devemos utilizar reforços positivos (encorajamentos) e negativos (desencorajamentos) na medida das contingências que estimulam o comportamento agressivo. Ao punir, fazemos o agressor concluir que teve êxito, ficará isolado, e com isso ele será relegado ao estigma. Todo mundo precisa de ajuda”, frisa.

Fonte: Dra. Zilda Consalter. Infográfico: Yuri A.F Marcinik

A problemática internet

Além das agressões presenciais, a professora de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Zilda Consalter, argumenta sobre as questões virtuais. “A internet é como uma extensão do mundo físico, o que significa que as leis que regulamentam tipos de agressão e crimes contra a honra individual vigoram de maneira igual. Porém, ela não concede o direito ao esquecimento. Tudo fica acessível a uma pesquisa no Google. Algo que marca e estigmatiza tanto a vítima quanto o agressor”, alega professora Zilda Consalter. Por Yuri A. F. Marcinik


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PROBLEMAS URBANOS

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Túnel do São Martin continua sendo a única via de acesso à região dos Alagados Com largura estreita, espaço de passagem permite a circulação de apenas um veículo por vez. Não há travessia exclusiva para pedestres.

Falta de manutenção no túnel de acesso ao bairro São Martin dificulta a passagem de carros e pedestres. Infográfico: Kauana Neitzel

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túnel do bairro San Martin, rua Aricherner Carlos Gobbo, apresenta vários problemas para a popu­ lação. Moradores da região cor­ rem risco ao passar pelo túnel pela falta de travessia para pedestres. Única passagem para o bairro e saída para Alagados, o túnel foi construído nos anos 90 e, na parte superior, o trajeto da linha ferroviária. Com aproximadamente três metros de largura e quatro de altura, o local permite a pas­ sagem de um veículo por vez, exigindo atenção por parte dos motoristas nos dois sentidos da via. A movimentação dos carros gera congestionamento na pas­ sagem para o bairro San Martin, Tropeiro 2, Neves e outros, além das áreas de turismo e lazer da cidade, como a cachoeira de São Jorge e a represa dos Alagados. A falta de manutenção é evidente, com lâmpadas que­ bradas e asfalto com buracos na pista. O local permanece úmido devido a falta de escoamento para chuva. A água empoçada deixa mal cheiro e mais descon­ forto para usuários. Os moradores reclamam

do perigo que é passar a noite pelo túnel, com a falta de ilumi­ nação e espaço adequado para pedestres. “É muito perigoso. À noite, eu não passo. Tem bas­ tante casos de assalto na região. Passar por um lugar escuro e sem segurança deixa a gente com medo”, relata o morador do bairro, Antônio Pianosk, 61.

Passa bas­ tante gente a pé pelo túnel. Não tem passarela nenhuma para pedestres" Alceu Camargo, motoris­ta de van escolar, passa pelo local to­ dos os dias para trabalhar e diz que o problema já começa na entrada do bairro: “A rota­tória do matadouro não tem pla­ca, sinalização nenhuma. Quan­do alguém erra o caminho, vem di­ reto para o túnel. Caminhões se enroscam por não conhecer o local e atrapalha todo o trânsito. Não tem espaço para fazer a volta”, relata Camargo.

No horário de pico (pró­ ximo às 8h e 18h) e nas traves­ sias do trem a 1,5 quilômetro do local, as filas de carros se for­ mam. “Passa bastante gente a pé pelo túnel. Não tem passarela nenhuma para pedes­tres. É apenas esse viaduto estreito. Teria que alargar para a pas­ sagem de dois veículos ou fazer um acesso para pedestres. Já ajudaria os moradores”, com­ pleta o motorista. A moradora Alessandra Vargas relata também as difi­ culdades de travessia no local. “Quando estava grávida, atra­ vessava sempre o túnel, para ir no posto de saúde, quando havia na vila. Tinha medo, porque os veículos passam muito perto da gente, pela falta de espaço”. Em consulta às equipes técnicas da Secretaria de Pla­ nejamento e Infraestrutura do município, foi informado que não houve licitação para obra no local nesta gestão e não há nenhuma aberta atualmente. A Prefeitura ainda informa que não há previsão de abertura de licitações sobre o caso. A Secretaria de Obras e Serviços Públicos informa que o

trecho compreende interven­ ção em uma ferrovia de respon­ sabilidade do Estado e que, por isso, é permitido apenas servi­ ços de manutenção na via. Ao questionar quando seria rea­ lizado a manutenção do local, a Secretaria de Obras não res­ pondeu à pergunta. A assessoria de im­ prensa da Rumo Logística, em­ presa que cuida da malha fer­ roviária de Ponta Grossa, infor­ ma que “não é atribuição da concessionária ferroviária esse tipo de manutenção”. A assesso­ ria informou ainda que “a res­ olução 2695/2008, da Agên­cia Nacional de Transportes Ter­ restres (AMTT), determina que a execução de qualquer obra que interfira na faixa de domínio da ferrovia, é neces­ sária a elaboração de projetos que devem ser previamente aprovados pela concessionária do órgão regulador.” A Rumo informou ainda que “não rece­ beu nenhum pedido para análi­ se de obras no local”. Por Kauana Neitzel


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POLÍTICA

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Negros relatam dificuldades para entrar no mercado de trabalho

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No Brasil, a diferença da renda média entre brancos e negros chega a 73,9%

esquisa do IBGE de 2018 sobre Desigualdades So­ ciais por Cor ou Raça in­ dica que a população negra cor­ responde a 64% dos desem­ pregados no Brasil, além de re­ ceberem salários menores em relação às pessoas brancas, in­ dependente do nível de escola­ ridade. A diferença da renda média entre brancos e negros chega a 73,9%. Outro dado que diz respeito à informalidade no mercado de trabalho mostra que quase metade da população negra, cerca de 46,9%, possui empregos informais. Em con­ trapartida, o percentual entre brancos é de 33,7%. Para o secretário­geral do Instituto Sorriso Negro dos Campos Gerais, João Luiz Teixei­ ra, as pesquisas evidenciam as questões raciais que os negros enfrentam diariamente. “Os es­ tudos apenas mostram o que os negros estão cansados de saber na hora de buscar um emprego. Sempre caracterizo a posição do negro no mercado de trabalho e na vida social muito aquém dos brancos. Se você andar no Cal­ çadão, nos shoppings, super­ mercados ou grandes lojas aqui em Ponta Grossa, você não verá negros, pois ainda existe uma relutância por parte dos gran­ des empresários em aceitar pes­ soas negras no seu estabeleci­ mento”, explica. Teixeira comenta que, apesar de não ter dados oficiais, Ponta Grossa também convive com esta realidade: “Podemos ver claramente que a população negra sempre ocupa a maioria das vagas em serviços braçais, em fazendas ou indústrias, ou que exigem pouco preparo co­ mo vigilante ou segurança. Fica evidente que o mercado de tra­ balho para negros em relação aos brancos estão muito dis­ tante e desigual um do outro. Se você ver o negro, ele exercerá um trabalho inferior ao branco aqui em Ponta Grossa”, diz. Segundo dados do IBGE, a população negra representa 21% da população em Ponta Grossa. Apesar disso, ainda é possível observar claramente a desigualdade que os negros en­ frentam no mercado de tra­ balho, como diz a estudante de Direito da Universidade Esta­ dual de Ponta Grossa (UEPG), Damaris Oliveira, que se auto­ declara negra. “Penso que, infe­ lizmente, o assédio, os salários diferenciados e a falta de opor­ tunidade para que pessoas ne­ gras ocupem cargos de chefia são fatores que dificultam a ascensão dos negros no mer­ cado de trabalho. Não basta ter

uma boa qualificação e expe­ riência profissional no currí­ culo se não tiver o fenótipo de uma pessoa branca. Em relação à mulher negra, tudo é mais di­ ficultoso porque ainda preci­ sam enfrentar, além da desi­ gualdade de gênero, o racismo diário”, enfatiza. Renda média dos negros é duas vezes menor que a branca Os dados do IBGE, mos­ tram que as mulheres brancas ganham mais em relação às negras e que homens brancos ganham mais em relação aos negros. Entre os jovens de 18 a 24 anos com ensino médio com­ pleto, que não frequentaram escola por terem de trabalhar ou procurar trabalho, 61,8% eram negros. Enquanto ao ren­ dimento médio domiciliar per capita da população, brancos recebem (R$1.846) quase duas vezes maior ao da população negra (R$934). Para o economista Lean­ dro Batista Camargo, essa dis­ crepância na diferença da renda media domiciliar mostra que ainda faltam políticas públicas contemplativas para a popula­ ção negra. “A desigualdade de renda entre brancos e negros sempre foi profunda no Brasil, apresentando um fosso alar­ mante se pensar que mais de 50% da população é negra, tra­ zendo uma dificuldade até mesmo na hora de buscar um trabalho longe de casa ou con­ ciliar trabalho e estudo. Para essas famílias que vivem com uma renda comparativa tão bai­ xa em relação aos brancos, aca­ ba se tornando uma disputa até mesmo desigual na hora de pre­ encher uma determinada vaga”. A professora do curso de Serviço Social da UEPG, Ana Lopes Moreira, relata que a po­ pulação negra sente a distinção racial cotidianamente. “É pos­ sível observar em discursos camuflados de respeito, em pequenas atitudes, em peque­ nas ou grandes proporções. O simples fato de um olhar dife­ rente a uma pessoa negra fre­ quentando um espaço consi­ derado ‘território’ de branco, já diz muito em qual tipo de sociedade estamos inseridos”. Moreira explica que a desigualdade social no Brasil impõe aos negros viverem em periferias. “A população negra no Brasil se encontra como elemento central na repro­ dução desse cenário. É a popu­ lação que enfrenta as maiores adversidades, que sofre os de­ terminantes da pobreza, que

sofre impactos da violência. A desigualdade social se trans­ forma na maior dificuldade para a inserção no mercado de trabalho para a população ne­ gra”, afirma. Não obtivemos resposta da assessoria de imprensa da

Prefeitura sobre políticas pú­ blicas que contribuem para o fim da desigualdade racial no mercado de trabalho. Por Alexsander Marques


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POLÍTICA

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Presidiários restauram prédios escolares em projeto estadual Ao todo, o programa já recuperou 14 escolas na cidade

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programa Mãos Amigas utiliza mão de obra de de­ tentos para reparos em escolas estaduais do Paraná. Entre os serviços prestados es­ tão limpezas, pequenas refor­ mas e manutenções nos colé­ gios. O projeto é uma coope­ ração do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Educa­ cional (Fundepar) e pela Secre­ taria da Segurança Pública e Administração Penitenciária (SESP) – Departamento Peniten­ ciário (DEPEN). com interven­ ção do Paraná Educação.

A gente [detento] sabe que errou e o projeto é uma chance de nos inserirmos novamente na sociedade”. Afirma Silva

O projeto chegou a Ponta Grossa em 2018 e teve início no Colégio Estadual Frei Doroteu de Pádua. Ao todo, o programa recuperou 14 escolas na cidade até o momento. O diretor da Penitenciária Estadual de Ponta Grossa ­ Unidade de Progressão (PEPG ­ UP), Bruno Propst, expli­ ca os requisitos para participar do projeto: “Os detentos são se­ lecionados de acordo com com­ portamento e aptidão para este

tipo de trabalho e que realizam cursos profissionalizantes para qualificação. É uma mão de obra especializada, que transforma o ambiente escolar, interferindo diretamente no processo de a­ prendizagem dos alunos”. Se­ gundo o diretor da penitenci­ ária, o programa apresenta re­ sultados no ambiente escolar com “infraestrutura adequada e ambiente escolar agradável”. No Colégio Estadual Doutor Munhoz da Rocha, no bairro do Guaragi, as obras de reforma do prédio começaram em janeiro deste ano. Atual­ mente, oito detentos atuam nas atividades de reforma do Mu­ nhoz da Rocha, que inclui pin­ tura de paredes, portões e car­ pina. O professor Helio Ferrei­ ra assumiu a direção da escola na mesma época e conta que a instituição conseguiu as tintas para a reforma ainda em 2018, por meio de outro projeto, cha­ mado “Pintando nas Férias”. Porém, a obra dependia da mão de obra de pessoas da comunidade que, segundo Fer­ reira, não têm disponibilidade para o serviço. “Muitos traba­ lham em serviços pesados no campo e, por morarem longe da escola, o transporte para cá também é difícil”, diz. Ao as­ sumir a direção, Ferreira foi informado sobre o projeto ao ver os serviços dos detentos do Colégio Estadual Professor Co­ lares, próximo ao estádio Ger­ mano Krüger. Por conhecer a direção da escola, Ferreira bus­ cou a adesão da instituição ao projeto. Com o aval do Núcleo

Detentos trabalham desde janeiro de 2019 no Colégio Estadual Doutor Munhoz da Rocha. Foto: Cássio Murilo

Regional de Educação, as obras foram iniciadas. “É um projeto sem custo. Bancamos apenas as refeições dos detentos, pagas com arrecadações de bazares e demais campanhas promovi­ das pela comunidade”, relem­ bra Ferreira. Detento mais antigo no projeto, Josias da Silva destaca a importância de sua contribui­ ção para a sociedade ao prestar os serviços. “Tenho a satisfação de ajudar na reforma de um prédio público. Muitos pensam que é perda de tempo. Na ver­ dade, estamos fazendo renda para nossas famílias fora da pri­ são. A gente [detento] sabe que errou e o projeto é uma chance de nos inserirmos novamente

na sociedade”, afirma Silva. As escolas interessadas em participar do projeto devem procurar o Núcleo Regional de Educação, na Rua Ciro de Lima García, anexo ao Instituto de Educação Professor César Prie­ to Martinez na Vila Estrela, ou a Unidade PEPG – UP para soli­ citar agendamento. Por Cássio Murilo

Colégios Estaduais de Ponta Grossa que estão na fila do projeto Mãos Amigas:

Frei Doroteu de Pádua | Professora Linda Bacila | Padre Pedro | Epaminondas Novaes Ribas | Francisco Pires Machado |

Professor Co-

lares | Iolando Taques Fonseca | Presidente Kennedy | Borell du Vernay | Nossa Senhora das Graças | Doutor Munhoz da Rocha | Senador Correia, o Centro Estadual de Educação Profissional de Ponta Grossa (C.E.E.P.G.) e Núcleo Regional de Educação (NRE.pg). Colégio Estadual Doutor Munhoz da Rocha em obras pelo projeto. Foto: Cássio Murilo


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ESPECIAL

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ESPECIAL

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Conheça um pouco da Pré-história de Ponta Grossa nesta reportagem em quadrinhos As pinturas nas cavernas da região revelam que paleoíndio dos Campos Gerais caçava cervídeos e vivia em pequenos gupos

O ABRIGO USINA SÃO JORGE FICA NO VALE DO RIO PINTAGUI, A CERCA DE 20KM DO CENTRO DE PONTA GROSSA.

"A vinda dos primeiros hominídeos ao Brasil se deu há cerca de 15 mil anos, mas não há consenso entre os cientistas sobre com ela ocorreu. Provas de como foi a vida humana nesse período podem ser encontradaas em lugares como o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e no Sítio da Lapa Vermelha, Minas Gerais." Trecho de reportagem da revista laboratorial Nuntiare, 3º edição, p.33, 2019, escrita por Gabriel Miguel. Confira a matéria completa, acessando o QR Code abaixo:

OS PALEOÍNDIOS* ERAM NÔMADES. ELES PERCORRIAM GRANDES DISTÂNCIAS EM BUSCA DE CAÇA. TAMBÉM SE DEDICAVAM À FABR-ICAÇÃO DE UTENSÍLIOS EM PEDRAS. *Os paleoíndios brasileiros

correspondem

às gerações indígenas que

viviam

aqui

a

cerca de 15 mil anos.

PARA SE PROTEGER DE ANIMAIS PEÇONHENTOS E PREDADORES E SE ABRIGAR DAS TEMPESTADES, O HOMEM PRÉ-HISTÓRICO VIVIA EM CAVERNAS COMO A DA USINA SÃO JORGE.

Pesquisadores descobrem novos vestígios arquelógicos em Parque Nacional

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esquisadores descobrem no­ vos vestígios arquelógicos no Parque Nacional dos Campos Gerais. Grupo encontrou representações rupestres deixa­ das por povos indígenas. A maior parte das representações se en­ contram na cavidade Abrigo do Sol, assim chamada por conter na entrada um círculo chapado raia­ do, sugerindo a interparetação de um desenho que representa o sol. Os pesquisadores a consideram a figura mais nítida no abrigo. A descoberta foi feita pelo grupo de pesquisadores da Uni­ versidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), junto com o Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE), os Progra­ mas de Pós­graduação em Geolo­ gia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Projeto Ar­ queotrekking de Ponta Grossa. A pesquisa integra o trabaalho so­ bre o Sistema de Cavernas Fendas Sem Fim (SCFSF) que compreen­ de 22 cavidades subterrâneas, de aproximadamente quatro hecta­ res (40 mil metros), localizado no Parque Nacional dos Campos Ge­

rais. O estudo foi apresentado no 35° Congresso Brasileiro de Espe­ leologia, junho, em Bonito, no Ma­ to Grosso do Sul. O trabalho apresenta que o SCFSF, segundo as informações disponíveis no Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (CANIE) do Centro Nacional de Pesquisas e Conservação de Ca­ vernas (CECAV), é o núcleo de maior concentração de cavernas por metro quadrado da Região Sul do Brasil. “É de suma impor­ tância e relevância a pesquisa ar­ queológica, a descoberta de novos sítios, pois só assim se tem conhe­ cimento do potencial arqueológi­ co da nossa região pois, a partir daí, medidas de proteção e pre­ servação podem ser tomadas”, afirma Alessandro Chagas, Geó­ grafo e fundador do Projeto Ar­ queotrekking. De acordo com o trabalho, Ponta Grossa possui po­ tencial para novas descobertas. Atualmente, o município conta com 107 cavidades subterrâneas, sendo o maior número registrado no Sul do Brasil. Chagas afirma que o que se sabe sobre os povos pré­históricos que viviam na regi­ ão é o fato de serem nômades, ca­

çadores e coletores e que usavam esses abrigos para se proteger e observarem suas caças. O trabalho também aponta que, há cerca de 30 metros do Abrigo do Sol, os pesquisadores também identificaram traços ela­ borados com a ponta dos dedos. De acordo com a pesquisa, na Gruta dos Três Níveis há possíveis representações rupestres de di­ fícil interpretação por causa do intemperismo da rocha (desinte­ gração dos compostos da rocha). Outro destaque é que a pesquisa classifica as representações, pin­ tadas na cor vermelha, como per­ tencentes à Tradição Geométrica, devido aos desenhos serem ex­ clusivamente traços e círculos. A pesquisa aponta ainda que os achados arqueológicos no SCFSF reforçam as hipóteses de que tais locais foram ocupados por paleoindígenas, como local de abrigo ou refúgio contra intem­ péries e proteção contra animais predadores. A probabilidade para novos achados na área é alta, as­ sim como o potencial para a ocor­ rência de material lítico (como pontas de flechas, raspadores, ta­ lhadores e machados).

“A pesquisa é fundamen­ tal para o levantamento arqueoló­ gico de uma região. Só assim sabemos o potencial arqueológi­ co. Com isso, vamos alimentando a base de dados de sítios cadastra­ dos no Paraná junto ao IPHAN [Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Natural]”, afirma Cha­ gas. Os Monumentos Arqueológi­ cos e Pré­históricos são reconhecidos como bens patri­ moniais da União pela Lei n° 3.924, de 26 de julho de 1961. So­ bre o uso desse patrimônio ar­ queológico para outros fins além da pesquisa, Chagas concorda, desde que seja de forma respon­ sável. “Com toda certeza, esse pa­ trimônio pode e deve ser usado como produto turístico. Exemplo claro é o Projeto Arqueotrekking. Mas é essencial que tenha uma visitação controlada, sempre com guias especializados, que podem dar toda informação correta e ne­ cessária sobre o patrimônio ar­ queológico”, completa. Por Vítor Almeida

NO PARANÁ, HÁ UMA PRIMEIRA LEVA DE PALEOÍNDIOS DA TRADIÇÃO UMBU-HUMAITÁ. ELES VIVIAM EM GRUPOS PEQUENOS. A SEGUNDA LEVA, DA TRADIÇÃO ITARARÉTAQUARA, MESMO NÔMADE, JÁ SE FIXAVA EM ALGUNS LOCAIS PARA A PRÁTICA DA AGRICULTURA. AS PINTURAS RUPESTRES RETRATAM AS CRENÇAS E O COTIDIANO DOS PALEOÍNDIOS.

FONTES: Revista Nuntiare, Ed. 03, 2019, Alessandro Giulliano Chagas Silva, Geógrafo e Guia de Turismo ILUSTRAÇÃO: Larissa Hoffbauer REPORTAGEM: Vítor Almeida ROTEIRO: Lucas Müller, Vítor Almeida


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ESPECIAL

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ESPECIAL

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Conheça um pouco da Pré-história de Ponta Grossa nesta reportagem em quadrinhos As pinturas nas cavernas da região revelam que paleoíndio dos Campos Gerais caçava cervídeos e vivia em pequenos gupos

O ABRIGO USINA SÃO JORGE FICA NO VALE DO RIO PINTAGUI, A CERCA DE 20KM DO CENTRO DE PONTA GROSSA.

"A vinda dos primeiros hominídeos ao Brasil se deu há cerca de 15 mil anos, mas não há consenso entre os cientistas sobre com ela ocorreu. Provas de como foi a vida humana nesse período podem ser encontradaas em lugares como o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, e no Sítio da Lapa Vermelha, Minas Gerais." Trecho de reportagem da revista laboratorial Nuntiare, 3º edição, p.33, 2019, escrita por Gabriel Miguel. Confira a matéria completa, acessando o QR Code abaixo:

OS PALEOÍNDIOS* ERAM NÔMADES. ELES PERCORRIAM GRANDES DISTÂNCIAS EM BUSCA DE CAÇA. TAMBÉM SE DEDICAVAM À FABR-ICAÇÃO DE UTENSÍLIOS EM PEDRAS. *Os paleoíndios brasileiros

correspondem

às gerações indígenas que

viviam

aqui

a

cerca de 15 mil anos.

PARA SE PROTEGER DE ANIMAIS PEÇONHENTOS E PREDADORES E SE ABRIGAR DAS TEMPESTADES, O HOMEM PRÉ-HISTÓRICO VIVIA EM CAVERNAS COMO A DA USINA SÃO JORGE.

Pesquisadores descobrem novos vestígios arquelógicos em Parque Nacional

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esquisadores descobrem no­ vos vestígios arquelógicos no Parque Nacional dos Campos Gerais. Grupo encontrou representações rupestres deixa­ das por povos indígenas. A maior parte das representações se en­ contram na cavidade Abrigo do Sol, assim chamada por conter na entrada um círculo chapado raia­ do, sugerindo a interparetação de um desenho que representa o sol. Os pesquisadores a consideram a figura mais nítida no abrigo. A descoberta foi feita pelo grupo de pesquisadores da Uni­ versidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), junto com o Grupo Universitário de Pesquisas Espeleológicas (GUPE), os Progra­ mas de Pós­graduação em Geolo­ gia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de Geografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Projeto Ar­ queotrekking de Ponta Grossa. A pesquisa integra o trabaalho so­ bre o Sistema de Cavernas Fendas Sem Fim (SCFSF) que compreen­ de 22 cavidades subterrâneas, de aproximadamente quatro hecta­ res (40 mil metros), localizado no Parque Nacional dos Campos Ge­

rais. O estudo foi apresentado no 35° Congresso Brasileiro de Espe­ leologia, junho, em Bonito, no Ma­ to Grosso do Sul. O trabalho apresenta que o SCFSF, segundo as informações disponíveis no Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (CANIE) do Centro Nacional de Pesquisas e Conservação de Ca­ vernas (CECAV), é o núcleo de maior concentração de cavernas por metro quadrado da Região Sul do Brasil. “É de suma impor­ tância e relevância a pesquisa ar­ queológica, a descoberta de novos sítios, pois só assim se tem conhe­ cimento do potencial arqueológi­ co da nossa região pois, a partir daí, medidas de proteção e pre­ servação podem ser tomadas”, afirma Alessandro Chagas, Geó­ grafo e fundador do Projeto Ar­ queotrekking. De acordo com o trabalho, Ponta Grossa possui po­ tencial para novas descobertas. Atualmente, o município conta com 107 cavidades subterrâneas, sendo o maior número registrado no Sul do Brasil. Chagas afirma que o que se sabe sobre os povos pré­históricos que viviam na regi­ ão é o fato de serem nômades, ca­

çadores e coletores e que usavam esses abrigos para se proteger e observarem suas caças. O trabalho também aponta que, há cerca de 30 metros do Abrigo do Sol, os pesquisadores também identificaram traços ela­ borados com a ponta dos dedos. De acordo com a pesquisa, na Gruta dos Três Níveis há possíveis representações rupestres de di­ fícil interpretação por causa do intemperismo da rocha (desinte­ gração dos compostos da rocha). Outro destaque é que a pesquisa classifica as representações, pin­ tadas na cor vermelha, como per­ tencentes à Tradição Geométrica, devido aos desenhos serem ex­ clusivamente traços e círculos. A pesquisa aponta ainda que os achados arqueológicos no SCFSF reforçam as hipóteses de que tais locais foram ocupados por paleoindígenas, como local de abrigo ou refúgio contra intem­ péries e proteção contra animais predadores. A probabilidade para novos achados na área é alta, as­ sim como o potencial para a ocor­ rência de material lítico (como pontas de flechas, raspadores, ta­ lhadores e machados).

“A pesquisa é fundamen­ tal para o levantamento arqueoló­ gico de uma região. Só assim sabemos o potencial arqueológi­ co. Com isso, vamos alimentando a base de dados de sítios cadastra­ dos no Paraná junto ao IPHAN [Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Natural]”, afirma Cha­ gas. Os Monumentos Arqueológi­ cos e Pré­históricos são reconhecidos como bens patri­ moniais da União pela Lei n° 3.924, de 26 de julho de 1961. So­ bre o uso desse patrimônio ar­ queológico para outros fins além da pesquisa, Chagas concorda, desde que seja de forma respon­ sável. “Com toda certeza, esse pa­ trimônio pode e deve ser usado como produto turístico. Exemplo claro é o Projeto Arqueotrekking. Mas é essencial que tenha uma visitação controlada, sempre com guias especializados, que podem dar toda informação correta e ne­ cessária sobre o patrimônio ar­ queológico”, completa. Por Vítor Almeida

NO PARANÁ, HÁ UMA PRIMEIRA LEVA DE PALEOÍNDIOS DA TRADIÇÃO UMBU-HUMAITÁ. ELES VIVIAM EM GRUPOS PEQUENOS. A SEGUNDA LEVA, DA TRADIÇÃO ITARARÉTAQUARA, MESMO NÔMADE, JÁ SE FIXAVA EM ALGUNS LOCAIS PARA A PRÁTICA DA AGRICULTURA. AS PINTURAS RUPESTRES RETRATAM AS CRENÇAS E O COTIDIANO DOS PALEOÍNDIOS.

FONTES: Revista Nuntiare, Ed. 03, 2019, Alessandro Giulliano Chagas Silva, Geógrafo e Guia de Turismo ILUSTRAÇÃO: Larissa Hoffbauer REPORTAGEM: Vítor Almeida ROTEIRO: Lucas Müller, Vítor Almeida


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ENTREVISTA

DEZ/19

Tablets não garantem aumento de oportunidades em aprendizagem na alfabetização, afirma pedagoga

A

professora Patricia Lúcia Vosgrau de Freitas aborda como a tecnologia impacta e é utilizada na alfabetização das crianças. Com experiência de 20 anos como professora e gestora nos anos iniciais do En­ sino Fundamental em escolas municipais, Freitas possui mes­ trado em Educação pela Univer­ sidade Federal do Paraná. Coor­ denadora e professora do Curso de Licenciatura em Pedagogia da Unisecal, Freitas integra também o quadro docente do Departamento de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), há dois anos, onde ministra as disciplinas de Estágio Supervisionado nos a­ nos iniciais do Ensino Funda­

mental e Alfabetização e Letra­ mento. Sobre alfabetização na era da tecnologia, a professora defende: “O professor alfabeti­ zador, para garantir o apren­ dizado da criança, tem que assegurar o básico, que as cri­ anças utilizassem dessas tec­ nologias, da leitura e escrita para elas conhecerem o mun­ do. O mundo que está próximo delas e o mundo que elas que­ rem descobrir, que são duas re­ lações diferentes. Indiferente se esta segurança básica fosse através do celular, livro, inde­ pende, porque, se uma criança é alfabetizada na perspectiva do letramento, ela ganha asas, des­ cobre, faz”.

Com mestrado em Educação, professora avalia os impactos da tecnologia na alfabetização. Foto:Divulgação/Unisecal

O que é a alfabetização e como sabemos quando a pessoa está alfabetizada? É o domínio da leitura e da escrita. Esse domínio, em uma perspectiva de letramento, é compreender o mundo utili­ zando essas habilidades. Identi­ ficamos que a pessoa é alfabeti­ zada quando ela consegue ler e escrever em situações de uso social da língua. Uma criança que tem domínio de jogos e pesquisa no celular é alfabetizada?

Entramos agora em uma outra discussão, o que é a alfa­ betização? É ela saber ler e es­ crever. Só mexer no celular sozinha será que ela é alfabeti­ zada? Não! Mesmo dominando algumas coisas, ela [a criança] faz leituras eventuais. Então ela consegue memorizar o ícone do celular que diz respeito aonde ela quer. Posso dar exemplo: cri­ anças de três anos reconhecem o ícone do Youtube. Clicam e sabem aonde elas vão procurar, o que elas vão assistir. Ela está envolta em uma prática social da linguagem, mas ela não do­ mina a língua, não domina o

código, não faz relações gra­ fofônicas. A criança não vai sa­ ber o que está escrito. Apenas sabe utilizar do mundo escrito, do signo, do símbolo. Claro que, se a criança tem esse movimen­ to, auxilia no processo na escola, se a escola não estiver distante desse movimento.

quisição da escrita alfabética, ela [a criança] vai ter que domi­ nar. Claro que a tecnologia pode auxiliar. Mas, se ela for em ex­ cesso, pode atrapalhar.

Este processo de conhecimento e envolvimento com a internet auxilia na aprendizagem?

Alfabetizar na perspec­ tiva do letramento utiliza vários métodos. Não é um só. Na ver­ dade, o professor deve saber te­ oricamente, porque ele está nesta perspectiva do letramen­ to. Não importa o método que você vai usar, desde que a cri­ ança aprenda, tenha a consciên­ cia fonológica que faça as relações grafofônicas em situa­ ções de uso dessa linguagem. Posso usar o método só fônico em um momento, ou só o método analítico, que parte de textos, livros, vivências, fatos, obras de arte e músicas que tragam profundidades linguísti­ cas menores, partindo realmen­ te para o trabalho com a con­ sciência fonológica. Dizer que o professor tem que usar apenas um método é complicado. Não tem como falar que se utiliza só um método único de alfabetiza­ ção. Ele tem que estar emba­ sado teoricamente para trabal­ har, para que a criança seja alfabetizada, que saiba ler e es­ crever no seu dia a dia. É uma formação que os professores es­ tão tendo que ter. Na Pedagogia, temos tentado trabalhar nesta perspectiva. Mas os professores da rede municipal passaram por processos de formação do go­ verno nacional, que propõe es­ tas discussões. Acredito que não devemos restringir a prática pe­ dagógica em um método de al­ fabetização. Nós professores te­ mos que alfabetizar as crianças a partir das demandas que elas trazem, nas suas especificidades de aprendizagem. O foco nosso é a criança. Como a criança aprende a ler e escrever? São as práticas do dia a dia que o professor vai descobrindo neste movimento.

Todo esse processo pode ser negativo ou positivo. Acredi­ to ser muito cedo para as cri­ anças estarem em contato com estas tecnologias. O que aconte­ ce é que, muitas vezes, não é dosado pelas famílias o tempo que a criança fica no celular, computador, televisão. Na ver­ dade, as crianças estão deixando de brincar, deixando de enten­ der os jogos, deixando de fazer algumas coisas importantes pa­ ra o desenvolvimento e ficando presas no smartphone. Percebo muito isso. A escrita está sendo substituída. O processo de escri­ ta. Principalmente por nós adul­ tos, que não escrevemos mais com tanta frequência como an­ tes. Mas ela [a escrita] faz parte de um processo que constitui você/sujeito, como leitor e co­ mo sujeito que escreve. Como trazer esta tecnologia de modo a ser favorável? Esta seria a melhor dis­ cussão que a gente poderia fa­ zer. Como esta tecnologia do smartphone, dos tablets, com­ putadores, poderiam chegar pa­ ra as crianças de uma forma fa­ vorável, que realmente auxiliem no processo de alfabetização, que as crianças dominem a lei­ tura e a escrita? Primeiro, por­ que vai chegar em um mo­ mento que a criança tem que dominar esses dois mecanis­ mos, a leitura e a escrita. As relações grafofônicas, a consciência fonológica, a a­

Existe apenas um método de alfabetização usado na rede municipal pelos professores?

TERMOS UTILIZADOS NA PSICOLOGIA Letramento Fenômeno que envolve saberes presentes nos contextos sociais de leitura e escrita. O fato do indivíduo não saber ler e escrever, não significa que ele não utilize práticas subjacentes à leitura e à escrita. Letramento é o desenvolvimento do uso competente da leitura e escrita nas práticas sociais. Alfa­

betização é o processo de aprendizado da leitura e da escrita. O sujeito que sabe ler e escrever. Já uma pessoa letrada sabe usar a leitura e a escrita de acordo com as demandas sociais. Grafema Significa letra. Grafema é o símbolo gráfico utilizado para constituir palavras.

Fonema Unidade sonora utilizada para formar e distinguir palavras. O grafema é a representação gráfica do fonema. A palavra "casa" contém 4 letras e 4 fonemas. Já a palavra "guerra", 6 letras e 4 fonemas. O que é Grafofônica? Definição das relações de correspondência entre letras

[grafemas] e sons [fonema]. Os sons ocorrem na modalidade escrita da linguagem.

Por Kauana Neitzel


DEZ/19 Como você entende a tecnologia na alfabetização? Concordo com Magda Soares, [referência] nos estudos de alfabetização e letramento em nosso país, que afirma que a própria aquisição da escrita foi desenvolvimento tecnológico.

A gente tem essa máxima que a tecnologia está para todas as crianças, mas ela não está", diz professora. Aproximar tecnologias neste processo pode ser favorá­ vel desde que bem planejadas na ação pedagógica. A tecnolo­ gia é uma ferramenta para apri­ morar a prática do professor. Percebo isso neste movimento. Imagina as crianças conhece­ rem o corpo humano em um aplicativo que você entra dentro dos órgãos, ou do universo, do mar! São coisas que, para as crianças da rede pública, parece tão artificial e tão distante.

11 ProInfo [Programa Nacional de Tecnologia Educacional criado pelo MEC, para promover o uso pedagógico das tecnologias de informática e comunicações na rede pública] em todas as esco­ las?’. Era um museu, vamos di­ zer assim. Era tão importante ter um laboratório de informá­ tica que muitas vezes a equipe diretiva da escola restringiu o uso. Então virava museu, era só para visita. Sempre discuti isso nas escolas onde eu estava. Acredi­ to que, para entender essas prá­ ticas pedagógicas unidas à tec­ nologia, teria que fazer um es­ tudo mais aprofundado. No en­ sino privado, a tecnologia está mais acessível. Os grandes sis­ temas de ensino possuem plata­ formas de conteúdos para os alunos. Os livros didáticos estão sendo substituídos por tablets. Porém, apenas esse movimento de alteração do suporte de con­

ENTREVISTA

Encontro Ewoks, um grupo de fãs de Star Wars em Ponta Grossa. Cada vez mais, as crianças utilizam a tecnologia. Foto: Rafael Bahls

teúdos não garante maiores o­ portunidades de aprendizagem. Acompanhe no infógra­ fico, "visões da prática" o relato a partir do ponto de vista de pro­ fessores que trabalham na rede

pública e privada sobre a uti­ lização das tecnologias pelas crianças. Por Kauana Neitzel

Os alunos têm a oportunidade de ter uma sala de informática nas escolas. Como avalia o uso desses locais? Em minha opinião, não é o espaço que garante o bom uso das tecnologias na escola. Mui­ tos espaços destinados a labo­ ratório de informática não são bem utilizados, devido ao en­ tendimento sobre a relação tec­ nologia e aprendizagem. Qual a relevância desta discussão para a Pedagogia? Na verdade, a discussão que ocorre com frequência é sobre o uso das tecnologias em sala de aula e algumas discus­ sões sobre orientações deste uso aos pais. Qual a diferença de acesso à tecnologia entre alunos de escola pública e privada? A gente pensa que todo mundo tem acesso ao celular. Mas as crianças de rede pública, muitas vezes, não têm. Venho da realidade da escola pública. Tra­ balhei 21 anos. A gente tem essa máxima que a tecnologia está para todas as crianças, mas ela não está. Tem pessoas que falam 'mas não tinha laboratório da

Infográfico: Kauana Neitzel


CULTURA

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Projetos divulgam lendas urbanas da cidade Iniciativas trabalham com as crianças para resgatar as histórias locais

A

lenda indígena de Vila Velha, a história da Gra­ lha Azul, o Fantasma da Villa Hilda e o Lobisomem da Ronda são algumas das narra­ tivas encontradas na memória do ponta­grossense. Tanto que constam no projeto curricular de uma escola municipal. A Escola Municipal Ed­ gar Zanoni, na vila Gralha Azul, trabalha as lendas da cidade desde o início do ano. A inicia­ tiva partiu das próprias profes­ soras. “Cada escola tem autono­ mia para trabalhar o conteúdo como desejar. O currículo diz

Lobisomem da Ronda é uma das lendas da cidade. Arte: Larissa Hofbauer

que devemos trabalhar Ponta Grossa. Então usamos as lendas locais”, explica a diretora Ro­ milda Meyer Santana. A turma do primeiro ano trabalhou a Lenda da Gralha Azul, relacionada aos pinheiros e ao nome da vila. A professora Camila Oriette Rodrigues da Sil­ va conta que o trabalho foi ba­ seado na obra Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire. “Ge­ ralmente os alunos conhecem as lendas do folclore geral. Mas como Paulo Freire diz, não adi­ anta uma repetição de algo que não está na realidade deles.Te­ mos que ensinar os alunos a ler o mundo para transformá­lo”, diz Silva. O trabalho também tem como referência o livro “Causos e Lendas de Ponta Grossa”, que registra mitos específicos de lo­ cais da cidade, por exemplo, o Lobisomem da Ronda. A profes­ sora Elenir Brito e Silva conta que essa lenda foi escolhida pe­ la proximidade com o bairro em que crianças moram. “Perce­ bemos que a maioria das lendas locais têm um lobisomem. Mas como o nosso bairro é muito

novo, ainda não inventaram um pra gente”, brinca.

Temos que ensinar os alunos a ler o mundo para transformá­lo”

Outra inciativa que pre­ serva as lendas locais se dá atra­ vés do Núcleo de Contadores de Histórias de Ponta Grossa ­ Co­ nta Ponta Conta. Os contos são baseados em lendas da cidade. A contadora de histórias Patrícia Fernanda da Silva, espe­ cializada pela FATUM ­ Educa­ ção em Literatura Infanto­Juve­ nil e Contação de Histórias, diz que gosta de ouvir histórias contadas pelas pessoas para re­ contá­las em eventos. Silva con­ ta que um dos locais que escuta esses “causos populares” é Gua­ ragi, distrito de Ponta Grossa. Ela observa o valor para o de­ senvolvimento das crianças. “Têm histórias que tratam de mortes, famílias diferentes e sentimentos. É a partir de histó­ rias que elas aprendem a lidar

com isso”, ressalta. A professora Ana Clau­ dia Oliveira, que também inte­ gra o Conta Ponta Conta, pre­ fere contar causos populares. Para ela, a importância está em “garantir a manutenção e o res­ peito à cultura”. “Toda criança que ouve histórias se permite ser um adulto mais criativo e humano, um leitor de mundo”, afirma Oliveira. Criado há 12 anos pela professora Lucélia Clarindo, o Bando da Leitura é outra incia­ tiva da cidade que atua na con­ tação de histórias. As crianças podem emprestar livros e ouvir histórias variadas, inclusive lendas da cidade. O projeto o­ corre na casa de Lucélia, em Ofi­ cinas, às sextas­feiras. Para ca­ da idade, há um tipo de história e forma de apresentação. “Quando conhecem as lendas, elas olham o mundo e o que existe nele numa outra leitura, por outro ângulo. Elas também aproximam as ge­ rações”, diz Lucélia Clarindo. Por Jessica Allana

Casa colaborativa dá visibilidade para artistas locais Com 47 produtos, Casulo vende artesanatos a partir de proposta alternativa de economia

I

naugurada em 15 de se­ tembro deste ano, a pri­ meira casa colaborativa de Ponta Grossa, nomeada Casulo, reúne artistas independentes e põe à venda atualmente mais de 47 produtos artesanais. A pro­ posta tem a iniciativa de Tatyla Marques Barreto e Bruna Dal­ zoto, que resolveram criar algo envolvido com sustentabilida­ de e economia colaborativa. “Vimos que a cidade não pos­ suía nenhum tipo de iniciativa parecida. Nos inspiramos em outras casas cola­borativas que existem nas capitais e decidi­ mos criar uma”, relata Tatyla. Localizada no centro de Ponta Grossa, Casulo conta com espaço para exposições e ofi­ cinas, oferecendo ainda uma ca­ feteria, o Santo Casulo Café. Trabalham fisicamente oito profissionais com ateliês de artesanatos e escritórios, como advocacia. Para conseguir expor na loja Casulo, é feita uma cu­ radoria para a escolha dos pro­ dutos, visando dar destaque pa­ ra os profissionais da cidade. “A curadoria segue alguns pré­re­ quisitos, como ser feito a mão, ser local, ser sustentável, ter estética e boa qualidade”, expõe Bruna Dalzoto.

Para cada espaço da casa é cobrado um valor mensal, va­ riável conforme o tamanho uti­ lizado. “Para a gestão da casa são cobrados valores diferenciados, a prateleira maior é um valor, a menor outro, assim por diante” diz Bruna. Os valores para ex­ posição de produtos variam, o caixote sai a R$45 por mês; pra­ teleira pequena, R$70; prate­ leira grande, R$102. Para a exposição de o­ bras de arte e livros não há co­ brança pelo uso do espaço. Mas, nos casos de vendas em ex­ posições, ocorre a cobrança de

uma taxa de 20% sobre os va­ lores dos produtos comerci­ lizados. Os únicos tipos de ati­ vidades que não são aceitos são com viés político/partidário. A design gráfica Vanessa Milek Martins explica que Pon­ ta Grossa não dá a devida opor­ tunidade para os artistas arte­ sanais. “Há preconceito e des­ valorização pelo produto ser artesanal. Acredito que, por não entenderem que por ser arte­ sanal, o produto final fica mais caro. Mas o cenário está mu­ dando lentamente”, completa. De acordo a cantora, Ana

Paula Alves Antonio, a criação da casa é a consolidação da ideia de valorizar a arte inde­ pendente, apoiando e divul­ gando o trabalho dos demais, a­ lém de ter a oportunidade de mostrar os próprios trabalhos. “Mostrar meu trabalho é gra­ tificante. Pra mim, poder passar um pouco do meu mundo de artista faz com que eu mostre gratidão e amor as pessoas dan­ do a valorização da cultura e arte”, ressalta. Em novembro, foram realizadas várias oficinas, como de teatro, alimentação viva, e mandalas. “São vários nichos, desde a área ambiental até artís­ tica”, completa Tatyla. A casa es­ tá localizada na rua Dr. Paula Xavier, 1352, no centro de Ponta Grossa. Os números para conta­ to são (42) 98813­2259 ou (42) 99835­7433. A loja Casulo fun­ ciona de terça­feira a sexta­ feira, das 10h às 18h; aos sá­ bados, das 14h às 18h; aos domingos e feriados, com even­ tos marcados previamente, a­ bre das 14h às 18h.

Por Larissa Hofbauer

Artistas encontram um novo espaço em Ponta Grossa para expressar a sua arte. Foto: Larissa Hofbauer


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CULTURA

DEZ/19

Poesia marginal ganha destaque em edital Concurso selecionou seis autores ponta­grossenses para divulgar a poesia das vilas

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concurso “Poesia na Vila”, promovido pela Fundação Municipal de Cultura de Ponta Grossa, se­ lecionou seis poetas marginais da cidade, que concorreram ao edital Seletiva de Apoio a Ofici­ nas de Literatura Marginal. Entre os selecionados, estão Wandercleiton Otavio dos San­ tos, Fabricio Cunha Santos, In­ dianara Priscila dos Santos, Manoel de Andrade Correa, Letícia Marcondes Teixeira, Tali­ ta Prestes Wischman Vieira e Tiago Vitor de Souza. A proposta tem o objeti­ vo de “selecionar projetos volta­ dos à literatura marginal, com oficinas que envolvam produ­ ção literária e produção audio­ visual em vilas da cidade de Ponta Grossa, com a finalidade de coletar diferentes materiais em vídeo que expressem as va­ riações da cultura nos bairros da cidade”, conforme no edital. Os poetas selecionados têm até 9 de dezembro para en­ tregar o Plano de Oficina à orga­ nização do concurso. Os temas das obras produzidas nas ofici­ nas devem obrigatoriamente a­ bordar traços da cultura para­ naense e/ou aspectos relaciona­ dos à cidade de Ponta Grossa (localidades, problemas e solu­

Poeta Ricardo Nunes vende seus trabalhos na rua. Foto: Yuri A.F. Marcinik

ções urbanas, personagens, len­ das, histórias, tradições). A poesia marginal cum­ pre o importante papel de di­ vulgar as dificuldades e mazelas da periferia, conforme relata o poeta ponta­grossense, e seleci­ onado do concurso Poesia na Vi­ la, Wandercleiton dos Santos: “A poesia marginal é importan­ te por não permitir que pessoas de fora [da periferia] captem o que aquela pessoa está sofren­ do, passando, vivendo, ou até mesmo felicitando e escreva no lugar dela”. O poeta e escritor ponta­

grossense, Marcos Fontinelli, conhecido como Black, afirma que a arte marginal não engloba apenas a poesia, mas é todo o tipo de expressão artística não é oficializada nem subsidiada. Se­ gundo ele, a poesia marginal é uma forma de expressão que se diferencia da poesia oficializada e reconhecida pela sociedade. Enquanto a poesia oficializada é cheia de métricas e versos, a po­ esia marginal representa emo­ ção, sensibilidade e contexto. Black ressalta que a poe­ sia marginal tem um caráter de contestação e de rebeldia, mas

não necessariamente panfletá­ ria, de contestação e ideologia política: “Não é que você seja necessariamente panfletário de contestação. Você tem na poesia a exultação da vida. A exultação da vida, da paixão, do amor, do carinho, da felicidade”. Santos e Black defendem que poetas marginais traba­ lham de maneira individual e artesanal, além de divulgar seus trabalhos através das redes so­ ciais. “Em minha época [juven­ tude], costumávamos escrever as poesias em sacos de pão”, lembra Black. Ambos poetas a­ firmam que os marginais da ci­ dade estão dispersos, o que im­ pede mensurar o número em Ponta Grossa. Santos afirma que, frequentemente, eles mar­ cam reuniões e sarais para dis­ cutir e declamar poesia. Os eventos acontecem principal­ mente no espaço dos bairros e das periferias de Ponta Grossa, onde os poetas se sentem à von­ tade para falar de suas poesias, que tratam das dificuldades, in­ justiças sociais, mazelas da so­ ciedade e a falta de apoio dos órgãos oficiais. Por Maria Fernanda de Lima

Tatuagens cobrem cicatrizes e elevam autoestima Expressas em formas, tamanhos e cores, tatuagens dão vida a marcas de cicatrizes causadas por acidentes, operações cirúrgicas e automutilação

"S

empre quis tatuar uma rosa­dos­ventos para co­ brir isso”, é o que diz o marceneiro Cláudio Calixto, 35, sobre a cicatriz de cerca de 30 centímetros que possui no braço direito. Considerada ex­ pressão artística, a tatuagem tem sido utilizada também para cobrir marcas indesejadas no corpo, como cicatrizes. Calixto sofreu uma que­ da durante um jogo de futsal

com os amigos há sete anos. Na disputa da bola em quadra, aca­ bou arremessado às arquiban­ cadas e sofreu uma lesão no braço direito. Devido à gravida­ de, teve de colocar mais de 30 pinos no braço, por isso a marca da cicatriz. “Quando fiz a jogada, acabei não conseguindo me se­ gurar na rede de proteção. Fui direto pra arquibancada de ci­ mento”, relata. O tatuador Elison Ribei­

Através da arte, pessoas conseguem se livrar de marcas do passado. Foto: Alexsander Marques

ro, 33, conta que é comum as pessoas o procurarem para fa­ zer uma tatuagem que cubra marcas no corpo. As principais tatuagens são desenhos de flo­ res, tribais e imagens que repre­ sentem algo importante na vida das pessoas. “A maioria que me procura para fazer os trabalhos, teve as cicatrizes por procedi­ mentos cirúrgicos ou aciden­ tes”, relata. Ainda há procura de pessoas que passaram por auto­ mutilação e buscam cobrir as cicatrizes para esquecer as ex­ periências. “Essas pessoas ge­ ralmente não contam suas his­ tórias. Temos de manter sigilo, pelo respeito com a pessoa”, diz. Calixto deseja fazer a ta­ tuagem, mas diz ter receio, de­ vido à cicatriz no braço. Mas Ri­ beiro conta que o procedimento é seguro. Antes é feita uma ava­ liação para comprovar a segu­ rança no trabalho. A tatuadora Camila An­ tunes criou um projeto para co­ brir, gratuitamente, marcas de cicatrizes resultantes de auto­ mutilação. Neste caso, o projeto

atende apenas casos de auto­ mutilação. Marcas por outros incidentes não são contempla­ dos pelo projeto. As exigências são apenas que a cicatriz não se­ ja recente. Por isso, também é feita uma avaliação prévia para verificar a segurança necessária para poder fazer o procedimen­ to. A idade mínima é 16 anos, com autorização dos responsá­ veis, e maiores de 18 anos. “Vi algumas notícias de tatuadores que estavam fazendo esse tipo de projeto e resolvi trazer para Ponta Grossa”, conta Antunes. A tatuadora ainda diz que não pergunta so­bre a ori­ gem das cicatrizes, por respeito ao cliente. Mas, se a pessoa se sentir tranquila e resolver de­ sabafar, a tatuadora busca ouvir com atenção. “A tatuagem é uma for­ ma de arte e traz alegria. É im­ portante para que as pessoas sintam­se bem, olhando para o próprio corpo, diz Ribeiro”. Por André Ribeiro


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EDITORIAL

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Ombudsman Focas devem sair da zona de conforto no uso das fontes

Ligia Tesser é jornalista formada em Comunicação Social – Jornalismo pela Faculdade de Pato Branco (Fadep) em 2011 e mestranda do Programa de Pós­ Graduação em Jornalismo da UEPG (2018­2020). Contato: ligiatesser@gmail.com Chegamos à úl­ alunos. Os títulos vão ao encon­ tima edição do Foca Livre de tro de atender ao interesse do 2019 e este é o período para re­ público do jornal, ou seja, da co­ fletirmos sobre a nossa cami­ munidade na qual está inserido. nhada. Uma análise é mais váli­ Além do mais, traz a sensibili­ da quando, além de apontarmos dade de buscar diferentes as­ que impactam a os problemas, também assinala­ suntos sociedade local. Essas são as ha­ mos possíveis soluções. Este será o exercício para este texto bilidades importantes para o e, ao mesmo tempo, acredito jornalista, mas é preciso mais. Neste âmbito, os estu­ que deva ser para o jornalismo. dantes de jornalismo poderiam O Foca Livre se mostrou um jor­ ter avançado; seja com melho­ nal que conseguiu apontar pro­ blemas da sociedade local, iden­ res apurações até a construção tificou boas pautas; porém, textual com mais análises dos problematizou, analisou e apon­ fatos para o leitor. Logo no pri­ meiro mês de publicação, em tou poucas soluções. Este ano do jornal labo­ abril, é possível perceber o es­ ratório foi visível o esforço posi­ forço em cobrir temáticas di­ tivo (e bem sucedido) nas versificadas e a proposta em proposições de assuntos e te­ abordar os temas a partir de u­ mas para serem cobertos pelos ma perspectiva mais humana.

Contudo, os textos não extrapo­ lam a condição do que chama­ mos hoje de “jornalismo de­ claratório”. De forma geral, em todas as edições o material é composto principalmente com aspas ou indicação da fala das fontes. Para atrairmos nosso leitor em tempos de crise, pre­ cisamos oferecer mais do que isso, ou seja, é necessário mos­ trar o olhar do jornalista sobre os assuntos e/ou adicionar análises ao material. Para ame­ nizar essa sequência de “falas” nos textos, proponho o exercício de redigir mais offs para o próximo ano. Os textos com formato notícia foram aqueles que mais receberam a minha atenção, deixando de lado as entrevistas “Pergunta e Resposta”, pois são essas que ocupam a maior parte do periódico e contam com maior número de assinaturas dos alunos. Assim, em sua maio­ ria, os textos noticiosos nos dei­

xam com um gosto de quero mais. Sabe­se que a produção laboratorial conta com um “time” diferente, mas para o próximo ano sugiro textos com mais informações, ou seja, mais completos. Para isso, a proposta é que a apuração e elaboração do texto seja feita por mais de um aluno, possibilitando talvez notícias mais completas. Uma maneira de tornar nossos textos jornalísticos mais plurais e contemplar mais se­ tores da sociedade é prestarmos atenção nas fontes que escolhe­ mos. Como sugestão para 2020, que os alunos pensem em fontes mais plurais ­ pessoas in­ dígenas, negras, mulheres, LGBTQI+ ­ para além do seu lu­ gar de fala, assim apresentamos ao leitor textos que estão próxi­ mos da complexidade da comu­ nidade em que vivemos.

O Foca se despede de 2019 com um até logo Com esta edição, o Foca Livre encerra suas atividades no ano de 2019. Ao longo do ano a equipe de estudantes respon­ sável pela produção do jornal aceitou o desafio de construir uma publicação com o objetivo de informar e prestar serviço aos leitores. 2019 foi um ano de­ cisivo para a sociedade brasilei­ ra, em meio a reformas, crises políticas e conflitos sociais, o Foca Livre teve como norte seu compromisso com o interesse

público e o exercício de um jor­ nalismo crítico. Através de nossas maté­ rias nos aproximamos dos mo­ radores dos bairros. Na edição 212, mostramos as más condi­ ções de locomoção na Palmei­ rinha. Na 209, denunciamos os atrasos na reforma de um colé­ gio estadual no Cará­Cará. Esta aproximação com os moradores faz parte da política editorial do jornal, que visa aproximar os estudantes da realidade da cida­

de em que vivemos. Além disso, trouxemos uma editoria espor­ tiva que esteve presente duran­ te o ano todo, dando ênfase ao esporte local e suas contribui­ ções para a comunidade Nesta edição, mostramos a disparidade no número de ne­ gros e brancos no mercado de trabalho, reportamos a situação de abandono do túnel que é a ú­ nica entrada para o bairro San Martin e trazemos um perfil de duas benzedeiras da cidade.

Foi um ano de desafios, mas o processo de apuração das matérias e a experiência da re­ dação contribuíram para o pro­ cesso de formação e aprendi­ zado dos alunos. Reconhecemos as dificuldades que passamos, porém saímos satisfeitos com a produção. Esperamos que o tra­ balho desenvolvido em 2019 se­ ja continuado e expandido no próximo ano. Boa sorte T34!

Charge Acesse o Foca pela Internet Envie Pautas. Comente. Compartilhe. Tel: (42) 99700­0565 E­mail: focalivreuepg@gmail.com

VAD S

Editores-chefe: David Candido, Denise Martins, Alexsander Marques, Gabriel Mendes. Edição de Texto: Robson Soares, Maria Fernanda de Lima,Vítor Almeida,MIrella Mello, Eduardo Machado, João Paulo Pacheco, Marcus Benedetti. Edição de Imagens: Yuri A. F. Marcinik, Marcella

Foca Livre é o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UEPG Contato: focalivreuepg@gmail.com Whatsapp (42) 99970­0565

Departamento de Jornalismo UEPG­ Campus Central­ Praça Santos Andrade, nº 01­ Centro CEP:84010­790­ Ponta Grossa­ PR­ Telefone +55 42 3220­3339 Professores responsáveis pela edição:

Panzarini. Diagramadores: Amanda Gongra, Cássio Murilo, Larissa Hof­

Os textos de opinião são de responsabilidade de seus autores

bauer, Kauana Neitzel,Jessica Allana, André Ribeiro, Daniela Valenga,

e não expressam o ponto de vista do jornal.

Germano Busato, Juliana Cosmoski, Laísa Braga, Lucas Müller, Emanuelle

Impressão: Grafinorte, Apucarana (PR)

Soares, Emanuelle Salatini. Monitora: Hellen Scheidt. Repórteres: Con­

Tiragem: 2.000 exemplares

sulte a autoria das reportagens diretamente na página da notícia.

Ben­Hur Demeneck (MTB­ PR 5664) Rafael Kondlatsch (MTB­ PR 6730) Professora responsável pela produção de notícias Hebe Gonçalves (MTB MG 5204)


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DEZ/1 9

LITERÁRIO

Contra quebranto, peito aberto e outros males

"N

Dona Eloina e Dona Ziza relatam como encontraram a vocação em práticas populares de cura

ão faz mal para mim, mas faz bem pra você, né? Fui muito feliz fazendo o que faço”. Dedicação, fé e amor. É assim que Maria Eloina Vascos define ser benzedeira. “Fazia com muito amor”. Saudades e memórias afloram em uma breve conversa. A felicidade e satisfação são evidentes no semblante da senhora. Dona Eloina, com quase 80 anos, dedicou mais de 30 anos de sua vida a benzer pessoas. Sorridente, conta que diariamente, havia mais de 100 pessoas buscando sua ajuda. Filas surgiam todas as tardes para receber suas bênçãos. “Vinha até gente de fora da cidade”. Em uma sala decorada, com vários santos e chás, era onde atendia. Crianças que se queixavam de quebranto e peito aberto eram levadas até Dona Eloina. A história de Zezi de Jesus, conhecida como Dona Ziza, começa aos nove anos de idade , quando descobriu seu dom. Em uma família marcada pelas experiências da cura, com ela não foi diferente. A primeira cura de Dona Ziza ocorreu sem ela entender muito bem o que estava acontecendo. Uma vizinha a abordou, com pedido de ajuda. Na manhã seguinte, a criança estava curada. “A vizinha apontou para mim e gritou: ‘É você mesma’. Eu gostava de aprontar. Pensei que ela tinha descoberto algo”, conta, rindo ao lembrar da situação. Ainda criança, Dona Ziza deixou de lado a prática de benzedeira. Casou, teve filhos, e por volta dos seus 35 anos de idade, resolveu voltar. A descoberta foi por acaso. De boca em boca, seus vizinhos descobriram que Zezi de Jesus tinha esse dom. Atende ali mesmo, em sua garagem. “É muito gratificante quando as pessoas voltam para me agradecer. Sinto que estou

Através de orações benzedeiras promovem a cura de diferentes pessoas em Ponta Grossa .

Tentei ajudar ao máximo. Sinto que fiz o meu melhor. Aquelas criancinhas hoje são adultos, casados. Mas eles lembram de mim”, relembra Dona Ziza fazendo a coisa certa”, completa. Diferente de dona Ziza, Dona Eloina não possui parentes com ligação ao benzimento. Ela relata que seu início na prática não foi tão convencional. Dona Eloina conta que foi após a aparição de Nossa Senhora Aparecida que colocou em suas mãos a missão de ben-

Há mais de trinta anos, benzedeiras crentes no catolicismo realizam suas atividades nas suas próprias casas.

Foto: Maria Fernanda de Lima

Foto: Maria Fernanda de Lima

zer as crianças. Dona Eloina lembra que renegou por anos o próprio dom. Vivia mal de saúde, internada. Quando resolveu aceitar seu destino, aos 45 anos de idade, tudo mudou. As doenças foram embora. A fé era a sua ferramenta de trabalho. “Sem fé, nada faz sentido”, diz.

Os metódos No atendimento às crianças, Dona Eloina sussurrava, balbuciando orações, enquanto fazia massagem para “as bichas” (vermes, lombrigas), com alho, hortelã e vinagre. “Tudo comestível. As crianças gostavam, saíam lambendo as mãozinhas. Era uma graça”, conta, dando risada de relembrar a cena. Assim como dona Eloina, dona Ziza benzia com orações, porém também fazia o uso de processos diferentes como o "fio e cera". Com o fio, ela mede os pés e as mãos das crianças e corta com a tesoura para acabar com as “bichas”. A cera de abelha revela as causas dos males de cada pessoa. Dona Ziza coloca a cera em um pratinho sobre a cabeça da criança. Acende e deixa derreter. Em seguida, mostra desenhos através dos quais fazia as revelações. “Uma amiga minha tinha um filho. Morava na esquina da minha casa. Nos fundos da casa de um dos meus irmãos. Éramos em três, mas um dos meus irmãos morreu afogado no rio. Ele queria muito bem a minha amiga. O filho dela, por volta dos cinco meses de vida,

sempre desmaiava durante o banho. Toda vez acontecia a mesma coisa. Uma vez trouxeram ele pra mim. Com a cera, eu consigo ver o que está assustando ele. Nesse dia, consegui ver um bote no rio e alguém remando. Daí que eu lembrei, meu irmão tinha morrido afogado.

Enquanto eu estiver viva, vou ajudar”, afirma Dona Ziza com satisfação e orgulho.

Fomos no cemitério e rezamos para ele ir embora, por que ele estava fazendo mal pra criança. Depois disso nunca mais aconteceu nada”. Aos 72 anos, dona Ziza atualmente atende quem a procura. “Enquanto eu estiver viva, vou ajudar”, afirma com satisfação e orgulho. Já Dona Eloina, não benze mais. A saúde debilitada a deixa cansada. Foram 31 anos de dedicação. Com sapatos de pano e muito bem agasalhada, no portão de sua casa, diz que seu dever está cumprido. “Tentei ajudar ao máximo. Sinto que fiz o meu melhor. Aquelas criancinhas hoje são adultos, casados. Mas eles lembram de mim”, relembra Dona Ziza . Por Larissa Hofbauer


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ENSAIO

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Rainhas dos Campos Gerais Fotos: Yuri A.F. Marcinik Legenda: Julio Cesar Dias do Nascimento

Drag é performance, carão, close e beleza. Mas, acima de glamour, nossa figura é a força, luta e representativi­ dade de toda uma comunidade à qual pertencemos" ­Morgana Firebomb


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