A tartaruga sábia

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Histórias da Lagoa

A Tartaruga sábia FRANCESCO SMELZO

Tradução de Elizabeth Lemes Dos Santos


Grande animação aquele dia na lagoa! Chegara do Norte uma grande gaivota que fazia-se chamar Sebastião. Todos os animais da lagoa reuniram-se, curiosos com aquele novo recém-chegado. Até as toupeiras, com seus olhinhos quase cegos, haviam colocado seus focinhos para fora das suas tocas, atraídas por tamanho barulho. E Sebastião a gaivota não se subtraía certamente a estas atenções. Imagina! Colocara-se bem visível sobre um galho do velho carvalho, abrindo e fechando suas amplas asas e mostrando o bico amarelo e pontudo. A um certo ponto, quando a atenção dos outros animais era total, começou o seu discurso : « Meus amigos, queridos irmãos. Eu vi o mundo ! Sobrevoei os mares gelados do Norte à caça das brancas merluzas. Segui os barcos de pesca sobre oceanos tempestuosos. Morei nos frios recifes, onde aprendi coisas que vocês , habitantes desta pequena poça d’água, não saberiam e não poderiam nem mesmo compreender.» « Diga-nos, diga-nos, lhe pedimos!»- disse então a patinha Nerina, a mais empreendedora do grupo dos bichos.

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« Sim Sebastião, faça-nos conhecer as coisas que você sabe» – completou a pata Albina, que já percebera como Nerina olhava a gaivota e não queria ficar para trás. « Tudo bem, sobre os recifes da Escócia conheci uma velha foca.» Continuou então a gaivota Sebastião. « Tinha sobre as costas muitas luas e jazia sobre uma pedra na borda do mar espumante, passando, sob os frágeis raios de sol do Norte, os últimos dias da sua vida. Cansada demais agora para caçar.» Ela revelou-me que todo o mundo que os nossos olhos podem ver foi criado ha mil e mil luas pela Grande Foca. E que ela, a Grande Foca, estabeleceu a Lei para os animais. E somente os animais que seguem a Lei, quando morrem, voam para o céu com seus espíritos para viverem felizes para sempre.» «Enquanto os outros animais, aqueles que não seguem a Lei, verão seus espíritos dispersos nas frias águas do Oceano.» Os animais que estavam escutando a gaivota perguntaram: « O que diz esta Lei ? O que devemos fazer para que nosso espírito não se perca no Oceano?» Sebastião, depois de uma longa pausa, olhando um por um dos animais reunidos à sua volta, respondeu: « Nem todos podem conhecer a Lei, somente alguns animais, como eu, podem aproximar-se do espírito da Grande Foca para conhecer a Lei e dizer aos outros só aquilo que podem compreender.» 2


« Eu na verdade fui investido deste poder pela velha foca moribunda, e ouço todas as noites em que a Lua é redonda no céu, diretamente do espírito da Grande Foca, as palavras da Lei e sei aquelas que devem ser ditas aos outros animais para salvar seus espíritos.» « Então fale, diga também a nós aquilo que devemos fazer segundo a Lei « – disseram os outros animais. Sebastião a gaivota, ainda olhando-os um a um e depois de uma outra longa pausa disse: « É ainda cedo para que possam conhecer toda a Lei, porém, para começar, posso dizer-lhes que a Grande Foca deseja que os seus prediletos entre os animais, aqueles que podem falar com ele, como eu, devem ser respeitados e servidos. Eles não podem perder-se em ocupações inúteis como caçar ou construir ninhos, porque devem preocupar-se apenas em falar com o espírito da Grande Foca e meditar sobre coisas importantes para o bem dos outros animais.» Daquele dia em diante a vida mudou na lagoa. Todos os animais se preocupavam em fazer alguma coisa para agradar Sebastião. Havia quem levava peixes para alimentá-lo, quem recolhia lama e ramos secos para construir-lhe um ninho cômodo.

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A patinha Nerina e a pata Albina até disputavam mesmo em arrancar-se as macias penas da cauda para tornar quente e confortável o ninho da gaivota. Todos ...exceto Uga a tartaruga. Ela continuava a desfolhar o fresco mato na beira da lagoa, não prestando atenção na agitação dos outros animais. Sebastião, irritado com este comportamento, um belo dia lhe perguntou:» Tartaruga, você pensa ser um animal especial? Por que não colabora com os outros bichos em seguir a Lei? Talvez você queira que uma vez morta seu espírito se perca no frio Oceano?» Uga a tartaruga continuou por um bom tempo a mastigar a folha que tinha na boca, depois alongou o a cabeça para fora do casco, olhou a gaivota e perguntou: « Próximo a esta lagoa você vê algum Oceano?» « Oh minha linda! Claro que não! « – respondeu Sebastião a gaivota, explodindo em risos- « para alcançar o Oceano precisa voar por muitos dias com asas potentes, como as minhas.» « Talvez você vê em mim asas potentes?»- perguntou ainda a tartaruga. « Asas? Uma tartaruga com asas? Claro que não! «- respondeu rindo ainda mais sonoramente Sebastião.

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« E então? Por que deveria preocupar-me com meu espírito se ele perder-se no Oceano?» – respondeu Uga a tartaruga, metendo a cabeça dentro do casco. Os animais que assistiam a cena, de repente, olhando-se uns para os outros, compreenderam de terem sido zombados pela gaivota e dali a poucos dias, nenhum mais levou peixes para alimentar Sebastião, nem recolheu galhos secos e barro para seu ninho. Somente por algum tempo ainda a patinha Nerina e a pata Albina continuaram a arrancar as plumas da cauda, mas depois também elas pararam, visto que ninguém mais construía o ninho para a gaivota. Daquele dia então Sebastião, alçou vôo do galho do velho carvalho, sem nem mesmo dignar-se a agradecer, rumando para o Sul, para procurar uma outra lagoa. Tradução de Elizabeth Lemes Dos Santos

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