Martim o porco espinho

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Histórias da Lagoa

Martim o porco-espinho FRANCESCO SMELZO

Tradução de Elizabeth Lemes Dos Santos


Martim o porco espinho era realmente um estranho personagem entre os habitantes da lagoa. Vivia continuamente preocupado que lhe pudesse acontecer uma desgraça. Nos dias ensolarados, em que soprava o doce vento do Leste, esquilos, coelhos, lebres e até os preguiçosos arganazes dançavam felizes nos prados manchados de vermelho das papoulas e de amarelo dos dentes de leão. Porém Martim o porco espinho sacudia a cabeça e voltava à segurança da sua toca ,murmurando para si –« perigoso demais, perigoso demais...Ah! e quebrar uma perna com estas danças precisa só um minuto...e depois? Que seria de um porco -espinho com uma perna quebrada? Melhor ficar aqui na toca, é mais seguro» Quando precisava mesmo sair, a procura de comida, Martim o porco-espinho procurava ficar fora de sua toca o mínimo indispensável e não dar confiança a ninguém. Um dia um pequeno cão branco, que vivia sabe-se lá em algum casebre da redondeza, aproximou-se alegre agitando o rabo. « Que estranho animal você é...» disse-lhe sempre saltitando a sua volta.

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« Se não desaparece logo verá o que acontece a você «!- disse-lhe Martim entre amedrontado e ameaçador. Mas o cão não o abandonava, sempre saltitando e mexendo o rabo à volta do porco-espinho. Martim pensou : « e se tudo fosse um truque para comer-me? Os animais com fortes dentes não são confiáveis, à primeira distração estão prontos para devorar-lhe.» No fim o porco-espinho eriçou nas costas seus espinhos e disparou um direto no nariz do pobre cão que, ganindo de dor, fugiu às pressas. « Bem feito !» pensou Martim, todo orgulhoso de ter posto em fuga o aborrecido animal- « não se pode estar seguro em nenhum lugar nesta lagoa. Logo acaba-se na barriga de alguém se não se está sempre em guarda!» Na verdade Martim tinha mesmo o vício de disparar seus espinhos a torto e a direito. Muitos animais da lagoa já tinham feito as contas e o caráter do porco-espinho estava agora na boca de todos. « Outro dia me picou um espinho mesmo nas minhas macias plumas do rabo «-dizia a pata Albina. « Nem fale « Também em mim. Aqui mesmo no peito...e só porque queria desejar-lhe bom dia»-lhe fazia eco Gino o peru- « que mau caráter aquele porco-espinho!» 2


E foi assim que ao cabo de algum tempo, todos evitavam Martim que, porém, nem pensava nisto, continuando sua vida prudente, pondo a cabeça fora da toca o mínimo indispensável e disparando seus espinhos sobre quem pensasse que o ameaçasse. E passou também o quente verão na lagoa, deixando lugar aos frescos dias do outono, que pinta de vermelho as folhas. Martim, como todos os porcos- espinho, tinha um ponto fraco: era guloso de doces cachos de uva e, naquele mês de outubro, as videiras silvestres que abraçavam o velho carvalho, haviam mesmo se superado, produzindo belos cachos grandes, negros e brilhantes, com bagos que pareciam azeitonas na salmoura. Atraído pelo inconfundível perfume da uva madura, Martim tomou coragem e foi ao velho carvalho para saborear bem devagar os cachos maduros. O problema porem era que as videiras silvestres produziam cachos mais suculentos nos seus galhos mais altos, aqueles que logo de manhã eram beijados pelo sol. E assim o porco- espinho, sempre menos prudente, atraído pela uva mais bela, subia cada vez mais alto. «Olha que lindo cacho lá»- pensava enquanto estava comendo outro e, para alcançá-lo, subia cada vez mais.E assim foi até que não alcançasse a copa da árvore. O acaso quis que aquela manhã também o camponês da casinha próxima à lagoa tivesse tido a mesma idéia de colher as uvas da 3


videira silvestre. E, arrumando uma rede sob a árvore, pôs-se a sacudi-la com força. Os cachos maduros caíram na rede e assim também Martim! O camponês não percebeu nada, virou o conteúdo da rede e cachos e porco-espinho caíram num grande balde, colocou-o na carroça e partiu para casa. «Pobre de mim»- refletia Martim-« eis o que se ganha ao abandonar a prudência! Agora quem sabe que destino me espera, seguramente acabarei na panela deste camponês... Ai ...Ai...» Mas por sorte não foi assim. O camponês, que não era um homem mau, quando percebeu que um porco-espinho acabara no balde,o recolheu com uma pá e deixou-o livre. Martim porem estava longe da sua toca e o Sol estava já começando a cair. « Tive sorte»- disse para si o porco-espinho- « mas a minha sorte vai durar pouco. Como farei à noite para alcançar a minha toca? Sei que à noite rondam animais assustadores, prontos a despedaçar qualquer um que se ache fora de casa.» Enquanto pensava isto, veio-lhe ao encontro uma velha lembrança: o pequeno cão branco que tempos atrás havia espetado com um espinho.

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O cão, de bom caráter, parecia ter já esquecido o incidente e disse: « Olha só quem se vê, o lançador de flechas! Mas como aqui por estas bandas?» « Me perdi» – admitiu timidamente Martim –« e tenho medo de percorrer o caminho para a lagoa à noite» O bom cão disse que se ele quisesse, por esta noite, poderia dormir no estábulo com ele. Havia uma boa palha e um abrigo para o frio. Martim ficou no estábulo aquela noite e com o cão tornaram-se logo grandes amigos. E assim ficou ainda por mais uma noite e outra mais e mais outra e...resumindo passou ele também a viver no estábulo. Desde então Martim o porco -espinho nunca mais teve medo e viveu contente por ter encontrado um amigo. Tradução de Elizabeth Lemes Dos Santos

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