O corvo e o cervo

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Estórias da Lagoa

O corvo e o cervo FRANCESCO SMELZO

Tradução de Elizabeth Lemes Dos Santos


À noite na lagoa apareciam para matar a sede animais de todo tipo , vindos dos bosques da vizinhança. Entre estes o mais bonito e imponente era o grande cervo Fulvio, dotado de uma poderosa galhada e de músculos possantes.Quando aparecia para beber água, o fazia sempre com grande barulho, não se importando com quem naquele momento se encontrasse ali também. Certa vez faltou muito pouco para exterminar , envolvendo-a na sua corrida desenfreada ,uma família inteira de patos, incluindo os filhotinhos, que estava se alimentando perto dos caniços. Porém todos tinham medo e respeitavam o cervo Fulvio, isto porque ele era capaz de terríveis acessos de fúria contra quem o aborrecesse, ou mesmo porque todos o admiravam por sua beleza e força . Quando chegava como um ciclone , todos se distanciavam rapidamente, sem dizer nada. Não foi assim aquela tarde para o corvo Armando. Ele estava empoleirado sobre um galho baixo do velho carvalho, que quase tocava a água , a espera de agarrar algum peixinho que subisse na superfície para caçar insetos.Estava já de olho numa bela lasca ( peixe que vive nos lagos e rios da Itália ) que subia para a superfície, pronto para apanhá-la com o bico e eis que chega o cervo com o habitual estrondo de cascos , o que espantava todos os peixes. 1


“ Ora, mas que modos são estes?” – explodiu o corvo Armando, sacudindo a água que o cervo lhe havia atirado . “ Não pode comportar-se mais educadamente? Precisa chegar deste modo à lagoa?” “ Quem fala comigo deste modo ?” exclamou o cervo Fulvio, já pronto para chifrar o insolente que ousara protestar. Depois, quando percebeu que se tratava de um mísero corvo, balançando a cabeça, explodiu em uma grande gargalhada : “ Ah! Seria você aquele que vem a dar-me lições de educação !”disse com desprezo- “ mas que dentes aguçados que você tem...que garras afiadas...para dar-me lições de moral!” Portanto saiba que sendo eu o animal mais forte e belo, “ - continuou Fulvio - “ todos me devem obediência e respeito, você em primeiro lugar, se não quiser acabar enfiado nos meus chifres.” O corvo Armando diante de tanta soberba não se descompôs e respondeu: “ Não tenho nem dentes agudos nem garras afiadas, mas digolhe que um dia será você a servir-me!” O cervo , naquele ponto, não sabia se ria daquele corvo doido ou se o chifrava diretamente. Bateu violentamente com as patas sobre a água, provocando uma onda que investiu sobre o pobre Armando. Este chacoalhando as penas ensopadas voou. Mas antes disse ainda ao cervo: 
 “ Digo-lhe que um dia será você a servir-me !” 2


Depois de algum tempo chegou à lagoa o frio inverno, com o gelo que morde as águas e cobre de neblina todas as plantas. E com o frio chegaram as nuvens do Norte que trazem neve e vento. Logo todos os campos se recobriram de gelo e sobre o gelo caiu a neve que escondia tudo. Todos os animais naqueles dias sofriam com a fome. Quem comia peixes não podia pescar por causa do gelo que cobria a lagoa, quem comia capim não podia encontrá-lo, porque estava enterrado sob camadas e camadas de neve. Todos sofriam fome, porem mais que todos o cervo Fulvio, que com seu grande e possante corpo tinha mais necessidade de comida que os outros. Mas o inverno daquele ano não dava trégua e o frio e a neve continuaram ainda por muito tempo a atormentar a lagoa e seus habitantes. E no fim aconteceu o inevitável. O cervo exaurido pela fome e pelo frio, procurando inutilmente arranhar a neve com os cascos para alcançar o capim, desabou sobre o branco manto que cobria o terreno e morreu. E eis que do galho do carvalho, de onde havia visto a cena, caiu o corvo e com seu forte bico abriu um buraco na dura pele do cervo e comeu a carne até saciar-se. Abandonando aquele banquete, que lhe serviria ainda por muito tempo para saciar a fome, exclamou : 3


“ Não lhe disse ? Um dia seria você a servir-me.” Tradução de Elizabeth Lemes Dos Santos

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