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MATÉRIA PRINCIPAL Duas décadas garantindo alimentos e esperança
Banco de Alimentos de Porto Alegre: Há mais de 21 anos assegurando alimentação e esperança de uma vida melhor a quem mais precisa
Pensar globalmente, agir localmente. Essa expressão frequentemente utilizada em diferentes contextos e áreas tem como principal definição um sobreaviso: cada um de nós tem que fazer a sua parte para tornar nossa sociedade melhor. Isso também vale, e muito, para as relações humanas, que impreterivelmente necessitam de cooperação e solidariedade em prol do coletivo, a começar pelo nosso entorno, por nossa comunidade. Foi sob essa ótica que um grupo de cidadãos – diretores de empresas, sindicatos, entidades e clubes de serviços – se reuniu há mais de 22 anos, inspirados pela experiência do Banco de Alimentos de Portugal, para juntos combater o flagelo da fome e da má nutrição na Capital gaúcha. Juntos, sob a tutela do Conselho de Cidadania da FIERGS, estes cidadãos conscientes de sua responsabilidade para com a sociedade lançaram em 6 de dezembro de 2000 o Banco de Alimentos de Porto Alegre, pioneiro no Brasil. “Nossa proposta foi desde o inicio, combater a fome e levar esperança para comunidade carentes”, relembra Paulo Renê Bernhard, o atual presidente do Banco de Alimentos de Porto Alegre e da Rede de Alimentos do RS. A ação inicialmente buscou arregimentar a sociedade empresarial, grupos de serviços, universidades. Na continuidade elaborou um Mapa Social, pelo qual realizou o cadastramento de instituições assistenciais que faziam o atendimento direto a pessoas mais necessitadas. Hoje são mais de 300 entidades atendidas, que assistem a mais de 233 mil famílias, ou, 935 mil pessoas por ano. Por sua metodologia e ótimos resultados, mais do que ser o primeiro do gênero no país, o Banco de Alimentos de Porto Alegre se tornou uma referência nacional no combate à fome, à má nutrição e ao desperdício alimentar.
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Fundadores do Banco de Alimentos de Porto Alegre ADCE-RS, AGAS, A. Leopoldina Juvenil, FIERGS, Sesi-RS, F. Maurício Sirotsky Sobrinho, F. Rotarianos de POA, Setcergs, Sind. Ind. da Alimentação do RS, SINDHA, Parceiros Voluntários e WMcCann Início do Banco de Alimentos: instituição ganhou o seu primeiro depósito, onde está instalado até hoje Primeiro caminhão doado para o Início da Campanha Banco de Alimentos Sábado Solidário, com diretores Paulo Renê Bernhard e Jorge Luiz Buneder. Ao centro, o executivo do Walmart Lançamento do primeiro projeto de Nutrição do Banco de Alimentos, o projeto Nutrindo o Amanhã
O aniversário de 15 anos de fundação do Banco de Alimentos foi comemorado em grande estilo, no Leopoldina Juvenil Organizações que participaram da criação do Banco de Alimentos de POA
Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE), Associação Gaúcha de Supermercados (AGAS), Associação Leopoldina Juvenil, Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS), Serviço Social da Indústria do Rio Grande do Sul (SESI-RS), Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho (FMSS), Fundação dos Rotarianos de Porto Alegre, Sindicato das Empresas de Transportes de Carga e Logística no Estado do Rio Grande do Sul (SETCERGS), Sindicato das Indústrias da Alimentação do Estado do Rio Grande do Sul (SIA), Sindicato de Hospedagem e Alimentação de POA e Região (SINDHA), Parceiros Voluntários e WMcCANN.
I Encontro de Bancos de Alimentos 06/10/2005 Rotary Club doa Câmara Fria ao Banco de Alimentos Criação da Rede de Bancos de Alimentos, a partir da metodologia exitosa do Banco de Alimentos de POA Assinatura do Termo de Compromisso para criação dos Núcleos de Bancos de Alimentos (12-09-2007) II Encontro de Bancos de Alimentos (6/10/2007)
Referência nacional no combate à fome
Nestes mais de 21 anos de operação, o Banco de Alimentos de Porto Alegre se tornou modelo para a formação de 25 bancos de alimentos no país, ao compartilhar com outras localidades seu know how e metodologia para contribuir no combate à fome. Alguns fatores endossam a credibilidade e bons resultados conquistados pela instituição, como as doações contínuas de empresas e da sociedade civil; campanhas de conscientização e arrecadação atrativas, como o Sábado Solidário e o Trote Solidário; o trabalho executado pelas equipes em prol da segurança alimentar e nutricional, garantido por profissionais especializados e apoio de universidades; a infraestrutura de armazenamento; a logística social, com caminhões próprios e também com o apoio de transportadoras, que asseguram que as arrecadações cheguem a todos os cantos necessitados; e a transparência de toda operação, com a publicação de um relatório anual, desde o primeiro ano de sua fundação, em 2000. Novos bancos Entre os mais recentes bancos formados no país a partir da experiência porto-alegrense estão o Banco Metropolitano de Curitiba (PR) e o de Florianópolis (SC), além de discussões avançadas em Palmas (TO). No Rio Grande do Sul, mais e mais cidades encamparam a ideia, integrando a Rede de Bancos de Alimentos do RS, criada em 2007 para ampliar o atendimento a todo o Estado. Atualmente, a Rede conta com 23 bancos, que atendem 31 municípios. Os mais recentes são de Bagé, Torres, Alegrete e Viamão, sendo os três últimos funcionando como Núcleos. Para o presidente do Banco de Alimentos de Porto Alegre e da Rede de Alimentos do RS, Paulo Renê Bernhard, o reconhecimento da experiência porto-alegrense é resultado do trabalho desempenhado de forma profissional e transparente. “Não há mais espaço para processos desorganizados. É preciso organização, com gestão empresarial e planejamento, pois uma governança corporativa permite melhores resultados com menores custos”, ressalta Bernhard.
21 anos em números
Doações do Banco de Alimentos de Porto Alegre 58.511.158 quilos de alimentos doados em 21 anos 175.533.47 refeições
300 instituições atendidas mensalmente 19.416 77.916
famílias beneficiadas mensalmente
pessoas atendidas mensalmente
Criação do Espaço Hortifrutigranjeiros, onde acontece toda higienização e separação dos alimentos recebidos para doação III Encontro de Bancos de Alimentos (15/10/2008) Criação do Laboratório de Análise Sensorial, onde podem ser analisados os alimentos e onde são realizadas oficinas diversas Empresa TNT Mercúrio entrega doação de caminhão ao Banco de Alimentos (16/07/2010) Jogo no Estádio Beira Rio, do Sport Club Internacional, com a camiseta do Colorado contendo o logotipo comemorativo aos 10 anos do Banco de Alimentos (28/11/2010)
Banco de Alimentos de Porto Alegre investe em novos processos para garantir a segurança alimentar e nutricional
Inspirado no modelo português de combate a fome para sua criação, o Banco de Alimentos de Porto Alegre avançou muito em sua operação ao longo de sua história, desenvolvendo novos processos para combater a fome, garantir a segurança alimentar e nutricional dos beneficiados e minimizar ao máximo o desperdício de alimentos. Diferentemente de Portugal, onde o forte é a atuação de voluntários na captação e doação de alimentos, o modelo implementado na capital gaúcha investiu na capacitação para uma melhor qualidade de vida, com boas práticas e bons hábitos certificados por projetos de Nutrição, Saúde e Educação, com o apoio de universidades. “Por intermédio de projetos especiais, que atendem principalmente aos públicos de idosos e de crianças, conseguimos não só fornecer o alimento, mas capacitar as instituições cadastradas e também o público beneficiado para usufruir de uma alimentação mais saudável e segura, de acordo com as normas sanitárias vigentes”, destaca o presidente do Banco de Alimentos de Porto Alegre, Paulo Renê Bernhard. Grande parte dessa conquista é mérito de parceiros acadêmicos, como a Unisinos, que investe no Banco de Alimentos com recursos humanos, doando horas trabalhadas de profissionais altamente especializados e oportunizando aos seus alunos a experiência de atuar diretamente com o público, por meio de estágios em seis projetos (leia matéria nesta edição). Suporte acadêmico Segundo a diretora do Banco de Alimentos de Porto Alegre Denise Zaffari, que é coordenadora do Curso de Nutrição Campos POA e professora do Mestrado em Nutrição e Alimentos da Unisinos, o atendimento junto aos públicos beneficiários possibilita que o Banco de Alimentos execute sua missão com um atendimento pleno. Denise Zaffari, juntamente com sua colega, também professora da Unisinos, Luiza Rihl Castro, prestam uma assessoria acadêmica ao Banco, atuando 4 horas por semana, cada uma, em reuniões com a equipe de Saúde e Nutrição, discutindo em conjunto sobre as melhores estratégias de intervenção em cada comunidade ou instituição. “A Academia potencializa ainda mais a já característica qualidade do Banco de Alimentos, que, por sua vez, intensifica o ensino-aprendizagem dos universitários que fazem estágio nos projetos”, destaca Denise, indicando que o estágio proporciona uma formação completa aos futuros profissionais.
Denise Zaffari
Evento em comemoração aos 10 anos do Banco de Alimentos, realizado na FIERGS (29/11/2010) Encontro dos voluntários do Banco de Alimentos (04/12/2010) Lançamento do Projeto Cozinha Nota Dez IV Encontro de Bancos de Alimentos Início do Trote Solidário em parceria com o Núcleo Acadêmico do Simers, elo qual até hoje foram arrecadados 287.491 quilos de alimentos
Experiência e luta Experiência e luta gaúcha inspiram gaúcha inspiram edição de novas edição de novas leis para estimular leis para estimular o combate à fome o combate à fome - Lei 14.016/20 - Lei 14.016/20
As conquistas da Rede de Bancos de Alimentos do RS nestes últimos 20 anos não se limitaram a combater a fome. Neste período o Banco de Alimentos buscou sensibilizar o Senado Federal sobre a importância da promulgação de uma lei que permitisse o combate ao desperdício de alimentos. Finalmente, durante a pandemia, foi sancionada a Lei 14.016/20, que autoriza estabelecimentos a doarem alimentos que não forem comercializados. Esta lei autoriza a doação de alimentos in natura, produtos industrializados e refeições prontas, desde que estejam dentro do prazo de validade e em condições próprias para o consumo. A medida abrange empresas, hospitais, supermercados, cooperativas, restaurantes, lanchonetes e todos os demais estabelecimentos
Banco de Alimentos revitaliza as suas instalações em comemoração a Copa do Mundo de 2014 Lançamento do projeto Passos da Longevidade Jantar Beneficente em comemoração aos 15 anos do Banco de Alimentos, realizado na Associação Leopoldina Juvenil Grenal em que pela primeira vez os clubes Grêmio e Internacional vestiram camisetas com a identidade visual do Banco de Alimentos
que forneçam alimentos preparados prontos para o consumo de trabalhadores, de empregados, de colaboradores, de parceiros, de pacientes e de clientes em geral. Nova fase A lei permite que empresas que trabalhem com alimentação possam doar excedentes de alimentos que estejam próprios para o consumo humano e esse respaldo jurídico estimulará que mais empresários contribuam com a batalha diária de combate a fome. “É uma virada de página em nossa história”, desta implantação junto as todas as instituições envolvidas no processo. Agilidade A expertise do Banco de Alimentos de 21 anos de trabalho focado em uma eficiente gestão empresarial permite que o planejamento siga três etapas, executadas concomitantemente: orientação, sensibilização e viabilidade de execução. A equipe de Saúde e Nutrição elaborou um manual para orientar a execução da iniciativa e está fazendo visitas a empresas que são passíveis de serem doadoras, para apresentar a
comemora o presidente do Banco “Quando regulamentada, a de Alimentos de Porto Alegre, Paulo Renê Bernhard, lei poderá ser implementada em todo o país buscando que foi incansável erradicar a fome” e persistente no trabalho de sensiPaulo Renê Bernhard bilização de parla- Presidente Banco de mentares e autoridades em Brasília, Alimentos de Porto Alegre para que a lei de e da Rede de Bancos de âmbito federal fosse aprovada. Alimentos do RS “Quando regulamentada, a lei poderá ser implementada em todo o país buscando erradicar a fome”, completa. O Banco de Alimentos em parceria com as faculdades de Nutrição e Gastronomia já está participando
novidade e orientar as formas de contribuição, bem como sua forma de aplicação. “O objetivo maior do Banco de Alimentos para implementação desta lei será de sensibilização do maior número de empresas que atuam no mercado, tanto no Rio Grande do Sul, quanto no País”, explica Paulo Renê. Essa capacidade logística é de extrema importância, pois a distância entre doadores e receptores não pode inviabilizar o processo.
Inspiração se expande para outras áreas
A criação do Banco de Alimentos também motivou a criação de outros bancos sociais, que formaram a Fundação Gaúcha dos Bancos Sociais - Indústria da Solidariedade, implementada pelo Conselho de Cidadania da FIERGS.
Atualmente são 14 bancos: Banco de Alimentos; Banco de Computadores; Banco de Gestão e Sustentabilidade; Banco de Livros; Banco de Órgãos e Transplantes; Banco de Materiais de Construção; Banco de Mobiliários; Banco de Plástico; Banco de Projetos Comunitários; Banco de Refeições Coletivas; Banco de Resíduos; Banco de Tecido Humano-Pele; Banco de Vestuários; e Banco de Voluntários.
Início da campanha Natal do Bem, feita em parceria com a RBS TV. Até hoje foram arrecadados 2.933.847 quilos de alimentos Lançamento do projeto Primeiros Passos Lançamento do projeto Oficina do Sabor Primeira Cavalgada do Bem, realizada em parceria com a RBS TV, junto a campanha Natal do Bem (15/12/2018)
Sementes bem plantadas rendem bons frutos
Dona Lucila Osório mal sabia que seria completamente seduzida por uma ideia que estava sendo plantada quando aceitou o convite do amigo e colega de diretoria da FIERGS Jorge Luiz Buneder para conhecer uma ação que irradiava solidariedade pelas instalações de sua empresa, a Stemac. “Em 1999 ele me convidou para conhecer o trabalho social que seus colaboradores tinham abraçado. Incentivados pela empresa e por Buneder, que tem um forte senso de dever social, eles arrecadavam roupas, lavavam, passavam e doavam, gerando um trabalho lindo de ajuda aos mais necessitados”, conta Lucila. Era o universo conspirando a favor, segundo ela. Inspirada pelo bom exemplo, Lucila passou a participar das reuniões do Conselho de Cidadania da FIERGS. “Já a partir das primeiras reuniões comecei a pensar em como poderia ajudar mais, até que uma noite cheguei em casa e conversei com meu marido Luís Felipe (falecido) sobre um pavilhão que estava desocupado e que poderia ser emprestado à iniciativa por um tempo”, relembra “Ele achou a ideia maravilhosa”. Esse “um tempo” já dura mais de 21 anos. É neste pavilhão emprestado que até hoje funciona o Banco de Alimentos de Porto Alegre. “Eu vejo o papel do empresário engajado em causas sociais como uma forma de contribuir para uma sociedade mais justa, e até mesmo retribuir e agradecer por tudo que conquistou”, declara Lucila, que é presidente do Banco de Vestuários.
Legado A semente da solidariedade também foi repassada para os filhos de Lucila. Luís Felipe e Ana Laura seguiram o exemplo da mãe e se dedicam a causas sociais, como em ações da Liga de Combate ao Câncer de Sapiranga. “É uma felicidade imensa poder ter saúde para ajudar ao próximo e também deixar um legado, como essa sementinha que foi plantada e que já está dando bons frutos, com meus filhos engajados em causas sociais. Quiçá também verei meus netos comprometidos com o social”, diz Lucila.
Lançamento do projeto Funcionalidade para idosos Banco de Alimentos completa 20 anos de fundação Durante a pandemia, a Rede de Bancos de Alimentos arrecadou e doou 10 milhões de quilos de alimentos
Os pratos estão cada vez mais vazios
Se antes da pandemia a fome já afligia milhares de famílias, após a instalação da maior crise sanitária e hospitalar da história brasileira esse flagelo aumentou. Os pratos estão cada vez mais vazios, pois milhares de famílias continuam a viver com insegurança alimentar. Um a cada quatro brasileiros diz que a quantidade de comida disponível em sua mesa foi inferior à necessária para alimentar sua família nos últimos meses, conforme pesquisa realizada pelo Datafolha, divulgada no final de março deste ano. A situação só não é pior por conta de ações promovidas pela sociedade civil organizada, como os Bancos de Alimentos, por exemplo, mantidos exclusivamente com doações de empresas e comunidade. Cenário negativo Em 2020, a pandemia provocou o aumento da insegurança alimentar, consequência da alta de preços e do desemprego. Milhões de brasileiros perderam renda. Agora, mais recentemente, o conflito entre Rússia e Ucrânia intensificou o problema da insegurança alimentar, com o aumento das commodities e dos fertilizantes, que podem afetar a distribuição de alimentos no mundo inteiro. O Brasil ainda vive um cenário de inflação, juros e desemprego na casa de dois dígitos. Por essas razões, é fundamental que todos olhem para a dura realidade. O presidente da Rede de Bancos de Alimentos ressalta que a responsabilidade social deve fazer parte do DNA da iniciativa privada. “É preciso assumir o compromisso de contribuir para um mundo melhor”, defende Paulo Renê Bernhard. A mobilização contra a fome deve ser permanente. Pode parecer óbvio, mas não é: quanto mais ajuda for agrupada, menos pessoas sofrerão com a fome e a desnutrição.