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TERROIR

Terra brasilis Vinhos produzidos no Brasil buscam cada vez mais o reconhecimento de suas indicações geográficas

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s características finais do vinho são muito sensíveis a suas condições de produção, ao terroir em que se encontra. Isso permitiu que os países europeus elaborassem, ao longo dos séculos, denominações cada vez mais específicas para designar a procedência da bebida, criando ‘pequenos países’ em seus territórios. E, assim como os produtores do Velho Mundo conquistaram seu terroir, com séculos de experiência e simbiose perfeita entre a cultura do homem e as características da terra, os produtores brasileiros deram importantes passos para o reconhecimento dos terroirs encontrados por aqui. Atualmente, as principais regiões produtoras são Serra Gaúcha, Campos de Cima da Serra, Campanha e Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul; o Planalto Catarinense, em Santa Catarina; e o Vale do São Francisco, na divisa entre Pernambuco e Bahia. Mas, para designar a tipicidade de um vinho, essas regiões ainda são grandes demais. A partir dos anos 90, iniciou-se um processo de identificação de microclimas para permitir denominações cada vez mais específicas e singulares. Atualmente, o Estado do Rio Grande do Sul é o que apresenta maiores avanços em relação às indicações geográficas da bebida, mas até mesmo regiões tropicais do Brasil estão em busca da tipificação de seus vinhos. “Começamos a trabalhar com esse tema no início da década de 90, vendendo para o setor vitivinícola a ideia de desenvolver a Indicação Geográfica. Em 95, conseguimos a primeira parceria com Associação de Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale), e, em 2002, veio a primeira Indicação de Procedência. O primeiro trabalho mostrou um grande sucesso e contribuiu para o desenvolvimento do renome da região e do enoturismo. Esse foi o primeiro marco por Gabriel Carrara

das indicações de vinho no país”, conta Jorge Tonietto, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, em Bento Gonçalves As Indicações Geográficas brasileiras de vinhos finos já reconhecidas se encontram todas na região da Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul: Indicação de Procedência Pinto Bandeira, de 2010; Denominação de Origem Vale dos Vinhedos, de 2012; e Indicação de Procedência Altos Montes, de 2013. Além dessas, outras quatro estão encaminhadas (veja o box). Embora a competitividade dos vinhos brasileiros seja baixa, as indicações geográficas são um importante passo para o reconhecimento do produto no Brasil e no exterior. “É interessante para o país ter indicações para enquadrar os novos plantios com regras mínimas de qualidade. Os novos produtores em novas regiões já têm algumas orientações para entender como aquele terroir funciona”, explica Mônica Rossetti, enóloga responsável pela vinícola Lidio Carraro.

Vinhos tropicais A busca pelo terroir tornou evidente que é impossível se falar em um ‘vinho brasileiro’. Com produtores em Pernambuco e Rio Grande do Sul, as características são completamente distintas. E, embora ainda seja um produtor de vinhos muito modesto, o Brasil tem uma característica singular de produção de vinhos em zonas térmicas diferentes. Os tradicionais países produtores - todos os países da Europa e da Oceania, e também Estados Unidos, África do Sul, Chile, Uruguai e Argentina - encontram-se em zonas climáticas temperadas, entre os círculos polares e os trópicos. Já o Brasil tem produtores nos estados da região sul, abaixo do trópico de Capricórnio, no sudeste e nordeste, na zona tropical. Para Jorge Tonietto, esse é o grande ramo a ser explorado na produção vitivinícola brasileira.

“Se dividirmos os vinhos entre Velho e Novo Mundo, os vinhos tropicais seriam uma terceira forma. A viticultura tropical, por ser nova e por esbarrar em tabus, está em etapa inicial de desenvolvimento de suas qualidades. É algo muito novo não apenas no Brasil, mas no mundo. Ao longo da década, ela certamente virá a ser reconhecida, pois tem produtos bem originais”. O termo ‘vinhos tropicais’ é uma alusão ao clima e tem uma característica bem particular: em função das temperaturas tropicais, é possível produzir ciclos sucessivos da videira, emendando-os ou programando a produção. Para garantir a qualidade, os produtores adaptam a produção a períodos melhores. Uma das pesquisas de adequação à produção de vinhos em regiões tropicais é a inversão do ciclo da videira. No Brasil, o ciclo da videira em regiões tradicionais como Rio Grande do Sul, na zona temperada, se inicia com a poda no final do inverno e termina com a colheita entre os meses de janeiro e março. Se esse período fosse mantido, o amadurecimento final da uva se daria em um período de muitas chuvas, fazendo com que a qualidade caísse drasticamente por reduzir o acúmulo de açúcares, a acidez e a síntese de polifenóis. “A inversão do ciclo trata-se de duas podas e uma safra por ano, com objetivo de desviar a época de maturação e colheita para o inverno. É feita uma primeira poda de formação em agosto, seguida de um ciclo de vegetação onde os galhos são eliminados, para uma segunda poda, agora de produção, nos meses de janeiro e fevereiro, que permitirá a colheita entre julho e agosto”, explica Murillo de Albuquerque Regina, engenheiro agrônomo e pesquisador da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig). Essas experiências com o terroir


tropical abrem caminho até para a produção de vinhos finos em Minas Gerais. Em pesquisa realizada pela Epamig, cidades como Três Corações e Cordislândia, na região Sulsudeste do estado, João Pinheiro, no nordeste, e Diamantina, no Jequitinhonha, surgem

como polos emergentes de produção vitivinícola. Com condições climáticas de dias ensolarados e noites frescas, é possível se obter uvas de qualidade e, assim, vinhos finos. Segundo Murillo, ainda é cedo para se falar

em denominação. “Mas, assim que a produção tomar mais corpo, com mais empresas produzindo, penso que devemos reunir os produtores com as mesmas características sob um label comum, talvez o de vinho de inverno, mas ainda é cedo para definição”.

Principais regiões produtoras

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Vale dos Vinhedos Para que o vinho seja considerado desta D.O., é preciso que ele siga algumas regras: para os varietais Merlot e Chardonnay, um mínimo de 85% da variedade; para os assemblage tintos, mínimo de 60% de Merlot e o restante dividido entre Cabernet Sauvignon, Cabernet Franc e Tannat; para o assemblage branco, mínimo de 60% de Chardonnay e o restante Riesling Itálico; e para os espumantes, mínimo de 60% de Chardonnay e/ou Pinot Noir e Riesling Itálico como variedade auxiliar para corte. IP Alto dos Montes Localizada no extremo nordeste da região de vinhos finos da Serra Gaúcha, em áreas de maior altitude. Possui temperaturas amenas e um período de maturação mais longo, com colheitas mais tardias em relação ao resto da Serra Gaúcha. IP Pinto Bandeira Destaca-se pelo seu espumantes finos, de cor palha claro, aroma fino, cítrico, com toque de tostado. Seu paladar é equilibrado, nítico, de acidez refrescante, com boa complexidade e média persistência.

A Indicação Geográfica no Brasil Cada país possui sua legislação quando se fala em produtos de origem. No caso brasileiro, a Indicação Geográfica apresenta duas categorias: a Indicação de Procedência e a Denominação de Origem. De acordo com o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), a primeira “refere-se ao nome do local que se tornou conhecido por produzir, extrair ou fabricar determinado produto ou prestar determinado serviço”; já a segunda “refere-se ao nome do local, que passou a designar produtos ou serviços, cujas qualidades ou características podem ser atribuídas a sua origem geográfica”. No caso do vinho, a Indicação de Procedência oferece uma liberdade maior

aos produtores para elaborarem com uma gama maior de opções. Já os de Denominação de Origem são uma categoria mais específica, com regras rígidas em relação às uvas utilizadas e ao volume de produção. Além das Indicações Geográficas já reconhecidas - Indicação de Procedência Pinto Bandeira, Denominação de Origem Vale dos Vinhedos, e Indicação de Procedência Altos Montes -, outras quatro estão encaminhadas: a Indicação de Procedência Região de Monte Belo, em processo de análise junto INPI; a Indicação de Procedência Farroupilha, com o projeto a ser depositado no INPI ainda em 2013; a Indicação de Procedência

Campanha, iniciando projeto de desenvolvimento; e a Indicação de Procedência Vale do Submédio São Francisco, com o projeto em elaboração. “Acreditamos que o desenvolvimento dos trabalhos de Denominação de Origem, se bem conduzidos e formatados, são importantes e podem auxiliar na evolução qualitativa das regiões e dar algumas garantias aos consumidores, mas desde que as regras sejam realmente estritas, com fundamento, e que tenham como objetivo melhorar a qualidade, provocando o aprimoramento dos produtores, beneficiando os que se adequarem a essas regras de produção estabelecidas”, pondera Daniel Geisse, da Cave Geisse. 59


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