Revista Pequiá 01

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O Sesc, braço social da Fecomércio – CE, entende que a cultura tem um significado importante, sendo considerada essencial à afirmação da identidade de nosso povo. Apostando no desenvolvimento e no potencial criativo dos escritores cearenses, formados nas matrizes populares e na heterogeneidade cultural nordestina, a Pequiá chega à primeira edição homenageando o poeta caririense Geraldo Urano, reforçando o compromisso da instituição Sesc de incentivar nossas manifestações culturais. Os textos que compõem a revista têm atributos e valores inegáveis, oferecendo exposição de olhares diversos sobre a multiplicidade das coisas. Publicações como esta representam mais do que a divulgação da literatura como manifestação estética. Em uma região que, devido às suas enormes diferenças sociais, ainda possui níveis insuficientes de leitura, principalmente no âmbito literário, a Pequiá difunde a literatura como um instrumento que auxilia o cidadão a pensar de maneira crítica, ampliando sua visão de mundo. Nesse sentido, o trabalho que o Sesc desenvolve atinge as mais diversas comunidades e agrega toda diversidade, multiplicando os leitores e as oportunidades culturais que nosso país oferece. Patrícia Rinaldi

Diretoria de Programação Social (DPS) CONSELHO REGIONAL DO SESC AR/CE PRESIDENTE - Luiz Gastão Bittencourt da Silva DIRETORA REGIONAL - Antônia Regina Pinho da Costa DEPARTAMENTO REGIONAL DIRETORIA REGIONAL (DR) - Antônia Regina Pinho da Costa DIRETORIA DE PROGRAMAÇÃO SOCIAL (DPS) - Patrícia Carnevalli Rinaldi de Paiva DIRETORIA DE ADMINISTRAÇÃO E FINANÇAS (DAF) - Domingos Sávio da Costa Assessoria de Comunicação e Marketing (ASCOM) - Michelle Ribeiro de O. Espíndola Gerência de Cultura (GECULT) - Chagas Sales Nogueira Lima Gerência do Sesc Crato - Francisca Lúcia Bezerra Supervisora de Cultura - George Belisário Bibliotecária - Maria do Socorro Dantas Santana Assistente de Biblioteca - Raflésia Custódia - Talita Rocha Lima Técnicos de Cultura - Suzana Carneiro - Maria Bezerra - Daniel Rodrigues Pequiá mar/abr 2018

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Uma trajetória de poesia, amor, liberdade, astros e esquizofrenia. Ele foi muito além do seu tempo. Conheça história de um dos poetas mais importantes do Cariri. Perfil de Geraldo Urano.

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Poetas da cena contemporânea do Cariri cearense bebem diretamente do tinteiro das canetas “uranianas”. Leia em Caderno de Poesia. Os filhos de Urano.

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“Os cavalos brabos, indomáveis, coiceiam

o vento dentro do curral. Amontoam-se, relincham num tropel medonho”. O escritor pernambucano Raimundo Carrero comemora 30 anos de literatura republicando suas melhores novelas. Confira na Resenha.

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Expediente Repórteres Andressa Figueiredo e Rejane Lima / Ilustrações Iúrio Ferreira / Colaborações (poetas) Cláudia Rejanne Grangeiro Ermano Morais Lívio do Sertão Thai Feitosa Ythallo Rodrigues / Curadoria Márcia Leite e Gustavo Ramos / Revisão Márcia Leite Design gráfico e diagramação Estúdio Caravelas / Professor orientador José Anderson Sandes / Supervisão George Belisário Parceria:

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Prêmio Sesc de Contos

De 12 de março a 30 de abril, estão abertas as inscrições para a sétima edição do Prêmio Sesc de Contos. Realizado pela unidade Crato do Sesc, premiará os 10 melhores textos para publicação de coletânea. O regulamento e formulário de inscrição estão disponíveis no endereço eletrônico: www.sesc-ce.com.br.

Cordelteca Luciano Carneiro

Com o propósito de disponibilizar, para consulta, materiais para pesquisadores, poetas cordelistas e estudantes, está em funcionamento a Cordelteca Luciano Carneiro. Localizada na Biblioteca do Sesc Crato, está aberta ao público no horário das 08h às 19h, de segunda a sexta.

Cem anos on-line

A Universidade do Texas disponibilizou, gratuitamente e on-line, mais de 27 mil documentos do arquivo pessoal do escritor colombiano Gabriel García Márquez. Os manuscritos, fotos, cadernos de textos inéditos e cartas foram adquiridos pelo centro de documentação literária Harry Ransom Center, pouco depois do falecimento do escritor. Acesso pelo link: http://bit.ly/ArquivosGGM

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Geraldo Urano

Escrita de fé e de liberdade

O céu parece não ser o limite quando se tem a alma iluminada. Assim era o poeta caririense Geraldo Urano (1953-2017) que, apesar da breve trajetória de vida e carreira, deixou, através de sua arte, rastros de luz que irradiam até hoje. “Observador, sincero

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e muitas vezes de meias palavras” – como é definido por sua irmã Lídia Batista, Geraldo foi apaixonado pelas palavras. Ainda menino aprendeu a expressar sentimentos, reflexões, críticas e inquietações através da escrita. Na adolescência, integrou coletivos culturais e participou de importantes festivais que movimentaram o cenário musical da região. Autor dos livros Despretensionismo (1975), Vaga-lumes (1984), O Belo e a Fera (1989), Prato de Estrelas (2015) e O Ferrolho do Abismo (2015), teve várias de suas poesias musicadas por amigos e inspirou a juventude de sua época. Mas, este homem iluminado, nunca perdeu sua principal característica: a simplicidade, herdada de suas raízes familiares e resultado de uma infância tranquila e amorosa.

Geraldo José Lima Batista foi o quarto – e único homem – dos seis filhos do casal Maria Erice Lima Batista e Joaquim Batista Palitó. Nasceu e cresceu na cidade do Crato, interior do Ceará, e teve uma infância feliz. Gostava de brincar com os amigos na rua, ver filmes, ouvir músicas e contar histórias fantasiosas. Na escola, foi bom aluno. Por vontade própria, parou de frequentar o colégio no Ensino Médio. Apesar disso, sempre demonstrou forte inclinação para a leitura e habilidade na escrita. Dessa forma, ainda garoto, Geraldo

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Urano – como ficou conhecido – começou a escrever. Descobriu na poesia uma forma de expressar seus sentimentos. Desde os primeiros escritos, já demonstrava talento e gosto pela atividade. Introvertido e reflexivo, sentia apreço pela natureza e gastava horas observando a vida. O gosto pela poesia vem de berço. Sua mãe, que tinha o hábito da leitura, recitava para os filhos poemas e trechos de livros que guardava de memória, como os clássicos “Iracema” e “O Guarani”, de José de Alencar. Suas primeiras influências, certamente, decorrem dessa experiência vivida no seio familiar e das descobertas junto aos amigos. Geraldo nunca decretou que queria ser poeta. Todavia, a poesia parece ter o escolhido por sua simplicidade e poder de contemplação. Geraldo Urano com a família

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Naquele menino quieto, havia um olhar crítico e atento para o mundo, que se revelava de maneira particular, tanto em suas poesias, como em desenhos que gostava de fazer.

Desenho de Urano

Miudezas e magnitudes Numa época em que o cenário artístico mundial ganhava novas nuances ocasionadas pelas transformações sociais e políticas, a juventude despertava para reflexões sobre o mundo e a humanidade, que a conduzia às novas experiências para transcender a dura realidade. Nesse contexto, Geraldo Urano passou a integrar o grupo de arte “Por Exemplo”, que desenvolvia atividades culturais e era responsável pela publicação de uma revista mimeografada. A partir de então, seu repertório de influências e inspirações foi ampliado e ele se tornou mais conhecido no Cariri. Sua obra reflete sobre o cotidiano, o ser humano, a vida, a natureza e a sociedade. Os que o conheceram de perto costumam lembrar que todas as coisas, das miudezas às magnitudes, influenciavam seu universo criativo. Se ele falava em Martin Luther King ou

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da Coca-Cola é porque esses elementos foram inspirações para ele, traziam aspectos de seu pensamento e momento vivido. A família lembra que ele passava horas escrevendo e folhas e mais folhas eram amassadas e jogadas fora. Quando não escrevia a próprio punho, usava sua inseparável máquina de datilografia, que quase não tinha sossego, pois ele se tornava cada vez mais perfeccionista. A vida de Geraldo Urano, entretanto, não ficou marcada apenas por suas poesias. Apreciador da música, ele tinha no rádio um Manuscritos de um dos poemas escritos por Urano em seus cadernos

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Urano durante performance no Festival da Canção do Cariri no início dos anos 1970

fiel companheiro, através do qual se mantinha atualizado dos lançamentos musicais. Crítico e sensível, lamentava-se ao perceber que muitos bons artistas não eram valorizados pela mídia da época. Urano carregava consigo um violão que costumava dedilhar, de brincadeira, pois não era músico e nunca tocou instrumentos musicais profissionalmente. Todavia, teve a oportunidade de ver vários de seus poemas musicados por amigos e artistas locais, como Luiz Carlos Salatiel, Abidoral e Pachelly Jamacaru, Cleivan Paiva, Calazans Callou, Paulinho Chagas, dentre outros. Desses encontros e relações, surgiram ideias mais ousadas. Em 1971, movido por sua alma revolucionária, Geraldo tornou-se um dos idealizadores do Festival Canção do Cariri, onde eram realizadas apresentações musicais que contestavam a repressão política e social que o país vivenciava, provocada pelo Golpe Militar de 1964.

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Geraldo Urano com os amigos e músicos Luiz Carlos Salatiel e Pachelly Jamacaru

Com sua personalidade forte, Geraldo não se dobrava aos padrões sociais e mostrava-se, de corpo e alma, um artista inovador. Tinha cada vez mais sede de experimentar a liberdade e descobrir coisas novas. Dessa forma, a relação com os pais nem sempre foi passiva. Suas ideias e atitudes excêntricas ocasionaram alguns desconfortos familiares. Mas, na medida em que foi conhecendo melhor seus escritos e ideais, a família passou a admirá-lo e reconhecê-lo como o grande poeta que era. Geraldo viajou pouco. Mas, apesar de ter passado a maior parte de seus anos no Crato, falava do mundo como poucos, com a destreza e encantamento de um viajante. Até que, em meados da década de 70, decidiu vivenciar uma experiência hippie. Foi para Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais e outras várias cidades. Passou quase um ano no mundo e voltou ao Cariri com uma carga emotiva ainda maior.

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Nessa época, a espiritualidade ganhou novos e mais intensos significados em sua vida. Geraldo tinha apreço pela Astrologia e pelos mistérios dos corpos celestes. Não por acaso, a palavra “Urano” foi adicionada ao seu nome. Curiosamente, ele nunca deixou de ler a Bíblia que, para ele, representava a presença de um Deus, pelo qual tinha respeito e devoção. Vindo de uma família fervorosamente católica, Geraldo, desde criança, era cristão e tinha uma proximidade com o divino. Entretanto, ao longo da vida, interessou-se pelos diversos credos, identificou-se com a meditação e buscou estabelecer relações mais harmônicas com o universo, com a natureza e consigo mesmo. Geraldo Urano (sentado ao centro) com os amigos do grupo Cacto

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Dor na alma Este ser radiante, que deixava escapar por entre as linhas que escrevia sua emoção, dor ou alegria, mal sabia que sua alma inquietante trilharia um caminho tortuoso. Nos anos 80, Geraldo Urano foi, gradualmente, manifestando os sintomas de uma doença psíquica que atinge 1% da população mundial, a esquizofrenia. Foi um período doloroso e conflitante que afetou toda a família. No início, ele teve dificuldades de lidar com a doença. Escrevia cada vez menos. Sua relação com a poesia oscilava entre amor e ódio. Com o tempo, os sintomas foram se agravando. Ele desenvolveu problemas de pele e instabilidades emocionais – como a diminuição de sua interação social, delírios, pensamentos confusos e manias de perseguição. Muitas vezes não queria receber O poeta em um momento de descontração com seu sobrinho João

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visitas, isolando-se, dos amigos e até da família. Seu tratamento foi longo e difícil. Ele foi internado algumas vezes, mas detestava hospitais. Em momentos de crise, resistia ao tratamento e se recusava a tomar os medicamentos. A dor em sua alma era visível. Aos poucos, a doença foi sufocando sua mente, paralisando sua habilidade de se expressar pela escrita e, até mesmo, verbalmente. Mas, o artista ainda estava lá, pelo olhar, pelos gestos e por sua fé, que se manteve inabalável. Mesmo com as manifestações mais agudas da esquizofrenia, ele gostava de manter a Bíblia perto, realizando leituras e fazendo orações com os Salmos. A família acredita que sua fé lhe deu forças para continuar. No último dia de vida, em 05 de fevereiro de 2017, estava sentado em sua cadeira habitual, fumando, visivelmente debilitado. Ao vê-lo dessa forma, sua irmã, Lídia, o chamou para ir ao hospital. Mas ele, enfaticamente, estendeulhe a mão e disse: “Eu não gosto de hospital. Vá para sua casa!”. Ainda assim, depois de muita insistência, foi. No hospital, suas últimas palavras foram para pedir uma cola-cola. Os muitos ‘Uranos’ Geraldo Urano – que também foi Batista, Palitó, Mercúrio, Efé, Júpiter e Eduardo – era fascinado pelos astros e tornava-se, agora,

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uma estrela. Sua breve passagem pela terra deixou boas lembranças e ensinamentos para os que conheceram sua história e desfrutaram de sua presença. Atualmente, é definido por seus contemporâneos como um dos melhores, senão o melhor, poeta que o Crato já teve. Por escolha pessoal e conflitos interiores, Geraldo não teve uma carreira profissional ou vínculos empregatícios, porém, se entregou completamente às coisas que amou e acreditou.

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A maior divulgação de seu trabalho se deu através dos amigos, que musicaram seus poemas e os difundiram pelo mundo. A família, todavia, acredita que se ele não tivesse adoecido, teria se empenhado para propagar sua arte. A doença foi, sem dúvidas, sua maior luta, pois o impediu de alçar voos mais altos. A família mantém intacta a casa onde Geraldo morou em seus últimos anos, junto às irmãs Cláudia e Fátima, no bairro Grangeiro, em Crato. Geraldo nunca casou ou teve filhos, mas desenvolveu um carinho enorme pelo sobrinho João Batista, para quem deixou lições, influências artísticas e alguns de seus cadernos de poesia. Tamanho é o laço entre eles que, neste semestre, João irá lançar o CD intitulado “Inspirado em Você”, onde musicou quatro dos poemas de Geraldo. Depois de tanto tempo, sua poesia ainda repercute. Em 2013, o Estúdio Caravelas, em parceria com o Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB), realizou a exposição “Estação Urano – Uma noite em Craterdam”, dentro da programação do Rock Cordel. Mais recentemente, em fevereiro de 2018, durante o VI Festival de Música Cordas Ágio, Luiz Carlos Salatiel celebrou sua parceria com Geraldo Urano através do show Caleidoscópio 70.

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Os filhos de Urano Geraldo pariu poemas e outros poetas nasceram desse parto. Sua escrita libertária, liberta, contracultural, grito de partida, cortante e entrecortada, universal, não poderia passar despercebida. Poetas da cena contemporânea do Cariri cearense trazem versos em sua homenagem e outros escrevem bebendo diretamente do tinteiro das canetas uranianas. Se o quintal Cariri era o mundo de Geraldo, seus filhos hoje brincam e correm soltos nesse quintal. Nas palavras de Rosemberg Cariry, “a poética de Geraldo Urano criou asas, rompeu cercas, ganhou o mundo, ensaiou o seu projeto de universalidade”. Nesse caminho, os autores e autoras aqui selecionados são um pequeno apanhado daqueles que receberam de braços abertos a influência do corpo literário de Urano. São eles: Cláudia Rejanne Grangeiro, Ermano Morais, Lívio do Sertão, Thai Feitosa e Ythallo Rodrigues. Vamos aos poemas.

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Ermano Morais (Para Geraldo Urano) Quem tem por estandarte um candeeiro sem gรกs tropeรงa desvairado ao sinal de um vaga-lume.

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Ythallo Rodrigues trovas da anti-saudade

i o canto é facetado pisado jogado ao vento posto às vezes calado mormente estado - rebento. ii cantigas tão ancestrais caiadas de muito gozo sílaba da quadra atrás em sexo quase amoroso. iii nos navios deste tempo perdido tal passaporte não dá à vida lamento nem homens de punho forte. iv tudo - beira de saudade tudo - sonho multiuso versos de felicidade logo entram em desuso.

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Thai Feitosa ,de me apaixonar?! ,gosto, ,,de me envolver?! ,gosto,, ,,,de me encantar?! , é o que mais gosto,,, gosto tanto, que não preciso nem que me dê margem,,,. depressa pego lápis, régua,, borracha,, e,,,, margem pronta, pauta formatada, armo estrutura bonitinha,

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milimetricamente organizada, no meio, dislexia toma fôlego,,,, passo margem, salto linha, engulo vírgula pra soltar de três, quatro, sem palavras pelo meio, e eu, ali,,,, submersa no entrelinhas,,,, volto a margem quando quero, sou senhora do que invento (às vezes dá certo, noutras me afogo°°°°°°°°°°) * . certo de me confundir, me certifica louca, e eu, olhar atônito, mão geladamente trêmula, lhe respondo que deixei a vida de cartomante enquanto expulso a última borboleta do estômago... Naquela época falávamos sobre quase tudo, procedimento médico, realismo francês,,, e quem era mesmo a personagem emblemática??? Já nem sei, mas... sobre as borboletas?! Saíram todas, ficaram larvas, seguem lagartas,,, chegará o tempo de pestanejar novamente, e juro que não vou falar sobre musiquinha dedilhada entre balões e bondes... coisas de radiola quebrada,,, por aqui sigo meus movimentos de cigarra calada, caixinha de música clandestina, contêiner de fortaleza abafada, escrito por fora ,CUIDADO FRÁGIL,

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Lívio do Sertão Mesmo em overdose ainda te beberei dose após dose. * cubos de mortandela giz dose budega sal sinuca bituca banheiro que é mato careta taco tacada cagada caçapa não necessariamente nessa ordem mas de uma só lapada que é pro fígado o bolso a lembrança o expedito a infância a rua o daniel o apostador a vaca a saudade o cachorro que late a embriaguez a partida /re/mexidos de uma só vez e outra vez e outra e depois mais nada enfim perceberem ... tudo passa se acaba e aí meu chapa nem o mel nem a cabaça

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Claudia Rejanne Na chapada intergaláctica desse plano Netuno conversava com Oxum A Mãe d’água batizou Geraldo Urano Numa pedra Cariri cor de urucum E o Mestre Patativa, lá de cima Fez no vale “um grande diluve de rima” Com as águas de Pessoa e de Alencar Como num caleidoscópio, um videoclipe Já pensou se da Chapada do Araripe Ainda desse para a gente ver o mar? * Uraniversalidades índia cor de romã pretinha muiraquitã pretinha muiraquitã em nave interestelares na Estação Craterdam

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O jornalista e escritor Raimundo Carrero

Remexendo com desassombro por Henrique Rodrigues Na comemoração dos 30 anos de atividade literária do premiado Raimundo Carrero, foram produzidos o documentário “O caçador de assombrações”, e uma fotobiografia, com entrevista, ensaio e fortuna crítica, a ser lançada neste ano. Dentro desse projeto, a Iluminuras está relançando, num único volume, os três primeiros livros do autor de “Somos pedras que se consomem”. A reunião é composta por “A história de Bernarda Soledade”, “As sementes do sol” e “As duas faces do baralho”. A primeira novela trata da luta de Bernarda Soledade para administrar a fazenda da

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família, ao lado da mãe e da irmã caçula. Escrita aos 23 anos, foi definida por Ariano Suassuna como segunda representação literária do Movimento Armorial – tendo a primeira sido o seu clássico “Romance d’A Pedra do Reino”, reeditado recentemente pela José Olympio – , devido ao caráter intimamente ligado às origens do romanceiro popular nordestino, em que uma pulsão medieval e de rústica nobreza se ergue perante um ambiente marcado por diferentes níveis de conflito. No caso da protagonista, a luta para manter as terras de Puchinãnã é cercada pela necessidade de proteção diante da ameaça masculina, marcada pela inexpressiva atuação de seu pai e pela presença insidiosa e ao mesmo tempo sedutora do tio Anrique – forma ancestral de “Henrique”, num cuidado da aplicação de nomenclatura em prol do ambiente medieval. Essa ameaça, por vezes, vacila perante o desejo, e torna a sublinhar um emblema da força das personagens. Tais características do Movimento Armorial, explicitadas em cenas de impacto imagético, como as batalhas pelo domínio das terras e as referências de uma heráldica nordestina, permitem que a narrativa seja carregada de descrições. Logo no início, o ambiente conflituoso é apresentado: “Os cavalos brabos, indomáveis, coiceiam o vento dentro do curral. Amontoam-se, relincham num tropel medonho. (…) Tão valente e brabo, igual aos animais, é o vento que sopra agora açoitando a mata, assustando os fantasmas”. Fosse em outro tipo de narrativa, o excesso de descrições ao

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Capa do novo livro de Raimundo Carrero

longo da história soaria anacrônico, porém aqui é parte de uma necessidade visual intrínseca à narrativa proposta, fazendo da novela um dos principais textos dentro da obra de Carrero. Já “As sementes do sol” conduz o leitor para a reordenação – ou desordenação, pois que trata, como a novela anterior, da angústia inevitável – da família de Davino após a morte de sua mulher. De forma análoga à posição antagônica de Anrique na primeira história, aqui é o irmão do protagonista que exerce a função de provocador na trama, exercendo influência sarcástica, quase mefistofélica junto aos sobrinhos. O recurso de alternar avanços e flashbacks na história já indica maior esmero de construção do texto, engrandecendo as relações entre os personagens. A última novela, “A dupla face do baralho”, é a única das três narrada em primeira pessoa, o que contribui para o caráter verossímil das confissões do velho policial Félix Gurgel. As lembranças da vida cercada por tipos marginais, como bêbados, prostitutas e ladrões, leva o personagem a uma espera amargurada do próprio fim: “Ultimamente, em todos os fins de tarde, (…) sento-me na cadeira de balanço aqui da calçada da minha casa, esperando a morte. Desde criança imaginei-me morrendo num fim de tarde”. Embora as três novelas ainda não apresentem os avanços formais conquistados na

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maturidade, como em “Ao redor do escorpião… Uma tarântula?”, já se percebem as linhas temáticas preferenciais da narrativa de Raimundo Carrero: a angústia das relações humanas, a solidão e um sentido agônico que permeia tudo e todos. Uma vez que se passam no agreste, soma-se ainda uma ambientação mítica que resvala, em alguns momentos, no realismo mágico. Nota-se também o apuro no desenho equilibrado de cada personagem, o qual é, conforme Carrero apontou no seu guia “Os segredos da ficção”, o elemento principal de toda narrativa. Desse modo, “O delicado abismo da loucura” apresenta novelas que asseguram a qualidade do autor pernambucano, conforme assinala o crítico José Castello, ao afirmar que “não é comum que um escritor inicie seu percurso literário remexendo com tanto desassombro, em universos arcaicos e dúvidas primordiais”.

Henrique Rodrigues doutor em Literatura pela PUC-RJ. Trabalha no Sesc Nacional, como assessor técnico em literatura, coordenando projeto de incentivo à leitura e circulação de manifestações literárias. Poeta, cronista, contista, organizador de antologias e autor de diversos livros infantis e adultos: “Alho por alho, dente por dente” (com André Moura; infantil, “Memória Visual”, 2012), do romance “O próximo da fila” (Record, 2015 – publicado na França em 2018, “Au suivant”, Anacaona Editions), “Palavras pequenas” (Bazar do Tempo, 2016), “O pé de meia e o guarda-chuva” (Malê, 2017).

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Livro: Antes que Seque Autor: Marta Barcellos Editora: Record Ano: 2015 “Antes que seque” foi a obra vencedora do Prêmio SESC de Literatura 2015 na categoria contos. O livro é composto por 22 contos. A autora optou por uma escrita de fácil entendimento para os seus leitores, tornando-se simples visualizar os personagens e os cenários criados por ela. Livro: O Fio das Missangas Autor: Mia Couto Editora: Cia. das Letras Ano: 2009 “O fio das missangas” reúne 29 contos onde o prosador e o poeta Mia Couto caminham lado a lado. Desse modo, cada história narrada traz consigo uma singularidade do autor. As histórias são breves, mas adentram o universo feminino de forma impactante, dando voz e tessitura a almas condenadas à não existência e ao esquecimento. Livro: A Viagem do Elefante Autor: José Saramago Editora: Cia. das Letras Ano: 2008 “A viagem do elefante” é uma ideia que Saramago elaborava desde que, numa viagem a Salzburgo, na Áustria, entrou por acaso num restaurante chamado “O Elefante”. A narrativa se baseia na viagem de um elefante chamado Salomão, que, no século XVI, cruzou metade da Europa, de Lisboa a Viena, por extravagâncias de um rei e um arquiduque.

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O projeto Arte da Palavra – Rede Sesc de Leituras é um circuito atuante em todas as regiões do país que estimula a divulgação de autores nas suas diferentes formas de manifestações. Durante o ano de 2018, mais de 70 representantes da diversidade literária brasileira percorrerão todos os estados do país. A fim de promover o intercâmbio de artistas e a formação de leitores, o projeto tem como objetivo oferecer ações que atuem em toda a cadeia da literatura, incluindo a formação e a divulgação de novos autores, a valorização das novas formas de produção e fruição literária, possibilitadas pela emergência de discursos periféricos e a utilização de novas tecnologias. Dentre os participantes de 2018, nomes como Daniel Galera, Stella Maris Resende, Cidinha da Silva, André de Leones e Bruna Beber circularão pelo o país. Entre março e dezembro, serão realizados mais de 700 encontros, apresentações e oficinas.

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