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As várias escolas da poesia

– Ele era jornalista – continuou Tédio. – Diz que abandonou a profissão pra ficar mais perto dos livros, que adora. Mas não é verdade. Foi expulso pela Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas. Em dois anos de profissão, sofreu dez processos por calúnia e difamação. – Tanto assim? – O bicho é fofoqueiro que dói! Passa o dia falando mal dos seus clientes. Sabe quem odeia quem. Assim, leva uma fofoca e traz outra de volta. Quando chega um cliente que não odeia ninguém nem é muito odiado, ele inventa uma fofoca na hora.

Como podia aquele garoto falar tão mal de um homem que o havia abraçado com tanto entusiasmo? Meio contrariada, comentei: – Ele não é uma pessoa rancorosa. Abraçou você, apesar de tudo. – Eu não roubava! – reagiu ele. – Por engano, posso ter levado um ou outro livro sem pagar. Ele, sim, é gatuno. Rouba todo tipo de cliente, fofoqueiro ou não.

om uma agilidade surpreendente, o livreiro deu um pulo para cima do balcão e dali, de pé, com a cabeça quase roçando o teto, gritou: – Declaro inaugurada a Esquina das Palavras, a melhor livraria da cidade! – O livreiro tá muito feliz – comentei. – Quer é começar a vender logo – disse Tédio. – É louco por dinheiro.

A partir daquele momento, começaram a surgir garçons com bandejas de salgadinhos e bebidas. Pareciam brotar das estantes, mas a verdade é que saíam de uma sala nos fundos da livraria. Mal davam alguns passos no salão, eram assaltados pelos clientes. As bandejas eram esvaziadas num instante. – Esse povo parece morto de fome – comentei. – Alguns estão mesmo – concordou Tédio. – Tem gente aí que parou de comer desde quando saiu a notícia da inauguração da livraria. Querem se vingar do Laurentino.

Depois de descer do balcão, o livreiro se dirigiu a um canto do salão onde estava armado um pequeno palco. Lá, pegou o microfone e anunciou: – E agora vai começar a declamação de poemas. Com vocês, o poeta Arno Aldo Arnaldo.

Um homem pálido, dono de uma grande barriga e de uma barba negra que lhe ocupava metade do peito, subiu ao tablado e agarrou o microfone. Eu o conhecia, mas por outro nome: Aldrovando. Era professor de Geografia na nossa escola. Considerado muito inteligente, gostava demais de usar palavras estranhas, incomuns, durante suas aulas.

Professor Aldrovando, quero dizer, o poeta Arno Aldo Arnaldo encheu o peito de ar e declamou:

Pobre pedra Medra podre Sobre pobre catre preto enquanto álacre abutre atroa uma trova e trava o breu.

Quando Laurentino, vindo do estrado, passava por nós, Tédio o puxou pelo braço e quis saber: – Desde quando o senhor gosta de poesia? – Desde nunca. Odeio. – Então, por que armou o palco pros poetas? – Simples. A declamação vai ser tão chata que logo espantará os malandros... – Quem é malandro pro senhor? – perguntei.

Cara fechada, Laurentino me encarou por um momento antes de responder: – Malandro é quem veio só pelos salgadinhos e bebidas. E tu, o que fazes aqui?

Apontei para o meu colega e disse: – Somos do jornal do Colégio Brasil. Viemos fazer uma reportagem sobre a inauguração.

Laurentino abriu um enorme sorriso que lhe apequenou ainda mais os olhos e arreganhou-lhe as gengivas: – Bah, que maravilha! Oh, eu amo os jornalistas jovens, porque ainda não aprenderam a mentir. – A diretora nos obrigou a vir – eu disse, para que ele soubesse que não estávamos ali por livre e espontânea vontade.

Tédio ergueu o braço e apontou para o palco, onde um segundo poeta se acomodava diante do microfone, e perguntou ao livreiro: – A declamação vai demorar? – Muito. Hoje se exibirão aqui poetas de várias escolas... – O professor Aldrovando tá representando a nossa escola? – perguntei. – Não, minha tolinha – disse o livreiro, rindo. – Refiro-me às escolas poéticas. Temos aqui poetas da escola romântica, que só declamam sobre o amor. Já os poetas revolucionários só falam de guerras e de fuzilamentos... – E o professor Aldrovando a que escola pertence? – indaguei.

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