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Cochonilha-da-raiz-do-cafeeiro
Sugadora de seiva
Com poder para reduzir a produtividade em até 14 sacos de café beneficiado/ha de quaro mil plantas, cochonilhas nas raízes são um desafio que precisa ser enfrentado de modo racional e equilibrado. O uso de inseticidas neonicotinoides desponta como principal estratégia de controle
Diversas espécies de cochonilhas podem atacar as raízes dos cafeeiros, mas só a Dysmicoccus texensis (Tinsley, 1900) (Hemiptera: Pseudococcidae) recebe o nome comum de cochonilha-da-raiz-do-cafeeiro. Pertence ao chamado grupo das cochonilhas-farinhentas, já foi relatada anteriormente na literatura como sendo Planococcus cryptus (Hempel, 1918), Dysmicoccus cryptus (Hempel, 1918) e Dysmicoccus bispinosus Beardsley, 1965. É um inseto sugador de seiva e que vive em colônias nas raízes do cafeeiro arábica (Coffea arabica L.),
embora ocorra também em altas infestações nas raízes do cafeeiro Robusta (Coffea canephora Pierre ex A. Froehner). Em cafeeiro Conillon (C. canephora), no estado do Espírito Santo, também podem ocorrem duas espécies de cochonilhas atacando as raízes, uma delas ainda sem determinação específica, a Dysmicoccus sp. (semelhante a D. texensis), e a outra é a Planococcus minor (Maskell, 1897) (Pseudococcidae), conhecida também como cochonilha-das-rosetas, por atacar também as rosetas nos ramos dos cafeeiros.
Outras cochonilhas-farinhentas podem ser encontradas nas raízes dos cafeeiros, como a Geococcus coffeae Green, 1933; a Nipaecoccus coffeae (Hempel, 1919); a Pseudococcus cryptus Hempel, 1918; a Rhizococcus coffeae Laing, 1924 e a Dysmicoccus brevipes (Cockerell, 1893) (Pseudococcidae), porém nenhuma delas ainda foi considerada praga de importância econômica para a cultura, assim como é a cochonilha-das-raízes D. texensis.
ASPECTOS BIOECOLÓGICOS A colônia da cochonilha-da-raiz do cafeeiro, D. texensis, é formada por ninfas e fêmeas adultas revestidas por uma camada de secreção cerosa branca que lhes confere o aspecto de terem sido envolvidas em farinha, daí a denominação também de cochonilha-farinhenta. Apresentam o tegumento mole, com formato oval, possuindo a cabeça e o tórax fundidos. Medem aproximadamente 3mm de comprimento e apresentam 34 apêndices laterais simples, sendo 17 de cada lado do corpo, e dois posteriores mais longos (Figura 1). As ninfas têm o mesmo aspecto das fêmeas adultas, porém são menores, já os machos são alados e dificilmente são vistos. Essa espécie de cochonilha apresenta reprodução partenogenética. O ciclo de ovo a adulto dessa cochonilha é de aproximadamente 100 dias, ocorrendo gerações sobrepostas, ou seja, em uma mesma colônia podem existir ninfas e fêmeas adultas. Apresenta um grande potencial de reprodução, e em um ano podem ocorrer até cinco gerações.
Nas raízes, as ninfas e fêmeas adultas sugam continuamente a seiva no xilema e floema por meio do seu aparelho bucal tipo sugador labial tetraqueta (quatro estiletes: duas mandíbulas e duas maxilas), e o excesso sugado, um líquido açucarado, é eliminado pelo ânus em forma de gotículas (fezes líquidas). Esse líquido adocicado, conhecido por honeydew, atrai formigas doceiras que vivem em simbiose com as cochonilhas, dando-lhes proteção e transportando-as para outros cafeeiros, e em troca se alimentam do líquido adocicado. Essas formigas são consideradas como o principal meio para a dispersão da cochonilha entre as plantas. Uma dessas formigas doceiras é a conhecida lava-pés, do gênero Solenopsis (Hymenoptera: Formicidae). Os ninhos dessa formiga, em lavouras muito infestadas, podem ser observados ao lado e acima do colo dos cafeeiros, em uma altura de até 20cm, envolvendo a base do caule.
DANOS DA COCHONILHA-DA-RAIZ Sob condições favoráveis ao desenvolvimento do inseto e havendo déficit hídrico no solo, as cochonilhas do gênero Dysmicoccus podem causar danos à produção da ordem de 14 sacos de café beneficiado/ha de quatro mil plantas.
Os danos e prejuízos causados pela cochonilha-da-raiz se devem ao fato do inseto se alimentar da seiva, ato que enfraquece a planta, podendo até ocasionar a morte de cafeeiros. A infestação pela cochonilha-da-raiz, D. texensis, inicialmente pode ser constatada na raiz principal do cafeeiro, logo abaixo do colo da planta (Figura 1). Nessa fase, ainda não causa danos irreversíveis, tampouco a planta manifesta sintomas na parte aérea. Com o passar do tempo e com o ataque já consolidado na lavoura, em alta população de espécimes na colônia, o excesso de líquido açucarado, honeydew, excretado pelas cochonilhas escorre pelas raízes, propiciando substrato para o desenvolvimento de um fungo do gênero Bornetina. Esse fungo de revestimento vai envolvendo as raízes
Figura 1 - Cochonilha-da-raiz, Dysmicoccus texensis, no colo da planta do cafeeiro e ainda sem a formação da cripta
Paulo Rebelles Reis Paulo Rebelles Reis
Figura 2 - Raiz de cafeeiro Arábica exibindo criptas em função do ataque da cochonilha-da-raiz
Figura 3 - Detalhes de criptas abertas mostrando as cochonilhas no interior
Fotos Carlos Becker
Figura 4 - Detalhe da aplicação drench com aplicador costal manual (esquerda) e tratorizado em linha contínua no colo das plantas (direita)
com o seu micélio, em um envoltório coriáceo a princípio amarelado e depois pardo-escuro. O envoltório forma uma cripta ou pipoca sobre a colônia. A sucessão de criptas ou pipocas se apresenta com aspecto de nodosidades nas raízes, sintoma também chamado popularmente de “mandioquinha”, pelo aspecto que as raízes adquirem.
As nodosidades ou criptas alojam o inseto em seu interior (Figura 2). Assim, dentro das nodosidades podem ser observadas as ninfas e as fêmeas adultas da cochonilha. Quando o ataque é intenso, a capa torna-se mais espessa e, por meio do rompimento do envoltório, verifica-se que em seu interior a coloração é amarelada ou esbranquiçada (Figura 3).
Outra cochonilha, conhecida como cochonilha-pulverulenta- -do-abacaxi, D. brevipes, também pode ser encontrada nas raízes de cafeeiros, e ao sugar a seiva pode enfraquecer as plantas. Porém, seu ataque não resulta na formação de criptas ou pipocas. Não é considerada, até agora, uma praga de importância econômica para o cafeeiro. Existem locais, como muitas regiões cafeeiras do estado de São Paulo e de Minas Gerais, e também em algumas dos estados da Bahia, do Espírito Santo e do Paraná, onde a cochonilha-da-raiz D. texensis
ocorre endemicamente e causa prejuízos. Nesses locais, o ataque, logo abaixo do colo da planta, deve ser constatado no início da infestação, sem que ainda nenhum prejuízo tenha sido causado, ocasião em que devem ser tomadas medidas de controle, sendo o químico o mais utilizado e eficaz para reduzir as populações dessa praga.
A cochonilha-da-raiz pode ocorrer em lavouras novas, ainda em formação, e também em lavouras adultas. Cafeeiros adultos suportam mais o ataque, são mais resistentes, e a cochonilha não causa prejuízos aparentes, pois seu sistema radicular não é destruído pelo ataque do inseto. Porém, ali pode sobreviver até encontrar cafeeiros novos para atacar.
A infestação da cochonilha-da- -raiz em cafeeiros adultos limita-se à região abaixo do colo, infestação que pode se expandir para lavouras novas, adjacentes, em plantios convencionais ou em plantios “com dobra”, ou seja, plantio de uma nova linha de cafeeiros no meio de duas linhas de cafeeiros adultos. Nos plantios “com dobra”, a infestação é muito mais fácil de ocorrer, sendo explicada pela possível presença do inseto nos cafeeiros adultos da lavoura a ser “dobrada” e sua posterior dispersão pelas formigas doceiras para os cafeeiros novos. Ainda, sem a adoção de um controle químico eficiente, essa cochonilha é um grande problema nessa modalidade de plantio, e em substituição de lavouras.
Não são conhecidos relatos de lavouras atacadas a partir de mudas de café vindas já infestadas do viveiro.
Apesar de que a cochonilha-da-raiz também possa ser observada nas raízes de algumas espécies de plantas daninhas que crescem espontaneamente nas entre linhas dos cafeeiros, não são consideradas como hospedeiras preferidas da cochonilha.
CONTROLE DA COCHONILHA-DA-RAIZ Diferentemente das cochonilhas- -farinhentas da parte aérea, ou das rosetas, não se conhece outra forma de controle para a cochonilha-da-raiz que não seja o químico, embora nematoides entomopatogênicos (NEPs) do gênero Heterorhabditis (Rhabditida: Heterorhabditidae) sejam considerados promissores para uso no controle biológico.
CONTROLE QUÍMICO O controle químico da cochonilha-da-raiz, pelo menos até o ano de 2000, era realizado por meio da aplicação via solo de inseticidas fosforados ou carbamatos sistêmicos, nas formulações granuladas ou líquidas, durante o período chuvoso do ano, resultando em controle apenas parcial, com posterior reinfestação da praga. Apesar
Tabela 1 - Doses de imidacloprid 700WG ou thiamethoxam 250WG, recomendadas para o controle da cochonilha-da-raiz do cafeeiro em aplicação via drench, de acordo com a idade da lavoura. Piraju, SP
Idade da lavoura (anos) < 1 1 a 2 2 a 3 > 3 g/cafeeiro (A) 0,080 0,080 - 0,13 0,13 - 0,18 0,23 g/ha (B) (1) 280 280 - 455 455 - 630 805 Dose em gramas (g) Volume de calda em mL por cafeeiro (2) 40 40 60 80
(1) B = A x 3.500 plantas/ha (estande tomado como exemplo). (2) Aplicar o volume recomendado em dois lados do colo da planta, metade de cada lado. Fonte: Souza e Ribeiro, 2003
Reis e Souza abordam desafios e alternativas no manejo da cochonilha-da-raiz
da aplicação sistemática desses inseticidas nas lavouras de café, onde a cochonilha-da-raiz ocorria endemicamente, o problema persistia trazendo uma grande preocupação aos cafeicultores, que buscavam eliminá-la de suas lavouras.
A partir de 2001, com a alta eficiência apresentada pelos inseticidas neonicotinoides na formulação de grãos dispersíveis em água (WG), como o imidacloprid e thiamethoxam, inseticidas sistêmicos e de baixa toxicidade, o controle da cochonilha-da-raiz mudou por completo, agora com 100% de eficiência, independentemente do grau de ataque do inseto na lavoura.
Em novos plantios, inclusive no sistema de “dobra”, recomenda-se, a partir de três meses de idade das plantas no campo, o monitoramento periódico da cochonilha, buscando constatar sua presença na raiz principal dos cafeeiros, logo abaixo do colo das plantas. Constatada a praga, dá-se início ao seu controle químico. Uma vez aplicado, em esguicho (drench) ou em linha contínua no colo das plantas (Figura 4), o inseticida será absorvido pelo floema e levado pela seiva elaborada a todas as raízes, matando as ninfas e os adultos da cochonilha que ingerirem a seiva tóxica. No sistema de plantio “dobrado”, é dispensável a aplicação na linha dos cafeeiros adultos, porém eles servirão de foco da cochonilha para as plantas novas.
Em lavouras de café em formação, com um a quatro anos de idade, onde o ataque da cochonilha passou despercebido pelo cafeicultor e já apresenta plantas em definhamento, inclusive com algumas já mortas pela infestação do inseto, o controle químico ainda é totalmente viável e eficiente. Nessas lavouras, recomenda-se fazer um levantamento da ocorrência da cochonilha, que geralmente se dá em reboleiras, e aplicar o inseticida nas plantas infestadas e também naquelas próximas, ao redor das atacadas. O ideal será aplicar o inseticida em todas as plantas do talhão.
Quanto às doses dos inseticidas neonicotinoides para o controle da cochonilha-da-raiz, podem ser reduzidas em relação àquelas comumente utilizadas pelos cafeicultores para outras pragas, como bicho-mineiro e cigarras (Tabela 1).
Comparativamente aos insetos mastigadores, como o bicho-mineiro, e na mesma modalidade de aplicação, os insetos sugadores, como as cochonilhas, por sugarem e ingerirem diretamente a seiva contendo o inseticida aplicado, requerem menores doses para se intoxicar e morrer.
Quanto à época de controle, com o uso de inseticidas neonicotinoides, pode-se afirmar que se estende de novembro a abril, baseando-se na alta eficiência apresentada pelos inseticidas nos experimentos realizados nesse período. De modo geral, o controle químico da cochonilha-da-raiz, na aplicação em drench no colo dos cafeeiros, deve ser feito no período chuvoso da região. O importante é controlar a cochonilha desde o início da infestação, em plantas com um ano ou menos, para prevenir a morte de plantas e a necessidade de posterior replantio, evitando deixar a lavoura com falhas.
Finalmente, não há necessidade de controlar as formigas doceiras que vivem em simbiose com as cochonilhas, já que com a morte das cochonilhas nas raízes dos cafeeiros não haverá mais a excreção de honeydew e as formigas desaparecerão naturalmente.
CONTROLE BIOLÓGICO Resultados de pesquisa indicam que o nematoide entomopatogênico do gênero Heterorhabditis, isolado JPM3 do Banco de Entomopatógenos do Laboratório de Patologia de Insetos da Ufla, aplicado em suspensão aquosa no solo, teve uma eficiência similar ao do inseticida neonicotinoide usado como padrão de controle, indicando-o como um agente de controle biológico promissor no controle da cochonilha-da-raiz-do-cafeeiro. Já é conhecido que os nematoides entomopatogênicos (NEPs) podem se movimentar no solo, reproduzir-se por partenogênese e são inócuos às plantas e a outros animais, inclusive ao homem, além de apresentarem maior resistência a produtos fitossanitários que outros entomopatógenos, possibilitando sua utilização em programas de Manejo Integrado de Pragas (MIP). C
Paulo Rebelles Reis e Júlio César de Souza, Epamig Sul