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Ferrugem-asiática na safrinha
Desafio agravado
Maior potencial de inóculo na área por conta de doença remanescente da safra e curva de progresso mais acentuada estão entre os fatores que ajudam a explicar o aumento da ameaça da ferrugemasiática na safrinha. A maior dificuldade de controle da enfermidade deve ser contornada com medidas integradas que ajudem a potencializar o manejo e proteger os ingredientes ativos de novas evoluções de resistência
Figura 1 - Escala diagramática para a avaliação de severidade da ferrugem- -asiática da soja (Godoy et al, 2006)
Figura 2 - Severidade (%) de ferrugem-asiática da soja em seis avaliações na Testemunha do experimento conduzido na safra 2018/19 (semeadura em 21/11/2018) e na safrinha 2019 (semeadura em 2/2/2019). Maracaju, MS, 2019
Aferrugem-asiática da soja, causada pelo fungo Phakopsora pachyrhizi Syd. & P. Syd., é uma das doenças mais severas que incide na cultura da soja, com danos variando de 10% a 90% nas diversas regiões geográficas onde foi relatada (Sinclair e Hartman, 1999; Yorinori et al, 2005). As primeiras epidemias severas de ferrugem- -asiática na América do Sul foram relatadas no Paraguai, na safra 2000/01, e no Brasil, na safra 2001/02, nas regiões Sul do estado de Goiás, no Mato Grosso, Norte do Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul. (Yorinori et al, 2005). As condições climáticas exercem fundamental importância nas epidemias da doença. O molhamento foliar contínuo, promovido por orvalho ou pela chuva, sob condições ótimas de temperatura (18°C - 26,5°C) favorece o rápido desenvolvimento da doença (Melching et al, 1989; Alves et al, 2006), sendo a precipitação o fator mais importante no progresso da doença nas condições de campo (Tschanz, 1984; Del Ponte et al, 2006). Diante da grande importância do patógeno em todas as regiões sojícolas do Brasil, é fundamental conhecer as principais ferramentas de controle da doença.
Na safra 2018/19 e na safrinha 2019 foram conduzidos trabalhos similares com o objetivo de elucidar o desenvolvimento da ferrugem-asiática nas plantas de soja, bem como o nível de controle conferido por diferentes fungicidas sítio-específicos nas duas situações. O experimento foi conduzido na Estação Experimental da Fundação MS, em Maracaju, Mato Grosso do Sul, com delineamento em blocos casualizados, com 24 tratamentos e cinco repetições. Cada parcela foi constituída de sete linhas de dez metros de comprimento (35m 2 ). Os dados obtidos foram submetidos à análise de variância e a média dos tratamentos comparadas pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade.
As informações de coordenada geográfica, cultivar utilizada, época de semeadura de cada experimento, cultura anterior, espaçamento entre linhas e data de colheita podem ser observadas na Tabela 1. As informações dos fungicidas utilizados, dosagem dos produtos e ingrediente ativo podem ser conferidas na Tabela 2. Os produtos foram aplicados quando a soja atingiu o estádio fenológico R1, R1+15, R1+30 e R1+45, perfazendo um total de quatro aplicações. Os tratamentos foram aplicados através de um pulverizador de pressão constante a base de CO 2 , com uma barra com seis bicos espaçados de 0,5m entre cada bico. Foram utilizados bico tipo leque duplo TJ 06 11002 e volume de calda de 160L/ha. As informações de
Tabela 1 - Informações da área experimental de dois experimentos, um conduzido na safra 2018/19 e outro na safrinha 2019. Maracaju, MS, 2019 Informação Município Coordenada Geográfica Cultivar Época de Semeadura (dd/mm/aaaa) Cultura Anterior Espaçamento Entre Linhas Data de Colheita (dd/mm/aaaa) Safra 2018/19 Maracaju, MS 21°38’23.28’’S; 55°06’19.39’’O M-6410 IPRO 21/11/2018 Aveia 50 cm 23/03/2019 Safrinha 2019 Maracaju, MS 21°38’23.28’’S; 55°06’19.39’’O M-6410 IPRO 02/02/2019* Soja 50 cm 12/05/2019
*O Estado de Mato Grosso do Sul segue o calendário de semeadura da cultura da soja de 16/9 a 31/12, de acordo com a Lei Estadual nº 5.025/2017. Para a execução deste ensaio, a Fundação MS obteve autorização da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro), através do Ofício n. 170/DDSV/GAB/Iagro.
Tabela 2 - Tratamento e dosagem (ml/ha) dos produtos utilizados nos experimentos. Maracaju, MS, 2019 N. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 TRATAMENTO Testemunha Picoxistrobina + Tebuconazol + Mancozebe Picoxistrobina + Tebuconazol Piraclostrobina + Epoxiconazol + Fuxapiroxade Piraclostrobina + Fluxapiroxade Trifloxistrobina + Protioconazol Trifloxistrobina + Protioconazol + Bixafem Trifloxistrobina + Ciproconazol Picoxistrobina + Ciproconazol Picoxistrobina + Benzovindiflupir Cresoxim-Metílico + Tebuconazol + Carbendazim Metaminostrobina + Tebuconazol Difenoconazol + Ciproconazol Azoxistrobina + Benzovindiflupir Azoxistrobina + Mancozebe Azoxistrobina + Ciproconazol + Mancozebe Azoxistrobina + Tebuconazol + Mancozebe Tebuconazole + Clorotalonil Dosagem (mL p.c. ha) --- 2250 500 800 300 400 500 200 300 600 1000 580 300 200 2000 2000 2000 2500
*Os tratamentos 2 e 3 foram associados ao adjuvante Rumba nas dosagens de 250ml e 500ml por hectare, respectivamente. Os tratamentos 4 e 5 foram associados ao adjuvante Assist na dosagem de 500ml/ha. Os tratamentos 6, 7 e 8 foram associados ao adjuvante Aureo na dosagem de 200ml/ha, enquanto os tratamentos 15, 16 e 17 foram associados ao mesmo adjuvante, mas na dosagem de 0,25% v/v. Os tratamentos 9, 11, 12, 13 e 14 foram associados ao adjuvante Nimbus na dosagem de 600ml/ha. O tratamento 18 foi associado ao adjuvante Agril Super na dosagem de 50ml/ha.
Tabela 3 - Data, estádio fenológico das plantas, horário e condições meteorológicas no momento das aplicações nos dois ensaios realizados. Maracaju, MS, 2019
Data
03/01/2019 18/01/2019 04/02/2019 22/02/2019
13/03/2019 28/03/2019 12/04/2019 27/04/2019 Estádio
R1 R3 R5.2 R5.4
R1 R4 R5.4 R6 Hora
08h27min 09h23min 07h40min 06h57min
08h27min 09h38min 09h45min 08h53min Temperatura (°C) 29,4 27,5 28,0 26,8 27,3 28,1 26,9 28,5 Umidade Relativa do Ar (%) 61,4 63,3 68,4 70,3 71,3 67,5 69,2 70,5 Ensaio Conduzido na Safra 2018/19 Ensaio Conduzido na Safrinha 2019 Velocidade do Vento (m s -1 )
0,9 1,5 1,1 1,4
1,3 2,0 1,8 1,9
Tabela 4 - Área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD), eficiência de controle (%) e rendimento de grãos (RG) (sc/ha) e massa de 100 grãos (g) de plantas de soja tratadas com diferentes fungicidas para controle de ferrugem-asiática. Maracaju, MS, 2019
N. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 - - Safra 2018/19 Safra 2019
Tratamento Testemunha Picoxistrobina + Tebuconazol + Mancozebe Picoxistrobina + Tebuconazol Piraclostrobina + Epoxiconazol + Fuxapiroxade Piraclostrobina + Fluxapiroxade Trifloxistrobina + Protioconazol Trifloxistrobina + Protioconazol + Bixafem Trifloxistrobina + Ciproconazol Picoxistrobina + Ciproconazol Picoxistrobina + Benzovindiflupir Cresoxim-Metílico + Tebuconazol + Carbendazim Metaminostrobina + Tebuconazol Difenoconazol + Ciproconazol Azoxistrobina + Benzovindiflupir Azoxistrobina + Mancozebe Azoxistrobina + Ciproconazol + Mancozebe Azoxistrobina + Tebuconazol + Mancozebe Tebuconazole + Clorotalonil Teste F CV (%) AACPD 2259,8 A 863,2 E 1143,4 D 756,2 E 883,6 E 1474,5 C 1187,3 D 1359,7 C 1233,7 C 816,6 E 1901,1 B 1169,8 D 1584,8 C 982,9 D 1254,3 C 1006,2 D 950,4 D 1088,8 D 113,91** 8,49 RG (sc ha -1 ) 49,9 A 56,4 A 53,3 A 52,0 A 55,1 A 50,5 A 53,4 A 49,2 A 53,3 A 52,7 A 51,9 A 51,5 A 46,4 A 52,1 A 50,4 A 52,6 A 57,2 A 52,0 A 1,73 ns 8,33 M100G (g) 15,1 A 15,4 B 15,1 B 16,6 A 16,1 A 15,3 B 16,4 A 15,2 B 15,0 B 15,0 B 15,3 B 15,8 A 15,8 A 15,8 A 15,6 B 16,6 A 16,5 A 16,4 A 4,83** 3,97 AACPD 4115,3 A 2699,7 D 2799,7 D 2502,0 D 3014,3 C 3290,6 C 2715,2 D 3097,5 C 2942,4 C 2999,8 C 3603,0 B 2886,0 D 3279,3 C 3022,2 C 3125,8 C 3007,5 C 2889,2 D 2927,7 C 166,91** 17,39 RG (sc ha -1 ) 15,1 D 34,9 A 33,8 A 37,1 A 29,2 B 20,3 C 35,3 A 25,7 C 32,0 B 30,6 B 15,7 D 31,7 B 21,2 C 28,5 B 23,3 C 30,1 B 32,5 B 31,4 B 56,91** 13,85 M100G (g) 10,1 A 10,7 A 10,6 A 10,9 A 10,5 A 10,2 A 10,7 A 10,4 A 10,5 A 10,6 A 10,3 A 10,6 A 10,3 A 10,5 A 10,1 A 10,5 A 10,6 A 10,6 A 2,98 ns 11,09
Médias seguidas pela mesma letra maiúscula na coluna não diferem estatisticamente entre si pelo teste de Scott-Knott a 5% de probabilidade. nsnão significativo; * e ** significativo a 5% e 1%, respectivamente.
data, estádio fenológico das plantas, bem como as condições ambientais no momento das aplicações podem ser observadas na Tabela 3. É importante ressaltar que não é recomendada a aplicação sequencial do mesmo fungicida no controle do patógeno estudado. Este trabalho tem por objetivo única e exclusivamente elucidar a eficiência de controle de cada fungicida para o alvo, em diferentes épocas de semeadura. Essas informações devem ser utilizadas na determinação de programas de controle, priorizando sempre a rotação de fungicidas com diferentes modos de ação e adequando os programas às épocas de semeadura. Aplicações sequenciais, e de forma curativa, devem ser evitadas para diminuir a pressão de seleção de resistência dos fungos aos fungicidas. Foram realizadas seis avaliações de severidade de doença, antes de cada aplicação, e aos dez dias e 21 dias após a quarta aplicação dos tratamentos. As avaliações foram baseadas nas escalas diagramáticas propostas por Godoy et al (2006) para ferrugem (Phakopsora pachyrhizi) (Figura 1). Foram avaliadas dez plantas por parcela. Em cada planta foram retirados dois folíolos e a média da parcela foi considerada a média dos 20 folíolos avaliados.
A severidade da doença resulta do tamanho e número de lesões, sendo que estes dois componentes podem atuar de formas independentes durante o progresso da doença (Kranz 1988; Boff et al, 1991). Além disso, a melhor representação de uma epidemia é a curva de progresso da doença, geralmente expressa plotando-se a proporção de doença em função do tempo (Paula e Oliveira 2003). Desta forma, os dados de severidade foram utilizados para o cálculo da área abaixo da curva de progresso da doença (AACPD) baseado no modelo proposto por Campbell e Madden (1990).
Com base nos dados obtidos da severidade de doença na área experimental, foi calculada a eficiência de controle de cada tratamento segundo método proposto por Abbott (1925).
As avaliações de produtividade foram realizadas com a colheita das três linhas centrais de cada parcela de dez metros de comprimento, com o auxílio de uma colhedora de parcelas. A umidade dos grãos foi corrigida para 13% pela fórmula:
Rendimento = 10 x (100 - US) x PP (100 - 13) x AC
O Rendimento é expresso em toneladas por hectare, US é a umidade da semente em %, PP é o peso colhido na parcela em quilos, e AC é a área colhida da parcela em m2. No momento da quantificação do rendimento de grãos, avaliou-se a massa de 100 grãos de cada. O primeiro resultado importante e que fornece base para algumas inferências é a evolução da severidade da doença na Testemunha sem tratamento (Figura 2). Os dados obtidos indicam claramente que a cultura da soja semeada na safrinha apresenta os primeiros sinais de ferrugem-asiática de forma antecipada.
Nos trabalhos executados, a primeira aplicação de fungicidas ocorreu em R1. No ensaio conduzido na safra 2018/19, a aplicação se deu de forma preventiva, conforme a recomendação de uso destes fungicidas, e os primeiros sinais do patógeno foram observados em R5.4. No ensaio conduzido na safrinha 2019, já em R1 foram observados os primeiros sinais do patógeno na área experimental, de forma que a primeira aplicação ocorreu com a presença da doença. Esse panorama indica que em cultivos de soja tardios e de safrinha, a estratégia de controle da doença deve considerar
a antecipação da primeira aplicação, o que poderá levar ao aumento do número de pulverizações de fungicidas. Outro aspecto facilmente observado é a quantidade de doença, que foi superior nas plantas de soja semeada na safrinha 2019 em relação à semeadura da safra 2018/19 (Figura 2).
Os resultados obtidos de AACPD na safra 2018/19 indicaram diferenças significativas entre os fungicidas, de forma que picoxistrobina + tebuconazol + mancozebe, piraclostrobina + epoxiconazol + fuxapiroxade, piraclostrobina + fluxapiroxade e picoxistrobina + benzovindiflupir apresentaram os menores valores (Tabela 4). Com relação à eficiência de controle destes tratamentos, os valores observados ficaram em torno de 60% de controle da doença. Já na safrinha 2019, os valores de AACPD indicaram que os fungicidas com os menores valores foram picoxistrobina + tebuconazol + mancozebe, picoxistrobina + tebuconazol, piraclostrobina + epoxiconazol + fuxapiroxade, trifloxistrobina + protioconazol + bixafem, metaminostrobina + tebuconazol e azoxistrobina + tebuconazol + mancozebe. Entretanto, a eficiência de controle destes fungicidas ficou entre 30% e 40% de controle da doença (Figura 3). A perda drástica de eficiência de controle observada na safrinha em relação à safra pode ser bastante prejudicial para o manejo da doença, bem como os prejuízos causados pela severidade do patógeno nas plantas de soja. De posse dos resultados de eficiência de controle observados pelos diferentes fungicidas, ficou evidente que, dentro dos mesmos parâmetros de número e intervalo de aplicações, o controle de ferrugem-asiática é aquém do ideal na soja semeada na safrinha, e os prejuízos causados pela doença podem ser muito grandes. Além disso, pode-se inferir que a soja semeada na safrinha demanda aplicações antecipadas, menor intervalo de aplicação para conter as infecções mais severas e maior dependência de produtos auxiliares, como a associação de fungicidas multissítios.
Este contexto ocorre principalmente pelo maior potencial de inóculo na área quando a soja é semeada na safrinha, uma vez que há doença remanescente
Figura 3 - Eficiência de controle (%) de ferrugem-asiática em plantas de soja com diferentes fungicidas. Maracaju, MS, 2019
da safra e que gera inóculo para a soja recém-semeada. Além disso, a curva de progresso da doença é mais acentuada, requerendo ações auxiliares de manejo da doença.
É preciso considerar que atualmente o controle de ferrugem-asiática em soja é pautado em aplicações de fungicidas, e que existem apenas quatro grupos químicos de fungicidas sítio-específicos utilizados (triazol, triazolitiona, estrobilurina e carboxamida). Além disso, existem eventos de resistência aos quatro grupos químicos citados anteriormente, de forma que o risco de perder as ferramentas disponíveis no mercado é uma possibilidade real e que os prejuízos econômicos a toda a cadeia produtiva da soja são muito grandes. Por isso a associação de métodos de controle é fundamental.
Nesse contexto é importante ter claro que o uso de fungicidas em soja é apenas uma das estratégias de controle de ferrugem-asiática. Entretanto, outras ações devem ser adotadas, como a semeadura antecipada, o uso de cultivares precoces, o vazio sanitário e a calendarização da época de semeadura. Tais medidas associadas podem potencializar o manejo da doença, bem como proteger os ingredientes ativos de novas evoluções de resistência. Neste ponto, vale a pena ressaltar que novos ingredientes ativos e/ou novos modos de ação estão cada vez mais difíceis de serem encontrados e cada vez com custos mais elevados em pesquisa e desenvolvimento. Isso impacta diretamente no custo de produção e na margem de lucro dos produtores rurais. C
José Fernando Jurca Grigolli e Mirian Maristela Kubota Grigolli, Fundação MS
Grigolli e Mirian debatem os desafios da ferrugem-asiática na safrinha