Cultivar Hortaliças e Frutas • Ano XVII • Nº 121 • Abril / Maio 2020 • ISSN - 1518-3165
C
Cultivar
www.revistacultivar.com.br
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DESTAQUES
Inimigo monitorado
NOSSA CAPA
O esforço para tentar evitar a disseminação do psilídeo Diaphorina citri, vetor do Greening, em pomares localizados no Sul do Brasil
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Videira atacada
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Como manejar de modo eficiente a filoxera Daktulosphaira vitifoliae, responsável por afetar as raízes e parte aérea das plantas
Ameaça concreta Os cuidados necessários com o Tomato Brown Rugose Fruit Virus (ToBRFV), descrito pela primeira vez em Israel, em 2014, e quarentenário no Brasil
ÍNDICE Rápidas
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Grupo Cultivar de Publicações Ltda. CNPJ : 02783227/0001-86 Insc. Est. 093/0309480 Rua Sete de Setembro, 160, sala 702 Pelotas – RS • 96015-300
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www.grupocultivar.com contato@grupocultivar.com
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Direção Newton Peter
Antracnose em pimentão
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Certificação na fruticultura
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Assinatura anual (06 edições): R$ 139,90 Assinatura Internacional US$ 110,00 €$ 100,00
Aplicativo AgroPragas em maracujá Sexo das flores de cucurbitáceas
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PEDRO YAMAMOTO
Editor
Comercial
Gilvan Dutra Quevedo
Sedeli Feijó Miriam Portugal
Redação
Rocheli Wachholz Karine Gobbi Cassiane Fonseca
Coordenação Circulação
Simone Lopes
Design Gráfico
Assinaturas
Cristiano Ceia
Natália Rodrigues Clarissa Cardoso
Revisão
Aline Partzsch
Expedição
Coordenação Comercial
Edson Krause
Charles Ricardo Echer
Impressão:
Kunde Indústrias Gráficas Ltda.
Capa: Monitoramento de Diaphorina citri 17 Manejo da filoxera da videira
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Por falta de espaço, não publicamos as referências bibliográficas citadas pelos autores dos artigos que integram esta edição. Os interessados podem solicitá-las à redação pelo e-mail: contato@grupocultivar.com
Plantio direto em alface
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Tomato Brown Rugose Fruit Virus
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Os artigos em Cultivar não representam nenhum consenso. Não esperamos que todos os leitores simpatizem ou concordem com o que encontrarem aqui. Muitos irão, fatalmente, discordar. Mas todos os colaboradores serão mantidos. Eles foram selecionados entre os melhores do país em cada área. Acreditamos que podemos fazer mais pelo entendimento dos assuntos quando expomos diferentes opiniões, para que o leitor julgue. Não aceitamos a responsabilidade por conceitos emitidos nos artigos. Aceitamos, apenas, a responsabilidade por ter dado aos autores a oportunidade de divulgar seus conhecimentos e expressar suas opiniões.
Microácaro do bronzeamento do tomate 29 Coluna ABCSem
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Coluna Associtrus
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Coluna ABBA
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• ATENDIMENTO 3028.2000
NOSSOS TELEFONES: (53) • REDAÇÃO: 3028.2060
• ASSINATURAS 3028.2070 / 3028.2071
• MARKETING: 3028.2064 / 3028.2065 / 3028.2066
Rápidas Crescimento
A UPL Brasil encerrou o ano fiscal, de abril 2019 a março de 2020, com crescimento de 17%. O faturamento da empresa atingiu 1,3 bilhão de dólares. Segundo o presidente da UPL Brasil, Fabio Torretta, este resultado decorre do processo de integração com a Arysta LifeScience e o foco em saúde vegetal. “Segurança dos alimentos, menos impacto ambiental e produção sustentável. Esses três pilares norteiam o trabalho da UPL no Brasil”, disse. Mesmo com as adversidades da pandemia, a UPL mantém o plano de investimentos de 200 milhões de dólares, especialmente no desenvolvimento de produtos. “O planejamento está mantido, porém a liberação será em ritmo mais lento, acompanhando a reação do mercado. O Brasil representa 30% do negócio em termos globais. Como um mercado tão importante, precisamos continuar acelerando”, ressaltou Torretta.
Fabio Torretta
Celebração
Vincent Gros
Futuro
A Basf lançará mais de 30 projetos-chave até 2029. As novidades incluem sementes e biotecnologias, defensivos químicos e biológicos para proteção de cultivos, ferramentas digitais e novas formulações. Só em 2019, a empresa investiu aproximadamente 900 milhões de euros na Divisão de Soluções para Agricultura. "Nosso objetivo é encontrar soluções práticas que permitam maior produtividade e produção de cultivos mais tolerantes ao estresse, reduzir a pegada de CO2 da agricultura e aumentar a biodiversidade", explicou o presidente da Divisão de Soluções para Agricultura da Basf, Vincent Gros. Dentre as novidades, a Basf desenvolveu o inseticida Broflanilide em conjunto com a Mitsui Chemicals Agro, Inc. O novo ingrediente ativo, que será lançado a partir de 2020, ajudará os agricultores na proteção de cultivos contra insetos, como o besouro da batata.
Em março, a Ihara completou 55 anos com grandes desafios para 2020. "Este é um marco na história da Ihara. Uma empresa que nasceu com a nobre missão de contribuir para o progresso e a competitividade da agricultura brasileira e que, tenho a certeza, ao completar seus 55 anos está mais preparada do que nunca para renovar este compromisso. A inovação é o que nos move, a tecnologia é o que nos apoia. Mas temos orgulho e a certeza de afirmar que o que nos conecta e diferencia de verdade é a confiança que construímos ao longo desses anos", afirmou o presidente da Ihara, José Gonçalves. Nos últimos anos foram investidos mais de R$ 200 milhões em pesquisa, desenvolvimento e estrutura, para apoiar o crescimento da empresa neste e nos próximos anos.
José Gonçalves
Mark Lyons
Experiência virtual
Evento anual promovido pela Alltech, o ONE: Simpósio de Ideias Alltech, realizará as sessões e os debates pela internet, devido às preocupações com a saúde relacionadas ao coronavírus. Programado originalmente para os dias 17, 18 e 19 de maio, em Lexington, Kentucky, nos Estados Unidos, o evento debaterá soluções dentro da cadeia global de produção agroalimentícia de forma virtual. As principais sessões temáticas, vídeos com a participação de líderes e experts da indústria, e as apresentações de maior impacto realizadas em edições anteriores do evento estarão disponíveis on-line a partir do dia 18 de maio de 2020. “Nossa prioridade continua sendo a saúde e a segurança dos participantes do evento, de nossos colegas e das comunidades nas quais vivemos e trabalhamos”, informou o presidente e CEO da Alltech, Mark Lyons.
Alface rústica
Silvio Nakagawa
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Com apresentação ao mercado durante a Hortitec 2019, a Agristar destaca o desempenho de vendas da alface Samira, variedade lançada pela Topseed Premium no mercado nacional. Para o especialista em Brássicas e Folhosas da Agristar do Brasil, Silvio Nakagawa, a variedade entrega aos produtores ótima performance na época de verão. “Com um bom nível de tolerância a fusarium, Tipburn e pendoamento precoce, além de características como planta grande, com boa quantidade de folhas, talo grosso e rusticidade, a alface Samira se tornou um produto diferenciado no mercado de crespas”, afirmou.
Maracujá
Ajuda da tecnologia
Marilene Fancelli
Aplicativo auxilia na identificação e manejo de fungos, bactérias, insetos, vírus e nematoides que afetam a cultura do maracujá. Ferramenta permite que o produtor compare fotos de uma praga ou do sintoma de uma doença no pomar com as imagens disponíveis
O
Brasil ocupa a posição de primeiro lugar na produção mundial de maracujá, seguido pela Colômbia e a Indonésia (Altendorf, 2018). Em 2017, a produção brasileira foi de 548.088 toneladas, em 41.067 hectares de área colhida, com rendimento de 13,3t/ha (IBGE, 2017). A Bahia é o primeiro produtor, com 170.910 toneladas, à frente dos estados do Ceará (94.816 toneladas), de Santa Catarina (46.152 toneladas) e de São Paulo (30.387 toneladas) (IBGE, 2017). No Brasil, essa cultura apresenta grande importância socioeconômica, sendo principalmente cultivada por agricultores familiares em propriedades de pequeno e médio porte. Apesar do investimento alto para instalação, é uma cultura altamente atrativa, pois permite retorno econômico em curto prazo e propicia um longo período de colheita.
Além disso, tem forte apelo aos consumidores, criando uma alta demanda pelo produto em função de suas propriedades nutritivas, farmacêuticas, entre outras. O maracujá pode ser consumido in natura ou na forma de polpa concentrada, muito utilizada na indústria de processamento de alimentos. O maracujazeiro é uma planta que pode ser cultivada em condições de clima tropical ou subtropical. Pertence à família Passifloraceae e ao gênero Passiflora, com 140 espécies nativas do Brasil. Entretanto, as mais conhecidas são o maracujá-amarelo ou azedo (Passiflora edulis Sims), o maracujá-roxo (Passiflora edulis Sims) e o maracujá-doce (Passiflora alata Curtis). Entretanto, a produção de maracujá pode ser comprometida e até mesmo inviabilizada em decorrência de problemas fitossanitários, devido à ocorrência de pragas (insetos, ácaros,
Abril / Maio 2020 • Cultivar HF
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Figura 1 - Tela de download do aplicativo e tela inicial do aplicativo AgroPragas Maracujá
doenças e nematoides) que afetam a produção e a comercialização dos frutos in natura. Os efeitos da infestação por essas pragas podem levar à depreciação da qualidade do fruto, com redução de seu valor comercial, ao aumento dos custos de produção pela necessidade de controle, à queda da produção e produtividade e à redução da longevidade do plantio, com consequente diminuição do lucro e perda das plantas devido não somente aos danos diretos e indiretos causados por esses organismos, bem como à erradicação das plantas. Os danos diretos, como o próprio nome já sugere, são aqueles decorrentes da ação direta do organismo sobre a planta ou parte dela, como o consumo de folhas, flores ou outra estrutura da planta. Já o dano indireto advém quando um inseto ou ácaro, por exemplo, em seu processo de alimentação, é capaz de transmitir à planta um agente causador 06
Cultivar HF • Abril / Maio 2020
de doença. Nesse caso, a doença transmitida pode representar uma ameaça ainda maior que a causada pelo inseto ou ácaro vetor da doença. Diversos organismos estão associados à cultura do maracujazeiro. No entanto, muitos deles não se constituem em pragas, visto que não causam danos econômicos. Alguns apenas visitam as plantas, visto que o maracujazeiro, pela exuberância de suas flores, é uma planta que atrai muitos insetos. Alguns insetos, inclusive, podem ser inimigos naturais das pragas, sendo então organismos benéficos à cultura. Deve ser considerada, também, a constante presença das mamangavas (insetos polinizadores da planta) no plantio. Por outro lado, sintomas de doenças ou ataque de nematoides podem não ser percebidos ou, em alguns casos, confundidos com deficiências
nutricionais ou mesmo com outras doenças, dificultando, portanto, a identificação precoce, o que contribui para o aumento dos prejuízos e dos custos para seu controle. Todas as situações anteriormente expostas levam a uma fragilidade no sistema. Diante deste cenário, é essencial o manejo integrado de pragas (MIP), que preconiza a associação de diferentes métodos de controle (legislativo, cultural, biológico, genético, químico, resistência de plantas a insetos, comportamental), desde que compatíveis e que atendam aos critérios econômicos, ecológicos e sociais. Portanto, fica clara a necessidade de se identificar corretamente as espécies de pragas que estão presentes no pomar de maracujazeiro. Por sua vez, a melhor forma para se fazer a correta identificação dos principais organismos-praga da cultura é contando com a colaboração de um especialista em taxonomia. Entretanto, na maioria das vezes, o produtor não tem essa disponibilidade. Assim, muitas vezes, é necessária a intervenção de um profissional que tenha experiência com a cultura e habilidade para reconhecer as principais pragas locais, sua correta identificação, o conhecimento de sua epidemiologia e dos principais métodos de controle. Essa tarefa é facilitada pela comparação entre os organismos ou sintomas presentes no plantio com fotos das pragas disponibilizadas em publicações técnicas. Essa foi a principal motivação que a equipe da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas, Bahia, encontrou para a elaboração do “Guia de identificação e controle de pragas na cultura do maracujazeiro” (https://bit.ly/2S2JAbZ) no ano de 2017, na forma de cartilha impressa. O guia contempla informações básicas sobre as principais doenças, insetos, ácaros e nematoides que ocorrem nas principais áreas produtoras
de maracujá. Dessa forma, facilita o reconhecimento dessas pragas em função dos danos causados e parte da planta atacada e a diferenciação dos sintomas causados pelos mais diversos agentes causais. Estabelece também quais as estratégias do MIP são as mais indicadas para redução dos danos. No seu lançamento, a receptividade ao guia impresso por parte de produtores, técnicos e estudantes foi muito boa, porém algumas limitações foram apresentadas a partir do seu uso em campo. A principal queixa dos usuários era a de que a utilização no campo era prejudicada, devido à necessidade de impressão das fotos em alta resolução para permitir a comparação com as pragas encontradas no pomar. Isso representava uma contradição ao processo, visto que a cartilha é grátis justamente para viabilizar o seu livre acesso pelos usuários. A necessidade de impressão da mesma (e em alta resolução) praticamente inviabilizava o alcance desse objetivo. Essa limitação impulsionou a equipe da Embrapa Mandioca e Fruticultura a propor o desenvolvimento de um aplicativo que possibilitasse o diagnóstico e controle das principais pragas do maracujazeiro, em tempo real. Foi uma ação do projeto “Caracterização e uso de germoplasma e melhoramento genético do maracujazeiro (Passiflora spp.) auxiliados por marcadores moleculares - fase IV”. A construção do aplicativo contou com a participação de profissionais da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Cruz das Almas, Bahia, da Embrapa Cerrados, Planaltina, Distrito Federal, da Embrapa Semiárido, Petrolina, Pernambuco, da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Cruz das Almas, Bahia, e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Vitória da Conquista, Bahia. Essa atividade resultou no lançamento do aplicativo AgroPragas Maracujá no ano de 2019. É um aplicativo para celular que traz, basicamente, as mesmas informações veiculadas no guia impresso. O acesso ao conteúdo é rápido via consulta ao tópico de interesse. O aplicativo traz as informações por categoria: fungos, bactérias, insetos, vírus e nematoides. A principal vantagem do aplicativo é poder ser utilizado off-line. Também permite que o produtor compare fotos de uma praga ou do sintoma de uma doença, por ele tiradas no seu pomar, com as imagens disponíveis no aplicativo. O aplicativo é gratuito e de fácil uso. Está disponível para download no Google Play (Figura 1): https://bit.ly/2VyPCDz. É compatível com o Android 4.1 (JELLY_BEAN) ou superior. Em resumo, seguem as principais funcionalidades do aplicativo: 1) Identificação das principais pragas do maracujazeiro 2) Recomendações para o manejo integrado de pragas 3) Busca de informações específicas das pragas por meio
de imagens 4) Buscas textuais 5) Comparação de fotos de cada praga de interesse e/ou sintoma de doenças encontradas no pomar com as imagens disponíveis no aplicativo em tempo real e off-line (Figura 2) 6) Link de acesso para o Agrofit (Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários) O lançamento oficial do aplicativo foi feito por ocasião do Semiárido Show, em Petrolina (PE), realizado no período de 19 a 22 de novembro de 2019. Como o aplicativo está ainda na primeira versão, os usuários são convidados a avaliar o seu desempenho, sugerindo agregação de novas funcionalidades e atualização do conteúdo. O aplicativo substitui a consulta do conteúdo impresso, promovendo economia de tempo e papel, simplificando e agilizando o diagnóstico ou a identificação das pragas. Com a identificação correta, espera-se que as tomadas de decisão acerca dos métodos de controle sejam feitas no momento apropriado e com estratégias de baixo impacto ambiental, contribuindo para a sustentabilidade do agroecossistema e um C controle mais eficiente de cada praga de interesse. Marilene Fancelli Cristina de Fátima Machado Murilo da Silva Crespo Hermes Peixoto Santos Filho Embrapa Mandioca e Fruticultura
Figura 2 - Um dos recursos do aplicativo: comparação de fotos com possibilidade de ampliação das imagens (“zoom”). No exemplo, mostrando imagens da infestação de frutos de maracujá por larvas de moscas-das-frutas Abril / Maio 2020 • Cultivar HF
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Cláudia Lopes Prinz
Cucurbitáceas
Sexo das flores
A polinização eficiente e a ocorrência de flores femininas são pontos-chave na produção de cucurbitáceas. Por isso devem ser consideradas tanto na escolha de cultivares e regiões de cultivo, como na definição de práticas de manejo a serem adotadas
A
família Cucurbitaceae compreende 120 gêneros e 960 espécies, originárias de regiões tropicais e subtropicais. As principais cucurbitáceas cultivadas são hortaliças e pertencem aos gêneros Cucumis (melão e pepino), Cucurbita (abóboras) e Citrullus (melancia). Segundo Almeida (2002), as cucurbitáceas representam aproximadamente 20% da produção total de oleráceas no mundo. Em 2018 foram comercializados 1.329.228.446 quilos das cucurbitáceas abóbora, abobrinha, pepino, melancia e melão nas Ceasas, de acordo com dados do Prohort - Simab. Considerando-se a origem dos produtos, a região Sudeste destaca-se quanto a pepino e melancia (ambos em São Paulo) e abobrinha, em Minas Gerais. Já o Nordeste é a região de origem da maior parte de abóboras (Bahia) e melão (Rio Grande do Norte). O produto comercial das cucurbitáceas citadas anteriormente são os frutos. São do tipo pepônio e possuem grande variação de cores e formatos. O manejo da cultura para 08
Cultivar HF • Abril / Maio 2020
produção de flores influenciará diretamente no rendimento final, sendo a polinização eficiente e a ocorrência de flores femininas pontos-chave na produção das cucurbitáceas. A polinização das cucurbitáceas é entomófila, ou seja, dependente de insetos, especialmente abelhas, e sofre influência de fatores ambientais. Já a ocorrência de flores femininas, essenciais para a formação dos frutos, está sob controle genético e ambiental. As cucurbitáceas são, em sua maioria, plantas monoicas, isto é, possuem flores unissexuais na mesma planta. A monoicia é controlada pela expressão de genes associados a três diferentes loci. No entanto, outros hábitos de floração podem ser observados nessa família de acordo com as diferentes combinações de expressão destes genes. A compreensão do controle da expressão sexual tem possibilitado a identificação e/ou desenvolvimento de cultivares com maior razão de flores femininas/masculinas ou até mesmo plantas com produção apenas de flores femininas.
Tabela 1 - Exemplos de estudos científicos sobre expressão do sexo em espécies da família Cucurbitaceae (1931 a 2019)
Na Tabela 1 são apresentados alguns trabalhos que representam a evolução do conhecimento acerca do controle da expressão do sexo em cucurbitáceas. A maioria dos estudos dedicados à compreensão da expressão do sexo em cucurbitáceas foi realizada em pepino e melão. No entanto, similaridades também são observadas em outras espécies da família (Grumet e Taft, 2011). O controle do tipo floral em cucurbitáceas é realizado pela expressão combinada de três loci. Esses grupos são conhecidos como gene monoico (M), gene androico (A) e gene ginoico (G). A dominância ou recessividade combinadas resulta no controle positivo ou negativo do desenvolvimento das estruturas florais femininas e/ou masculinas, resultando assim em flores unissexuadas e perfeitas ou hermafroditas (Tabela 2). Os estudos iniciais sobre o tema reportavam o papel do etileno como regulador da expressão do sexo, sendo este hormônio associado à ocorrência de flores femininas. Posteriormente, estudos genéticos
Ano Autor(es) Características Observadas 1931 Whitaker Influência do ambiente no predomínio de flores masculinas 1952 Nitsh et. al. Variação do tipo floral em Cucurbita pepo em diferentes porções do ramo 1959 Choudhury e Phatak Expressão e proporção sexual em pepino 1960 Choudhury e Phatak Uso de reguladores hormonais para controlar a expressão e proporção sexual em pepino 1969 Rudich et al. Aumento de flores femininas sob aplicação de etileno 1972 Byres et al. Correlação entre etileno endógeno e expressão do sexo 1976 Rudich e Peles Efeito da temperatura e fotoperíodo sobre a expressão sexual em melancia 1983 Takahashi et al. Separação dos efeitos de fotoperíodo e hormônios na expressão sexual em pepino 1999 Kahana et al. Expressão diferenciada dos genes relacionados à enzima ACC oxidase em diferentes genótipos sexuais 1999 Perl-Trecos Abordagens de estudos sobre a conversão de flores masculinas à femininas ao longo do ramo de pepino 2004 Bai et al. Estudo do desenvolvimento de órgãos reprodutivos de flores unisexuais de pepino 2008 Boualem et al. Mutação de uma enzima da biossíntese de etileno levando à andromonoicia em melões 2009 Boualem et al. Uma enzima de biossíntese conservada de etileno leva à andromonoecia em duas espécies de pepino 2014 Boualem et al. Desenvolvimento de uma plataforma TILLinG de Cucumis sativus para genética direta e reversa 2015 Boualem et al. Gene de androcia de cucurbitáceas revela como as flores unissexuais se desenvolvem 2015 Ji et al. Herança de formas sexuais na melancia (Citrullus lanatus) 2016 Boualem et al. Gene de determinação do sexo andromonoicia é anterior à separação dos gêneros Cucumis e Citrullus 2016 Manzano et al. O gene da biossíntese de etileno CitACS4 regula a monoicia e andromonoicia em melancia (Citrullus lanatus) 2018 Lai et. al. Mudanças na temperature e fotoperíodo afetam a expressão do sexo em pepino através de regulações epigenéticas 2019 Pawelkowicz et. al. Bases genéticas e moleculares para determinação do sexo em pepino 2019 Li et. al. Interação de genes regulando a determinação do sexo em cucurbitáceas
Tabela 2- Hábitos de floração em Cucurbitáceas (Adaptado de Weiss, 1997, The Physiology of Vegetable Crops) Hábito de floração Monoicia Andromonoicia Androicia Ginoicia Trimonoicia
Tipos Florais Flores unissexuais e na mesma planta Flores e flores hermafroditas na mesma planta Apenas flores ♂ Apenas flores ♀ Flores, flores e flores hermafroditas na mesma planta
Ocorrência Abórobras, pepino e melão Melão, melancia e pepino Melão e pepino Pepino Melão
identificaram que os genes associados aos diferentes tipos florais estavam relacionados à atividade de enzimas da rota de biossíntese de etileno. Finalmente foram identificados os genes ACS2, ACS7, ACS11 e WIP1 como reguladores do tipo floral em cucurbitáceas. Devido ao fato de os genes reguladores da expressão do sexo em cucurbitáceas comporem etapas da rota de síntese do etileno, este fitormônio é conhecido como agente feminilizante em cucurbitáceas. O tratamento de plantas monoicas com aplicação de etileno e seus precursores leva à produção de plantas femininas unissexuais, enquanto tratamento de plantas ginoicas com inibidores de percepção do etileno, como o nitrato de prata, leva à produção de flores masculinas. Assim, é possível ter maior número de flores femininas através da prática da aplicação de reguladores de crescimento que induzem a síntese de etileno. No entanto, a eficiência da prática de aplicação de reguladores de crescimento para controle do sexo floral em cultivos de cucurbitáceas depende de dose aplicada, idade da planta, momento da aplicação em relação ao estádio de desenvolvimento do botão floral, entre outros, o que faz com que esta prática não seja usual em cultivos comerciais. Para o pepino existem também cultivares ginoicas, ou seja, nestas plantas há apenas produção de flores femininas, e ginoicas paternocárpicas, nas quais, além da ginoicia, os frutos se desenvolvem sem a necessidade de polinização. Considerando-se as principais cultivares de pepinos comercializadas no Brasil (relatadas em documento elaborado pela Embrapa, 2013), foi realizada consulta junto aos sites das empresas que comercializam as cultivares indicadas e observou-se que aproximadamente 41% são ginoicas e/ou ginoica paternocárpica, sendo as do primeiro tipo predominantes. As vantagens do uso de cultivares ginoicas são a maior produção de frutos e a qualidade dos frutos. Porém, considerando-se que nestas cultivares não há produção de flores masculinas, é necessário que o planejamento de cultivo inclua também o plantio de cultivares doadoras de pólen, ou seja, que produzam flores masculinas, uma vez que sem a polinização não há a formação de frutos, sendo exceção quando se trata de paternocarpia. Quando necessário o uso de planta doadora de pólen é importante considerar a necessidade de coincidir o período de produção de flores masculinas das plantas doadoras com o início da abertura das flores femininas das plantas comerciais. De modo geral, recomenda-se plantio de 20% da área com plantas doadoras de forma alternada. Além do controle genético, o ambiente pode influenciar na expressão do sexo em cucurbitáceas. A temperatura do ar tem sido estabelecida como o fator mais relevante. Altas temperaturas associadas a dias longos estimulam a expressão de flores masculinas. Desta forma, o ambiente deve ser 10
Cultivar HF • Abril / Maio 2020
Cucurbitáceas - Frutos do tipo pepônio (ex. pepino)
Ação de genes no controle do desenvolvimento de estruturas masculinas e femininas em flores de cucurbitáceas. Linhas vermelhas indicam ação do gene quando ativo
Adaptado de Rodríguez-Gramados et al. (2017)
considerado no planejamento do cultivo de cucurbitáceas para que o estádio de emissão de flores ocorra sob condições favoráveis à maior expressão de flores femininas. De maneira oposta ao efeito da temperatura elevada, temperaturas amenas favorecem a produção de flores femininas. Em uma pesquisa realizada para avaliação do efeito da temperatura sobre a expressão do sexo em pepino, Miao et al (2010) verificaram que a redução da temperatura noturna foi mais importante na indução de flores femininas. Além disso, a redução da temperatura na segunda metade do período noturno mostrou-se mais eficiente. Isso demonstra que a temperatura noturna está associada à regulação do sexo das flores na espécie. Na mesma pesquisa a sinalização via açúcares em interação com hormônios foi considerada como fator-chave para indução de flores femininas em resposta a temperaturas noturnas baixas. Normalmente, em cultivares monoicas a sequência de floração ao longo da fase reprodutiva da planta é de predominância de flores masculinas no início do período de floração, seguida por um período onde a emissão de flores femininas aumenta até que haja sua predominância na região distal do ramo. Em ambientes favoráveis, a emissão de flores femininas pode ocorrer mais cedo e assim é possível obter produção precoce, permitindo a entrada antecipada do produto no mercado. Também abre a possibilidade de mais um período de cultivo na estação e o escape de condições adversas como em regiões com períodos de temperaturas baixas que impedem o cultivo de cucurbitáceas. A determinação do sexo das flores em cucurbitáceas é, portanto, um ponto-chave para a produção das espécies cultivadas da família. Deve ser um aspecto considerado na escolha de cultivares e regiões de cultivo, assim como pode influenciar nas práticas de manejo a serem adotadas para C melhor eficiência da produção.
Maria Clara Coutinho Rodrigues, Rita de Kássia Guarnier da Silva e Cláudia Lopes Prins, Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf)
Pimentão
Severa e A destrutiva
Instituto Biológico
A antracnose é uma doença com alto potencial de prejuízos à cultura do pimentão, com ataque principalmente aos frutos, caracterizados por manchas circulares aquosas que posteriormente tornam-se necróticas e inviabilizam a comercialização. O uso da indução de resistência nas plantas pode ser um importante aliado para enfrentar o problema
cultura do pimentão (Capsicum annuum) é uma das hortícolas mais cultivadas no mundo e no Brasil não é diferente. Possui grande valor econômico de comercialização devido à alta demanda e ao grau de aceitação pelo mercado consumidor. Não existem dados atualizados sobre a produção de pimentão no Brasil, sendo o mais recente divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no censo agropecuário de 2006. Esta hortaliça figurou na 8ª posição entre as mais produzidas, com total de mais de 254 mil toneladas e movimentação superior a R$ 191,3 mil. Entre as doenças que infectam a cultura, causando prejuízos econômicos, a antracnose é severa e destrutiva, causada por fungos do gênero Colletotrichum spp., que infectam vários estágios de desenvolvimento da planta, seja a produção feita em campo ou ambiente protegido, na pré e pós-colheita. Os sintomas que geram mais perdas são os localizados nos frutos, caracterizados por manchas circulares aquosas que posteriormente tornam-se necróticas, inviabilizando a comercialização. O manejo da doença deve ser realizado antes da fase de produção de frutos, de forma preventiva ou corretiva ao aparecimento dos primeiros sintomas da doença. A indução de resistência em plantas a pragas e doenças objetiva a ativação das defesas latentes vegetais por meio de elicitores que servem de sinalizadores, deixando a planta preparada para se defender contra futuros estresses. Essa defesa pode ser associada com a produção de enzimas relacionadas à patogênese, como a peroxidase, fenilalanina amônialiase e polifenoloxidase, que atuam diretamente no atraso ou neutralização dos patógenos, produção de barreiras físicas como espessamento da parede celular e/ou produção de tricomas, além da produção de compostos químicos como as fitoalexinas que possuem atividade antimicrobiana contra uma ampla diversidade de patógenos. Abril / Maio 2020 • Cultivar HF
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Óleos essenciais são produtos aromáticos resultado do metabolismo secundário de vegetais encontrados em várias partes com composição variada, e podem ou não apresentar caráter fungitóxico na interação planta-patógeno. Scherer et al (2009) relatam que o óleo de citronela possui características antimicrobianas e repelentes, sendo composto majoritariamente por citronelal, geraniol e citronelol, além de outros 14 compostos químicos em menor proporção. Esses compostos quando reconhecidos pela planta serão iniciadores para induzir resistência. A aplicação de óleo essencial na cultura do pimentão vem sendo estudada para identificar os principais efeitos causados na fisiologia da planta, tanto no metabolismo primário como no secundário, a exemplo da indução de resistência. Os efeitos de diversos óleos em pimentão já são descritos na literatura, como os óleos essenciais de cravo-da-índia (Syzygium aromaticum), canela (Cinnamomum zeylanicum), alho (Allium sativum), alfavaca-cravo (Ocimum gratissimum), alecrim (Salvia rosmarinus), citronela (Cymbopogon winterianus), copaíba (Copaifera langsdorffii), manjericão (Ocimum basilicum), dentre outros. Um patógeno agressivo como Colletotrichum spp. é capaz de atacar uma planta já estabelecida em campo, em contrapartida as plantas também são capazes de se defender da ação desse agente. O nível de reação da planta vai depender de diversos fatores como genética, as condições ambientais, a concentração do patógeno, o nível de agressividade e o estado nutricional. O óleo essencial possui diversos compostos presentes que podem apresentar efeito tóxico aos patógenos afetando diretamente seu desenvolvimento ou podem servir de elicitor e ativar a defesa da planta antes mesmo do ataque do patógeno, garantindo uma maior resistência pela planta a diversos patógenos. Entre as alternativas de controle de doenças, a indução de resistência com elicitores é promissora para a produção de frutas e hortaliças com qualidade sanitária e ausente de resíduo. Alguns aspectos devem ser levados em consideração ao adotar este manejo na produção, como a concentração de óleo essencial utilizada, a forma e o período de aplicação e qual óleo essencial deverá ser utilizado, pois a composição e o princípio ativo mudam em cada vegetal que o óleo essencial for extraído. Em pesquisa realizada no Laboratório de Fitopatologia (Lafit), do Centro de Ciências Agrárias/UFPB por discentes e docente do Programa de Pós-Graduação em Agronomia, foi possível determinar um percentual de inibição do crescimento micelial de 100% em testes in vitro para fungos dos gêneros Fusarium spp. e Colletotrichum spp., isolados de folhas e frutos de pimentão comercializados na cidade de Areia/PB, utilizando óleo essencial de citronela (Cymbopogon winterianus) na concentração de 2% e 1%, respectivamente. A pesquisa está sendo desenvolvida também em mudas de pimentão produzidas em ambiente protegido e sendo avaliada quanto à indução de resistência promovida pela aplicação de óleo essencial de citronela em várias concentrações com ino12
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Sintomas típicos de antracnose de pimentão no campo
(a – c) Os sintomas do tipo I foram caracterizados por lesões marrons escuras a negras, afundadas com uma borda levemente elevada e muitos ávulos pretos na superfície, que produziram massas conidiais brancas sujas sob condições úmidas. (d – f) Os sintomas do tipo II incluíam lesões marrom-escuras a negras, afundadas com muitos acérvulos pretos na superfície, que produziam massas conidiais viscosas cor-de-rosa de carne, sob condições úmidas. (g – i) Os sintomas do tipo III incluíram lesões marrons a pretas claras a marrons escuras, afundadas, com massas de conídios alaranjadas. LIU, Fangling et al. Disponível em: https://www. nature.com/articles/srep32761
culação artificial de suspensão de esporos de Colletotrichum spp. e o efeito na severidade da antracnose. A avaliação está sendo realizada quanto à alteração na produção de enzimas relacionadas à defesa vegetal e os resultados comparados com plantas controle e plantas tratadas com fungicida comercial. A aplicação de óleo essencial em frutas e hortaliças é uma medida de manejo que pode ser adotada por pequenos, médios e grandes produtores devido à facilidade de aquisição, que pode ser realizada em lojas de produtos naturais, e facilidade no preparo da solução, que deve ser dosada de acordo com a recomendação e diluída em água com adição de um adjuvante para auxiliar no preparo da solução. A aplicação pode ser feita em sementes via imersão ou pulverização de frutos e mudas.
Morfologia e características culturais de Colletotrichum spp. da pimenta antracnose .: (A) Vista superior de uma colônia no PDA; (B) visão reversa da colônia no PDA; (C) micrografias de conídios de Colletotrichum spp .; (D) micrografias dos apressores conidiais de Colletotrichum spp .; (E) micrografias dos apressórios miceliais de Colletotrichum spp .; (F) conidióforos A
B
C
Grupo 1
Grupo 2
D
E
F Colletotrichum gloeosporioides sensu lato
Colletotrichum fructicola
Grupo 3
Colletotrichum truncatum
Grupo 4
Colletotrichum acutatum sensu lato
Grupo 5
Colletotrichum brevisporum
Grupo 6
Colletotrichum sp.
LIU, Fangling et al. Disponivel em: https://www.researchgate.net/figure/Morphology-and-cultural-characteristics-of-Colletotrichum-spp-from-pepper-anthracnose_ fig1_308001960
O óleo essencial é um tratamento preventivo sem toxidade para o homem e ao ambiente. É uma técnica de manejo promissora para uma doença tão expressiva na cultura do pimentão, como é a antracnose, que pode ser integrada com outras técnicas como a utilização de sementes tratadas com fungicida ou tratamento térmico e também o controle cultural. Uma vez estabelecida a indução de resistência, seus efeitos são prolongados ao longo do tempo, podendo a planta permanecer com as vias de defesa em estado de alerta por semanas. Além de produtos naturais como extratos e óleos essenciais, existem produtos químicos comerciais com potencial elicitor para indução de resistência na planta que agem de forma similar, ativando as rotas de defesa e também devem ser adotados de forma preventiva. Estes produtos possuem em sua composição elementos como aminoácidos, cal + nim, Acibenzolar-S-Metílico (ASM),
caulim, além de produtos com múltiplos benefícios como os fertilizantes foliares orgânicos, fungicidas microbiológicos de fungos e bactérias e o pó de rocha. A aplicação de tais produtos deve ser orientada por um profissional habilitado e o custo-benefício levado em consideração. O manejo da antracnose na cultura do pimentão com aplicação de óleo essencial deve ser adotado de forma preventiva e integrada, para uma produção com alto padrão de qualidade pós-colheita e redução dos custos de produção. Contudo, se a doença for identificada durante o processo de produção, o controle químico deverá ser empregado imediatamente fazendo uso de produtos registrados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para a cultura. Dentre os produtos registrados para controle da antracnose na cultura do pimentão, o produtor dispõe de fungicidas dos grupos químicos triazol, estrobilurina, isoftalonitrila, ditiocarba-
mato, inorgânicos à base de cobre, dentre outros. Para um resultado satisfatório, é necessário que a aplicação seja realizada na concentração recomendada pelo fabricante, respeitar sempre o período de carência do produto e observar os cuidados com a proteção do aplicador, lembrando sempre que a recomendação deverá ser realizada por profissionais competentes. Alguns outros cuidados são importantes na produção de hortaliças para garantir alta produtividade e alta qualidade pós-colheita. Dentre as estratégias recomendadas, deve-se fazer uso de cultivares resistentes, uso de sementes tratadas e de boa qualidade, substrato livre de patógenos para produção das mudas, evitar a irrigação por aspersão, dando preferência ao gotejamento, revolvimento do solo dos canteiros sempre que houver renovação da horta, evitar o plantio próximo a lavouras velhas de solanáceas e destruição dos restos culturais ao fim de cada ciclo. Nesse contexto, é importante o aprofundamento dos estudos que possibilitem um maior entendimento do estabelecimento dos mecanismos de ativação da defesa vegetal latente, como o estudo da produção de enzimas em tecidos atacados por patógenos e os produtos naturais ou químicos com potencial elicitor para auxiliar na sobrevivência da planta em um ambiente hostil e garantir C rentabilidade do produtor. Maria Silvana Nunes e Luciana Cordeiro do Nascimento, PPGA/UFPB
Sintomas de antracnose em folha
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Frutas
Fotos Aloísio Sampaio
Qualidade certificada Avanços importantes têm sido registrados na profissionalização do setor de frutas e em seu mercado, com destaque para certificações e logística
O
Brasil, apesar de ser o 3º maior produtor mundial de frutas, encontra-se na 23ª posição como exportador mundial de frutas (Coopercitrus, 2019), destacando-se nas frutíferas mamão (2º), melão (4º), manga (5º), limão e lima (10º). A receita obtida pelas exportações de frutas em 2018 rendeu ao País o valor de 785,7 milhões de dólares, de acordo com 14
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a Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frutas (Abrafrutas), sendo que no 1º semestre de 2019 houve um aumento de aproximadamente 20% nas receitas em comparação ao 1º semestre de 2018. Este crescimento positivo e significativo deve-se a alguns fatores, como câmbio favorável, parceria da Agência Promotora das Exportações (Apex) com Abrafrutas nas participações
das feiras internacionais de frutas (Fruits Logística em Berlin e Fruit Attraction em Madri) e avanços importantes na profissionalização do setor, envolvendo certificações e logística. Dentre as várias certificações disponíveis no mercado, deve ser priorizada pelo produtor/exportador a Global G.A.P, reconhecida em mais de 80 países e com mais de 100 organismos de certificação independentes. Em 1997 (22 anos atrás), a rede de varejo europeia, preocupada com a qualidade e segurança alimentar dos alimentos adquiridos de outros países, criou um conjunto de normas denominadas Eurep (Euro Retailer Produce Working Group) e GAP (Good Agricultural Practive), cujo nome passou para Global G.A.P. em 2007. Os princípios técnicos que fundamentam a Certificação em seus 210 itens (47 obrigações maiores; 98 obrigações menores e 65 recomendações) estão baseados em princípios (www.globalgap.
org.br) como Boas Práticas Agrícolas, Rastreabilidade, Segurança Ambiental e do Trabalhador e Segurança Alimentar.
BOAS PRÁTICAS AGRÍCOLAS
Consiste no Manejo Integrado de Pragas, Controle Biológico, Manejo Integrado de Doenças, Cobertura do solo com vegetação rasteira, Adubação Verde nas entre linhas do pomar, Calagem e Gessagem, Adubação Orgânica, Compostagem, parcelamento da adubação mediante a fenologia da cultura, análise foliar etc.;
RASTREABILIDADE
A rastreabilidade através de rótulo, código de barra ou QR Code na embalagem do produto hortícola irá permitir o acesso ao produtor e, principalmente, todas as práticas culturais empregadas no campo, com destaque para os Limites Máximos de Resíduos (LMRs) permitidos pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Neste ponto há uma priorização importante com avanços importantes na ampliação da grade de defensivos registrados para as conhecidas pequenas culturas, ou Minor Crops, a fim de permitir ao fruticultor viabilizar a sua empresa. Este ponto é de suma importância para todos os produtos hortícolas, em função do volume de frutas comercializadas no mercado interno e da recente Instrução Normativa No 1 do Mapa e Anvisa, de 15 de abril de 2019, que tornou obrigatória a rastreabilidade na comercialização de frutas e hortaliças de maneira escalonada e progressiva. Já se encontra em vigor esta exigência para citrus, maçã e uva desde 1º de agosto de 2019. As frutíferas mamão, manga, banana, goiaba, morango e caqui em 1º de agosto de 2020 e em 2021 as demais fruteiras (abacate, abacaxi, maracujá, figo, pêssego, acerola, carambola) serão fiscalizadas. Para operacionalidade de uma certificação eficiente, algumas práticas devem ser
seguidas, tais como divisão do pomar em talhões com placas de identificação; implementação do caderno de campo e pós-colheita, com anotações de todas as práticas culturais empregadas em cada talhão; implementação de rótulo, código de barra ou QR Code nas embalagens.
Talhão de goiaba Chinesa identificada para posterior rastreabilidade dos frutos e QR Code na embalagem após classificação, Carlópolis (PR)
SEGURANÇA AMBIENTAL E DO TRABALHADOR
Na auditoria externa individual ou em grupo (associações ou cooperativas), haverá necessidade do cumprimento de várias normas obrigatórias, envolvendo devolução das embalagens vazias de defensivos (ver site do Instituto Nacional de Processadoras de Embalagens Vazias – Inpev), outorga e análise da água de irrigação, apresentação do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Plano de Recuperação Ambiental (PRA), caso necessário; armazenamento correto dos defensivos registrados para cultura; oferta dos Equipamentos de Produção Individual (EPIs); Registro dos Funcionários, Transporte adequado; Refeitório e banheiro etc.).
SEGURANÇA ALIMENTAR
A possível contaminação do fruto pode ocorrer pelo uso incorreto dos
Armazenamento de defensivos registrados para goiaba e embalagens vazias com tríplice lavagem para devolução Abril / Maio 2020 • Cultivar HF
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Fotos Aloísio Sampaio
Packing house da Cooperativa de Produtores de Goiaba (CPC) de Carlópolis (PR), certificada em grupo Global G.A.P. em 2019
Caderno de campo utilizado pelos produtores de goiaba de mesa de Carlópolis (PR)
Vista geral do terminal de logística de frutas produzidas no perímetro irrigado do Vale do São Francisco no Aeroporto Nilo Coelho, Petrolina (PE)
defensivos agrícolas, mas também pela presença de micro-organismos (bactérias e fungos) desde a colheita no campo até a gôndola do supermercado, ou seja, instrumentos de colheita, mãos e luvas higienizadas, caixas plásticas, ambiente de classificação, embalamento e armazenamento dos frutos também passam por um rigoroso checklist, e que representam para o empresário e o consumidor ganhos significativos de eficiência e qualidade do produto final;
16 cooperados, quatro deles deverão ser submetidos à verificação dos 210 itens referentes ao checklist, através de sorteio com a presença do auditor externo.
avaliação fitossanitária por técnicos do Mapa e/ou Anvisa, etc. Como os frutos são mais ou menos perecíveis, a escolha da modalidade de transporte irá recair basicamente sobre este ponto, pois o modal aéreo (figo, goiaba) representa custos aproximados de seis vezes superiores ao marítimo (melão, manga, limão Tahiti, avocado), de modo que há necessidade de políticas públicas para a redução das tarifas aeroportuárias de modo que o Brasil seja cada vez mais competitivo no mercado internacional. Ao visitar o Terminal de Cargas do Aeroporto Nilo Coelho, em Petrolina (PE), durante o XXVI Congresso Brasileiro de Fruticultura, realizado de 29 de setembro a 4 de outubro de 2019, verificamos que o terminal encontra-se ocioso e a concessionária tem prejuízo financeiro em sua operação, pois apenas um avião cargueiro (Cargo Lux) é carregado semanalmente com frutas do Vale do São Francisco para Luxemburgo, o que gera enorme preocupação sobre a sustentabilidade deste importante equipamento para exportação. Uma das soluções passa pelo levantamento de importações de insumos regionais que possam estimular a chegada de novos aviões cargueiros até a região do Vale do São Francisco, pois o fluxo de passageiros para uso de retorno da aeronave com os frutos teria menor C potencial a curto e médio prazo.
CERTIFICAÇÃO INDIVIDUAL OU EM GRUPO?
A grande maioria das empresas produtoras de frutas possui a certificação individual e precisa realizar uma Avaliação Interna do Sistema de Qualidade, evidenciando de maneira documentada que os fundamentos da norma estão sendo atendidos, tais como monitoramento de pragas e doenças para o manejo integrado, notas fiscais de insumos comprados, análise de sangue do técnico de pulverização de defensivos etc. Outra possibilidade importante para as cooperativas de fruticultores consiste na certificação em grupo e neste caso há necessidade de se implantar uma comissão de três cooperados que fiquem responsáveis pelo Sistema de Qualidade Interna (SQI). O número de propriedades a serem auditadas por empresa de consultoria externa credenciada deverá ser correspondente à raiz quadrada do número de envolvidos, ou seja, se houver 16
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CREDIBILIDADE DA CERTIFICAÇÃO
Após os investimentos em todos os fundamentos da norma, sugere-se a realização de uma pré-auditoria externa, a fim de uma checagem preliminar em relação a todos os pontos críticos de controle (PCC), caderno de campo e pós-colheita, documentação etc., pois os custos desta prestação de serviço são menores. Após as possíveis correções identificadas e com maior segurança faz-se o chamamento para a auditoria externa, que possui uma validade anual.
CUSTOS DA EXPORTAÇÃO DE FRUTAS
Quando se planeja a comercialização de um produto hortícola, há necessidade de ter amplo conhecimento sobre a fisiologia pós-colheita do fruto, a fim de dominar as técnicas de conservação (cadeia do frio, tipo de respiração, embalagem adequada, ventilação, paletização, atmosfera controlada etc.), bem como os procedimentos referentes à logística do produto, ou seja, atuação do despachante aduaneiro em promover a emissão e recolhimentos das taxas aduaneiras (portos ou aeroportos), seguro da carga ou contêiner, comprovantes de
Aloísio Costa Sampaio, Unesp - Campus de Botucatu
Capa
Inimigo monitorado Maria Cristina Canale
Presente em São Paulo, Minas Gerais e no Noroeste do Paraná, o psilídeo Diaphorina citri, vetor do Greening, é uma ameaça grave aos pomares de citros. Para evitar que o inseto e a doença se disseminem nos demais estados do Sul, como Santa Catarina, é preciso redobrar a atenção às medidas de acompanhamento e vigilância
O
Huanglongbing dos citros (HLB), também conhecido como Greening, é a doença mais importante dessa frutífera atualmente. A doença é causada pela bactéria habitante de floema Candidatus Liberibacter asiaticus e é transmitida pelo psilídeo-asiático-dos-citros, Diaphorina citri Kuwayama (Hemiptera: Liviidae). Os principais sintomas da doença são mosqueado nas folhas, nervuras amarelas e salientes, frutos pequenos, deformados e assimétricos com sementes abortadas, queda de folhas e de frutos. O mosqueado é o principal sintoma resultante da infecção pela liberibacter, e se caracteriza pela coloração verde clara e escura sem delimitação evidente nas folhas. As alterações provocadas pelo HLB nas plantas provocam grandes perdas de produtividade e podem levar a planta à morte dentro de poucos anos. O HLB foi detectado no Brasil em 2004, em Araraquara, no estado de São Paulo, e encontra-se disseminado de forma severa em São Paulo e em vários municípios de Minas Gerais e Paraná. No entanto, a doença é considerada uma praga quarentenária A2 no Brasil, ou seja, não está distribuída em todo o território nacional. Não existem variedades comerciais resistentes ou tolerantes ao HLB nem medidas curativas para a doença. Portanto, a única maneira de manejo desta doença se baseia na prevenção da infecção da árvore cítrica. Nos locais onde a doença é endêmica no Brasil, o manejo da doença Abril / Maio 2020 • Cultivar HF
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no campo vem sendo conseguido com certo sucesso ao serem utilizadas estratégias que envolvem plantio de mudas sadias, eliminação de plantas doentes e controle de D. citri, especialmente se essas medidas forem aplicadas regionalmente pelos citricultores. Em locais onde o HLB não está presente, o citricultor deve adquirir mudas produzidas em viveiros idôneos e evitar o transporte de mudas de outros estados, especialmente se a origem desse material não é conhecida. Há o risco de introdução do HLB nos estados do Sul do Brasil, onde a doença ainda não está presente ou ao menos não foi relatada. A doença vem sendo disseminada pelo Noroeste do Paraná. Possivelmente, as condições climáticas que ocorrem entre o Noroeste do Paraná e Oeste e extremo Oeste de Santa Catarina são propícias ao psilídeo, o que aumenta o risco de introdução do patógeno do HLB através da dispersão do inseto vetor. De fato, o psilídeo vetor foi registrado no estado em 2004, no município de Chapecó (Chiaradia et al, 2006). Caso a tendência da dispersão continue, é provável que o HLB chegue ao extremo Oeste catarinense. A disseminação da doença pelo estado traria grande impacto aos pequenos produtores de citros, que são maioria absoluta no estado e que seriam obrigados a erradicar plantas e possivelmente pomares inteiros, levando ao abandono da cultura. O estado do Rio Grande do Sul tem população de psilídeo, mas não há registro da doença. Manuela Sulzbach e colaboradores, em artigo publicado na revista Tropical Plant Pathology em 2018, estimam que o risco de introdução e disseminação do HLB no estado do Rio Grande do Sul pode ser classificado como médio ou alto e consideram que a presença da doença em países vizinhos e o transporte de frutas de outras regiões são os fatores que mais colaboram para o risco. A Instrução Normativa n° 53, de 16 de outubro de 2008, rege que, em Unidades Federativas sem a ocorrência da praga, o Órgão Estadual de Defesa Sanitária Vegetal realize levantamentos semestrais da doença. As condições encontradas devem ser informadas regularmente ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). A Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc), juntamente com a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), tem monitorado a ocorrência do HLB no estado. O monitoramento da doença é feito através de levantamentos do psilídeo vetor do HLB no estado, bem como vistoriando os pomares na busca de plantas com sintomas típicos do HLB, como o mosqueado. Diferentes métodos de amostragem são utilizados para monitorar populações de D. citri em campo. Um método comumente utilizado é a avaliação da população de psilídeos através de observação visual das plantas em busca de ovos, ninfas e adultos do psilídeo. Outro método largamente utilizado é a captura de adultos em armadilhas adesivas amarelas, disponíveis comercialmente. Em diversos lugares no mundo onde a doença foi primeira18
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Fundecitrus
Folhas de laranjeira exibindo sintomas de mosqueado, que é caracterizado pela coloração verde clara e escura sem delimitação evidente
mente identificada, a detecção se deu através de inspeções baseadas no psilídeo vetor, devido à facilidade de instalação de armadilhas para a captura desses insetos e à dificuldade de reconhecer os sintomas na planta, que muito se parecem com deficiência nutricional. O monitoramento sistemático no estado de Santa Catarina foi iniciado em 2016. Atualmente, são vistoriados pomares comerciais nos municípios de Chapecó, Itajaí, Mafra, Celso Ramos, Araranguá, Balneário Rincão, Pouso Redondo, São Lourenço do Oeste e Apiúna. Armadilhas adesivas amarelas são instaladas no terço superior das plantas cítricas, nas bordas e no interior dos pomares. Após recolhidas, as armadilhas são enviadas para o Laboratório de Fitossanidade do Centro de Pesquisa para Agricultura Familiar (Cepaf/Epagri), onde são examinadas buscando-se a presença do psilídeo com a ajuda de um estereomicroscópio. D. citri é um inseto pequeno, que mede 2,7mm a 3,3mm de comprimento quando adultos, com manchas marrons características nas asas. Aproximadamente 2.500 armadilhas já foram analisadas e um psilídeo D. citri foi encontrado em apenas uma. Em teste molecular para a detecção de liberibacter, verificou-se que o inseto não estava infectado com a bactéria. Árvores com sintomas também não foram encontradas durante as vistorias desses pomares. Até o presente momento, o HLB não foi detectado em Santa Catarina, estado que se apresenta com a condição de “livre de ocorrência da praga” perante o Mapa. Medidas como essa que a Cidasc e a Epagri realizam são também desempenhadas em outros locais com o intuito de prevenir a invasão do HLB e o consequente impacto sobre a citricultura local. A Argentina tem um programa de monitoramento e erradicação do HLB e dispõe de um canal aberto de comunicação com a instituição responsável funcionando
Fotos Maria Cristina Canale
Psilídeo-asiático-dos-citros capturado em armadilha adesiva amarela. O inseto é identificado observando-se o tamanho e pelo padrão das manchas marrons nas asas
Análise da armadilha em laboratório, utilizando um estereomicroscópio.
continuamente. Viveiros clandestinos são destruídos quando encontrados. A doença já foi relatada por lá, assim como na Colômbia e no Paraguai. No Peru, onde a doença ainda é ausente, medidas de prevenção foram implementadas, nas quais apreende-se material sem certificação em circulação. Nos Estados Unidos, uma medida de quarentena foi anunciada a partir da detecção de uma única árvore doente no condado de San Bernardino, na Califórnia. A medida proíbe o movimento de todos os materiais ou partes de citros a partir daquela área. No Brasil, a Instrução Normativa n° 53 rege não apenas o monitoramento da doença em áreas onde está presente e ausente, mas também medidas para prevenir a sua disseminação, como a produção de mudas e material de propagação em ambiente protegido, cuja construção esteja de acordo com exigências e trânsito de material com certificação
fitossanitária de origem e permissão. Todo material em que se constata a infecção pelo HLB é eliminado. A produção brasileira de laranja é a maior do mundo e responde por mais de 60% do total de suco produzido e 80% do mercado internacional. A produção de laranja em Santa Catarina gera rendimento bruto de aproximadamente R$ 11 milhões, dos quais se beneficiam 1.371 produtores (dados de Goulart Junior et al, Relatório de projeto: Fruticultura Catarinense - Valor da produção comercial na safra 2014/15), na sua maioria agricultores familiares, o que evidencia a importância social da citricultura para os produtores catarinenses. Mais de 80% da produção se concentra nas regiões Oeste e Alto Vale do Itajaí, com predominância de laranjas e tangerinas voltadas para a indústria de sucos e consumo in natura. Como não há oferta de cultivares resistentes ao HLB nem medidas curativas à doença, medidas preventivas para impedir sua introdução em Santa Catarina e em outros estados onde a doença não está presente se fazem necessárias. Os produtores catarinenses de citros devem entrar em contato com a Cidasc caso identiC fiquem suspeita do HLB em sua propriedade. Maria Cristina Canale, Rodolfo Vargas Castilhos, Luana Aparecida Castilho Maro e Eduardo Cesar Brugnara, Epagri
Uva
Videira atacada
A
Fotos Marcos Botton
De tamanho pequeno, semelhante a um pulgão, a filoxera Daktulosphaira vitifoliae é uma praga que ao afetar as raízes leva ao declínio gradual das plantas, além de facilitar o acesso de patógenos presentes no solo. Na parte aérea provoca distorção foliar, necrose e desfolhamento precoce. O uso de porta-enxertos resistentes e o emprego de controle químico, no caso de cultivares-copa, são as principais estratégias contra este inseto
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filoxera-da-videira Daktulosphaira vitifoliae (Fitch, 1856) (Hemiptera: Phylloxeridae) é um inseto pequeno (0,8mm a 1,2mm de comprimento), semelhante a um pulgão, que se alimenta de raízes e folhas da videira. O hemíptero é nativo da América do Norte, porém se transformou em uma praga de importância econômica no final do século 19, quando foi introduzido na Europa e se espalhou rapidamente nos principais países produtores, dizimando vinhedos de V. vinífera. Isso ocorreu porque naquela época as plantas de videira eram cultivadas como pé franco. Ao atacar as raízes de V. vinífera (forma radícola), o inseto provoca dois sintomas característicos: as nodosidades e as tuberosidades. As nodosidades ocorrem no tecido não lignificado da planta, perto das pontas das radicelas formando estruturas semelhantes a ganchos (Figura 1). As tuberosidades ocorrem em partes lignificadas da raiz, e a alimentação permanente nessas raízes pode levar ao declínio gradual das plantas associado à presença de patógenos presentes no solo, devido aos ferimentos causados nos locais de inserção dos estiletes durante a alimentação (Figura 2). Na parte aérea, (forma galícola) a filoxera forma estruturas conhecidas como galhas (Figura 3) que se formam principalmente nas folhas novas. Dentre os sintomas advindos da formação dessas galhas nas folhas, destacam-se a distorção foliar, a necrose e o desfolhamento precoce. A forma galícola atinge altas populações apenas em videiras americanas, sendo necessário o controle em viveiros de porta-enxertos e em alguns anos na parte aérea de cultivares híbridas, onde causa redução da produção de ramos. Adicionalmente, em novos plantios, o inseto impede o desenvolvimento das plantas, tornando-as fisiologicamente mais suscetíveis aos estresses bióticos e abióticos. Além disso, a grande quantidade de galhas reduz a capacidade fotossintética das plantas, diminuindo a concentração de carboidratos, diminuindo o potencial
de formação do callus de enxertia por ocasião da etapa de produção de mudas. Já cultivares-copa, híbridas como a BRS Lorena e a BRS Bibiana, têm demonstrado suscetibilidade à forma galícola da filoxera, tornando necessária a aplicação de inseticidas nos vinhedos em situações de elevada infestação. No Brasil, a filoxera tem sido encontrada em praticamente todas as regiões vitícolas do país. A convivência com o inseto, sem a repercussão negativa observada em outros países, tem sido atribuída ao cultivo intensivo de cultivares de videiras de origem americana como Isabel, Bordo, Concord e Niágara, que hospedam a praga nas raízes, porém toleram o seu ataque. Em cultivares de V. vinifera geralmente não ocorre a forma galícola (parte aérea), havendo somente a forma radícola, que permanece o período de inverno nas nodosidades e tuberosidades produzidas. As propriedades texturais do solo, particularmente a proporção de areia para teor de argila, é um fator importante que afeta o estabelecimento, o desenvolvimento e a dispersão populacional da filoxera. De maneira geral, solos arenosos minimizam a infestação da praga.
Figura 1 - Nodosidades causadas pela filoxera em raízes de Vitis vinifera de origem americana. (A) fêmea adulta; (B) massa de ovos (imagem ampliada em 32x); (C) nodosidade em radicela
Figura 2 - Tuberosidades causadas pela filoxera em raízes de Vitis vinifera. (A) tuberosidade proveniente da sucção do inseto (ampliação 20x); (B) fêmea; (C) ovos (ampliação da imagem 32x)
CICLO BIOLÓGICO
A filoxera apresenta ciclo biológico complexo, incluindo formas reprodutivas sexuadas, assexuadas, aladas e ápteras (sem asas). Na primavera, através dos ovos de inverno depositados no ritidoma (camada externa da casca) da videira pelas formas ápteras sexuadas, ocorre a eclosão das ninfas de primeiro instar que irão colonizar as folhas novas da videira de origem americana e formar as primeiras galhas. Cada fêmea galícola pode ovipositar centenas de ovos, reproduzindo-se partenogeticamente no interior da galha (Figura 3). Posteriormente, dependendo das condições climáticas, destes ovos podem surgir novas fêmeas galícolas que irão completar várias gerações nas folhas, ou fêmeas radícolas, que migram para o solo e se desenvolvem no
Figura 3 - Galhas de filoxera em folhas do porta-enxerto Paulsen 1103. Na ampliação ao lado, através de um corte transversal na galha, é possível visualizar uma fêmea adulta de filoxera com ovos. (Ampliação da imagem em 40x)
sistema radicular, causando nodosidades em raízes jovens em expansão ou tuberosidades, em raízes lignificadas. Ao término do verão, alguns ovos de fêmeas radícolas originam formas aladas, que emergem do solo e migram para as partes lenhosas da planta (Figura 4). Esses insetos alados ovipositam dois tipos de ovos: um menor que origina machos
ápteros e outro maior, que origina fêmeas ápteras. Após o acasalamento, essas formas ápteras reiniciam o ciclo ovipositando ovos de inverno (um por fêmea). Em alguns casos, uma rota alternativa pode ocorrer onde formas sexuais (ovo macho e ovo fêmea) são produzidas pelas fêmeas galícolas. O “fundatrix” (ovo de inverno) é ovipositado no ritidoma Abril / Maio 2020 • Cultivar HF
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Fotos Marcos Botton
No Brasil, em criação in vitro realizada em raízes lignificadas de Cabernet Sauvignon, os ovos apresentam período de incubação de 5 ± 0,36 dias com 100% de viabilidade. O inseto passa por quatro instares, sendo o primeiro mais longo, com duração média de 10,72 ± 0,41 dias, o segundo, terceiro e quarto instares apresentam, 1,71 ± 0,06, 1,50 ± 0,06 e 1,57 ± 0,05 dias, respectivamente (Figura 5). Em condições ideais, (25°C, 70% de umidade no escuro) adultos em raízes extirpadas sobrevivem de um mês a dois meses, ovipositando diariamente ao redor de nove ovos por fêmea, com média de 207,79 ± 11,98 ovos/fêmea ao longo da vida.
CONTROLE
Figura 4 - (A) Forma alada de D. vitifoliae; (B) ovo; (C) ninfa de primeiro instar, (D) adulto com as projeções das asas surgindo nas laterais do corpo. (Ampliação da imagem em 32x)
das plantas, permanecendo sob forma hibernante durante o inverno. Alternativamente, além do ovo de inverno, pode ocorrer a hibernação das ninfas de primeiro instar, enquanto as demais fases de desenvolvimento não sobrevivem ao frio. Nas raízes, os ovos apresentam período de incubação de seis dias em condições ideais de temperatura (22ºC a 26°C), com 90% de viabilidade. As ninfas de primeiro instar são ativas e podem mover-se entre as raízes para estabelecer novos pontos de alimentação. Quando o inseto muda para o segundo instar, as formas galícolas e radícolas da filoxera tendem a se alimentar em um ponto fixo. Existem quatro instares que antecedem a fase adulta completando essa fase em menos de uma semana.
O controle químico da filoxera, quando presente nas raízes, não tem sido recomendado pois, em geral, as espécies de porta-enxertos utilizadas são resistentes ao ataque do inseto. O controle da forma galícola, em campos de matrizes de porta-enxertos ou em novos plantios de porta-enxertos para posterior enxertia, tem sido realizado a partir do aparecimento das primeiras galhas. Já para cultivares-copa, como a BRS Lorena e BRS Bibiana, a aplicação de inseticidas nos vinhedos é necessária em situações de elevada infestação. Os inseticidas com eficácia para o controle do inseto são imidacloprid, thiamethoxam, piretroides e mais recentemente a flupiradifurona. É necessário estar atento para a possibilidade de aparecimento de ácaros fitófagos em decorrência da aplicação sequencial de inseticidas de amplo espectro que provocam desequilíbrio na população de inimigos naturais, contribuindo C para o surgimento de pragas secundárias. Simone Andzeiewski e Daniel Bernardi, UFPel Marcos Botton, Embrapa Uva e Vinho
Figura 5 - Ciclo biológico (fase radícola) de D. vitifoliae, com valores médios de cada uma das fases de desenvolvimento em raízes extirpadas de Cabernet Sauvignon mantidas em câmara climatizada (a 25 ± 1ºC, 75 ± 10% de umidade relativa, no escuro). Imagens ampliadas em 32x 22
Cultivar HF • Abril / Maio 2020
Alface
Geraldo Milanez de Rezende
Plantio direto Como o uso da palhada de sorgo sobre o solo pode favorecer o cultivo de alface crespa por proporcionar menor infestação de ervas daninhas, maior capacidade de reter água no solo e redução da luminosidade do sol em uma cultura pouco tolerante a altas temperaturas
A
s hortaliças possuem uma grande representatividade no cenário nacional agropecuário. Uma cultura que se destaca é a alface (Lactuca sativa), hortaliça com produção de folhas cuja área plantada é estimada em torno de 35 mil hectares (1 hectare equivale a 10.000 m2). Dados de Costa e Sala (2005) dão conta de que este mercado, desde a produção de sementes à comercialização em feiras e grandes redes de supermercados, está na casa dos dois milhões de dólares por ano. As cultivares que possuem maior aceitação na mesa do consumidor brasileiro são do grupo crespa, que lidera o ranking, com um nicho de mercado que possui uma fatia com mais de dois terços (2/3) da cadeia. Americana e lisa possuem de 10% a 15%, respectivamente. Sua estrutura fisiológica depende de recursos imediatos, com uso de fertilizantes tanto de solo como foliar,
pois possuem baixa duração no período vegetativo. Seu florescimento é rápido e com grande capacidade de produção de sementes, além de possuir alto número de folhas e massa da planta. Estes fatores estão relacionados ao fotoperíodo e principalmente à temperatura. Autores citam que temperaturas acima de 20ºC podem causar pendoamento precoce, tornando inservível a planta para o consumo. Como este mercado está em franca expansão, muitas empresas têm utilizado seus departamentos de pesquisas para aprimorar e desenvolver novas cultivares, com adaptabilidades a climas específicos. Um dos problemas encontrados pelos produtores reside no fato de que as hortaliças, na maioria das vezes, são plantas suscetíveis ao sol, ou seja, não são tolerantes a altas temperaturas, por isso o uso de produção em áreas cobertas. Outros fatores que impedem o produtor de obter altas produções é a incidência
de ervas daninhas e a baixa retenção de água para as raízes. Com um clima propício, o Paraná tem uma vasta área de produção de hortaliças e é o terceiro maior produtor do Brasil. Trabalhos como de Trintin (2001), Rodrigues et al (2004), Sereia et al (2002) apresentaram grande importância para a agropecuária estadual, movimentando grandes volumes de dinheiro. Um salto na representatividade do estado reside na adesão ao plantio na palha de grandes culturas, como a soja e o milho, que posteriormente pode abranger outras culturas. O plantio na palha é conhecido como sistema de plantio direto, que consiste em uma cadeia de operações tanto no solo, como na planta, que traz muitos benefícios para o desenvolvimento geral das culturas. Um dos princípios para que o SPD possa ter eficácia é a cobertura do solo, evitando assim diversos probleAbril / Maio 2020 • Cultivar HF
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Figura 1 - Análise química do solo. Sendo: S.B.: soma de bases; Ca: cálcio; Mg: magnésio; K: potássio; Al: alumínio; P: fósforo, H+Al: hidrogênio + alumínio Amostras de solo (m) 0 – 0,20
pH H2O 5,87
S.B. (%) 23,04
H+Al 1,02
Ca
Mg K cmmolc/dm3 11,21 3,10 1,02
Al 0,1
P mg/dm3 35,42
Fonte: autores (2019)
Figura 2 - Croqui da área experimental de plantio da alface cultivar Crespa sobre a palhada de sorgo, Palotina, 2019
Tabela 1 - Resultados coletados nos canteiros da experimentação, na utilização do SPD na alface cultivar Crespa, no Colégio Agrícola de Palotina, Toledo, 2019 Tratamento Testemunha Média geral CV (%) p-valor
Número de plantas 10,33a 6,83b 8,58 2,74 0,000016
MFPA (g) 95,50a 83,33b 89,92 6,51 0,0000000004
MSPA (g) 3,50a 2,82b 3,15 3,44 0,0000026
Sendo: MFPA: massa fresca de parte aérea; MSPA: massa seca de parte aérea; CV (%): coeficiente de variação em porcentagem; p-valor: nível descritivo ou probabilidade de significância. Letras diferentes diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de probabilidade. Fonte: autores (2019)
mas no transcorrer do desenvolvimento das plantas, como as infestações de daninhas, a redução do peso e velocidade das gotas de chuva, o aumento na liberação da matéria orgânica por completo no solo, dentre outros fatores. Esta união de fatores melhora o sistema completo dos atributos físicos, químicos e biológicos do solo. Alguns autores, como Alvarenga et al (2001), deixaram claro que a palhada sobre o solo é fundamental para que o SPD possa ter eficácia e aumento na eficiência do desenvolvimento do solo e da planta. Esta palhada cria um ambiente favorável às condições físicas, químicas e biológicas do solo, contribuindo para o controle de plantas daninhas, a estabilização da produção e a recuperação ou manutenção da qualidade do solo. Diversas são as variedades de plantas que podem atuar como cobertura do solo (palhada). Em geral, as leguminosas são preferidas, além de ser consideradas adubos verdes, por possuir alto poder de aproveitamento do nitrogênio atmosférico. Possuem também um sistema de raízes profundas (pivotantes), além de uma relação C/N alta, que resulta em uma decomposição rápida e eficiente. Contudo, plantas de outras famílias podem ser utilizadas com essa finalidade, principalmente se o objetivo for a manutenção da cobertura do solo, e não a incorporação de resíduos. Segundo Igue (1984), as gramíneas (monocotiledôneas), por possuírem raízes axiais ou chamadas cabeleiras, têm maior área de atuação no solo, o que melhora a estrutura física, 24
Cultivar HF • Abril / Maio 2020
aumentando a porosidade e a desagregação das partículas específicas, uma grande aliada para a rotação de culturas leguminosas. A relação C/N mais elevada dessa família implica maior permanência dos resíduos no solo, favorecendo o estabelecimento da cobertura. Do Norte ao Sul do País há plantas que estão completamente adaptadas para este fim, como o sorgo. O sorgo (Sorghum bicolor L. Moench) é uma planta com características xerofílicas, que além da sua baixa exigência em termos de riqueza mineral do solo, apresenta tolerância/ resistência aos fatores abióticos, como estresse hídrico e salinidade. O sorgo é uma planta C4, ou seja, possui altas taxas fotossintéticas. A grande maioria dos materiais genéticos de sorgo requer temperaturas superiores a 21ºC para um bom crescimento e desenvolvimento (Magalhães, 2003). Tabosa et al (2002) ressaltam o cultivo de plantas xerófilas no semiárido nordestino como meta fundamental para o aproveitamento dessa região, tendo em vista as suas adversidades climáticas. Considerando-se esse aspecto, e aquele relacionado aos diferentes sistemas de produção, prevalecentes na região, infere-se que é de interesse o desenvolvimento de um programa de avaliação de variedades e híbridos de sorgo, com o objetivo de subsidiar os agricultores na escolha de materiais de melhor adaptação, e que sejam portadores de atributos agronômicos desejáveis. O cultivo do sorgo vem aumentando sua importância na região Nordeste, principalmente nas áreas com ocorrências frequentes de deficiência hídrica, devido às suas características de resistência à seca e substituto do milho na alimentação animal em rações balanceadas para bovinos, suínos e aves (Pitombeira et al, 2004).
EXPERIMENTO
Com o objetivo de avaliar a produção da alface crespa com a utilização do sistema de plantio direto na palha de sorgo, um experimento foi conduzido em condições de campo, no período de setembro a outubro de 2019, no Colégio Agrícola Estadual Adroaldo Augusto Colombo (CAEAAC - PR), no município de Palotina, Paraná, com altitude de 240m, Latitude Sul 24°47’16” e Longitude Oeste 53°43’29”, região Oeste do Paraná, no Sul do Brasil. Através da análise de solo retirado do local do experimento constatou-se ausência de necessidade de correção ou mesmo de aplicação de fertilizante de solo. O resultado da análise de solo pode ser observado na Figura 1. O solo da região é classificado como Latossolo Vermelho eutrófico de textura muito argilosa. Apesar dos resultados (Figura 1), foram aplicados 20kg/ha de “esterco de boi curtido” (compostagem), cinco dias antes do plantio do sorgo, como fonte de matéria orgânica e oferta de nutrientes (principal função da liberação de matéria orgânica para melhora dos processos químicos, biológicos e físicos). A incorporação ocorreu nos canteiros por meio de enxadas, através de trabalho manual. O híbrido de sorgo utilizado foi o Agroeste (AS4639), com a semeadura a lanço, sendo aplicado em 1m2, 10g de sementes. A função exclusiva do sorgo foi de produção de palhada (cobertura do solo) para o plantio da alface cultivar Crespa. Quando o sorgo estava
Figura 3 - Disponibilização do modelo estatístico do experimento no campo, DBC do plantio da alface cultivar Crespa sobre a palhada de sorgo, Palotina, 2019
em ponto de maturação, as plantas foram picadas com um facão simples, deixando o caule (talo) com uma altura de 10cm do solo. Foram utilizadas as folhagens e a frutificação para cobertura do solo. As mudas de alface cultivar Crespa foram adquiridas em uma casa agropecuária da mesma cidade. Nos canteiros onde foram colocadas as testemunhas não houve semeadura do sorgo ou de qualquer outro tipo de cobertura do solo. O transplantio ocorreu no mesmo dia da compra das mudas, no mês de setembro de 2019. O espaçamento utilizado no plantio da alface foi de 0,20m x 0,20m (espaçamento entre plantas e espaçamento entre linhas), com uma área de planta de 0,04m2, conforme Figura 2. Os tratos culturais da alface incluíram irrigação quando necessário. Foi utilizado um aspersor (Microaspersor Rotativo Bailarina de estaca de 60cm com microtubo 1m), ligado uma vez ao dia. Também foi realizada uma adubação simples de cobertura do 5-1010, em uma dosagem 50g/m2. Ambos os manejos foram realizados tanto nos canteiros do tratamento como na testemunha. No experimento foi aplicado o delineamento em blocos casualizados (DBC) (Figura 3). A metodologia usada neste trabalho foi descrita e adaptada por Resende et al (2003), avaliando número de folhas viáveis para consumo, massa fresca da parte aérea e massa seca da parte aérea (g). Os dados foram submetidos à análise de variância e comparados pelo teste de Tukey ao nível de 5% de probabilidade, com auxílio do
programa estatístico Action. Para os gráficos foi usado o Origin 6.0. Foi também aplicada neste experimento a análise de regressão. A Figura 3 exibe os resultados de número de folhas, massa fresca e massa seca de parte aérea da alface cultivar Crespa no sistema com plantio direto com o uso de sorgo como palhada. Houve um aumento nas variáveis apresentadas do tratamento em relação à testemunha. Isso pode ser decorrente de uma menor infestação de ervas daninhas, maior capacidade de reter água no solo e principalmente redução da luminosidade do sol. Menezes e Mozena (2004), em um trabalho, utilizando diversas fitomassas, inclusive o sorgo, apresentaram resultados satisfatórios em relação à melhora na estruturação do solo. A massa fresca de parte aérea é um indicador importante para a produção de alface. Na Figura 3 é possível observar que a MFPA do tratamento obteve um incremento de 3,5g por planta, em uma área em que o produtor possui 10.000 plantas 35.000g, ou seja, 35kg a mais na produção. Reforçando estes valores significativos com o uso do SPD, Duarte Junior et al (2009), ao avaliarem a infestação de ervas daninhas na cultura da cana-de-açúcar, conseguiram obter respostas de produtividades acima de 25% em relação ao plantio convencional. Oliveira et al (2006) analisaram a viabilidade do SPD na alface cultivar Vera utilizando gramíneas e forrageiras, mas não obtiveram a mesma resposta, no plantio direto em relação ao convencional. Ao contrário do que ocorreu nesta pesquisa, em que NF, MFPA e MSPA registraram diferenças significativas qualitativas e quantitativas, estatisticamente. O número de folhas e a massa fresca de parte aérea no SPD mostraram resultados satisfatórios em relação ao sistema convencional. Esses dados podem ser relacionados com a menor concorrência da alface em
relação às ervas daninhas. Girardello et al (2017) trabalharam com alface no Rio Grande do Sul, com sistema de transição de cultivo convencional e direto com algumas leguminosas e gramíneas e obtiveram maior resultado de massa fresca e altura de planta quando analisados trabalhos em sistema de transição. A Figura 4 apresenta as curvas e suas respectivas equações de regressão, aplicados no modelo de número de folhas, massa fresca e seca de parte aérea da alface cultivar Crespa no município de Palotina, Paraná. Consideradas as variáveis de plantio direto e convencional, observa-se na Figura 4.a, que a MFPA do tratamento sempre esteve acima dos pontos da testemunha (sistema de plantio convencional). O mesmo se verifica nas figuras subsequentes (4.b e 4.c), onde as linhas de tendências do tratamento são maiores que a testemunha, mesmo observando os pontos de máxima e mínima no início e no final da tendência. O experimento apresentou grande eficiência nas questões relacionadas a número de folhas, massa fresca e seca de parte aérea da alface, com incrementos nos resultados finais, que podem vir a melhorar a rentabilidade final do empresário rural. Foi observado, sem aplicação de dados estatísticos, que no canteiro em que foi semeado o sorgo, a infestação da principal erva daninha da região, a tiririca (Cyperus rotundus), teve redução significativa na germinação. Este resultado pode estar relacionado à menor incidência de raios solares, o que dificulta para a planta produzir o metabolismo da C fotossíntese. Emmanuel Zullo Godinho CAEAAC Fernando de Lima Canepele USP Helio Vagner Gasparotto Unesp
Figura 4 - Curvas e equações de regressão polinomiais aplicadas no modelo estatístico, no sistema de plantio direto com uso da palhada de sorgo e convencional na alface cultivar Crespa, Palotina, PR A
B
C
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Tomate
Ameaça O concreta
Com alta capacidade de disseminação e de provocar danos à produção de tomate, o Tomato Brown Rugose Fruit Virus (ToBRFV), descrito pela primeira vez em Israel, em 2014, é quarentenário no Brasil e exige esforços de toda a cadeia produtiva para evitar seu ingresso no País
Fotos Moshe Lapidot
Tomato Brown Rugose Fruit Virus ou simplesmente ToBRFV é um vírus que foi descrito pela primeira vez em 2014, em Israel. Faz parte do grupo dos tobamovírus, em que os mais conhecidos são o Tobacco Mosaic Virus (TMV) que infecta o fumo, o Tomato Mosaic Virus (ToMV) do tomateiro, o Pepper Mild Mottle Virus (PMMoV) da pimenteira e o Odontoglossum Ring Spot Virus (ORSV) de orquídeas, todos já relatados no Brasil. Esse vírus, como os outros tobamovírus, acumula-se em grande quantidade no tecido infectado e é facilmente transmitido por contato. Os principais mecanismos de disseminação dos tobamovírus são pela semente e por contato com materiais contaminados, como partes da planta, ferramentas, implementos, mãos, luvas e roupas. Esses vírus são muito estáveis e permanecem viáveis por longos períodos na área em partes de plantas secas e contaminantes de ferramentas agrícolas. Durante os procedimentos de poda e amarrio, esses vírus são facilmente transmitidos de uma planta a outra. Foi relatado também que esse vírus pode ser transmitido por abelhas (mamangavas - "bumblebees" - "Bombus terrestris") durante a polinização. A transmissão por sementes não foi confirmada, apesar de o vírus ter sido detectado em sementes, na superfície e internamente. A doença pode ocorrer tanto em campo aberto como em cultivo protegido. Entretanto, espera-se que a incidência seja mais séria e frequente em estufas com plantios continuados.
O VÍRUS INFECTA QUAIS PLANTAS?
O ToBRFV já foi relatado infectando tomateiro, pimentão e berinjela naturalmente, mas a lista é longa quando testes de inoculação foram realizados. As seguintes plantas foram infectadas por inoculações artificiais: fumo (Nicotian benthamiana, N, clevelandii, N. glutinosa, N. sylvestris, N. tabacum), maria-pretinha (Solanum nigrum), chenopodium (Chenopodium amaranticolor, C. benghalense, C. murale, C. quinoa), chenopodiastrum e petunia 26
Cultivar HF • Abril / Maio 2020
Wilstermann A e Ziebell H
Folha deformada, afilada, de planta de tomateiro infectada por ToBRFV
(Petunia x hybrida).
SINTOMAS
ToBRFV tornou-se um dos vírus quarentenários mais temidos pelos produtores. Isso se deve à severidade dos sintomas que causa, pela rápida dispersão no ambiente e por não existirem cultivares com resistência à infecção. Os sintomas consistem de manchas de cor clara (mosqueado), clorose e mosaico nas folhas, deformação foliar e nanismo. Clareamento de nervuras e afilamento de folhas podem ocorrer ocasionalmente. Os sintomas podem ser amenos a severos e normalmente visíveis na parte mais nova das plantas infectadas. Os frutos são em geral menores, enrugados, com manchas circulares de cor amarelada e também manchas amarronzadas na superfície. Os frutos podem ficar deformados e com maturação irregular. Pode haver formação de lesões em outras partes da planta, como pecíolo de folhas, pedúnculo e cálice dos frutos. Há redução na produção (relatos de 30% a 70%) e as manchas prejudicam a comercialização dos frutos. Os sintomas são mais severos em plantas com infecção precoce e normalmente aparecem após 12 a 18 dias da inoculação. Em pimentão (Capsicum annuum), os sintomas incluem deformação, clorose e mosaico nas folhas. Frutos nesta planta ficam deformados, com áreas amarelas ou marrons ou listras verdes. A doença pode ser confundida com outras em tomateiro, portanto a diagnose não é simples. As manchas nos frutos são parecidas com aquelas causadas por tospovírus, que causam o vira-cabeça do tomateiro. Também podem ser semelhantes a manchas causadas pelo pepino mosaic virus, não relatado no Brasil.
HÁ CULTIVARES COM RESISTÊNCIA?
O vírus ToBRFV chamou atenção por infectar plantas
Fruto de tomate com manchas cloróticas de plantas infectadas por ToBRFV
resistentes à infecção pelos tobamovírus. Aqui no Brasil, e também no restante do mundo, há uma grande oferta de cultivares de tomateiro que apresentam resistência à infecção pelos tobamovírus, principalmente ao ToMV, o mais comum em tomateiro. O gene de resistência Tm-22 é amplamente usado e frequentemente presente nas cultivares de tomateiro comercializadas no Brasil. Dessa forma, o aparecimento de sintomas lembrando a infecção por ToMV em plantas com resistência pode indicar a presença do ToBRFV e é necessária a sua confirmação urgente. Em pimentão, acredita-se que o gene L confere resistência ao ToBRFV.
ONDE JÁ FOI RELATADO?
O vírus foi relatado em Israel (2014) e posteriormente na Jordânia (2015). Rapidamente, o vírus se alastrou para outros países: Itália (2018), México (2018), Turquia (2019), China (2019), Grécia (2019), Reino Unido (2019) e Holanda (2019). Após a constatação da doença na Alemanha (2018) e nos Estados Unidos (2017), foi possível a realização de medidas de erradicação e estes dois países ainda são considerados como livres da doença. A erradicação é um procedimento muito complexo, por este vírus contaminar facilmente as ferramentas de produção, mas a partir dessas duas experiências de sucesso conclui-se que a eliminação de todas as plantas infectadas é possível e deve ser implementada assim que a ocorrência do vírus seja confirmada. No Brasil, o ToBRFV é quarentenário e é necessário que sejam realizados esforços para se impedir a entrada do vírus. Recomenda-se que todos redobrem a atenção para detectar plantas suspeitas. Em caso de suspeita de ocorrência do vírus, primeiro avaliar se a cultivar é resistente à infecção por ToMV. Se resistente, solicitar a realização do teste de detecção de ToBRFV em clínicas fitopatológicas ou na Embrapa Hortaliças. Medidas de erradicação precisarão ser efetuadas na tentativa de Abril / Maio 2020 • Cultivar HF
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Wilstermann A e Ziebell H
do compartimento com as plantas. Sanitizar todas as ferramentas cortantes de trabalho após cada planta. Depois da colheita, retirar todos os restos vegetais e desinfestar toda a estufa.
EM CASO DE LAVOURA COM PLANTAS INFECTADAS
conter o vírus e evitar a sua dispersão em outras áreas de produção. O problema é muito sério.
ESTABILIDADE DA PARTÍCULA VIRAL?
As partículas virais ficam ativas na pele e nas luvas por mais de duas horas. Já em superfície de vidro, os vírus ficam ativos até quatro semanas; em concreto por mais de uma semana; em aço, alumínio, plástico e politeno por mais de quatro semanas. Sabe-se que o vírus permanece ativo em superfície plástica com tratamento de 70°C por 5', mas é inativado quando tratado por 90°C por 5'.
MANEJO DA DOENÇA
O manejo da doença causada pelo ToBRFV é concentrado no uso de sementes e mudas sadias. Luvas, ferramentas e roupas devem ser lavadas e trocadas com regularidade. Estacas, bandejas e tesouras devem ser limpas e desinfectadas com frequência. Utilizar luvas e sempre lavar as mãos antes e depois do seu uso. A desinfecção das ferramentas pode ser feita com água sanitária (>0,5% hipoclorito de sódio) ou leite desnatado. Sempre que for entrar na lavoura, lavar as mãos com sabão. Nos Estados Unidos, a suspeita é de que o vírus foi introduzido por frutos de tomate importados do México e que eram vendidos nos mercados. A contaminação das mãos dos trabalhadores com frutos 28
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infectados pode ter sido a causa da introdução do vírus na lavoura.
MUDAS SUSPEITAS EM VIVEIRO
Se houver suspeita de ocorrência de ToBRFV em mudas de tomateiro no viveiro, recomenda-se realizar teste de detecção para confirmação e eliminar todas as mudas em um raio de 1,5m. Cortar a água um dia antes da remoção. Durante a eliminação das plantas, não tocar em mais nada e incinerar todas as plantas. Destruir ou desinfectar todas as bandejas e materiais usados para o processo. Limpar a área e remover todos os restos de planta e substrato. A área, os equipamentos e as ferramentas devem ser desinfectados com produtos como água sanitária (0,5% hipoclorito de sódio). Leite em pó desnatado na concentração de 3,5% ajuda a prevenir a disseminação do vírus. Procurar quais as possíveis fontes do vírus para evitar um nova entrada.
RECOMENDAÇÕES EM CULTIVOS LIVRES DE TOBRFV
Entrar na área de cultivo somente quando necessário e com roupas, mãos e materiais (luvas, ferramentas) limpos. Lavar as mãos com sabão ou desinfectantes e usar escova para lavar as unhas. Emergir o calçado em desinfetante antes de entrar e depois de sair
Remover as plantas infectadas com muito cuidado e destruir, enterrando ou incinerando sem produzir restos (que ainda contenham partículas de vírus ativas) que se deslocam pelo ar. A estufa em que a planta infectada foi encontrada deve ser mantida isolada, com equipamentos de proteção individual específicos para esta estufa. Não utilize nenhuma ferramenta em outras estufas e sempre comece os trabalhos com roupas e ferramentas limpas. Lavar roupas com água quente e sabão. As mãos devem ser lavadas com sabão e as unhas com escova para remoção de pedaços de tecido. As ferramentas podem ser imersas em solução de leite em pó desnatado a 3,5%. Não permitir entrada de pessoas não autorizadas nem animais. Só trabalhar na estufa contaminada por último. Após a colheita, remover os restos vegetais e desinfestar toda a estufa. Plantas sem sintomas não são plantas sadias, podem ser apenas plantas em que os sintomas ainda não apareceram. Há um período de incubação necessário para os sintomas serem visíveis. Algumas cultivares podem apresentar sintomas leves ou não apresentarem sintomas, mesmo infectadas. Esse vírus é uma grande ameaça à produção de tomate em todo o mundo. Em países onde já foi constatado, esforços contínuos de erradicação estão sendo feitos. Naqueles países em que o vírus ainda não foi detectado, é preciso a todo custo evitar a sua entrada. É necessário que todos ligados à cadeia de produção de tomate fiquem atentos e inspecionem C as plantas das lavouras. Alice Nagata, Embrapa Hortaliças
Tomate
Pequeno O hostil O que observar no manejo do microácaro do bronzeamento do tomateiro (Aculops lycopersici), um dos menores artrópodes conhecidos, cujo ataque gera frutos que não amadurecem e provoca diminuição na produtividade que pode superar 65% Daniel de Andrade
tomateiro Solanum lycopersicum Mill (Solanaceae) é uma cultura de elevada importância mundial, tanto para o consumo in natura como para fins industriais. A produção dessa cultura gera muitos empregos diretos e indiretos, sendo uma das hortaliças mais cultivadas e consumidas no mundo. Entretanto, o tomateiro é uma planta altamente suscetível a diversas pragas e doenças. Com relação às pragas, muitas são bastante conhecidas pelos produtores, seja pelos prejuízos causados ou por serem facilmente reconhecidas no campo. Por outro lado, algumas pragas são menos conhecidas e muitas vezes passam despercebidas pelos produtores no início da infestação. Geralmente, isso ocorre pelo tamanho diminuto da praga ou por ocorrerem esporadicamente na cultura. Neste caso, destaca-se o microácaro do bronzeamento do tomateiro Aculops lycopersici (Tryon) (Acari: Eriophyidae). É uma praga associada à cultura do tomate em todo o mundo. O microácaro do bronzeamento é um dos menores artrópodes conhecidos, medindo de 0,15mm a 0,20mm de comprimento na fase adulta, o que torna muito difícil sua detecção a olho nu ou até mesmo com uso de lupas de bolso comuns no início da infestação. É uma praga altamente especializada, habitando locais bastante específicos na planta, como base dos tricomas presentes em ramos, folhas e frutos jovens. O microácaro pode ser reconhecido pelo corpo em formato vermiforme e pela coloração branco-leitoso. Os ovos medem 0,02mm de diâmetro e são ovipositados pelas fêmeas nas nervuras ou na base dos tricomas. Passa por dois estágios ninfais, nos quais o primeiro estágio apresenta 0,1mm de comprimento e o segundo, 0,12mm. Os ácaros podem passar por esses estágios em menos de um dia, sendo, portanto, um ciclo biológico bastanterápido. Esse ácaro pode atingir a fase adulta em seis dias sobre plantas de tomateiro Santa Cruz, e uma longevidade de 22 dias. Com seus estiletes medindo em torno de 0,01mm, os microácaros se alimentam das células epidérmicas das folhas. Abril / Maio 2020 • Cultivar HF
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Fotos Daniel de Andrade
Folhas e ramos de tomateiro estão entre os alvos do ataque da praga
No início da infestação, os primeiros sintomas decorrentes da alimentação dos ácaros são folhas e ramos apresentando um escurecimento leve característico. Com o aumento da população do ácaro, os sintomas evoluem para um escurecimento total das folhas e ramos, popularmente denominado de bronzeamento. A coloração típica dos sintomas causados é semelhante à cor de “café com leite”. Principalmente nos ramos de tomateiro infestados observa-se a morte de tricomas que adquirem uma coloração semelhante à palha. As injúrias são causadas presencialmente nos terços médios e inferiores da planta. Com o aumento da densidade populacional, os sintomas avançam para o terço superior. Além disso, causa malformação de flores e frutos. Curiosamente, plantas altamente infestadas pelo microácaro geram frutos verdes que não amadurecem e muitas vezes apresentam rachaduras. Como consequência, pode ocorrer diminuição de mais de 65% na produtividade das plantas. As maiores infestações de A. lycopersici ocorrem no período seco e de baixa umidade relativa do ar. O início da infestação poderá ocorrer duas semanas após o transplante das mudas, atingindo níveis mais elevados no período fenológico de amadurecimento dos frutos. Diante disso, o produtor deve monitorar o ácaro logo no início da cultura, principalmente nos períodos de estiagem, na produção a céu aberto. No início da infestação, os métodos de controle são mais eficazes e surtos populacionais dessa praga podem ser evitados. O monitoramento da praga pode ser realizado a cada cinco dias, amostrando-se folhas, flores e frutos verdes quanto à presença do ácaro com auxílio de lupas com pelo menos 20 vezes de aumento ou quando possível com microscópio estereoscópio. Recomenda-se coletar 20 amostras aleatoriamente na área composta por material vegetal. Caso em uma das amostras o número de ácaros seja superior a nove, é indicado o emprego de algum método de controle. Desta forma, para uma amostragem representativa deve-se amostrar maior número de 30
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plantas em detrimento ao número de observações por planta. Alguns métodos de controle têm sido propostos no manejo do microácaro. Entre estes, a busca por agentes de controle biológico para o monitoramento tem se destacado. Diversos ácaros predadores foram encontrados e avaliados por pesquisadores como agentes de controle biológico. Entre os ácaros, a espécie de fitoseiideo Euseius concordis (Chant) foi uma das mais eficientes no controle do microácaro do bronzeamento. Todavia, as liberações para serem eficientes devem ser realizadas no início das infestações. Infelizmente, ainda não existe a comercialização legalizada de agentes de controle biológicos para controle de A. lycopersici. Por isso, o controle químico continua sendo a principal ferramenta no manejo. No entanto, muitas vezes devido ao rápido desenvolvimento biológico de A. lycopersici e às elevadas densidades populacionais torna-se necessária a realização de várias aplicações de acaricidas durante o ciclo da cultura. Contudo, o uso intensivo de acaricidas pode acarretar em rápida evolução da resistência, eliminar inimigos naturais e consequentemente aumentar os custos de produção. Outra alternativa que tem sido explorada no manejo do microácaro é o uso de produtos naturais extraídos de plantas, comumente denominado de biopesticida, bioacaricida ou bioinseticida. Inúmeros compostos naturais vêm sendo descobertos e amplamente testados para controle de pragas agrícolas e urbanas. Na maioria dos casos os produtos naturais possuem vantagens em relação aos sintéticos tradicionais, como nenhuma ou baixa toxicidade aos mamíferos, curta persistência no ambiente, maior seletividade aos organismos benéficos e não alvos, bem como menor risco ao desenvolvimento de resistência. Com o objetivo de avaliar um produto natural, o oximatrine, extraído da planta asiática Sophora flavescens Ait, estão sendo desenvolvidas pesquisas no Laboratório de Acarologia da Unesp, campus de Jaboticabal (UnespP/FCAV). Diversos resultados obtidos comprovaram a eficácia de oximatrine no controle de ácaros. No caso, para avaliar o efeito de oximatrine sobre o microácaro do tomateiro foi desenvolvida uma pesquisa em casa da vegetação. Inicialmente, plantas de tomateiro foram cultivadas individualmente em vasos de 5L contendo como substrato solo, areia e esterco bovino misturados em proporções iguais. A infestação de A. lycopersici ocorreu naturalmente nestas plantas. Foram avaliados quatro tratamentos, sendo dois tratamentos com o biopesticida oximatrine nas concentrações de 1ml e 2ml de produto comercial (p.c.) por litro de água, um tratamento com propargitena concentração de 0,5ml de p.c./litro de água e um tratamento controle (testemunha) somente com aplicação de água. Cada tratamento foi repetido quatro vezes (quatro plantas/tratamento). A densidade populacional do ácaro foi estimada avaliando-se quatro folíolos por planta, antes e após a aplicação. Os tratamentos com oximatrine apresentaram
eficiência semelhante ao acaricida sintético. Aos três dias após a aplicação, nos tratamentos com oximatrine a 2ml/L e propargite não foram encontrados ácaros vivos sobre as plantas, portanto apresentaram eficiência de 100%. No futuro este produto poderá ser uma ferramenta importante no manejo do microácaro do bronzeamento, uma vez que este produto já possui registro junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) para outras culturas, como citros e café. Outra estratégia interessante que futuramente pode auxiliar na redução dos prejuízos causados ao tomateiro por esta praga reside no uso de genótipos com características de resistência e/ou tolerância. Trabalhos também desenvolvidos na Unesp/FCAV verificaram diferenças quanto à suscetibilidade a esse ácaro. Nessas pesquisas foi demonstrado que a cultivar comercial TLCV15 de S. lycopersicum, amplamente cultivada em alguns países da África, é altamente suscetível ao ácaro. Em contrapartida, o genótipo sul-americano selvagem PI134417 de Solanum habrochaites Knapp & Spooner, assim como o cruzamento deste genótipo com a variedade comercial TLCV15 (F1, F2 e RC1), é menos suscetível ao ácaro. Esses resultados foram atribuídos principalmente à maior quantidade de
Ataque pode inviabilizar frutos e diminuir a produvidade em até 65%
tricomas glandulares encontrados no genótipo selvagem e nos seus híbridos. Essas estruturas liberam substâncias tóxicas sobre a superfície das plantas e assim afetam negativamente a biologia do ácaro. Portanto, o manejo adequado de A. lycopersici inicia-se com o monitoramento adequado durante todo o ciclo da cultura e também com a integração dos métodos de controle para a sustentabilidade da atividade agrícola. Diversos resultados sobre o manejo dessa praga têm sido obtidos por pesquisadores em
Figura 1 - Efeito de oximatrine sobre a mortalidade do microácaro do bronzeamento Aculops lycopersici aos 1 e 3 dias após a aplicação (DAA) em plantas de tomate. 0 DAA indica a densidade populacional de A. lycopersici antes da aplicação (prévia)
Fruto de tomateiro com rachadura provocada pela incidência do microácaro
todo mundo e poderão ser utilizados a médio e longo prazo. Contudo, ainda são necessários mais esforços para entendimento completo dos diversos fatores que C interferem no manejo do ácaro. Patrice Jacob Savi e Daniel Junior de Andrade, Universidade Estadual Paulista
Figura 2 - Densidade populacional do microácaro do bronzeamento Aculops lycopersici em folíolos de tomateiro Solanum habrochaites (PI134417), S. lycopersicum (TLCV15) e os híbridos F1, F2 e RC1 resultantes de cruzamentos entre PI134417 e variedades comerciais
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ABCSEM
Associação Brasileira do Comércio de Sementes e Mudas
Pirataria de flores
Falsificados e multiplicados de maneira ilegal, materiais são comercializados em floriculturas e atacados, com baixa qualidade e riscos de contaminação
V
ocê sabe se a flor que adquiriu recentemente é original? Há um golpe no mercado que tem crescido no Brasil, que consiste na multiplicação e venda ilegal de mudas de flores falsificadas. Variedades desenvolvidas por empresas idôneas são reproduzidas ilegalmente, sem a utilização das matrizes originais e desconsiderando as medidas fitossanitárias exigidas pelos órgãos de fiscalização do País, comercializadas como se fossem originais. “Este é um problema grave, que vem acontecendo exponencialmente no território nacional, e que precisa ser de conhecimento público, uma vez que se trata de um crime de pirataria, com punição prevista em lei”, alerta Marcelo Pacotte, diretor executivo da Associação Brasileira do Comércio de Sementes e Mudas (ABCSem). Ele destaca ainda que as mudas piratas carregam consigo problemas significativos em termos de segurança, durabilidade das plantas e de facilidade de manejo para mantê-las floridas e saudáveis. “Os riscos e prejuízos ao se adquirir uma muda falsificada são muitos, não compensando o seu ônus”, afirma Pacotte. Para alertar toda a cadeia produtiva e de comercialização, a Associação Brasileira do Comércio de Sementes e Mudas (ABCSem) promove ações
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para o combate à pirataria no mercado de flores, em especial relacionadas à variedade SunPatiens, uma flor que passou a ser recentemente o principal alvo de falsificadores, cujo registro pertence à empresa de sementes Sakata. De acordo com Carlos Amano, coordenador de Flores da Sakata, companhia que detém a patente da SunPatiens, dentre as principais ações que estão sendo realizadas para conter a pirataria da flor, estão materiais que tratam dos riscos que
“O selo possui uma marca d'água, que só é vista com luz especial, o que facilita a identificação em caso de suspeita de pirataria”, explica o profissional
a prática oferece para produtores e consumidores, com divulgação tanto nos meios on-line (mídias sociais e website), quanto off-line (por meio de flyers e faixas em locais estratégicos, como nas Centrais de Abastecimento e no Mercado de Flores Ceaflor). “Uma das ações mais importantes foi a criação de um selo de originalidade que é fixado em todo vaso de SunPatiens original. O selo possui uma marca d'água, que só é vista com luz especial, o que facilita a identificação em caso de suspeita de pirataria”, explica o profissional. Vale ressaltar que dentre os principais riscos ao se adquirir mudas falsificadas estão contaminação e proliferação de fungos, bactérias e vírus, pois servem como transporte destes micro-organismos ao jardim. Além disso, são plantas menos duráveis, que não possuem resistência ao sol pleno. Há grande porcentagem de flores defeituosas e menor quantidade de flores por planta. Também apresentam desuniformidade no florescimento e crescimento das plantas, causando sua mortalidade. A produção e a aquisição de material pirata são crime, sendo necessário que o comprador fique sempre atento e exija do ponto de venda a planta original, para ter mais segurança, durabilidade e beleza em sua casa e/ C ou jardim.
ASSOCITRUS
Associação Brasileira dos Citricultores
Coronavírus e agronegócio C
As incertezas e a necessidade de mais atenção, racionalidade e informação antes de tomar decisões em tempos de pandemia
ovid-19 (do inglês Coronavirus Disease 2019) é uma doença infeciosa causada pelo coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (Sars-CoV-2). O Sars-CoV-2 foi identificado pela primeira vez em seres humanos, oficialmente, em dezembro de 2019 na cidade de Wuhan, na China. O surto inicial deu origem a uma pandemia global decretada em 16 de março de 2020. A doença teve um enorme impacto na economia chinesa e ao se propagar aos diversos países, obrigou os governos a adotar medidas drásticas para tentar conter o ímpeto do avanço, evitando o colapso do sistema de saúde dos países à medida que a pandemia avança pelo mundo. As fronteiras estão sendo fechadas, as pessoas incentivadas a reduzir a movimentação e os contatos sociais, o que deve afetar a economia mundial. Buscam-se no noticiário especializado as opiniões e visões de observadores e analistas do agronegócio. A expectativa é de que o dólar continue subindo. Neste momento há a expectativa de redução da taxa Selic, que deve impactar na alta do dólar. Segundo analistas, com a desvalorização cambial, o Brasil torna-se mais competitivo no mercado internacional. O surto do coronavírus afeta o mercado mundial e as medidas governamentais estão sendo tomadas lentamente, sem conseguir reverter o pessimismo. O fornecimento de defensivos con-
centrado em empresas chinesas pode ser fortemente prejudicado, pelos problemas nas indústrias e na logística de distribuição dos produtos. Embora os alimentos estejam entre os produtos menos afetados nas crises, o poder econômico das pessoas será seriamente afetado, impactando nos volumes e preços, e, como consequência, a demanda por produtos agrícolas tende a cair. O que poderia ser positivo para o agronegócio é a queda do preço do petróleo, que tem impacto na diminuição dos custos de produção pela redução dos defensivos e do diesel e no custo de transporte. Porém, a queda de preço do petróleo está sendo neutralizada pela desvalorização do real. Mas o avanço da
Segundo analistas, com
a desvalorização cambial, o Brasil torna-se mais competitivo no mercado internacional
doença ameaça o sistema de transporte, pelo risco da Covid-19 atingir os caminhoneiros. A solução da guerra comercial entre os EUA e a China deverá ter impactos positivos na economia mundial, mas impactos negativos para o agronegócio brasileiro. A situação no momento impõe mais dúvidas que respostas e exige que todos se mantenham atentos às notícias, que trazem a cada momento novas informações e novas questões. A doença registra evolução positiva na China, onde os casos se estão reduzindo, mas por outro lado, na Europa, nos EUA, no Brasil e em diversas outras regiões estão em fase de crescimento, o que amplia os efeitos negativos sobre a saúde e a economia dos principais mercados. Essa situação deve persistir pelos próximos meses e vai exigir muito mais atenção, racionalidade e informação antes de qualquer decisão. Mais do que em qualquer outro momento nas últimas décadas, a incerteza vai ser a marca dos próximos meses. O governo brasileiro começa a adoção de medidas econômicas para amenizar o impacto da crise e espera-se que, apesar das restrições da economia brasileira, haja recursos que permitam que as pessoas e empresas mais afetadas tenham condições de atravessar o momento mais C crítico da crise. Flávio Viegas, Associtrus
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ABBA
Associação Brasileira da Batata
Próxima década
Que bases construir para uma cadeia produtiva da batata mais forte nos próximos dez anos
O
que ocorreu com a produção de batata no Brasil nos últimos 30 anos e como mudar para melhor nos próximos dez anos? A produção de batata semente era o principal mecanismo do sucesso da defesa agropecuária. Algumas regiões e dezenas de produtores se dedicavam exclusivamente à produção de batata semente. O número de problemas fitossanitários era pequeno e raramente os prejuízos grandes. A fiscalização realizada pelos estados era rigorosa e eficiente. No início do milênio a legislação mudou e passou para as mãos do governo federal. A falta de “fiscais” para certificar a produção de batata semente praticamente destruiu a defesa fitossanitária no país e o número de problemas fitossanitários explodiu com enormes prejuízos. A maioria dos produtores de batata semente faliu e as legislações continuam ultrapassadas. A produção de batata para consumo fresco vem reduzindo ininterruptamente devido a diversos fatores. As importações de batatas processadas (equivalente à produção de mais de 20 mil hectares), a estratégia das grandes redes de varejo (pagam o mínimo e vendem pelo máximo), a oferta de variedades que decepcionam os consumidores (são bonitas, mas não são saborosas) são fatores que contribuem para a retração de consumo. A produção de batata para chips se manteve praticamente estável. O uso de variedades adequadas, a explosão do número de pequenas fritadoras, a oferta de chips com dezenas de “sabores” e cortes não provocaram aumento no consumo. No entanto, o consumo de batata palha cresceu devido à praticidade e às diferentes formas de consumo. As maiores indústrias estabelecem contratos com alguns produtores para produzirem com exclusividade, enquanto muitas pequenas indústrias buscam matéria-prima no mercado e geralmente quando os preços estão elevados, “fritam” qualquer produto – muitas vezes variedades totalmente inadequadas que resultam em péssimos chips e palha. A produção de batata para pré-fritas congeladas cresce a cada ano. Atualmente, a maior parte do mercado é abastecida por indústrias multinacionais, porém a indústria nacional vem crescendo e se mostra competitiva e capaz de ofertar produtos de excelente qualidade. O que deve mudar para melhorar a produção de batatas nos próximos dez anos?
BATATA SEMENTE
É urgente reorganizar o segmento no Brasil. As legislações devem ser modernizadas com decisões baseadas no conhecimento científico e na experiência de profissionais competentes. A
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certificação deve ser obrigatória para todos que plantam batata. A fiscalização realizada através da sinergia pública e privada. A defesa fitossanitária eficiente é a melhor opção para a sustentabilidade das regiões produtoras e a produção de batata semente de qualidade.
BATATA PARA CONSUMO FRESCO
Para impedir a redução contínua do consumo são necessárias algumas mudanças. Modernizar as legislações que normatizam o comércio de batata para consumo fresco é o primeiro passo. É necessário exigir rastreabilidade e informar aos consumidores a aptidão culinária. As variedades bonitas serão substituídas pelas saborosas e consequentemente os consumidores voltarão. E necessário também reduzir a venda a granel e incentivar o uso de embalagens com diferentes pesos, de 3kg, 5kg, 10kg e 20kg, ao invés de opção única de 25kg. É necessário, ainda, estabelecer limites às atitudes que tornam a batata inacessível aos consumidores. Será que faz sentido pagar R$ 0,50 aos produtores e vender por R$ 5,00 aos consumidores?
BATATA CHIPS
As oportunidades para o crescimento do consumo de chips não são animadoras, pois a imagem e a concorrência com produtos similares são muito altas. Mas vale a pena tentar oferecer chips coloridos ou misturados com outros produtos como mandioca, batata-doce, inhame, banana, beterraba, castanhas etc. A sobrevivência e prosperidade dos produtores de batata para chips dependerão da produtividade elevada, do manejo fitossanitário eficiente (principalmente de pragas e doenças do solo), do armazenamento em períodos desfavoráveis à produção (época de calor e excesso de chuvas - de três meses a quatro meses) e também da mecanização das principais etapas.
BATATAS PRÉ-FRITAS CONGELADAS
É vital promover o crescimento da indústria nacional e a redução das importações de produtos similares. A evolução da indústria nacional dependerá de atividades técnicas (pesquisas, variedades), estratégicas (associativismo) e políticas (legislações, patriotismo). Para viabilizar as mudanças sugeridas e modernizar a cadeia brasileira da batata o único caminho é criar fundos para a profissionalização das associações em sinergia com o governo. C Natalino Shimoyama, ABBA