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Colhedoras
Corte melhorado
Um dos principais desafios na colheita de cana-de-açúcar é o corte basal que cause o menor dano possível na soqueira e este é um desafio para pesquisa e fabricantes desde a implantação da colheita mecanizada nos canaviais
OBrasil é o maior produtor mundial de cana-de-açúcar (Saccharum officinarum L.), e esta cultura apresenta relevante impacto na balança comercial do agro brasileiro. O aumento da demanda mundial por etanol, aliado às grandes áreas cultiváveis com condições edafoclimáticas favoráveis, posiciona o Brasil em situação privilegiada no cenário mundial. A safra brasileira de cana-de-açúcar na temporada 2020/21 alcançou incremento na produção de 3,5% em relação à safra anterior, com um total colhido de 665,1 milhões de toneladas (Conab, 2020). Porém, alguns entraves nos processos produtivos ainda precisam ser mais bem compreendidos. O corte de base das colhedoras mecanizadas é um dos sistemas de maior relevância e que necessitam aprimoramentos. Em meados de 1800 foi patenteada no Havaí a primeira máquina para o corte mecanizado de cana-de-açúcar, tracionada por força animal que, com auxílio de uma grande “escova”, com fios de aço, removia as folhas presas ao colmo da planta e realizava o corte basal desta. Foi a primeira tentativa de mecanizar duas tarefas distintas em uma única operação: a limpeza da matéria-prima e o corte mecanizado.
No Brasil, a mecanização da colheita de cana-de-açúcar chegou após a segunda grande guerra, com sistemas “semimecanizados”, em que o corte era realizado manualmente e o carregamento efetuado com “carregadoras” de cana inteira. Somente no começo da década de 1970 teve início a fabricação nacional e o emprego de colhedoras autopropelidas de cana-de-açúcar.
Desde o surgimento das primeiras máquinas para colheita até os dias atuais, diversas mudanças ocorreram no setor canavieiro. Foram desenvolvidos novos modelos de colhedoras e criadas formas variadas de trabalho; entretanto, os desafios permanecem intensos no que se refere à melhoria da qualidade do corte basal, à redução do desgaste das ferramentas de corte e ao aumento do rendimento operacional de colheita.
Atualmente, as colhedoras autopropelidas de cana-de-açúcar picada são as mais utilizadas no Brasil, e o processo de colheita passa por cinco fases principais, como pode ser visto no Box ao lado.
A colheita mecanizada representa a modernização e a evolução do setor sucroenergético, e sua adoção tem trazido vários benefícios à indústria e aos produtores rurais, porém, para que essa operação ocorra de forma satisfatória, o canavial deve estar preparado para a utilização desse sistema e, mesmo que a área
A colheita em cinco passos
Durante o processo de colheita, a colhedora da cana-de-açúcar picada realiza as seguintes operações:
Passo 1 - Antes de o colmo ser cortado, ocorre o corte do ponteiro da cana-de-açúcar, pelo despontador (1) da colhedora, sendo essa operação opcional e a sua utilização vai depender do porte do canavial;
Passo 2 - Em seguida, os colmos são direcionados pelos divisores de linha (2) e rolos tombadores (3) para o corte de base (4).
Passo 3 - O rolo levantador (5) direciona os colmos cortados para os rolos alimentadores (6) e rolos picadores (7), que fracionam o colmo em pedaços de 20 a 30 cm, chamados de rebolos;
Passo 4 - Os rebolos são direcionados ao cesto do extrator primário (8) onde é removida a maior parte da impureza vegetal e mineral, que são expelidas para fora da máquina por esse extrator (9);
Passo 5 - Os rebolos são transportados pelo elevador de taliscas (10) até o extrator secundário (11), onde é realizada a limpeza final e o material é descarregado no veículo de transporte e transbordo.
Esquema de uma colhedora autopropelida de cana-de-açúcar picada
Fonte: Adaptado de John Deere (2009); Testa (2018).
esteja com a sistematização perfeita para a colheita mecanizada, alguns pontos negativos podem surgir, tais como compactação do solo, redução da longevidade do canavial, danos às soqueiras, entre outros. A “colheita ideal” é aquela que não proporciona nenhuma perda. No caso da
Charles Echer
Arvus
Tabela 1 - Médias do ensaio de força máxima de corte em função do diâmetro do colmo Diâmetro
Pequeno Médio Grande Média (N) ANOVA F teste (diâmetro) 36,06* Sistema de corte Facas 35,6 52,9 63,7 50,7 b
F teste (s. de corte) 215,40* Serras 78,0 100,2 117,4 98,5 a
F teste (interação) 1,01ns Média (N) 56,8 C 76,5 B 90,6 A
CV (%) 13,7
Médias seguidas de letras iguais minúsculas na coluna e maiúsculas na linha não diferem pelo teste de Tukey (α= 5%), CV – Coeficiente de variação, * significativo a 5% de probabilidade e NS não significativo a 5% de probabilidade.
cana, ela aconteceria se todos os colmos da lavoura fossem perfeitamente recolhidos e levados para a indústria, de forma que nenhum dano fosse causado nas soqueiras, e tudo isso com o menor consumo de combustível e a maior eficiência possível. Porém, sabemos que essa situação não ocorre na prática e as perdas devem ser minimizadas para mantê-las em níveis aceitáveis.
COMPREENDENDO O MECANISMO DE CORTE
O plantio da cana-de-açúcar é profundo, sendo realizado em um sulco com, em média, 30cm de profundidade. Por esse motivo, principalmente em canaviais de primeiro corte, a base dos colmos fica posicionada dentro do sulco, o que dificulta o corte basal. Nessa situação, para que o corte seja realizado na altura desejada, as lâminas do cortador de base têm que entrar no sulco, rompendo a terra ao seu redor, onde se desgastam rapidamente.
O sistema de corte basal de cana-de-açúcar é formado por dois discos que giram em sentido convergente e cada disco é equipado com lâminas que cortam os colmos da cana-de-açúcar por “impacto”. O corte por impacto danifica as soqueiras de cana e prejudica o seu rebrote futuro, portanto, uma alternativa a esse sistema é o corte através de serras, considerado como sendo de corte contínuo.
A qualidade do corte basal da cana-de-açúcar possui extrema importância para a produtividade e longevidade do canavial nos anos subsequentes à colheita, fatores que definem a viabilidade econômica da cultura.
NOVAS FERRAMENTAS DE CORTE BASAL
O Núcleo de Ensaios de Máquinas e Pneus Agroflorestais (Nempa), pertencente à Universidade Estadual Paulista (Unesp), desenvolveu um dispositivo para avaliação de corte basal em laboratório, o Dispositivo Eletromecânico para Corte basal de Cana (Decca). Ele permite controlar o efeito ambiental e obter resultados quantitativos de força de corte (impacto), danos às soqueiras, bem como perdas invisíveis, que são impossíveis de se obter em campo.
Pioneiro no Brasil em estudos desta natureza, o grupo trabalha em pesquisas de campo e laboratório, desenvolvendo parcerias público-privadas para ensaios de desempenho de máquinas e ferramentas, principalmente voltadas aos processos produtivos da cana-de-açúcar.
O Decca permite que sejam avaliados parâmetros importantes relacionados à colheita de cana, que nem sempre são possíveis de ser avaliados no campo. Um dos testes que este dispositivo possibilita é a avaliação da perda invisível de cana, que ocorre pela ação do mecanismo de corte, retirando serragem e caldo dos colmos no momento do corte.
Nos ensaios de perda invisível, os colmos são individualizados e pesados antes e após o corte mecanizado, o que permite aferir a perda de massa em função do sistema de corte. Esse procedimento permite avaliar a eficiência da ferramenta de corte, bem como o comportamento da ferramenta em função da varieda-
Dispositivo Eletromecânico para Corte basal de Cana (Decca) Arranjo artificial de plantas para avaliação do corte mecanizado no dispositivo Decca, da Unesp de Botucatu
Fotos Michel dos Santos Moura
Suporte utilizado para medir a força máxima de corte
Os colmos de cana-de-açúcar foram separados por diâmetros pequenos (27mm), médios (30mm) e grandes (33mm)
de de cana, produtividade do canavial, entre outras variáveis.
No ensaio, um modelo de touceira artificial de cana-de-açúcar montado em laboratório é utilizado para avaliação da qualidade do corte. Com o processo de corte controlado em laboratório é possível avaliar com maior exatidão o impacto das ferramentas e a qualidade do corte, isento de variáveis influentes como o preparo de solo e o operador.
Um dos ensaios realizados com o Decca foi a avaliação da força de corte necessária para romper os colmos de cana-de-açúcar. Para medir a força máxima transmitida aos colmos, no momento do corte, foi utilizado um suporte metálico equipado com uma célula de carga (semelhante a uma balança digital). Pedaços de colmos de cana-de-açúcar com comprimento de 40cm foram fixados dentro de um tubo, onde a base era sustentada por um eixo, permitindo o movimento do tubo no sentido da força de corte, fazendo com que a força transmitida ao colmo no processo de corte pudesse ser detectada pela célula de carga.
Foram realizados ensaios de força máxima de corte, utilizando dois mecanismos distintos, sendo um deles composto por dispositivos de corte por impacto (facas tradicionais) e outro equipado com sistema de corte contínuo (serras seccionadas). Os colmos foram previamente classificados de acordo com o diâmetro em pequenos (27mm), médios (30mm) e grandes (33mm).
A célula de carga utilizada possuía a capacidade para 490,5N (50kgf), marca Líder, com sensibilidade de 2mV/V e um sistema de aquisição de dados desenvolvido em ambiente LabView, versão 8.6. O tempo de coleta da força foi de um segundo para cada repetição, a uma taxa de 60Hz, sendo utilizado o valor máximo encontrado em cada coleta (Figura 1). Os resultados passaram por análise de variância e teste de Tukey a 5% de probabilidade.
Os resultados obtidos para a força de impacto para realização do corte basal estão descritos na Tabela 1. Verificou-se que o diâmetro do colmo afeta a força de corte, sendo que colmos com maiores diâmetros necessitam de maior energia para o rompimento e seccionamento.
O aumento da força está relacionado com o aumento da área de contato entre o material cortado e o material cortante, que ocorreu em função do aumento do diâmetro do colmo, aumentando o tempo de contato entre os materiais durante o processo de corte, causando maior transmissão de força da ferramenta de corte para o colmo.
Verificou-se um aumento da força de corte significativo para as serras em relação às facas, tal fato pode ter ocorrido pelo maior tempo de contato entre a ferramenta e o colmo, causando rápida deflexão ao mesmo, imediatamente antes do corte. O aumento da força máxima de corte ocorreu de forma linear em relação ao aumento do diâmetro dos colmos cortados.
Partindo da premissa de que o corte basal pode influenciar o rebrote da cultura nos ciclos subsequentes e que, dependendo da demanda de força exigida no processo de corte, pode-se consumir maior quantidade de combustível, é importante realizar ensaios de avaliação da qualidade, gerando resultados representativos e isentos de influências externas.
A agricultura moderna precisa alcançar novos patamares produtivos. O corte de base é um processo crítico para a cultura da cana-de-açúcar, além de ser considerado uma barreira para a longevidade dos canaviais.
Melhorias nos sistemas de corte de base, bem como estudos envolvendo novas ferramentas e processos de corte/ colheita, fazem com que o setor sucroalcooleiro dê um passo adiante nos resultados produtivos. Dispositivos como o Decca permitem a obtenção de resultados rápidos, confiáveis e com baixos custos.
Figura 1 - Linhas de tendência geradas no ensaio de força máxima de corte em função do diâmetro do colmo
Aldir Carpes Marques Filho, Michel dos Santos Moura, João Vitor Paulo Testa e Kléber Pereira Lanças, Unesp