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CULTURA E COMPORTAMENTO

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JOGOS

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PUTIRA SACUENA: MÃE, ÍNDIA E BIOMÉDICA

Em homenagem ao dia do índio, comemorado na data de 19 de abril, te apresentamos a história de uma indígena da etnia Baré que é mãe de cinco filhos, biomédica formada pela Universidade Federal do Pará e defensora da mata e da ciência.

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Por: Bianca Teixeira Fotos: Arquivo Pessoal

Do território indígena médio Rio Negro, localizado no estado do Amazonas, veio Eliene Rodrigues Putira Sacuena. Ela é a primeira indígena do território a se formar e ter uma graduação superior.

O povo Baré é das águas, as cosmologias vêm dos encantos das águas negras. Como tradição indígena, têm os e as pajés que fecham os corpos contra todos os males. “Somos indígenas mulheres fortes e nossos saberes são ancestrais. O meu povo sofreu a colonização pelos jesuítas, salesianos e pelo ouro branco (auge do látex). Nas escolas, a língua indígena era proibida de ser falada. Por isso, acredito que nós, indígenas mulheres, nos tornamos fortes e lutamos contra o silenciamento e o etnocídio”, defende.

Putira recorda que quando a mãe terminou o ensino médio os filhos já eram crescidos e trabalhavam na roça, mas ela sempre falava para eles estudarem, pois a educação era uma das formas mais concretas de se alcançar o direito a igualdade.

A comunidade sempre recebia pesquisadores que iam “estudá-los” e o fato sempre chamava bastante a atenção da indígena. “Lembro que uma vez chegamos na aldeia Boa Vista e tinha uma mulher na rede sentada. Ficava olhando quieta, aí ela me perguntou quem eu era. Os parentes relataram que era uma antropóloga e que queria aprender como vivia aquela comunidade”, relembra.

Seguindo os passos da mãe, Eliane concluiu o ensino médio, mas queria mais. Na época, não existia muitas perspectivas para cursar uma faculdade principalmente na área da saúde. Porém nada é impossível. Quando um primo a chamou para uma experiência em um curso de microscopia, Putira viu o destino se encarregou do depois.

“Descobri que a biomedicina podia me proporcionar ser uma indígena pesquisadora. Passei no processo seletivo especial para povos indígenas pela Universidade Federal do Pará e logo que terminei a graduação entrei no mestrado”, comemora.

Chegar a este posto não foi fácil. Putira afirma que passou por muitos estranhamentos tanto por parte dos parentes indígenas como dos não indígenas, pois discutir os dois mundos é muito complexo e as culturas são

muito diferentes. Além do mais, sentar numa sala de aula sozinha também é difícil, pois o racismo estrutural e institucional é real.

“Quando terminei o mestrado fiquei muito pensativa de fazer a Pós Graduação, porém em uma conversa com a família decidi realizar novamente o processo no mesmo programa acadêmico e realizar o tão desejado sonho de ser doutora”, ressalta.

Para ela, os saberes compartilhados nos territórios indígenas lhe possibilitaram o acesso a outras ciências e outros doutores. “Discutir os dois mundos traz certa complexidade de entendimento do que nós, povos indígenas, entendemos por humanidade e sociedade. Aí vem porque eu quis ser doutora. Precisamos dialogar as ciências nas Amazônias e suas diversidades, falar de nós é informar ainda quem somos nós, sim, nós povos originários. Pesquisar as problemáticas das doenças em nossos territórios e ao mesmo tempo dizer o que é saúde no contexto indígena. Isso traz a possibilidade de dialogarmos a interculturalidade”, acredita.

Diante de tantas conquistas, o que

mais orgulha Putira é o apoio das lideranças, da família e comunidade. Chegar à Universidade Federal do Pará e ter o acolhimento de indígenas que já estavam lá também foi um excelente presente.

Com o exemplo da mãe, hoje, os filhos da indígena estão indo no mesmo caminho: o da graduação. “É bom demais. Digo que, muitas vezes, falhei como mãe, estudante, filha e amiga. Mas hoje, percebo que tudo que não preciso é me cobrar tanto. Sei que o fato das pessoas me chamarem de guerreira não é normal, normal seria se eu não tivesse que guerrear tanto”, ensina.◊

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