Revista Arandu # 39

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SN ril/2007 - IS v.-Março-Ab Fe 9 3 º N Ano 9

1415-482X

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xGoverno Lula

Governo Collor

A CRIAÇÃO LEXICAL NO CAMPO NOCIONAL DA POLÍTICA Marilze Tavares

I SSN 1415 - 482X

9 771415 482002



nicanorcoelho@gmail.com

Dourados

Ano 9 - No 39

Pรกgs. 1-24

Fev. - Marรงo - Abril/2007


LEITOR [CARO CARO LEITOR

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prender é a mais importante fonte de riqueza e de bem-estar para a sociedade neste terceiro milênio. O mundo acumulou uma grande quantidade de bens culturais e alcançou altos níveis de progresso material. A vida em sociedade se tornou mais complexa. A sociedade já exige um número cada vez maior de pessoas e de competências amplas para lidar com o contínuo crescimento da produção do conhecimento e de sua disseminação. O estágio científico e cultural que a cidade de Dourados atinge pela conquista da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), mediante uma luta histórica na qual se empenhou com raro idealismo a comunidade douradense e, principalmente, os que militam nas Artes, Ciências e Políticas. Assim, entendemos que para transformarmos o Brasil num país solidário, soberano, democrático, participativo e desenvolvido, a comunidade universitária tem papel decisivo em contribuir na construção de uma sociedade justa, igualitária, inteligente, solidária e fraterna. O Grupo Literário Arandu, juntamente com todas as forças que apostam na ciência, na independência intelectual, na soberania do Brasil, no desenvolvimento sustentável, no respeito às diferenças, na livre manifestação das idéias, no equilíbrio ecológico e especialmente na construção de um Brasil benemerente, disponibiliza a todos da comunidade universitária e igualmente aos escritores, pesquisadores, poetas, intelectuais, historiadores, políticos e artistas dos mais variados olhares e pensamentos contemporâneos, a publicação trimestral da Revista Arandu, divulgando as evidências artísticas, científicas e literárias da região da Grande Dourados. Parabéns à cidade mais inteligente de Mato Grosso do Sul! Saudações científicas, Nicanor Coelho Editor

Ano 9 • No 39 • Fev.-Março-Abril/2007 ISSN 1415-482X

Editor NICANOR COELHO DRT/MS 104L01F52V Conselho Editorial Consultivo ÉLVIO LOPES, GICELMA DA FONSECA CHACAROSQUI e LUIZ CARLOS LUCIANO Conselho Científico CARLOS MAGNO MIERES AMARILHA, MARIA JOSÉ MARTINELLI SILVA CALIXTO, MARIO VITO COMAR, NICANOR COELHO, PAULO SÉRGIO NOLASCO DOS SANTOS e PLÍNIO SAMPAIO CATARINO Projeto Gráfico LUCIANO SERAFIM PUBLICAÇÃO DO

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Revista Arandu: Informação, Arte, Ciência, Literatura / Grupo Literário Arandu - No 39 (Fev.-Março-Abril/2007). Dourados: Nicanor Coelho Editor, 2007. Trimestral ISSN 1415-482X 1. Informação - Periódicos; 2. Arte - Periódicos; 3. Ciência - Periódicos; 4. Literatura - Periódicos; 5. Grupo Literário Arandu


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[ SUMÁRIO

A criação lexical no campo nocional da política: Governo Collor e Governo Lula ........... 4 Marilze Tavares

Dificuldades ou distúrbios de aprendizagem? ......................................... 15 Neide de Souza Coelho

A psicopedagogia e sua contribuição à saúde hospitalar ........................................ 20 Djanira Pereira da Silva Chaves

INDEXAÇÃO CAPES - Classificada na Lista Qualis www.capes.gov.br

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ISSN - International Standard Serial Number Latindex - www.latindex.org GeoDados - www.geodados.uem.br


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A CRIAÇÃO LEXICAL NO CAMPO NOCIONAL DA POLÍTICA: GO VERNO COLL OR GOVERNO COLLOR E GO VERNO LULA1 GOVERNO Marilze Tavares2 RESUMO Considerando que a língua pode ser interpretada como produto e expressão da cultura de que faz parte, este trabalho tem como objetivo comprovar, com exemplos de dois recortes temporais, que as palavras podem tornar-se fortes testemunhas de épocas e comportamentos de seus usuários. Para isso, foram coletados de jornais e revistas e analisados 14 (quatorze) itens lexicais das épocas compreendidas pelo governo Collor e pelo governo Lula. O resultado da pesquisa confirma que certas palavras podem ser remetidas facilmente a um e outro recorte temporal e evidenciam a dinamicidade da língua, sobretudo no que se refere a unidades do sistema léxico. Palavras-chave: léxico, criação lexical, Governo Collor, Governo Lula ABSTRACT Considering that the language can be interpreted as a product and expression of a culture in which itself is a part. This paper aims to prove, using examples of two temporal cuts, that the words can become strong testimonials of periods and behaviors of its users. For this study, it was collected and analyzed fourteen lexical items, from newspapers and magazines, related to Collor´s and Lula´s government period respectively. The result from this research confirms that some words can be, easily, related to one or another temporal cut and evidences the dynamic process of the language, mainly referring to the units of the lexicon system. Keywords: Lexicon, Lexical Creation, Collor’s Government, Lula’s Government 1. INTRODUÇÃO Para se socializar e interagir, todos os grupos humanos adotam uma língua, e por meio dessa língua os indivíduos podem externar seus pensamentos, seus sentimentos, e disseminar sua cultura. De modo geral, podemos afirmar que língua, 1

cultura e sociedade estão intrinsecamente relacionadas, e é possível, segundo alguns estudiosos, inclusive, demonstrar uma relação causal em uma e em outra direção. Assim, atualmente, a maioria dos estudiosos do fenômeno lingüístico acredita não ser possível questionar ou discordar da correlação entre fatos lingüísticos e fatos

Uma primeira versão deste trabalho foi apresentada oralmente no 54º Seminário do GEL (Grupo de Estudos Lingüísticos de São Paulo) em 2006, entretanto nesta versão foram utilizados exemplos mais recentes. 2 Professora da Faculdade de Comunicação, Letras e Artes da Universidade Federal da Grande Dourados.


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sociais, embora demonstrar isso em alguns níveis lingüísticos possa ser um pouco complexo. Mas, se não se pode comprovar facilmente que os acontecimentos sociais interferem na estrutura fundamental das línguas, pode-se afirmar que o sistema lexical incorpora, de forma muito evidente, a realidade extralingüística. Isso ocorre porque o sistema léxico é o mais vivo, o mais dinâmico e o mais incorporador entre os níveis lingüísticos, ou seja, no léxico, é possível verificar facilmente reflexos da cultura, da realidade e do modo de pensar e de se comportar dos grupos humanos. Em razão disso, este trabalho tem como objetivo oferecer uma pequena contribuição para se demonstrar, com exemplos de dois recortes temporais, que as palavras tornam-se fortes testemunhas de épocas e comportamentos de seus usuários na medida em que registra os acontecimentos da vida dos grupos sociais. Para isso, considerando o tema política, e épocas que compreendem o governo Collor e o governo Lula, selecionamos 14 (quatorze) unidades léxicas que remetem imediatamente a uma e outra época. Fazem parte do primeiro recorte temporal: caçador de marajás, collorido, Casa da Dinda, caras-pintadas, esquema PC, anões do orçamento e impeachment. Fazem parte do segundo recorte: mensalão, mensaleiro, valerioduto, CPI dos Correios, dança da pizza, sanguessuga e operação navalha. Para coleta dos itens analisados, consultamos, essencialmente, diferentes edições do jornal Folha On line no site www.folha.uol.com.br, cujas datas estão citadas ao final de cada transcrição. As lexias são analisadas, sobretudo do ponto de vista do conteúdo semântico que apresentam no contexto em que foram utilizadas, mas quando julgamos necessário, tecemos considerações também sobre sua constituição formal. Para análise, foi

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consultado sistematicamente o Novo Aurélio século XX: o dicionário da língua portuguesa, em sua versão eletrônica, que será citado como AURÉLIO. Outras obras lexicográficas foram consultadas apenas para confirmar as informações. 2. BREVES PRESSUPOSTOS TEÓRICOS Embora se afirme que os lingüistas tradicionais ou os estruturalistas seguidores de Saussure não tenham se voltado para o estudo das relações língua/sociedade, é importante mencionar que o mestre suíço não deixou de alertar que a língua é “une institution sociale”. Dessa forma, importa esclarecer que Saussure e seus seguidores fizeram opção por um recorte metodológico e, por isso, não sistematizaram estudos nessa direção. De qualquer forma, por motivos diversos, as concepções saussurianas serão sempre referências a qualquer estudo lingüístico atual. Se o lingüista suíço e demais estruturalistas não desenvolveram estudos a respeito da relação entre língua e sociedade/ cultura, outros estudiosos o fizeram, e dentre os que mais se ocuparam dessa questão, merece especial destaque os estudos do americano Edward Sapir que assegura: a língua está se tornando um guia cada vez mais valioso no estudo científico de uma dada cultura. Em certo sentido, a trama de padrões culturais de uma civilização está indicada na língua em que essa civilização se expressa. É uma ilusão pensar que podemos entender os lineamentos significativos de uma cultura pela pura observação e sem o auxílio do simbolismo lingüístico, que torna esses lineamentos significativos e inteligíveis à sociedade (SAPIR, 1969: 20).

Sapir acredita ser impossível conce-


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ber a idéia de um indivíduo se ajustando à realidade sem o auxílio da língua e que o “mundo real” se constrói por meio dos hábitos lingüísticos de uma sociedade. A partir disso, podemos concluir, pelas considerações do autor, que, para os problemas essenciais com os quais se depara um estudioso da cultura humana, é imprescindível o domínio dos mecanismos e desenvolvimentos históricos das línguas. Quanto mais detalhada e cuidadosa a análise do comportamento dos grupos, mais importante será o conhecimento da língua utilizada. Assim, para Sapir (1969: 20), pode-se “considerar a linguagem como o guia da simbolização da cultura”. É nesse sentindo que se pode afirmar que a língua pode sofrer influência externa no que se refere ao seu assunto ou conteúdo, ao seu sistema fonético ou a sua forma gramatical. É no léxico, entretanto, que mais claramente estão refletidos os aspectos do ambiente físico e social em que se inserem os falantes. É o léxico de uma língua “o complexo inventário de todas as idéias, interesses e ocupações que abarcam a atenção da comunidade (...)” (SAPIR, 1969:45). Corroborando o pensamento de Sapir, Biderman (1981:132), assegura que, ao se considerar a dimensão social da língua, pode-se ver no léxico o patrimônio social da comunidade, juntamente com outros símbolos da herança cultural. A autora confirma, ao relacionar o léxico com a tese do relativismo lingüístico ou hipótese SapirWorf,3 “que o vocabulário é o domínio, por excelência, em que estão codificados os símbolos da cultura” Na mesma direção, Pires de Oliveira (2001:22) esclarece que constitui o léxico de uma língua “um conjunto de vocábulos que 3

representa a herança sociocultural de uma comunidade. Assim, se as palavras representam a herança sociocultural de um grupo, tornam-se testemunhas, itens representativos da história dessa comunidade e das normas sociais predominantes em determinada época e em determinado espaço. Ainda a esse respeito, Isquerdo (1996:02) completa que “uma abordagem sócio-etnolingüística da língua envolve, portanto, a análise do fato lingüístico como criação ligada a um sujeito inserido num grupo sócio-lingüístico-cultural cujas características são refletidas na língua, mormente no âmbito do léxico”. Partindo dessas considerações, fica evidente que, ao se estudar o léxico de uma língua, pode-se também apreender a realidade do grupo que a utiliza: sua cultura, sua história, seu modo de vida, sua visão de mundo, seu comportamento enfim. Podemos afirmar que as palavras que constituem o sistema lexical de uma língua são como um espelho que refletem os aspectos do mundo real de uma comunidade, e é essa tese que procuramos comprovar com este breve estudo. Convém esclarecer que face à imprecisão do termo “palavra”, alguns lingüistas sugerem a substituição pelo termo “vocábulo”. Pottier (1967:53) sugere a terminologia lexia e explica que as mesmas podem ser classificadas em três grupos: a) lexia simples, aquela que corresponde à palavra ou ao vocábulo, com apenas uma unidade mental memorizada; b) lexia composta, aquela que, embora formada por duas ou mais bases, é entendida como uma única unidade já lexicalizada; c) lexia complexa, aquela formada de seqüência de duas ou mais bases e em vias de lexicalização, também entendida como uma única unidade.

De acordo com essa hipótese, a visão de mundo de um falante estaria condicionada pela língua que ele fala e, por essa razão, nenhum indivíduo perceberia o mundo com total imparcialidade.


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Neste trabalho, o conjunto de lexias examinado é composto de unidades léxicas simples e complexas, que são, em sua maioria, resultantes de processos neológicos. Desses processos podem surgir neologismos formais e também neologismos semânticos. Os primeiros nomeiam as unidades lexicais de criação relativamente recentes, e os segundos nomeiam aquelas unidades que já faziam parte do acervo da língua, mas que passam a ser utilizadas pelos falantes com outra acepção, ou seja, são ocorre quando novo significado é atribuído a uma seqüência sonora já conhecida. A respeito dos neologismos, convém uma referência ao que observa Alves (1990:86): para essa pesquisadora, as unidades léxicas neológicas podem ser criadas por razões estilísticas, muitas vezes intencionalmente, para causar efeitos como estranhamento e ironia. Normalmente é o que ocorre quando o assunto é polêmico como as ilegalidades na política.

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“testemunham”, como veremos, momentos de nossa história política.

3. ANÁLISE DAS LEXIAS Conforme já afirmamos, o léxico é o sistema mais vivo e mais dinâmico de uma língua. Movimenta-se tão rapidamente quanto as idéias e os acontecimentos, obviamente porque estes precisam ser nomeados ou renomeados. Podemos considerar que o campo nocional da política tem sido dos mais férteis quando o tema é a criatividade dos falantes em relação à criação de novas unidades léxicas. Isso não significa, entretanto, que não haja uma base comum no sistema lexical que praticamente não se altera ou que se altera muito lentamente. Podemos citar como exemplo dessa base comum vocábulos como candidato, eleição, voto, urna, que são unidades do léxico que dificilmente se alterarão e por isso não “marcam época”. Não é isso o que ocorre com as palavras do quadro a seguir, que

A seguir, apresentamos as considerações acerca de cada uma das unidades coletadas. a) caçador de marajás Sobre a definição do primeiro elemento dessa lexia, AURÉLIO registra: “aquele que caça, que exercita a caça” e entre outras acepções, “soldado de cavalaria ligeira”. Embora o título de caçador de marajás seja ricamente expressivo, a carga semântica do segundo elemento, nesse contexto, é mais intensa. Conforme AURÉLIO, a palavra marajá tem origem no sânscrito maha raja, que significa “grande rei”. Na primeira acepção da palavra temos: “título dos príncipes ou potentados da Índia”, na segunda acepção, o sentido figura-


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do, “homem muito rico”, e na terceira, o brasileirismo “pessoa que exerce ou exerceu cargo público, e que recebe salário vultoso”. O próprio dicionarista registra o exemplo: “Entre os marajás do estado, há delegados, procuradores, fiscais de renda e defensores públicos” (Jornal do Brasil, 13/11/1998). O candidato que chegou à presidente da República empolgando o eleitorado com a sua promessa de caçar os marajás é lembrado ainda hoje. Collor convenceu a todos que os marajás impediam, atrapalhavam o desenvolvimento econômico do país e era necessário que fossem “caçados” e seus direitos políticos “cassados”. Com tal promessa, Collor venceu a eleição, em 1989. De caçador, o ex-presidente passou a cassado, e mesmo renunciando, teve seus direitos políticos suspensos por oito anos. O trecho transcrito a seguir mostra um exemplo do contexto de uso da lexia em questão: Todos serão investigados, mas sem bravata4 . Já vi ser eleito um presidente da República caçador de marajás5 e depois a gente viu o que aconteceu. Eu tenho vergonha na cara e a gente aprende isso dentro de casa. Já fiz muita bravata, mas agora sou presidente (Época Online, 21/06/2005).

Antes de passarmos ao exame da próxima unidade lexical, consideramos oportuno citar ainda mais um exemplo da criatividade dos falantes no que se refere ao item em análise: a forma marajaseavam não ficou muito conhecida, mas poderia ter se popularizado normalmente já que por analogia a outros verbos, não causa estranheza. 4

O suposto verbo em sua forma infinitiva marajasear, do qual teria originado o tempo verbal em questão não se encontra registrado nos dicionários consultados. Segue o contexto em que a forma verbal foi encontrada. Se nos textos, pela seleção de dados e vocabulário, era possível associar os marajás ao parasitismo, incesto, pedofilia e até assassinato, as fotografias não davam aos supostos marajás a conotação desejada. Nas fotos, os marajás não “marajaseavam”, ou seja, não adotavam nenhuma atitude condenável nem se pareciam com a imagem que deles se queria formar (Luiz Felipe O. Franceschini)6.

b) caras-pintadas O vocábulo cara pode simplesmente significar rosto no sentido mais usual da palavra, mas pode também, conforme uma das acepções registradas por AURÉLIO, ser “ousadia, coragem”. Existem muitas expressões formadas com a palavra cara: cara a cara, cara de enterro, cara de lua cheia, cara de quem comeu e não gostou, cara de tacho, entre outras. Já para o adjetivo pintada, no dicionário, registra-se o masculino pintado — selecionamos os significados que consideramos mais expressivos, para o contexto, quais sejam “que tem cores; colorido” e o brasileirismo “ audacioso, atrevido”. Não é objetivo aqui discutir se os jovens que compuseram o movimento denominado caras-pintadas foram ou não manipulados pela imprensa, mas o signo em questão está relacionado ao que é ousado, corajosos, audacioso, etc. A lexia ainda não se

Bravata: “intimidação ou ameaça arrogante”, conforme AURÉLIO. Todas as lexias examinadas foram destacadas em negrito pela autora deste artigo. 6 Em artigo “Marajás e caras-pintadas: a memória do Governo Collor nas páginas de O Globo”, publicado no site www.achegas.net/numero/doze/luiz_felipe_12.htm. 5


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encontra nos dicionários consultados, mas surgida na período final do governo Collor, ainda hoje é utilizada principalmente pela imprensa: A dificuldade material soma-se às articulações subterrâneas para que tudo termine em monumental pizza. E surge então a pergunta, fruto da perplexidade nacional: “Onde estão os caras-pintadas, a pressão da sociedade expressa nas ruas, cobrando a punição dos culpados?”(Folha Online, 02/08/2005).

c) collorido Esse item lexical, grafado, no meio político, como collorido — apresenta acepções positivas que justificariam seu tão propagado uso, mas apresenta também acepções negativas. O sentido que valorizaria o governo Collor é figurado: “brilho, brilhantismo, vivacidade”. Por outro lado, pode ter também, em sentido figurado, a seguinte acepção: “disfarçado, dissimulado” (AURÉLIO). Como muitas outras unidades do léxico, apenas o exame de elementos que compõem contexto é que poderia definir o conteúdo semântico desse vocábulo. No exemplo transcrito a seguir, a opção parece ser por certa imparcialidade: No “grupo collorido” há esperanças de que Calheiros acabe se unindo a Collor mais perto das eleições. Na opinião do provável suplente, Bob Lyra, “Collor ganha eleições para o que quiser em Alagoas”. Mas ele estima que uma eventual disputa ao governo do Estado seria mais dura com a senadora petista Heloísa Helena (Folha Online, 28/01/2001).

d) impeachment A lexia tem origem no inglês e signi-

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fica, segundo AURÉLIO, “no regime presidencialista, ato pelo qual se destitui, mediante deliberação do legislativo, o ocupante de cargo governamental que pratica crime de responsabilidade; impedimento”. Embora não se trate de um vocábulo criado no período do governo Collor, pode ser considerado como testemunha da época pela freqüência intensa de uso no referido período. O então presidente renunciou e evitou o chamado impeachment, mas à pronúncia do termo, ainda nos vem à mente o desfecho do governo de Fernando Collor de Melo. Conforme exemplo a seguir, eram os chamados caras-pintadas que protestavam e pediam o impeachment do presidente Collor. O jornal manteve-se em posição crítica durante a ascensão e o apogeu de Fernando Collor. Embora apoiasse suas propostas de liberalização econômica, foi a primeira publicação a recomendar o impeachment do chefe do governo, que acabou caindo em 1992 (Folha Online, 30/04/2007).

e) anões do orçamento O vocábulo anão tem origem no latim nanu < gregro nános, e significa: “muito pequeno; muito baixo”, mas ainda pode designar: “personagem fictícia, de estatura diminuta, muito popular no folclore, nas lendas e nos contos infantis”. Já orçamento pode ser analisado a partir dos seus significados denotativos como: “discriminação da origem e da aplicação de recursos a serem usados para determinado fim”, ou ainda “cálculo da receita que se deve arrecadar num exercício financeiro e das despesas que devem ser feitas pela administração pública, organizado obrigatoriamente pelo Executivo e submetido à aprovação das respectivas câmaras legislativas” (AURÉLIO).


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Como é possível observar, o falante utiliza-se de uma lexia, anões, cujo sentido a ser considerado é o conotativo, ou o que remete ao folclore ou ao conhecido conto de fada Branca de Neve e os Sete Anões, com a intenção de fazer uma sátira a mais um, considerado por muitos brasileiros, vergonhoso escândalo envolvendo o dinheiro público. O nome de Magalhães foi debatido durante encontro entre as lideranças dos partidos governistas e o ministro Aldo Rebelo (Coordenação Política). Ele foi governador de Pernambuco, prefeito de Recife e relator da CPI dos Anões do Orçamento (1993), que investigou desvio de recursos públicos (Folha Online, 03/03/2004).

f) esquema PC A lexia esquema se encontra registrada nos dicionários e tem, entre outras acepções, a seguinte: “meio de obter algo mediante trapaça”, que parece ser bastante adequada ao contexto de uso. PC são as iniciais do nome do irmão do ex-presidente, Pedro Collor. Atualmente há até quem compare o esquema PC antigo com o esquema mensalão atual: Comparações são sempre arriscadas. Todavia, seguindo-se essa lógica, é válido ressaltar que Lula não pode ser equiparado a Collor por uma razão simples: até então, o esquema investigado não aponta para o enriquecimento pessoal do presidente. O mensalão pode ser mais caudaloso do que o “esquema PC”, mas a sua perspectiva é diversa. Hoje, não se está falando dos Jardins da Casa da Dinda, mas de caixa 2 de campanha e de 7

aliciamento de deputados em prol de um projeto de poder. É sórdido, só que, goste-se ou não, é diferente.7

O trecho transcrito exemplifica o uso do item lexical em análise: Ao menos R$ 11,4 milhões do TRT passaram pelos mesmos canais usados para desviar dinheiro arrecadado com a venda de títulos públicos para pagar dívidas judiciais (precatórios). Por contas de “laranjas” e bancos do esquema PC Farias passou pelo menos R$ 9,4 milhão (Folha Online 17/12/2000).

g) jardins da Dinda Essa lexia nomeia referentes que chegaram a ser considerados a sétima maravilha da corrupção do governo. Os tais jardins foram dos mais comentados símbolos de luxo e ostentação da chamada Era Collor. O primeiro elemento da lexia, jardim, pode ser interpretado no seu sentido literal significando conjunto de plantas ornamentais. Entre o elemento jardins e o sintagma da Dinda está elíptico o vocábulo casa, já que a residência onde morou o ex-presidente foi batizada de Casa da Dinda, em homenagem à sua bisavó materna. ... o dinheiro saído das contas fantasmas pagava as contas de Fernando Collor de Mello, dos jardins da Dinda ao Fiat Elba de Rosane Collor (Folha Online, 03/07/ 2005).

Assim, se esses itens lexicais, pela freqüência de uso, pela criatividade de sua criação, pela extensão de significado, testemunham a era Collor, já podemos mencionar algumas que, provavelmente, daqui a

Retirada do site www.observatorio.ultimosegundo.ig.com.br, consultado em 13/05/2006.


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dez anos ou mais serão lembradas como testemunhas de um momento do governo Lula. Os itens analisados a seguir, da mesma forma, podem ser agrupados sobre o tema maior de corrupção, embora a intenção inicial não tenha sido selecionar apenas itens com esse traço semântico. Seguem as considerações sobre cada lexia do segundo grupo. a) mensalão Essa lexia não se encontra registrada, mas pelo conhecimento do sistema lingüístico e de seus recursos, qualquer usuário da língua facilmente chega ao significado: “daquilo que é mensal”, ou seja, “que se efetua de mês em mês” ou que se “que se paga ou se recebe por mês” (AURÉLIO). O sufixo — ão (mensal + ão), no sentido mais usual significa aumentativo. No caso em que o termo é utilizado, a significação mais comum é de algo que se recebe por mês e em grande quantidade. No meio político, quando se fala em corrupção ou desvio de dinheiro público, essa foi por alguns meses em 2006, e ainda continua sendo, talvez, a palavra mais usada pela imprensa e pela população em geral. O vocábulo mensalão entrou definitivamente para o vocabulário político e cotidiano do país com a entrevista do deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) à Folha, quando contou pela primeira vez sobre um suposto esquema de pagamentos mensais a deputados do PP e do PL, no valor de R$ 30 mil. Segue o exemplo de um contexto em que a lexia foi utilizada. Alckmin também atacou hoje o Congresso por não punir os parlamentares envolvidos nos recentes escândalos — mensalão e sanguessugas. Alckmin disse que há uma “degradação de valores” e

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que a não-punição estimula a continuidade da roubalheira. (Folha Online, 26/ 05/2006)

A partir de mensalão surgiu o vocábulo mensalinho, que também não se encontra registrado no dicionário. E se o uso da palavra mensalão pode significar que a quantia recebida ilegalmente era alta, mensalinho seria a forma para nomear uma propina relativamente menor. Cita-se um exemplo do uso: Severino renunciou ao mandato em setembro de 2005 para escapar de um processo de cassação pelo escândalo do mensalinho. O ex-deputado foi acusado de receber dinheiro do dono de um restaurante na Câmara para prorrogar a concessão de funcionamento (Folha Online, 26/04/2006).

b) mensaleiro A partir de mensalão e também de mensalinho, a criatividade dos falantes fez surgir mensaleiro. O verbete não se encontra registrado no dicionário e é formado de mensal + eiro. O sufixo –eiro pode ter, entre vários outros significados, o seguinte: “o que exerce certo ofício, profissão ou atividade, que apresenta certo tipo de comportamento, ou determinado traço de personalidade” (AURÉLIO). No contexto em que foi é ainda é utilizado, mensaleiro designaria aquele partido, político (ou não) que recebia certa quantia em dinheiro público, de forma ilegal, em troca de apoio ou de silêncio nas decisões do Congresso Nacional. O trecho seguinte apresenta a lexia em uso. “ (...) Eu repudio, é inaceitável. O PT é mensaleiro disse Paes. O parlamentar, de forma velada, também ameaçou in-


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cluir na disputa partidária o filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o caso “Gamecorp” (Folha Online, 21/09/2006).

(PMDB-PR), entregaram ontem ao Ministério Público a lista de possíveis novos mensaleiros (Folha Online, 25/05/ 2006).

c) valerioduto e) dança da pizza Esse vocábulo, não dicionarizado, surgiu a partir do segundo nome do empresário Marcos Valério de Souza mais o sufixo –duto cujo sentido mais usual é de “conduzir”. A criação não causa estranheza porque são comuns, na língua, outras semelhantes como oleoduto e gasoduto. O empresário teria movimentado irregularmente mais de R$ 2,5 bilhões e por essa razão seu nome foi um dos mais comentados em 2006 e início de 2007. Segue exemplo. O relator do processo, deputado Jairo Carneiro (PFL-BA), considerou os depoimentos de Janene à CPI do Mensalão e à Corregedoria da Câmara e avaliou que o deputado quebrou o decoro parlamentar quando foi beneficiado pelo “valerioduto” (Folha Online 16/06/ 2006).

d) CPI dos Correios Como se sabe, CPI é abreviatura de Comissão Parlamentar de Inquérito e não é uma lexia surgida no governo Lula. Já CPI dos Correios se configura como uma unidade léxica que marca o referido momento. A Comissão foi criada em 2005 com o intento de investigar denúncias de corrupção envolvendo principalmente os Correios. A freqüência de uso, como no exemplo seguinte, foi significativa no ano de 2006. A CPI dos Correios, encerrada há 49 dias, concluiu nesta quarta-feira sua última pendência. O presidente da comissão, senador Delcídio Amaral (PT-MS), e o relator, deputado Osmar Serraglio

Também essa lexia não se encontra nos dicionários consultados, como era previsto, já que sua criação é de data muito recente. Nessa formação, dança pode ser entendida em seu sentido denotativo mais usual, o que não ocorre com o vocábulo pizza, nesse contexto. Para entendermos melhor a situação em que essa unidade léxica foi utilizada, é necessário saber que a deputada Ângela Guadagnin (PT-SP), que integrava o Conselho de Ética, em 2006, ao saber da absolvição do colega João Magno (PT-MG) – acusado de envolvimento com o valerioduto, comemorou com uma dancinha que ficou conhecida como a dança da pizza. Podemos nos reportar a outra expressão mais conhecida, na qual teriam os falantes se inspirado: terminar em pizza. Esta já vem sendo utilizada há algum tempo quando o assunto é apuração de ilegalidade, sobretudo no meio político. Nosso conhecimento de mundo nos faz compreender que uma reunião em pizzaria pode significar confraternização, acordo, festa. Assim, quando, após a apuração de alguma suposta ilegalidade, os envolvidos não tenham sido penalizados, responsabilizados pelos seus atos, usa-se a expressão terminar em pizza. Segue exemplo de contexto em que a expressão mais recente foi e ainda é utilizada. A deputada Angela Guadagnin (PT-SP) reassumiu hoje sua vaga no Conselho de Ética da Câmara depois de ter sido afastada por protagonizar a “dança da pizza”(Folha Online, 09/05/2006).


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f) sanguessugas Para esse item lexical, além do sentido de verme que suga o sangue de outros animais, a acepção figurada que é a que mais nos interessa nesse estudo também já se encontra registrada no dicionário consultado: “pessoa que explora outra pedindo-lhe constantemente dinheiro; chupa-sangue”, conforme AURÉLIO, por exemplo. No contexto político, em que foi mais utilizado pela imprensa, o sentido atribuído a essa lexia é ainda mais pejorativo. O trecho a seguir ilustra o uso: Alckmin também atacou hoje o Congresso por não punir os parlamentares envolvidos nos recentes escândalos - mensalão e sanguessugas. Alckmin disse que há uma “degradação de valores” e que a não-punição estimula a continuidade da roubalheira (Folha Online, 26/05/2006). A partir de sanguessuga, a dinamicidade da língua ou mais exatamente à dinamicidade que os usuários dão a ela, fez surgir a interessante lexia pizza da sanguessuga e máfia das sanguessugas utilizadas no contexto a seguir: Corregedoria encaminha relatório para PGR; deputados criticam “pizza de sanguessuga” A comissão de sindicância da corregedoria da Câmara decidiu hoje encaminhar para a PGR (Procuradoria Geral da República) o relatório que elaborou sobre a “máfia das sanguessugas”. O documento aponta novos nomes de deputados supostamente envolvidos no esquema (Folha Online, 24/05/2006).

g) Operação Navalha Entre as mais recentes criações lexicais relacionadas ao assunto em questão

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está Operação Navalha. A lexia nomeia a ação da Polícia Federal que teria mobilizado cerca de 400 agentes para prender funcionários públicos e empresários envolvidos em fraudes de licitações do governo federal. Tendo em vista que o vocábulo operação é, segundo AURÉLIO, “aplicação das medidas necessárias à obtenção de determinados objetivos (políticos, militares, financeiros, sociais etc.)” ou “combate, manobra, ação militar”, é possível afirmar que o primeiro elemento dessa lexia está sendo utilizado em um de seus sentidos denotativos. Já no que se refere ao segundo elemento, navalha, pode-se afirmar que o mesmo é utilizado considerando-se apenas uma relação de seu sentido: “instrumento de corte, dobrável, cujo cabo também é a bainha onde se guarda a lâmina” ou “faca com lâmina afiada. (AURÉLIO). Nesse sentido, o uso do vocábulo navalha, nessa composição, remete ao significado de precisão, perfeição ou algo que deveria funcionar sem falhas. O trecho a seguir exemplifica o uso da lexia: Segundo a ministra, Tereza mentiu e omitiu informações durante o depoimento. Mesmo assim, a ministra revogou a prisão dela por considerar que a funcionária não oferece risco para a coleta de provas da Operação Navalha. (Folha Online 28/05/2007).

CONSIDERAÇÕES FINAIS Um breve estudo como o que foi apresentado comprova que a língua, ou mais exatamente unidades do léxico podem tornar-se testemunhas de determinada época da história dos grupos sociais. Por isso, uma pessoa adulta que acompanhe, minimamente, notícias sobre a política brasileira, ao ler


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ou ouvir na atualidade itens lexicais como caçador de marajá, Casa da Dinda, anões do orçamento, será capaz de associá-las ao período que compreendeu o Governo Collor. Da mesma forma, daqui a alguns anos, será capaz de remeter mensalão, valerioduto, sanguessugas ao período do atual governo. Este estudo evidencia também o quanto a língua é dinâmica e como são criativos os seus usuários. Vale ressaltar que, dada à realidade da política brasileira, o campo corrupção pode, de certa forma, ser considerado um sub-campo de política. E é apenas um dos recortes por meio do qual o léxico pode ser investigado, uma vez que outras áreas como economia, medicina e informática constituem também campos riquíssimos para estudo. No que se refere à política, para nomear novos comportamentos e aconteci-

mentos, os falantes valem-se dos recursos que a língua dispõe, atribuindo novos sentidos a elementos que já existem ou criando outros por analogias. Isso ocorre com muita freqüência em relação ao léxico das línguas vivas. Na maioria das vezes são os jornalistas, cronistas ou figuras públicas os responsáveis pelas “novidades léxicas”, entretanto é o grupo quem decide se aceita ou não. Uma vez aceitas, as novas lexias, se divulgadas em meios de comunicação de massa, passam rapidamente a fazer parte do vocabulário de toda uma comunidade lingüística, e essa é uma das maneiras pelas quais a língua evolui. No caso dos itens analisados, é possível que alguns, caso continuem em uso, possam ser registrados em futuras obras lexicográficas e outros desaparecerão com o tempo. De qualquer forma, já terão cumprido sua função.

REFERÊNCIAS ALVES, I. M. Neologismo. Criação Lexical. São Paulo: Ática, 1990. BASILIO, M. Teoria lexical. São Paulo: Ática, 1987. BIDERMAN, M.T. A estrutura mental do léxico. In estudos de filologia e lingüística. São Paulo: Edusp, 1981. CARVALHO, N. M. O que é neologismo. São Paulo: Brasiliense, 1984. ISQUERDO, A. N. O fato lingüístico como recorte da realidade sócio-cultural. Tese (Doutorado). Araraquara: UNESP, 1996. PIRES DE OLIVEIRA, A. M. P. O português do Brasil: regionalismos e brasileirismos. Araraquara: UNESP, 1999. [tese de doutorado]. POTTIER, B. Presentación de la lingüística: Fundamentos de uma teoria. Madrid Adiciones Alcalá, 1967. SAPIR. E. A linguagem – uma introdução ao estudo da fala. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1983. SAUSURRE, F. Curso de Lingüística Geral. 5. ed. São Paulo: Cultrix, 1973. FERREIRA, A. B. H. Novo Aurélio século XX: o dicionário da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. (Versão Eletrônica).


DIFICULDADES OU DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM? Neide de Souza COELHO1 RESUMO O uso constante dos vocábulos de dificuldade e distúrbios de aprendizagem por parte dos professores e sua correta diferenciação, pode influenciar no processo de ensinoaprendizagem. Um fator de análise e reflexão das causas e conseqüências, como enfoque metodológico, psicobiológico na aprendizagem humana, fator este que envolve processos complexos de diversa natureza, onde a prioridade da investigação é contribuir para o estudo e intervenções no âmbito das dificuldades apresentadas no processo ensino aprendizagem. A abordagem do tema busca em termos referenciais bibliográficos, refinamento teórico a respeito da metodologia didática e formação pedagógica de como os profissionais deste nível de ensino percebem essas dificuldades na aprendizagem como um processo individual de cada criança enquanto práticas pedagógicas, dentro deste desafio há uma perspectiva preventiva às conseqüências futuras de nossas crianças. Palavras-Chave: Aprendizagem; Processos; Dificuldades. ABSTRACT A factor’s analysis and reflection of causes, consequences, like methodological focus, psychobiological in the human learning, this factor that involves complexes processes from different nature, where the priority of investigation is to contribute to study and interventions in range of difficulties shown in process learning teaching. The approach of theme searches in terms of references bibliographical, refinement theoretical with regard to educational methodology and formation pedagogic how the professionals of this teaching level perceive these difficulties in learning as an individual process of each child while pedagogic practice, into this challenge there is a preventive prospect to futures consequences of our children. Keyword: Learning; Processes; Difficulties. INTRODUÇÃO Aprender envolve processos complexos de diversa natureza, principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental. Este campo é fértil em concepções unidimensionais e em divisões conceituais entre os diferentes profissionais que o integram. No âmbito das dificuldades do processo ensino aprendizagem, habitualmente

identificado, há campos e inter-relações básicas, no entanto muitas crianças que não aprendem a ler e escrever, não apresentam dificuldades na aprendizagem em outros conteúdos, enquanto outros revelam dificuldades em todas as áreas. Algumas crianças, independente das suas inteligências normais, das suas adequadas acuidades sensoriais, dos seus adequados comportamentos motores e sócioemocionais, não aprendem a ler, escrever e

1 Pedagoga Especialista em Metodologia do Ensino e gestora Escolar da REME. E-mail: neidedesouzacoelho@hotmail.com. Mestranda em Educação – Universidad Técnica de Comercialización y Desarrollo – UTCD


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a contar, sendo um determinado número de condições e oportunidades, uns de natureza psicológicos, outras neurológicas, compreendendo um perfil intra-individual do educando. A prioridade desta investigação foi contribuir para o estudo da natureza da aprendizagem humana e de seus processos. A aprendizagem concebida como capacidade de processar, armazenar e usar informações, ao ponto de estruturar em condições de aplicação, para se obter dados que implica a melhoria, o progresso, a compreensão e as intervenções no âmbito das dificuldades apresentadas no processo ensino aprendizagem. 1. DIFERENÇA ENTRE DIFICULDADES E DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM A intervenção e avaliação nas dificuldades da aprendizagem são as duas faces do problema, a preocupação pelas necessidades educacionais especifica das crianças pode ser mais eficiente na busca de se identificar um padrão de comportamento típico da criança e realizar um trabalho interdisciplinar de investigação na base metodológica educativa, no processo escolar dessas crianças inseridas. Ainda há um conceito muito subjetivo sobre as dificuldades na aprendizagem. Na opinião de Almeida et al (1995), é sabido que a conceituação e a diferenciação entre distúrbios e dificuldades de aprendizagem têm causado polêmica, não havendo consenso entre os diferentes autores quanto à sua etiologia. É necessário que se faça uma distinção entre os dois termos e acredita-se que as dificuldades de aprendizagem, apesar de se manifestarem no sujeito que aprende, não têm sua origem apenas nas características pessoais do aluno, envolvendo também fatores relacionados ao núcleo familiar, à escola e ao meio social. Dessa forma, os distúrbios referir-se-iam a alterações ou perturbações na aquisição do conhecimento,

cujas explicações encontrariam respostas na clínica e nos discursos médicos, uma vez que o problema seria visto como uma entidade nosológica, como uma “doença” ou uma “disfunção” (ALMEIDA et al, 1995). De acordo com Fonseca (1995, p.71), Dificuldades de aprendizagem (DA) [...] é um termo geral que se refere a um grupo heterogêneo de desordens manifestadas por dificuldades significativas na aquisição e utilização da compreensão auditiva, da fala, da leitura, da escrita e do raciocínio matemático. Tais desordens, consideradas intrínsecas ao indivíduo, presumindo-se que sejam devidas a uma disfunção do sistema nervoso central, podem ocorrer durante toda a vida. Problemas na auto-regulação do comportamento, na percepção social e na interação social podem existir com as DA. Apesar das DA ocorrerem com outras deficiências (por exemplo, deficiência sensorial, deficiência mental, distúrbios sócio-emocionais) ou com influências extrínsecas (por exemplo, diferenças culturais, insuficiente ou inapropriada instrução, etc), elas não são o resultado dessas condições”. Tal definição, na opinião do autor, é extremamente complexa, agrupando uma variedade de conceitos, critérios, teorias,modelos e hipóteses.

O termo dificuldades de aprendizagem, na opinião de Almeida et al (1995), não pode ser entendido como distúrbio de aprendizagem. O uso indiscriminado e bastante disseminado dos termos distúrbios, dificuldades, perturbações ou disfunções de aprendizagem leva, muitas vezes, a rotulações que não contribuem para a compreensão, prevenção e minimização dos problemas que podem ocorrer na relação ensino-aprendizagem. As dificuldades de aprendizagem seriam decorrentes de uma constelação de fatores (internos e/ou externos) de ordem


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pessoal, familiar, emocional, pedagógica e social que só adquirem sentido quando relacionados à história das relações e interações do sujeito com o seu meio, inclusive e sobretudo, o escolar. Para Collares e Moysés (1992), etimologicamente, a palavra distúrbio compõem-se do radical turbare e do prefixo dis. O radical turbare significa “alteração violenta na ordem natural” e pode ser identificado também nas palavras turvo, turbilhão, perturbar e conturbar. O prefixo dis tem como significado “alteração com sentido anormal, patológico” e possui valor negativo. O prefixo dis é muito utilizado na terminologia médica (por exemplo: distensão, distrofia). Para as autoras, a expressão distúrbios de aprendizagem teria o significado de “anormalidade patológica por alteração violenta na ordem natural da aprendizagem” (p. 32), obviamente localizada em quem aprende. Portanto, um distúrbio de aprendizagem obrigatoriamente remete a um problema ou a uma doença que acomete o aluno em nível individual e orgânico. Na opinião das autoras, a utilização desmedida da expressão distúrbio de aprendizagem no cotidiano escolar seria mais um reflexo do processo de patologização da aprendizagem ou da biologização das questões sociais. A diferença, portanto, é que as dificuldades de aprendizagem envolvem problemas tipicamente sociais e os distúrbios de aprendizagem, problemas orgânicos. García Sánchez (1998) argumenta que as dificuldades de aprendizagem afetam crianças, jovens e adultos e não constituem um único problema, mas um conglomerado de problemas heterogêneos de dificuldades não acadêmicas com uma base principal na linguagem (processos fonológicos, morfológicos, processamento verbal na memória, processos visuais e auditivos, etc.), e dificuldades acadêmicas na leitura, na escrita, no soletrar e na matemática. Menciona que essa condição é diferente do baixo rendimento produzido por outras causas como por fatores ambientais; déficits sensoriais ou motores; dificuldades de atenção

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no controle dos impulsos ou hiperatividade; falta de motivação para aprender e outros transtornos do desenvolvimento. As dificuldades de aprendizagem podem ser relativas a uma dificuldade específica, conforme ocorre quando uma criança tem problemas em alguma área particular como a leitura; ou pode tratar-se de uma dificuldade geral, como ocorre quando a aprendizagem é mais lenta que o normal em uma série de tarefas. Para que possa ser identificada uma dificuldade de aprendizagem é necessário considerar uma avaliação, pois a partir de seus resultados pode ser planejada a aplicação de um programa de intervenção. Qualquer avaliação ou intervenção com uma criança com problemas de aprendizagem implica necessariamente algumas hipóteses acerca da origem deles e para que as avaliações sejam fiéis e válidas, o profissional deve conhecer o conjunto das variáveis que podem intervir na atuação infantil em tarefas específicas. Segundo Azevedo et al (1997), associando-se às condições externas (estímulos do meio) e internas (integridade anátomofuncional), pode-se evidenciar desde uma simples alteração da qualidade do aprendizado da leitura e escrita, a desvios nos processo de aprendizagem, os quais revelariam um distúrbio no aprendizado da leitura e da escrita. De acordo com os mesmos autores, as crianças encaminhadas para a avaliação, apresentam dificuldades em três grandes áreas, podendo ser reunidas em três grupos: 1) crianças com alteração de atenção; 2) crianças com suspeita de distúrbio de aprendizagem, cuja queixa é apresentada pelos pais ou professores e 3) crianças encaminhadas por apresentarem distúrbios do quadro social. Os mesmos autores relataram que escolas públicas passam por maiores dificuldades quanto à contratação de professores qualificados e capacitados do que a escola particular. Conseqüentemente, os alunos de escola pública são menos estimulados. Batista (1995) afirmou que a


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desatenção pode manifestar-se em situações escolares, profissionais e sociais. Os indivíduos com este transtorno podem não prestar muita atenção a detalhes ou podem cometer erros por falta de cuidados nos trabalhos escolares ou outras tarefas. Os indivíduos, com freqüência têm dificuldade para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas e consideram difícil persistir em tarefas até seu termino. Pode haver freqüentes mudanças de tarefas inacabadas para outras. Eles, freqüentemente, não atendem à solicitação ou instrução e não conseguem completar o trabalho ou outros deveres. Os indivíduos com esse transtorno são facilmente distraídos por estímulos irrelevantes. Nas situações sociais, a desatenção pode manifestar-se por freqüentes distrações durante as conversas e falta de atenção a detalhes ou regras em jogos ou atividades. Embora a aprendizagem envolva processos psíquicos superiores, não restam dúvidas de que ela depende de processos psíquicos automáticos, como atenção, discriminação, identificação, Figura-fundo, decodificação, etc., em que as crianças com dificuldades de aprendizagem manifestam problemas de várias ordens (FONSECA, 1995). Segundo Fonseca (1995), as crianças com distúrbios de aprendizagem apresentam, normalmente, problemas de seleção quando dois ou mais estímulos estão presentes. A existência de estímulos competitivos perturba essas crianças, tanto em nível visual quanto auditivo. A distração parece interferir com a percepção e, subseqüentemente, com a aprendizagem. Sabe-se que a atenção é controlada pelo tronco cerebral, mais exatamente pela formação articulada, que tem por função regular a entrada e a seleção de estímulos, indispensável à aprendizagem. Uma vez afetada, o cérebro está impedido de processar e conservar a informação, pondo em risco as funções de decodificação e codificação. O mesmo autor relatou que a memória constitui-se no processo de reconhecimento e de reutilização do aprendido reti-

do, sendo uma força imprescindível à aprendizagem. Segundo Gerber (1996), a atenção apresenta as seguintes dimensões: seletividade, processamento duplo, foco em informação central versus incidental. Os recursos de atenção, embora limitados em capacidade, podem ser diferencialmente distribuídos em tarefas de processamento automático e controlado. A seleção e o subseqüente processamento de algumas, mas não de todas as informações disponíveis, são grandemente determinadas pelo significado da informação e o conhecimento relevante possuído pelo indivíduo. É possível prestar atenção a dois ou mais sons e tarefas simultâneas, quando determinadas habilidades forem bem praticadas, a ponto de chegar a uma relativa automaticidade. Segundo o mesmo autor, a memória envolve a transferência de informações de armazenagem de curto prazo para a armazenagem de longo prazo, passando à memória funcional. Enquanto a informação processada na memória de curto prazo e funcional é relativamente limitada em quantidade e duração, a capacidade da memória de longo prazo é relativamente ilimitada. A transferência de informações para a memória de longo prazo é facilitada pelo uso de estratégias com a organização e a integração do novo com o conhecimento antigo. CONSIDERAÇÕES FINAIS A aprendizagem humana é um processo interativo, onde, portanto, vários componentes se inter-relacionam. Porém, não basta encarar somente variáveis genética ou biológica, ignorando variáveis sociais e educacionais. É preciso saber diferenciar as dificuldades dos distúrbios de aprendizagem, atentando para suas diferenças, sem discriminar ou rotular os educandos, pois a escola desempenha papel fundamental na autoestima e na construção do eu do educando. É necessário que o professor tenha conhe-


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cimento, implícito numa formação adequada; mas necessita também se compreender e agir como aprendiz, como socializador fazendo refletir em suas ações um comportamento predominante de aceitação. A escola não pode continuar a ser uma fábrica de insucesso, é preciso determinar exaustivamente a deficiência no sistema educacional e posteriormente pensar

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num conjunto de ações para corrigir tal perigosa e dramática tendência. Na escola a criança deverá ser estimada, pois só assim poderá considerar útil. Professores e alunos devem aprender a se respeitarem e se ajudarem mutuamente, combatendo antagonismos, no sentido de resolverem cooperativamente os inúmeros problemas sociais e educacionais que se lhes deparam.

REFERÊNCIAS ALMEIDA, S. F. C. de. et al. Concepções e práticas de psicólogos escolares acerca das dificuldades de aprendizagem. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v.11, n.2, p.117-134, maio/ agosto, 1995. AZEVEDO, M. F.; & PEREIRA, L. D. Distúrbio da Audição em Crianças de Risco para Alteração do Processamento Auditivo Central. São Paulo:Pró-Fono, 1997. BATISTA, D. DSM – IV: Manual, Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Disponível em: www.geocities.com, 1995. Acesso em 26 ago 2006. COLLARES, C. A. L. Ajudando a desmistificar o fracasso escolar. Idéias, n.6, p.24-28, 1992. COLLARES, C. A. L. e MOYSÉS, M. A. A. A História não Contada dos Distúrbios de Aprendizagem. Cadernos CEDES no 28, Campinas: Papirus, 1993, pp.31-48. FONSECA, Vitor. Introdução às dificuldades de aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. GARCÍA SÁNCHEZ, J. N. Historia y concepto de las dificultades de aprendizaje. In: SANTIUSTE BERMEJO, V., BELTRÁN LLERA, J. A. Dificultades de aprendizaje. Madrid: Editorial Sintesis, 1998. GERBER, A. Problemas de Aprendizagem Relacionado à Linguagem: sua natureza e tratamento. Porto Alegre. Editora Artes Médicas, 1996.


A PSICOPEDAGOGIA E SUA CONTRIBUIÇÃO À SAÚDE HOSPITALAR DA CRIANÇA Djanira Pereira da Silva CHAVES1 RESUMO Neste artigo pretende-se descrever a atuação do psicopedagogo na aérea da saúde especificamente no ambiente hospitalar. A educação hospitalar da criança representa uma das novas especializações da educação. A psicopedagogia vem dar apoio educacional psicopedagógico ao paciente interno para assegurar-lhe uma boa recuperação. Os esforços de humanização contribuem a promover junto ao jovem paciente um ambiente saudável e seguro. A noção de irreversibilidade aqui não se confunde com a noção de Piaget. Para a criança hospitalizada, a grande preocupação incide sobre o tempo de tratamento a que ela se submeterá. sobretudo em doenças crônicas ou graves é um grande laboratório em razão da aguda tensão da doença e das conseqüências para o doente e para a equipe hospitalar. Palavras-chave: Psicopedagogia Hospitalar – A Criança – O Medo – A Afetividade ABSTRACT In this article it is intended specifically to describe the performance of psicopedagogo in the aerial one of the health in the hospital environment. The hospital education of the child represents one of the new specializations of the education. The psicopedagogia comes to give psicopedagógico educational support to the internal patient to assure a good recovery to it. The humanização efforts contribute to promote to the young patient a healthful and safe environment together. The irreversibilidade notion is not confused here with the notion of Piaget. For the hospitalized child, the great concern happens on the treatment time the one that it will submit itself over all in chronic illnesses or serious it is a great laboratory in reason of the acute tension of the illness and the consequences for the sick person and the hospital team. Keywords: Hospitals Psicopedagogia -The Child - The Fear - The Affectivity INTRODUÇÃO A atuação do Psicopedagogo na instituição visa a fortalecer-lhe a identidade, bem como buscar o resgate das raízes dessa instituição, ao mesmo tempo em que procura sintonizá-la com a realidade que está sendo vivenciada no momento histórico

atual, buscando adequar essa escola às reais demandas da sociedade. O que se pode esperar então que um psicopedagogo ou um pedagogo hospitalar, especialista armado só de psique, faça em tal serviço? Considerando que a maioria desses pacientes estão fora do seu convívio social,

1 Graduada Em Letras Pela Unigran e Pós-Graduada Em Psicopedagogia Pela UNIGRAN-Centro Universitário Da Grande Dourados-MS.


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da escola, ou de alguma forma, excluída dentro dela, a intervenção psicopedagógica se torna de fundamental importância, a qual será realizada através de atividades educacionais e lúdicas centradas na aprendizagem. O psicopedagogo interagindo com uma equipe multidisciplinar de profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos, psicomotricistas, fisioterapeutas, pedagogos e outros, dentro da Instituição Hospitalar articulará seus métodos e técnicas específicos da psicopedagogia dentro da realidade vivenciada neste contexto, contribuindo para melhoria da qualidade da saúde e auto-estima da criança internada, para que esta se descubra capaz de aprender a aprender e principalmente para o entendimento do vínculo afetivo que a criança hospitalizada desenvolveu com a aprendizagem, e quais os fatores que contribuem para esta não aprendizagem, assim como sua relação entre a afetividade e o desenvolvimento mental2 . Objetivando estabelecer um vínculo afetivo saudável e positivo deste sujeito com a aprendizagem, o psicopedagogo fornecerá subsídios para um material dialético mais adequado e suficiente para um correto atendimento psicopedagógico ao paciente pediátrico hospitalizado, por intermédio de uma pesquisa descritiva bibliográfica e observações realizadas a uma classe hospitalar, agregando conhecimentos e contribuições aplicáveis em prol da qualidade de vida e aprendizagem de tal paciente. O CONTEXTO HOSPITALAR E A INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA Sendo a Psicopedagogia um campo de atuação em saúde e educação que lida com o processo de construção do conhecimento, utilizando-se de vários recursos das áreas do conhecimento, compreendemos 2

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que o profissional dessa área atua com um caráter preventivo e/ou remediativo, buscando a melhoria das relações com a aprendizagem, assim como a melhor qualidade na construção da própria aprendizagem de aprendentes e ensinantes. Contudo, a Psicopedagogia na Instituição Hospitalar surgiu da necessidade de oferecer um acompanhamento psicopedagógico aos pacientes pediátricos internados, que possuem patologias crônicas como as Hematológicas, Imunológicas e Psicopatológicas, aos quais podem permanecer por longos períodos hospitalizados. Em qualquer circunstância, um ambiente hospitalar, sobretudo em doenças crônicas ou graves é um grande laboratório em razão da aguda tensão da doença e das conseqüências para o doente e para a equipe hospitalar. Para STRAIN et GROSSMAN (1975, apud:CARMOY, p. 60) é a situação ideal para estudar os parâmetros da angústia. Sabe-se que uma intervenção hospitalar deixa rastros na memória da criança. Quanto maior a criança, mais ela fica agarrada à mãe e maiores os traumas causados pela hospitalização, conseqüência de chegada de agressão somada a perigos imaginários de inconsciente. Realmente, criança confunde fantasia e realidade e interpreta a ação do cirurgião de acordo com seu desenvolvimento pulsional e emocional. A expressão “dói” pode implicar “tenho medo” de estar sozinho, de ser desfigurado, de sofrer. Nossa intervenção leva em conta o estado emocional da criança que pede socorro quando se nega a uma atividade ou quando é agressiva. O psicopedagogo junto à equipe multidisciplinar hospitalar atuará de forma coesa e nunca isoladamente ou fragmentada, é importante que haja um espaço para que os conhecimentos de ambos profissio-

MELLO, Daniella Reis. Psicopedagoga pela UNESA, atuando em Instituição Hospitalar na área de Recursos Humanos, planejando Projetos que envolvam processo de aprendizagem individual e organizacional, favorecendo a qualidade do trabalho, da produtividade, criatividade e as relações interpessoais. <http:// www.psicopedagogia.com.br/artigos/artigo.asp?entrID=571>. Acessado em 09/05/2007.


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nais envolvidos neste contexto sejam integrados a novas idéias, compartilhados e ressignificados, conhecer o olhar de cada um contribuirá para reconhecer as dificuldades pessoais e institucionais para pôr em ação uma atitude sistemática, contínua e reflexiva, de maneira a contribuir para que o vínculo entre a equipe se consolide o mais prazeroso possível, visando um ambiente mais humanizado ao paciente pediátrico. O MEDO DA CRIANÇA HOSPITALIZADA Em verdade temos medo. Nascemos no escuro. As existências são poucas; Carteiro, ditador, soldado. Nosso destino, incompleto. E fomos educados para o medo. Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo. De medo, vermelhos rios Vadeamos... (Carlos Drumond de Andrade) Quantos de nós já não fizemos referencia a esta frase “o medo é o maior inimigo do homem”. Quem nunca sentiu medo de alguma coisa, seja ela, “uma estória, conto, morte, abandono...”. O medo é um pensamento em sua mente e você tem medo dos seus próprios pensamentos. Um menino pode ficar paralisado pelo medo quando lhes dizem que há um homem mau debaixo de sua cama e que vai levá-lo. Quando o pai acende a luz e mostra-lhe que não há ninguém, ele se liberta do medo. O medo na mente do menino foi tão real como se houvesse de fato um homem debaixo de sua cama. Ele se curou 3

de um pensamento falso em sua mente. A coisa que temia, na verdade, não existia. Da mesma forma, a maioria dos seus medos não têm base na realidade. Constitui apenas um conglomerado de sombras sinistras e as sombras não têm realidade3 . Sentir medo é natural do próprio ser humano. O medo da morte nasce do desconhecimento do objetivo da existência humana e das realidades do mundo espiritual e quando o medo aumenta, a insegurança ainda mais. Segundo Dr. Januário Daniel Neto4 , psiquiatra do Hospital e Maternidade Brasil e psicanalista explica: Medo é emoção básica, natural, experimentada desde que a criança começa a contar com maior noção da realidade do meio ambiente onde está inserida, seja este o meio físico e/ou as pessoas próximas, isto é, consciência do sentir ameaças à sua integridade física e/ou mental. Neste sentido, medo é emoção protetora e necessária, que sinaliza o perigo dando oportunidade para defesa. Em determinadas circunstâncias, anormal é não poder experimentá-lo.

O medo da morte não é somente um fato biológico, mas um processo construído socialmente, que não se distingue das outras dimensões do universo das relações sociais assim, a morte está presente em nosso cotidiano e, independente de suas causas ou formas, seu grande palco continua sendo os hospitais e instituições de saúde. A doença para a criança acarreta medo e abandono, onde esta irá buscar mecanismos para aprender a conviver com a nova situação e assegurar sua homeostase psíquica. A importância da atuação do psicopedagogo será bastante interessante se

Texto extraído de: O Poder do Subconsciente Dr. Joseph Murphy, Cedido por: Marcia Villas-Bôas: disponível em: <http://www.casadobruxo.com.br/textos/medo.htm>. 4 O Dr. Januário Daniel Neto é psiquiatra pela EPM-Unifesp e psicanalista pelo Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Disponível em <http://www.hospitalbrasil.com.br/ noticias_medo_fobia.htm>. Acessado em 11/05/2007.


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for analisada e praticada com mais veemência por parte de toda a equipe de saúde, fomentando desta forma um vínculo afetivo mais confiante e humanizador entre o paciente pediátrico e todo o processo que envolve a sua doença. No que se refere a esse contexto humanizador se faz presente e necessária a atuação do psicopedagogo, pois, este profissional irá contribuir para um bem-estar não somente físico, mas cognitivo, afetivo e social também. AFETIVIDADE Afetividade é o atributo psíquico que dá o valor e representa a realidade. Essa Afetividade também é capaz de representar um ambiente cheio de gente como se fosse ameaçador, é capaz de nos fazer imaginar que pode existir uma cobra dentro do quarto ou ainda, é capaz de produzir pânico ao nos fazer imaginar que podemos morrer de repente. O ambiente hospitalar é o lugar onde buscamos saúde e nos encontramos também com pessoas com a mesma pretensão “a de nos oferecer este bem tão desejado”. O ambiente hospitalar por sua vez se mostra por meio, dor, pela tensão e sofrimento das mesmas pessoas que buscam saúde, pois, muitas vezes neste ambiente percebemos que não somente remédios nos trazem cura, mas é necessário também o calor humano, atenção, sorrisos e até mesmo alegria. À vontade de viver, não pode ser substituída pela doença, sendo assim, sabe-se que é comprovado o sucesso da recuperação de um paciente num ambiente humanizado. Diante deste contexto pode-se dizer que proporcionar condições para o surgimento de um clima mais agradável ao paciente é minimizar a tensão existente entre profissionais/paciente. É importante despertar nos profissionais da saúde a consciência do seu papel para o bom andamento dos serviços, ou seja, mostras a eles que sua verdadeira missão, não deve se limitar e sim ultrapassa o físico, para atingir o espíri-

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to englobando desta forma a família do individuo. Quando o sofrimento é minimizado por meio de sorrisos, atenção, facilitado tornar-se-á a rotina deste ambiente e conseqüentemente melhoria na qualidade do atendimento, pode-se dizer assim que, a Afetividade valoriza tudo em nossa vida, tudo aquilo que está fora de nós, como os fatos e acontecimentos, bem como aquilo que está dentro de nós (causas subjetivas), como nossos medos, nossos conflitos, nossos anseios, etc. A avaliação negativa de si mesmo e o achar que a vida não vale a pena, torna a realidade ainda mais sofrível, assim como, o medo exagerado e o achar-se doente e resultam do Afeto alterado. A tristeza à qual todos estamos sujeitos, a aparece na maioria das vezes como resposta emocional proporcional aos eventos frustrantes e traumáticos da vida e não pode ser considerada patológica por si só. Mas a tristeza que aparece como sintoma de um quadro mais prolongado e desproporcional ao cotidiano deve ser considerada patológica. Assim, auto-estima e amor de um acha as raízes do outro, como em um retorno ao ventre. Como nos diz Winnicoti (1971 P. 25): ...algumas deformidades físicas não têm a natureza de modo a que criança poderia ser consciente como anormalidade. É através de percepção de fato inexplicada, como as atitudes de certas pessoas de seu ambiente imediato. [...] De modo que a criança que tem deformidade pode se tornar uma criança saudável psicologicamente, cujo sentimento é baseado na sua vivência de pessoa aceita.

Uma dentre outras formas natural da criança se sobrepor ao ambiente hospitalar e assim a tristeza (medo) é por meio do lúdico onde o psicopedagogo e o paciente (a criança), ao jogar e brincar vence realidades dolorosas e convive melhor com medos instintivos projetando-os para fora, por meio de sua interação com objetivos e ou-


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ANO 9 • No 39 • FEV/MAR/ABR/2007

tros sujeitos. Humanizar é a palavra chave para todos os procedimentos hospitalares, sendo assim, acredita-se na dedicação, no amor, na expressão, no lúdico, humanizando assim o trabalho hospitalar. Como diz o poeta: “Ficar num quarto acamado, Olhando por teto cinza Com o corpo enfaixado. Comendo sopa sem sal, Injeção, medicamento via oral. Com todos preocupados. Já está comprovado Pela psicossomática Que o organismo, Fase infância ou geriátrica, Rindo funciona melhor Com chance de cura maior De maneira profilática. Os terapeutas do riso chegarão Trazendo a receita da cura Através da arte pura. O hospital sem sorriso Tem a rotina dura

Sofre o médico cansado A enfermeira sem agrado E o servente com tontura” Autor: Jotacê CONSIDEREAÇÕES Esse breve estudo, teve como objetivo mostrar a importância da atuação do Psicopedagogo na Instituição Hospitalar, assim como, a prática de intervenção junto ao paciente (criança) internado. O psicopedagogo interagindo com assim com uma equipe multidisciplinar de profissionais como psicólogos, fonoaudiólogos, psicomotricistas, fisioterapeutas, pedagogos e outros, estabelecerá um vínculo afetivo saudável e positivo da criança com a aprendizagem, visando um ambiente mais humanizado ao paciente pediátrico. Considera-se então que, um quadro de fatores biológicos, psicológicos e sociais, delineiam o parâmetro dentro do qual se insere a atuação humana do profissional da psicopedagogia.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AULT, Ruth L. Desenvolvimento Cognitivo da Criança: a teoria de Piaget e a abordagem de processo. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1978. BOCK, Ana Maria Mercês Bahia. Psicologias: uma introdução ao estudo de psicologia. 13ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 1999. BOSSA, Nadia Aparecida. A Psicopedagogia no Brasil: contribuições a partir da prática. 1ª ed. Porto Alegre: Editora Artes Médicas, 1994. DE CARMOY, Roseline. Le psychologue clinicien dans un service de chirurgie pour enfants et adolescents. In : Le métier de psychologue clinicien. Paris : Nathan, 1997. GARCIA-ROZA, Luiz Alfredo. Freud e o Inconsciente. 13ª ed. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 1996. LAJONQUIÉRE, Leandro de. De Piaget a Freud: para repensar as aprendizagens: a (psico)pedagogia entre o conhecimento e o saber. 1a ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1992. PICHON-RIVIÈRE, Enrique. Teoria do Vínculo. 1ª ed. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1982. RODRIGUES, Alberto Tosi. Sociologia da Educação. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora DP & A, 2002. SILVA, Maria Cecília Almeida e. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação teórica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1998.



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