Revista Arandu # 40

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Ano

SN lho/2007 - IS aio-Junho-Ju M 0 4 º N 9

1415-482X

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A LINGUAGEM EM “SELVINO JACQUES, O ÚLTIMO DOS BANDOLEIROS” Isabel Godoy

I SSN 1415 - 482X

9 771415 482002



nicanorcoelho@gmail.com

Dourados

Ano 9 - No 40

Pรกgs. 1-28

Maio-Junho-Julho/2007


[CARO LEITOR

CARO LEITOR sabedoria popular diz que “o tempo

A

é o melhor remédio”. Trata-se de um ditado que muitos intelectuais podem considerar mero clichê. No entanto, se formos pensar cuidadosamente a este respeito, somos obrigados a concordar com tal verdade, ressaltando ainda que o tempo pode também ser um veneno. Como em tudo na vida, há o lado bom e o lado ruim. Em 1997, os escritores douradenses Edy Sális Leite, Luciano Serafim, Magno Mieres, Maria Lúcia Tolouei, Nicanor Coelho, Regina Meyer e Simone Areco, após vários anos publicando suas obras nas páginas do jornal O Progresso, decidiram fundar um grupo que agregasse os novos escritores de Mato Grosso do Sul, com o intuito de somar esforços para a publicação de seus livros. Assim nasceu o Grupo Literário Arandu, forjado à base dos sonhos de intelectuais que acreditavam não apenas em seu próprio talento, mas principalmente no poder que as boas idéias têm de se propagarem e se tornar realidade. Foi com este pensamento que o Grupo decidiu fundar a Revista Arandu, há 10 anos. Nessa primeira década de intensa atividade cultural, o Grupo Literário Arandu já publicou mais de 30 livros de diversos autores sul-matogrossenses e a Revista Arandu alcança, com este número, a sua 40a edição. Deste modo, podemos afirmar que para nós o tempo foi um remédio, verdadeiro bálsamo contra a ignorância e a favor da cultura e da sabedoria popular e científica imortalizadas nas inúmeras páginas que o Grupo trouxe à luz em suas publicações. Saudemos, pois, os 10 anos do Grupo Literário Arandu e a 40a edição da Revista Arandu! Nicanor Coelho Editor

Ano 9 • No 40 • Maio-Junho-Julho/2007 ISSN 1415-482X

Editor NICANOR COELHO DRT/MS 104L01F52V Conselho Editorial Consultivo ÉLVIO LOPES, GICELMA DA FONSECA CHACAROSQUI e LUIZ C ARLOS LUCIANO Conselho Científico CARLOS M AGNO MIERES AMARILHA, MARIA JOSÉ MARTINELLI SILVA CALIXTO, MARIO VITO COMAR, N ICANOR COELHO, PAULO SÉRGIO NOLASCO DOS SANTOS e PLÍNIO SAMPAIO CATARINO Projeto Gráfico LUCIANO SERAFIM PUBLICAÇÃO DO

CNPJ 02.475.203/0001-60 www.arandunews.com.br arandunews@gmail.com Coordenador Executivo NICANOR COELHO (67) 9238-0022 nicanorcoelho@gmail.com Coordenador Financeiro CARLOS MAGNO MIERES AMARILHA magnomieres@bol.com.br EDITADO POR Rua Mato Grosso, 1831, 10 Andar, Sl. 01 Tel.: (67) 3423-0020 Dourados, MS CEP 79810-110 Caixa Postal 475 CNPJ 06.115.732/0001-03

Revista Arandu: Informação, Arte, Ciência, Literatura / Grupo Literário Arandu - N o 40 (Maio-Junho-Julho/ 2007). Dourados: Nicanor Coelho Editor, 2007. Trimestral ISSN 1415-482X 1. Informação - Periódicos; 2. Arte - Periódicos; 3. Ciência - Periódicos; 4. Literatura - Periódicos; 5. Grupo Literário Arandu


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[ SUMÁRIO

Concepção de texto e de redação: o que pensam os alunos do Ensino Fundamental ............................... 4 Juçara Zanoni do Nascimento Luciano Serafimda Silva Rita de Cássia Aparecida Pacheco Limberti

A linguagem em “Selvino Jacques, o último dos bandoleiros” .......................... 18 Isabel Godoy

INDEXAÇÃO CAPES - Classificada na Lista Qualis www.capes.gov.br

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CONCEPÇÃO DE TEXTO E DE REDAÇÃO: O QUE PENSAM OS ALUNOS DO ENSINO FUND AMENT AL FUNDAMENT AMENTAL Juçara ZANONI DO NASCIMENTO Luciano SERAFIM DA SILVA Rita de Cássia Aparecida Pacheco LIMBERTI Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) RESUMO O ensino de produção de textos, apesar dos inúmeros estudos, ainda representa um grande desafio para os profissionais que atuam na área de Língua Portuguesa. O projeto “Produção textual: desfio na sala de aula”, desenvolvido na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), justifica-se, essencialmente, pelo fato de os alunos apresentarem significativas dificuldades ao escrever. Muitos deles não conseguem elaborar, efetivamente, um texto. O objetivo deste trabalho é apontar a visão que alunos do 6º, do 7º e do 8º anos do Ensino Fundamental de uma escola pública de Dourados (MS) têm do que seja um texto, ou do que é importante na construção dele. O corpus é constituído por questionários e produções textuais dos alunos, colhidos no início do ano letivo de 2007. Pala vr as-Cha ve: Educação, Produção de Textos, Linguística Textual, Ensino alavr vras-Cha as-Chav Fundamental. ABSTRACT The education of production of texts, despite the innumerable studies, still represents a great challenge for the professionals who act in the area of Portuguese Language. The project “Literal production: a challenge in the classroom “, developed in the Federal University of Grande Dourados (UFGD), is justified, essentially, for the fact of the pupils to present significant difficulties when writing. Many of them do not obtain to elaborate, effectively, a text. The objective of this work is to point the vision that pupils of 6th, 7th and 8th years of Basic Education of a public Dourados school (MS) have of that it is a text, or what is important in the construction of it. The corpus is constituted by questionnaires and literal productions of the pupils, harvested in the beginning of the school year of 2007. Keyw or ds: Education, Production of Texts, Textual Linguistic, Basic Education. ywor ords: INTRODUÇÃO Este artigo é resultado do projeto de pesquisa “Produção textual: desfio na sala de aula”, desenvolvido entre os meses no-

vembro de 2006 e agosto de 2007, na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). O corpus da pesquisa é constituído por questionário respondido por alunos do 6º, 7º e 8º anos do Ensino Fundamental, por


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questionário respondido por professores que ministram aulas nessas séries, bem como por produções textuais desses alunos, e foi colhido em uma escola pública do município de Dourados (MS). Aqui, deter-se-á analisar os questionários respondidos pelos alunos e por meio deles tentar entender o conceito de texto/redação que eles têm. Em um primeiro momento apontarse-á uma breve reflexão, um estudo acerca da teoria adotada, posteriormente apontarse-ão análises do questionário respondido pelos alunos e a partir, daí, buscar-se-á entender a concepção que os alunos têm do que seja um texto, ou do que seja a redação. 1. CONCEPÇÃO DE TEXTO: O QUE PENSAM OS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL — UMA ANÁLISE DO QUESTIONÁRIO DOS ALUNOS

1.1. CONCEPÇÃO DE

TEXTO: CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS

A lingüística estrutural idealizada por Saussure e a gerativa idealizada por Chomsky procuraram descrever a língua, porém de forma abstrata, fora do contexto de uso. Muitos lingüistas, especialmente de países europeus, ao perceber isso, passaram a observar a linguagem enquanto atividade social; observaram a relação entre a língua e seus falantes, bem como a ação que se realiza na e pela linguagem. Este novo estudo denominou-se Lingüística do Texto. A Lingüística Textual, a Análise do Discurso e a Semântica de Textos têm por fundamento uma crítica à lingüística de língua, às lacunas das gramáticas de frase no tratamento de determinados fenômenos como, por exemplo, a pronominalização, a ordem das palavras no enunciado, a entoa-

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ção, as relações entre sentenças não ligadas por conjunções, a concordância dos tempos verbais, bem como, o desejo de estudar os fatos da fala (FÁVERO e KOCH, 2002, p. 12). De acordo com Bentes (2001, p. 250 - 251), o desenvolvimento da Lingüística do Texto não foi homogêneo, porém foi independente em diversos países da Europa e foi ainda simultâneo e diversificado. Fávero e Koch (2002, p.13 -17) apontam que Conte (1977) distingue três momentos fundamentais na passagem da teoria da frase à teoria de texto, também frisam que não se trata de uma distinção de ordem cronológica, e sim tipológica, por não haver, entre eles, uma sucessão temporal, constituindo-se cada um deles em um tipo diferente de desenvolvimento teórico. Como já dito, podem-se apontar três momentos que abrangeram esses estudos teóricos: a) os estudos que visavam à análise transfrástica, ou seja, que visavam os fenômenos não explicados pelas teorias sintáticas e/ou semânticas; b) os estudos que visavam à construção das gramáticas textuais pelos gerativistas que preocupavam em descrever as competências textuais dos falantes; c) os estudos que priorizam as condições de produção, o contexto de produção, o resultado de operações comunicativas e processos lingüísticos em situações sociocomunicativas. A Lingüística Textual aparece em um contexto epistemológico dominado pela lingüística, que tem suas bases na gramática tradicional e na gramática de Chomsky. Por volta de 1960 ela começou a desenvolver na Europa, e, de modo especial, na Alemanha. Sua hipótese de trabalho consiste em tomar como objeto particular de investigação, não mais a palavra ou a frase, mas sim o texto, por serem os textos a forma específica de manifestação da linguagem.


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Segundo Paveua e Sarfoti (2006, p. 191-214) geograficamente, a lingüística textual tem sua origem nos estudos do americano Zellig Harris, que detectou problemas nas unidades transfrásticas e na relação cultura e língua. Esses problemas foram revistos por Pike, por Longacre e sua tipologia do discurso e por Halliday & Hasan, com seus estudos sobre coesão e coerência. Na década de 1970 os alemães se destacam: Petöf, Lang, Thümmel e Weinrich. Na França a lingüística textual tem espaço restrito, ali os estudos voltam-se para a semiótica e para a Análise do Discurso. Na Suíça, com Jean-Michel Adam, temos um trabalho de referência teórica sobre a noção de texto. As várias reformulações teóricas operadas pelos estudos da linguagem no decorrer da história resultam em algumas concepções de texto ligada à concepção de língua. Assim, o texto pode ser visto como um produto, uma expressão do pensamento do autor, cabendo o ouvinte o papel de captar a representação mental do autor; tem-se ainda a concepção de língua como um código, um instrumento de comunicação, no qual texto é um simples produto da concepção de um emissor a ser decodificado pelo leitor; e, também, tem-se a concepção de língua como um elemento interacional, no qual os sujeitos são atores sociais, o texto passa ser o lugar de interação humana, o sujeito pratica ações sobre o outro, o ouvinte/leitor. É essa última concepção de língua, a interacional, que orienta este trabalho. O texto é considerado o lugar de interação e os autores, os construtores do texto, são vistos como atores sociais. A compreensão do texto, segundo Koch (2002, p.17) é uma atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que é realizada com base nos elementos lingüísticos presentes na superfície textual e na forma de organização do texto.

Em todo texto há uma co-produção discursiva entre os interlocutores (locutor e alocutário), que são os responsáveis pela construção dos sentidos. Segundo Mikail Bakhtin (2000, p. 350): Não se pode deixar a palavra para o locutor apenas. O autor (o locutor) tem seus direitos imprescritíveis sobre a palavra, mas também o ouvinte tem seus direitos, e todos aqueles cujas vozes soam na palavra têm seus direitos (não existe palavra que não seja de alguém).

Todo texto — oral ou escrito — é construído a partir do outro, há sempre um sujeito planejador que tem um desafio a traçar: manipular, convencer o outro; não há neutralidade nos textos. Apesar de utilizar do mesmo sistema lingüístico, o texto falado possui algumas características diferentes daquelas do texto escrito, cada um possui características próprias. Na criação de um texto escrito, tem-se mais tempo para planejá-lo, pode-se fazer um rascunho, efetuar uma revisão; já para se criar um texto falado, na interação face-a-face, não se pode contar com essas ferramentas “(...) o texto falado emerge no próprio momento da interação: ele é o seu próprio rascunho (...)” (KOCH 2001, p.69). Para Andrade (2001), o texto é definido como uma atividade lingüística de interação social, tendo em vista que se constrói a partir de uma progressão contínua de significados que se combinam. Verifica-se que o significado é decorrente de uma seleção feita pelo locutor entre as várias acepções que constituem o potencial do significado. Logo, para Andrade (2001), o texto é a realização do potencial de significado e ainda é o resultado de um processo de escolha semântica. O traço essencial do texto é a interação, porém, na interação humana, o texto não é algo que tenha princípio


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meio e fim, pois o intercâmbio de significados é um processo contínuo em torno da atividade comunicativa. Na sala de aula, o trabalho com o texto é norteador não só para o ensino de Língua Portuguesa, como também para as demais disciplinas. Todos os textos produzidos pelos alunos apontam, evidenciam o conhecimento de mundo que estes têm. Ao olhar a escrita como um processo que auxilia na aquisição e no domínio da aprendizagem e do desenvolvimento da linguagem dos alunos, não se pode aceitar que na prática pedagógica ocorra uma ruptura entre o conhecimento de mundo que eles têm e os objetivos com os quais a escola se propõe a trabalhar no ensino da linguagem. No processo metodológico educativo, por meio do qual se desenvolve a escrita, o professor procura motivar, provocar no aluno a vontade de ler e de escrever, busca convencê-lo da importância daquilo que ele tem a dizer, de conscientizá-lo do valor de seu discurso, do valor de suas idéias e mostrar que ler e escrever, quando se experimenta a necessidade de se comunicar com alguém, de se expressar, é um ato prazeroso. Para Geraldi (2001, p.63) o importante é fazer com que o aluno adquira gosto de ler pelo prazer de ler, não em razão das cobranças escolares. É preferível que um aluno logre o professor dizendo que leu um livro que não leu, a estabelecer critérios de leitura.

A relação entre o professor de Língua Portuguesa (Leitura e Produção de Texto) o e aluno não pode ser um casamento de mão única, antes deve pressupor uma situação de comunicação recíproca, ou seja, em que o aluno desenpenhe efetivamente a função de sujeito, tanto de um sujeito destinatário, quanto de um sujeito destinador. É

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importante que o aluno tenha uma aprendizagem significativa, o que implica que o indivíduo aja ou reflita sobre a informação. A pedagogia deve respeitar a liberdade e a criatividade do aluno. O que se percebe na maioria dos modelos de práticas metodológicas, hoje nas aulas de produção de textos, é que elas se estruturam não para atender as necessidades do aluno como um ser social, mas sim para fazer exigências de um conjunto de respostas mecânicas a um rol estável de estímulos. O início das aulas de produção de texto se dá, normalmente, com textos de autores renomados proposto por um livro didático que obriga o aluno a se expressar sob rígidas condições de produção: gênero textual, número de linhas, tema. Esse modelo que muitas escolas adotam não valoriza aquilo que o aluno quer expor, ao contrário, faz exigências: cobra-se uma série de itens de forma essencialmente técnica, de modo a negligenciar o rico potencial do aluno: sua experiência de mundo. Geraldi (2001, p.65) afirma que o professor deverá se atentar ao pedir textos para seus alunos. Os temas propostos nas escolas têm se repetido de ano a ano. Ele observa também que a produção de textos nas escolas foge totalmente ao sentido de uso da língua, pois os alunos escrevem tendo em vista um único leitor: o professor — que ainda dará nota ao seu texto.

Escrever consiste em encontrar e ordenar idéias para depois organizá-las num texto de maneira adequada. Escrever significa compor um texto, prestando atenção na forma e no conteúdo, compor um texto requer que se coordene de modo rigoroso as idéias e que elas sejam expressas de forma clara.


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1.2. CONCEPÇÃO DE

TEXTO:

O QUE PENSAM OS ALUNOS

O questionário respondido pelos alunos é constituído por 10 perguntas e é dividido em duas partes. Para a primeira, composta das questões 1 a 6, propuseramse como respostas apenas as opções SIM ou NÃO. Já para a segunda parte, da questão 7 a 10, propôs-se a elaboração de respostas. Entre essas duas partes, avisou-se que se a resposta referente à questão 6 (Você tem dificuldades ao escrever textos?) fosse SIM, o aluno deveria responder apenas as questões 7 (Quais dificuldades você tem ao escrever?) e 8 (Como o (a) professor (a) poderia ajudar para melhorar a sua produção textual?); e se fosse NÃO, deveria responder apenas as questões 9 (Por que você não tem dificuldades em produzir textos?) e 10 (Os seus professores colaboraram para que você não tivesse dificuldades ao escrever textos? Justifique sua resposta.). Ao analisar o conjunto dos questionários, notou-se que cerca de 80% dos alunos desconsiderou este aviso e respondeu todas as questões. Ao contrário do que se imaginou num primeiro momento, ao invés de apenas causar ambigüidades nas respostas, esta “desatenção” acabou contribuindo para uma melhor compreensão da maneira como os alunos entendem o que seja uma produção de textos, ou até mesmo o que seja um texto. Após esta constatação, devido à idade e o ano escolar dos alunos serem diferentes, optou-se por analisar os questionários que compõem o corpus da pesquisa por ano escolar.

1.2.1. 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL

No 6º ano, 31 alunos responderam o questionário. Analisamos o conjunto: A questão 1 (Você gosta de ler?) obteve 25 respostas SIM e 6 NÃO. A questão 2 (Você tem o hábito de ler?) obteve 20 respostas SIM e 11 NÃO. A questão 3 (Você gosta de produzir textos?) obteve 19 respostas SIM e 12 NÃO. A questão 4 (Você gosta quando a professora pede para fazer textos?) obteve 25 respostas SIM e 6 NÃO. A questão 5 (As suas notas no que se refere à produção de textos são boas?) obteve 23 respostas SIM e 8 NÃO. A questão 6 (Você tem dificuldades ao escrever textos?) obteve 16 respostas SIM e 15 NÃO. À primeira vista, o resultado das respostas às duas primeiras questões é animador, pois demonstra um saldo positivo para o prazer e o hábito de leitura. No entanto, os números acima representam apenas uma mera contagem das respostas. A análise detalhada de cada um dos questionários, porém, é o que se pode chamar de desanimadora, uma vez que cerca de 40% dos alunos que responderam SIM à questão 1 (Você gosta de ler?) responderam NÃO à questão 2 (Você tem o hábito de ler?). Tais respostas levaram-nos a pensar qual o motivo desses alunos gostarem de ler e, no entanto, não cultivarem o hábito de leitura. Sabemos que, salvo algumas exceções, a grande maioria não tem, nos seus núcleos familiares, esse cultivo, ficando o mesmo a cargo da escola. Por outro lado, apesar de todos os esforços do poder público na última década para melhorar a situação das bibliotecas escolares, ainda é notória a sua deficiência, muitas vezes com acervos limitados a poucos exemplares. Constatamos que a escola onde recolhemos o corpus da pesquisa possui uma biblioteca, mas que a mesma não possui o sistema de


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empréstimos aos alunos. Segundo a direção, “por causa da falta de cuidados dos alunos com os livros emprestados, que muitas vezes voltam danificados ou nem são devolvidos”. As questões 3 (Você gosta de produzir textos?) e 4 (Você gosta quando a professora pede para fazer textos?) também apresentou casos de alunos que responderam SIM a uma e NÃO a outra, variando entre ambas. Esses conflitos podem revelar que os alunos gostem SIM de escrever, mas NÃO quando são exigidos em sala de aula, como tarefa. Uma minoria respondeu NÃO à questão 5 (As suas notas no que se refere à produção de textos são boas?). Entre esses, notamos casos em que um mesmo aluno respondeu que suas notas NÃO são boas e que, ainda assim, na questão 6 afirmou que NÃO tem dificuldades ao escrever. Nessa altura do questionário, existe a divisão com o aviso do qual se comentou no primeiro parágrafo desta análise. Propunha-se que fossem respondidas apenas duas das quatro questões restantes, de acordo com a resposta à questão 6 (Você tem dificuldades ao escrever textos?). Conforme já dito, a maioria desconsiderou o aviso e respondeu todas as questões. Nessa segunda parte do questionário, algumas ambigüidades tornaram-se latentes. Há casos em que um mesmo aluno respondeu NÃO à questão 6 (Você tem dificuldades ao escrever textos?) e, no entanto, na questão 7 (Quais dificuldades você tem ao escrever?) relatou as suas dificuldades:

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“É não tenho certeza do que eu escrevi, se tá certo ou errado.” 1 “Eu tenho um pouco de dificuldade de escrever.” “eu faço muito ero otografico”2 “Há quando tem palavra difícil” “minha dificudade é os pontos esclamação, interrogação eu não sei onde colocar.” “Eu não tenho nenhumas dificuldades só às vezes.” “Nem uma, só de vez enquando eu como palavras ou letras. Mas estou melhorando.” “Eu tenho algumas dificuldades com algumas palavras que eu não entendo.”

Também para os alunos que responderam que têm SIM dificuldades para escrever, as razões apontadas são parecidas com essas já transcritas. Notou-se que eles apontam como maior dificuldade os erros ortográficos. Este é um dado preocupante, pois diz respeito à concepção dos alunos do que seja a produção textual, ou até mesmo um texto. Pode-se afirmar que, para estes alunos, a produção textual se refere apenas ao ato “mecânico” de escrever, ou seja: relacionam a escrita apenas como resultado do processo de alfabetização, o processo gramatical3 . Vejamos mais exemplos: “(eu não tenho difilculdade) eu tenho difilcudade para escrever coisas difiseis

1 Transcrevemos os trechos tais quais escritos pelos alunos, destacando em itálico as peculiaridades da ortografia de algumas palavras. 2 “Erro ortográfico”. 3

Essa constatação também se aplica aos alunos do 7º e do 8º ano, como será demonstrado nas análises seguintes.


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como o Ç e letras que tem o som de S ou Z”

“Dando páginas de livro para ler em casa e livrinho na sala para ler.”

“Esqueser palavras, letras”

“Me passando caderno de caligrafia”

“Tenho dificudade de escrever as letras porque eu não sei se está serta”

“dando mais texto escreve, lê, eu acho que isso ajuda”

“Eu não escrevo certo, eu erro, eu a letra é orrivel eu não consigo melhorar.” “Eu tenho dificuldades para escrever. Eu não consigo pensar na hora de escrever, eu troco as palavras na hora de colocar o S ou fico em duvida se eu coloco o C de S.”

“Explicando a matéria mandando eu fazer texto em casa.” “Colocar coisas mais claras.” “Explicar como deve fazer e fazer textos”

“As minhas dificuldades são de juntar as palavras.”

“Passar textos mais vezes no quadro.”

“Quando eu escrevo as palavras eu pulo letras”

“Dando mais textos para agente fazer, escrevendo no quadro e agente prestar mais atensão”

“trocar letras, esquecer a pontuação, letra feia” “Sim. Por que as vezes troco o D pelo T, erro algumas palavras.”

Dos 31 alunos, apenas um apontou uma dificuldade que realmente se refere à chamada tecitura — à criação — de um texto; ainda assim apontando também a dificuldade gramatical: “Eu tenho dificuldades de fazer textos, sou boa para criar a idéia mas para escrever não sou muito boa.”

À questão 8 (Como o (a) professor (a) poderia ajudar para melhorar a sua produção textual?), vieram respostas que reivindicam a solução dos problemas apontados na questão 7. Vejamos algumas: “Me explicar a diverensa do D á T.”

“Sim porque sempre quando ela ou ele escreve no quadro aí eu presto atenção se não entendi peço para explicar de novo.” “Ela poderia ajudar mas fazendo bastante produção de textos.”

Notou-se nas respostas à questão 8 que 99% dos alunos sentem a falta da escrita em sala de aula (na forma como aparentam compreendê-lo: apenas um processo gramatical, “mecânico”). Sabe-se que nos últimos anos o quadro-negro tem sido cada vez menos utilizado, devido à ótima e maciça distribuição de livros didáticos e mesmo às atividades que utilizam textos fotocopiados. Pelas reclamações destes alunos, é possível afirmar que eles são levados a escrever pouco, ou melhor, a copiar poucos textos do quadro-negro para seus cadernos, diminuindo, assim, o ato de escrever, que gera intimidade com as palavras talvez mais efi-


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caz do que a leitura. Essa escassez de escrita (ainda que meramente cópia e não como processo de produção de textual) parece ser o principal motivo para toda essa dificuldade gramatical apontada pelos alunos. A questão 9 (Por que você não tem dificuldades em produzir textos?) deveria ter sido respondida apenas por quem respondeu NÃO à questão 6, mas, como já se afirmou, foi respondida por quase todos os alunos, causando mais uma ambigüidade e, no entanto, colaborando para se entender o raciocínio deles sobre a produção textual. Novamente, as dificuldades gramaticais surgem, muitas vezes esquivando-se da questão indagada: “Porque quando eu vou fazer texto e eu quero escrever aquela palavra mas eu não tenho certeza se está certo ou errado.” “Porque eu presto atenção no que eu vou escrever.” “Eu tenho um pouco pensar em (prodaor) produzir o (plom) problema é escrever.”

Duas respostas a esta questão reforçam a constatação de que a maioria dos alunos compreende a produção textual como mero ato “mecânico” de escrita e de habilidade de um sujeito alfabetizado: “Por que eu sei escrever e ler.” “Porque eu verifico se os textos estão certo olho os acentos coloco paragrafos.”

Quanto à questão 10 (Os seus professores colaboraram para que você não tivesse dificuldades ao escrever textos? Justifique sua resposta.), quase todos responderam que os professores “ajudam muito” (sic)

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e justificam: “Sim. Por que eles me corrigente, me insinam o serto.” “sim, porque do começo do ano para ca melhorei muito minha letra” “sim eles ensenal muito” “Sim Há porque quando eu erro ela fala arruma não é assim tá” “Sim me ajudaram, passando para mim melhorar minha letra caderno de caligrafia, tiveram paciemsia comigo etc.” “Sim o professor poder ajudar me para mim não ter dificuldade me explicando e ensinando como se escreve as palavras certas”

Apenas dois alunos responderam NÃO à questão 10, justificando-se assim: “Não porque não pode forçar as pessoas a ter dificuldades.” “Não Por que quando entrei na 1ª primeira série eu já sabia ler e escrever.”

Esta última resposta reforça mais uma vez a constatação de que a compreensão dos alunos sobre produção de textos restringe-se à alfabetização. Um questionário chamou a atenção pela sua latente preocupação com a vírgula nas respostas, diga-se “desencontradas”, que deu às questões 7 (Quais dificuldades você tem ao escrever?): “Não tenho dificuldade ao escreve.”

À questão 8 (Como o (a) professor (a) poderia ajudar para melhorar a sua produção textual?) declarou:


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“Não consigo por a virgula no lugar” À 9 (Por que você não tem dificuldades em produzir textos?): “Eu tenho dificuldade para produzir texto”

E à 10 (Os seus professores colaboraram para que você não tivesse dificuldades ao escrever textos?Justifique sua resposta.): “Ensinando a por a virgula no lugar serto”

Na análise dos questionários do 6º ano, constatou-se pela primeira vez qual a compreensão dos alunos sobre a produção textual (conforme já se mencionou). Tal constatação também se deu nos questionários da 7ª e da 8º anos, como pode se observar a seguir.

1.2.2. 7º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL Coletaram-se questionários de 34 alunos do 7º ano. As estatísticas das perguntas da primeira parte são as seguintes: A questão 1 (Você gosta de ler?) obteve 25 respostas SIM e 9 NÃO. A questão 2 (Você tem o hábito de ler?) obteve 23 respostas SIM e 11 NÃO. A questão 3 (Você gosta de produzir textos?) obteve 17 respostas SIM e 17 NÃO. A questão 4 (Você gosta quando a professora pede para fazer textos?) obteve 23 respostas SIM e 11 NÃO. A questão 5 (As suas notas no que se refere à produção de textos são boas?) obteve 26 respostas SIM e 8 NÃO. A questão 6 (Você tem dificuldades ao escrever textos?) obteve 15 respostas SIM

e 19 NÃO. As respostas a essas perguntas revelam uma maior coerência dos alunos do 7º ano em relação aos do 6º ano. Na média, apenas 10% se contradisse entre uma pergunta e outra, como no caso da questão 3, que obteve 17 respostas NÃO, e da questão 4, que obteve 11 respostas NÃO. Na segunda parte, a maioria dos alunos seguiu o aviso de que deveriam responder apenas duas das quatro últimas questões, dependendo da sua resposta à questão 6, demonstrando uma melhor compreensão do que os alunos do 6º. No entanto, as suas respostas nessa segunda parte foram mais lacônicas, limitadas, havendo casos em que também foram respondidas apenas com SIM ou NÃO. Isto contrasta com a afirmativa de 19 alunos que responderam que NÃO têm dificuldades ao escrever. Também no 7º ano notou-se que a noção de produção textual da grande maioria dos alunos restringe-se ao ato “mecânico” de escrita. Curiosamente, quatro entre os alunos que na questão 9 responderam que NÃO têm dificuldades ao escrever textos surgiram quatro respostas demonstrando um entendimento da produção textual como produto de criação do autor, que exige reflexão, organização de idéias e invenção. Ainda assim, dois também mencionam fatores ligados a dificuldades gramaticais: “Por que eu coloco asento ne algumas palavras mas sou um otimo inventador de texto.” “Por que eu gosto de inventar texto e eu presto atenção no que faço e faço com vontade.” “porque eu tenho uma mente cheia de elementos que me ajuda a produzir e outras coisas eu adoro produção de tex-


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tos inclusive de textos de histórias de amor ou de aventuras.”

A quarta resposta vem de um aluno que afirma não gostar de produção textual: “Porque eu não gosto de enventar textos”

Já entre os 15 que responderam SIM à questão 6, apenas dois demonstraram essa noção, ao apontar qual a sua dificuldade ao produzir textos: “De não ver ideia na cabesa.” “Tenho dificuldades em criatividade.”

Ainda entre os que afirmaram NÃO ter dificuldades, também dois apontaram o hábito de leitura como fator que colabora para que possam produzir textos:

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“Porque eu acho legal”

Esses alunos que responderam que NÃO tem dificuldades ao produzir textos destacaram a colaboração (ou a falta desse auxílio) por parte dos professores, indagada na questão 10 (Os seus professores colaboraram para que você não tivesse dificuldades ao escrever textos? Justifique sua resposta.), quase sempre de modo lacônico: “Sim. Por que cada vez que faz mais texto agente aprede mais.” “Sim. Eles são muito atenciosos nos ajudam e nos auxíliam etc.” “De vez em quando” “Sim a professora ajuda a gente e dá uma revisão de tudo.” “Não colaboraram.”

“porque eu geralmente leio revistas, jornais, livros etc.” “por que eu lei bantanti”

Os demais apontam os mais diversos motivos pelos quais consideram que NÃO têm dificuldades: “Porque eu presto atenção.” “Por que os professores ajudam muito e tambem tenho que prestar atenção nas explicações.” “as vezes a gente terna4 em casa quando vai fazer uma prova vc5 não erra.” 4

“Sim ela me ajuda a corrigir e também a criar idéias.” “Ele mostrace as figuras que fico em toda palava.”

Dos 19 alunos que responderam a questão 10, apenas nas duas últimas respostas acima transcritas pode-se perceber alguns vestígios dos métodos utilizados pelos professores nas aulas de produção textual. O restante limita-se a tecer elogios à atuação dos professores, sem descrever, mesmo que laconicamente como nos dois casos citados, qual a colaboração dos docentes. Os 15 alunos que disseram que têm

“Treina”? Aqui pode-se notar a influência da escrita comumente utilizada nas salas de bate-papo (chats) na Internet: vc equivale a você.

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SIM dificuldades ao produzir textos (questão 6) apontam assim quais são as dificuldades (questão 7): “Porque as vezes eu escrevo errado.” “As minhas dificuldade e de, ao pensar nas virgulas nos pontos, e os meus texto são sempre pequeno.” “dificuldades de escrever algumas palaras errada e repetir palavras.” “com palavras que dificuta escrever” “Ao escrever tem que coloca pontuação eu tenho dificuldades em colocar as pontuações em produzi o texto e colocar titulo.” “É que eu não consigo produzir.” “Minha letra e feia eu me confundo com o f e v”

Como já mencionado diversas vezes, a preocupação com os erros ortográficos é mais constante do que com a produção textual propriamente dita. Isto talvez leve os alunos a se sentirem inibidos ao escrever. Na questão 8 (Como o (a) professor (a) poderia ajudar para melhorar a sua produção textual?), alguns dos desses 15 alunos responderam: “Dando uma ideia.” “Passando mais produção de texto.” “Poderia ajudar me ensimado a escrever as palavras certo e não respetir muitas palavras no textual.” “Passar mais leitura.” “Dar um tema certo para nós produzir textos.”

Nota-se nas respostas certa insatisfação dos alunos com as aulas de produção textual. Cada um tem sua “necessidade” a ser suprida e, no entanto, as dificuldades vão se acumulando.

1.2.3. 8º ANO FUNDAMENTAL

DO

ENSINO

No 8º ano apenas 15 alunos responderam o questionário. A questão 1 (Você gosta de ler?) obteve 13 respostas SIM e 2 NÃO. A questão 2 (Você tem o hábito de ler?) obteve 13 respostas SIM e 2 NÃO. A questão 3 (Você gosta de produzir textos?) obteve 9 respostas SIM e 6 NÃO. A questão 4 (Você gosta quando a professora pede para fazer textos?) obteve 9 respostas SIM e 6 NÃO. A questão 5 (As suas notas no que se refere à produção de textos são boas?) obteve 13 respostas SIM e 2 NÃO. A questão 6 (Você tem dificuldades ao escrever textos?) obteve 7 respostas SIM e 8 NÃO. Já na estatística do 8º ano, podemos notar uma maior coerência nas respostas, com a maioria dos “placares” empatados, como é o caso das questões 1, 2 e 5, bem como 3 e 4. Na segunda parte do questionário, a maioria respeitou o nosso aviso para responder apenas as questões 7 e 8, caso a resposta à questão 6 fosse SIM e responder a 9 e a 10 a resposta foi NÃO. Porém, ainda houve alguns alunos que responderam as quatro questões ou mesmo três. As questões 7 (Quais dificuldades você tem ao escrever?) e 8 (Como o (a) professor (a) poderia ajudar para melhorar a


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sua produção textual?) foram respondidas por 9 alunos. Na questão 7, persistem ainda os lamentos pelos erros de ortografia: “Alguns erros de português.” “Nenhuma nas palavras mas algumas em relação as acentuações.” “A minha letra.” “eu esqueço o que vou escrever, escrevo errado engulo palavras.” “Porque eu não consigo me consentrar.”

Somente quatro alunos revelaram ter dificuldades com problemas pertinentes à produção textual propriamente dita, como nesta resposta: “Acho que me falta mais criatividade.”

Outro aluno, após responder SIM à questão 6, se contradisse na 7 escrevendo: “Eu não tenho dificuldade ao escrever.”

Esse mesmo aluno respondeu assim às questões 8 (Como o (a) professor (a) poderia ajudar para melhorar a sua produção textual?), 9 (Por que você não tem dificuldades em produzir textos?) e 10 (Os seus professores colaboraram para que você não tivesse dificuldades ao escrever textos? Justifique sua resposta.), respectivamente: “Me dando idéias sobre texto.” “Porque eu não tenho muita imaginação.” “Sim, mas mesmo assim eu tenho dificuldade.”

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Nota-se a confusão feita pelo aluno na questão 9, ao responder que NÃO tem dificuldades “porque não tem muita imaginação”, sentença essa que complementaria a resposta dada à questão 8. Ainda com relação a esta questão 8, há uma resposta parecida com a do aluno acima: “dando ideias pois com ideias eu produziria um livro.”

Isto revela uma problemática apontada pelos professores em seus questionários: o fato de que os alunos só conseguem desenvolver textos a partir de outros, utilizados como exemplos. A maioria das aulas de redação na escola pesquisada se dá por esse método, o que resulta numa produção textual calcada apenas na paródia — como se percebe ao analisar as redações desses alunos. Uma professora informou que sem um texto que sirva de parâmetro e estímulo, os alunos mal conseguem desenvolver algumas linhas. Apesar de quase todos terem respondido na questão 2 que têm o hábito de ler, somente um aluno mencionou isto como motivo para ele não ter dificuldades ao produzir textos, em sua resposta à questão 9: “Porque desde criança tenho o hábito de ler livros de literatura infantil e histórias em quadrinhos. E tambem desde a 1ª serie os professora da aula de leitura.”

Ao responder à questão 10, este aluno demonstra, ainda, possuir noções básicas da estrutura de um texto: “Sim. Pois se eles não me ensinassem como produzir um texto com inicio, meio e fim o texto que eu escrevesse seria desorganizado e sem sentido.”


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Esta é uma das poucas exceções em todo o corpus de pesquisa. Como já se percebeu ocorrer com o 6º e a 7º anos, mesmo no 8º o conceito de produção textual da maioria dos alunos do ensino fundamental é apenas o ato “mecânico” da escrita. Ainda que neste ano os erros ortográficos de que eles tanto reclamam apareçam em menor quantidade e eles tenham demonstrado uma melhor compreensão da leitura, a noção de produção textual ainda não parece ter sido devidamente compreendida. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos do corpus desta pesquisa levaram-nos a refletir acerca do papel da produção textual na formação escolar dos alunos como um todo, bem como das deficiências no processo/ensino desta disciplina tão importante, já que se percebe uma disparidade ao confrontar as idéias dos professores e dos alunos. De modo geral, na vida cotidiana é comum encontrar pessoas que mal conseguem escrever um simples bilhete ou uma carta. Este problema atinge desde uma mãe que não sabe como escrever uma carta para um filho distante ou um estudante que terá que escrever uma redação em um exame de vestibular. Ora, se esta matéria foi ensinada na escola, deveria ocorrer o contrário; os indivíduos deveriam dominar a produção de diversos gêneros textuais, como a carta ou mesmo a dissertação. Por meio desta pesquisa, pôde-se notar que o cerne dessa deficiência se inicia na escola, onde a produção textual enfrenta diversas barreiras, tais como a escassez de leitura e de prática de escrita, uma vez que ao invés de ensinar (ou mesmo capacitar) os indivíduos a dominar a produção dos mais diversos gêneros textuais, o que se percebe, na metodologia utilizada pelos pro-

fessores nas aulas, é que os alunos são levados a fazer paródias de outros textos, não conseguindo produzir se não houver antes um texto que os “inspire”. Segundo os professores, essa é a única forma de estimulálos. Analisando os questionários, como já foi repetido diversas vezes ao longo deste relatório, pode-se afirmar que a maioria dos alunos compreende a produção textual apenas como um ato “mecânico” de escrita e de habilidade de um sujeito alfabetizado, que domina apenas as questões ortográficas, e não como um ato que exige saber pensar e organizar idéias para então escrever. Nota-se, ao longo do conjunto de questionários dos alunos, a angústia que sentem com relação à escrita, a grande preocupação com os erros ortográficos e o fato de não saberem como escrever um texto. Na maioria das dificuldades apontadas pelos alunos, sente-se que é como se estivessem pedindo ajuda para saná-las. Não se quer, aqui, apontar os professores como “culpados” por tal deficiência, tampouco “julgar” a metodologia de ensino por eles utilizadas. Sabe-se das dificuldades que os docentes também enfrentam. No entanto, é possível notar também nos professores uma falta de estímulo para lecionar, que acaba causando o desestímulo dos alunos para se dedicarem à produção textual. Um dado que também se pretendeu analisar nesta pesquisa é se os alunos cultivavam o hábito de leitura (questão 1). Após deparar com diversas reclamações dos alunos de que se faz necessário mais incentivo à leitura na escola, confrontamos com a declaração em questionário de um dos professores, que afirmava não existir biblioteca na escola, quando na verdade existia. Em suma, se o docente não conhece a biblioteca da escola em que leciona, dificilmente esta-


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rá inclinado a incentivar a leitura em sala de aula. Entretanto, mesmo entre os alunos percebe-se que um número considerável não gosta mesmo de ler e tampouco de escrever. Isto cria uma maior dificuldade para os professores, que assim se sentem desmotivados a tentar incentivar as práticas de escrita e leitura. Deste modo, toda a problemática se acumula e culmina em indivíduos que mais tarde mal saberão se comunicar pela forma escrita e mal compreenderão o que lêem. A respeito da cooperação mútua entre alunos e professores para se sanar essas e outras deficiências no ensino, transcreve-se abaixo a declaração de uma aluna de “13 aninhos” (como ela própria escreveu) na questão 10 (Os seus professores colaboraram para que você não tivesse difi-

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culdades ao escrever textos? Justifique sua resposta.): “mais ou menos, não é a professora que faz os alunos mas sim os alunos que faz a professora.”

Obviamente, há quem concorde ou discorde desta afirmação, como é o nosso caso, pois acreditamos na mútua cooperação. Por fim, sente-se que é primordial que os cursos de licenciatura em Letras se preocupem em capacitar bem os seus acadêmicos para o ensino das práticas de leitura e produção de textos, a fim de que quando eles ingressem no mercado de trabalho possam se sentir aptos a lidar com essa questão de forma a tentar diminuir essas deficiências nas próximas gerações.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDRADE, Maria Lucia C. V. O. Relevância e contexto: o uso de digressões na língua falada. São Paulo: Humanitas, 2001. BAKHTIN, Mikhail M. Estética da criação verbal. Tradução: Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins _________. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec,1981. BRASIL. Leis, decretos, etc. Lei n.º 9394/1996: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. BRASIL. Presidência da República. Lei n.º11.274/2006. Brasília, 2006. FÁVERO, Leonor Lopes & Koch, Ingedore G. Villaça Koch. Lingüística textual: introdução. São Paulo: Cortez, 2002. GERALDI, João Wanderley. O texto na sala de aula. 3ª ed. Cascavel: Assoeste, l984 _________. Portos de Passagem. São Paulo: Martins Fontes, 1995. KOCH, Ingedore G. Villaça. A inter-ação pela linguagem. 6ª ed. São Paulo: Contexto, 2001. _________. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002. _________. O texto e a construção dos sentidos. 2 a ed. São Paulo: Contexto, 1998. MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. (orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. U 1. In Bentes, Ana Christina. Lingüística Textual. São Paulo: Cortez, 2001. PAVEAU, Marie-Anne & SARFOTI, Georges-Élia. As grandes teorias da lingüística: da Gramática Comparada à Pragmática. São Paulo : Claraluz, 2006. p. 191-214.


A LINGUAGEM EM “SELVINO JACQUES, O ÚLTIMO DOS BANDOLEIROS” Isabel GODOY Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) RESUMO Esta proposta de estudo tem como princípio fazer uma releitura do livro “Selvino Jacques, o último dos bandoleiros”, escrito por Brígido Ibanhes, buscando analisar os aspectos lingüísticos e valores regionais de mato-grossenses e paraguaios, entre os anos de 1921 e 1939, aproximadamente, período em que ocorreu a trajetória de Selvino, este com idade entre 15 e 33 anos. Neste sentido resgatamos trechos do texto que comprovam a influência lingüística do guarani, e com vocábulos marcantes no linguajar daquela população fizemos uma análise dos valores, comportamentos, ditados populares e crenças resgatadas pelo livro. Palavras-chave: Selvino Jacques; Brígido Ibanhez; literatura brasileira ABSTRACT This proposal of study has as principle to analyze the book “Selvino Jacques, o último dos bandoleiros”, written by Brígido Ibanhes, in order to investigate the linguistic aspects and regional values of mato-grossenses and Paraguayans, between 1921 and 1939, approximately, period in which Selvino took his route, since he was 15 until 33 years old. In this sense, we selected parts of the text that prove the linguistic influence of “guarani”, and with significant words of that population’s dialect we have analyzed the values, behaviors, popular proverbs and beliefs salvaged by the book. Keywords: Selvino Jacques; Brígido Ibanhez; brazilian literature.

E

ssa obra retrata uma época em que os homens andavam armados com revólveres, que faziam parte da vestimenta. Seguiam o lema, que dizia: homem que é homem não leva desaforo para casa. As desavenças eram logo resolvidas e na maioria das vezes com a morte. Este estilo de vida contribui para o mundo violento retratado pela estória; a morte se faz constante na narrativa. Para desenvolver este artigo faremos primeiramente uma rápida apresentação do

autor e suas obras. Nome: Brígido Ibanhes Origem: Nasceu em Bella Vista, Paraguai, em 08 de outubro de 1947, com registro em Bela Vista ( MS). Filho de Aniceto Ibanhes e Affonsa Cristaldo de Ibanhes. Obras: • 1986 - SELVINO JACQUES, O ÚLTIMO DOS BANDOLEIROS - recebeu a primeira menção honrosa. O livro foi


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apreendido por seis anos, por determinação judicial; • 1988 - CHE RU, O PEQUENO BRASIGUAIO - onde registrou os costumes e as lembranças da infância na fronteira entre o Brasil e o Paraguai; • 1993 - A MORADA DO ARCOIRIS - relatou detalhes sobre a descoberta de um pergaminho jesuítico e as conseqüentes escavações arqueológicas em Volta Grande, Santa Catarina, que resultaram na descoberta de restos de uma civilização muito antiga; • 1997 - KYVY MIRIM - um livro infanto-juvenil que conta uma lenda do pé de tarumã e do Pombero da Mitologia Guarani. Inclusa a criação do mundo por Tupã; • 2001 - POLITICA: ENTRE O SONHO E A REALIDADE - em comemoração aos dez anos de fundação do Movimento de Moralização e Ética no Trato da Coisa Pública (METRA). O autor viveu até 1954 na região onde nasceu, Paraguai e por isso sofreu forte influência das línguas espanhola e guarani. Somente aos sete anos de idade, vindo para Bela Vista ( MS ), começou a praticar a língua portuguesa. Os estudos, na adolescência, no seminário dos missionários Redentoristas, em Ponta Grossa (PR) proporcionaram o contato com a literatura nacional e internacional, principalmente os clássicos, o que foi decisivo para aprimorar a escrita. Depois do seminário, vários anos em São Paulo. De retorno a Bela Vista, com serviço prestado no 10° Regimento de Cavalaria, ingressa na carreira pública. Concursado, assume no Banco do Brasil em 1972. Em 1977 é transferido, como funcionário do Banco do Brasil, para Patrocínio

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(MG), depois segue para Santa Cruz do Capibaribe (PE). No Nordeste, aproveita a oportunidade para aumentar sua bagagem cultural. É transferido para Bataguassu (MS), depois para Sidrolândia (MS), de onde retorna para o Nordeste. Finalmente desce para esta cidade de Dourados, onde reside até os dias de hoje. Em 1992, em Dourados, foi eleito o primeiro presidente da Academia Douradense de Letras, e, no mesmo ano, é adotado, devido às perseguições e ameaças de morte, pelo Pen Club International em cerimônia realizada no Rio de Janeiro durante o 58° Congresso Internacional de Escritores. Sabe-se que o autor descende da geração que viveu parte da estória que conta. Na narrativa são encontrados personagens de sobrenome Ibanhes e Cristaldo, respectivamente familiares do pai e da mãe do autor, além de muitos conhecidos, vizinhos e outros familiares. Daí o autor escrever com bastante propriedade e conhecimento de causa, como se estivesse fotografando o fato com as letras. O livro incomodou muita gente. Relata a justiça feita com as próprias mãos, no início do século, em Mato Grosso. O registro desse livro denuncia o “Lampião”, Virgolino Ferreira, de Mato Grosso (do Oeste Brasileiro). Com os mesmos recursos de massacre Silvino Jacques atacou também, com bando, os paraguaios e quem mais o enfrentasse ou simplesmente ficasse do lado oposto ao dele. Os crimes cometidos pelo personagem são, hoje, todos considerados hediondos, pois a regra era torturar antes de matar e em grande parte dos casos, assim como Lampião, cortar as orelhas de suas vítimas. Sob ameaça de morte ao autor, o lançamento do livro ocorreu em Sidro-lândia (MS), em 1986, e logo ganhou a primeira


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menção honrosa, no Salão de Livros de Autores de Funcionários do Banco do Brasil. Por determinação judicial essa obra ficou apreendida por seis anos e somente pelo Tribunal de Justiça do Estado foi liberada para leitura. A construção do texto se dá de forma curiosa. Em meio à narrativa encontram-se trovas escritas pelo próprio personagem, que foram conservadas pela família de Jacques e entregues ao autor, recortes de jornais que noticiaram o lançamento e os problemas da obra e ainda faz uso de trechos extraídos de textos históricos. O livro traz uma vasta gama de informações sobre o povo e os costumes daquela época, por isso precisamos estabelecer os aspectos que iremos abordar em nossa análise. A princípio exploraremos a linguagem, o guarani, as colocações informais, que encontramos no decorrer do texto. Também queremos fazer uma leitura dos hábitos, costumes e crenças daquele momento os quais são tão bem retratados na narrativa. O texto apresenta um arsenal imenso de palavras em guarani. A quantidade de vocábulos nesse idioma é tamanha que seria impossível entender o livro se não houvesse, logo em seguida, a transcrição da palavra em português. Nota-se, então, o uso comum de dois idiomas na região do Mato Grosso: o guarani e o português. Observa-se que até o momento em que a narrativa se desenvolve no Rio Grande do Sul não se encontram palavras em guarani, e sim muitas trovas bem ao estilo gaúcho. Vejamos alguns vocábulos em guarani: “kaguarê” (o tamanduá bandeira) “guassu” (o veado) “mboreví” (a capivara)

“jaguaretê” (a onça) “raýto”(camarada) “jakarú”(a comida) “Mbaêicha-pá reikó?” (Como vai?) “piripitas”(pelinchos) “tatá-kuá” (fornos de barro) “tejú-ruguái”(rabo-de-tatu) “tatá”(fogo) “yuý” (terra) jeroký” (os bailes) “mbaraká” (o violão) Estes são alguns exemplos das palavras e como elas se apresentam no texto. Assim, podemos dizer que esse era um idioma bastante usado por aquela população fronteiriça, que sofreu grande influência lingüística do guarani. A forma como se apresenta a tradução possibilita a leitura. Caso contrário só seria possível lê-lo com um dicionário ao lado. No decorrer do texto nos deparamos com dizeres informais comuns no linguajar daquele povo. Como podemos observar no diálogo abaixo: “— Sou eu quem está mandando nesta joça agora... você tem matula ai? — Não, não tenho... — Espera um pouco, entonces (então, expressão muito usada na fronteira).” Página 76.

As palavras em negrito retratam o hábito lingüístico que faz parte do linguajar daquela população.Temos muitas outras, entre elas: “Tempos duros aqueles!” Página 115. Ao se referir ao comportamento de uma moça, ao se sentir observada, diz:


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“Ao perceber o interesse dos dois paraguaios, a moçoila começou a dar bola e prosa “Páginas 137,138.

O autor usa, para falar de uma relação sexual, os termos abaixo: “... o Jacques seguiu para o Passo Itá, direto para a casa do turco, que nessas alturas suava em cima da enteada”. Página 142.

A obra apresenta também alguns ditados populares comuns à época. Ao se referir à importância dada à arma, diz: “O Aniceto deixara sua arma escondida na sua casa. Época de revolução era que nem comício de político rico, ninguém participava dela se não fosse tirar alguma vantagem” Página 74.

Vejamos outro exemplo: “... cas o o cavaleiro não fosse bom, fucinhava aos pés da cruz se não mergulhasse a cara em alguma torta de vaca”. Página 146.

Ou ainda: “... pois o homem estava mais firme no lombo do cavalo do que carrapato na própria orelha do bicho” Página 177.

Ao se referir à bala de revólver diz: “Enquanto tiroteavam foram se deslocando em direção ao Rio Guaviral. A confusão era grande... Alguns se protegiam atrás dos cupinzeiros e outros simplesmente saiam... procurando distância da ‘azeitona quente’”. Página 79.

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A palavra “bolicho”, vocábulo de uso regional, também é bastante utilizada no decorrer da narrativa. Ela se refere principalmente à venda de Selvino Jacques, denominada Casa Paraíso, a de Manoelito, e também a de Modesto Salomão, que são alguns dos proprietários de venda de mercadorias que aparecem no texto. Vejamos como o autor os retrata: “A Casa Paraíso era uma construção sólida de tijolos a vista. A primeira porta era do bolicho e a última dava ao reservado, um cubículo que servia de escritório muito rudimentar” Página 156.

Esse vocábulo é bastante usado no texto e é peculiar à fala daquela população. Outra palavra que merece estudo está na composição do próprio título do livro: “o último dos bandoleiros”. Segundo o dicionário, bandoleiro significa salteador, malfeitor, bandido, que age em bando. Constata-se no decorrer da estória que embora o personagem justifique suas ações como em defesa própria, ainda assim a atitude de maldade, de matar por dinheiro, por honra, de sangrar e judiar as pessoas que não concordam com Selvino, o faz cruel e bandido, ao estilo de Virgulino Ferreira. O Lampião, que no Nordeste ficou conhecido como o homem que matava e comia a orelha de suas vítimas. A certa altura da narrativa o autor, referindo-se ao poder criminal de Jacques, diz: “Todos os tipos de crimes contra os direitos pessoais e humanos foram cometidos, e tanto o poder civil como o militar pouco faziam para coibir o bandoleirismo de Jacques. O capitão tinha em suas mãos o poder de vida ou


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de morte, e usou e abusou da força contra os mais fracos e humildes.” Páginas 123,124.

A maldade, o planejamento para derramamento de sangue, o crime, a morte por encomenda ou até por simples prazer eram valores arraigados tanto para o personagem quanto para aquela época. Percebe-se que para Selvino Jacques detalhes insignificantes eram suficientes para matar os tidos como inimigos. Podemos observar em algumas passagens que ele era um homem rancoroso, punia sempre com a morte a menor traição. O autor faz comentários que merecem destaque. Ao passar pela fazenda da família dos Godoy, recebe um animal lerdo. O autor deixa escapar que: “Mas sabe-se lá por que cargas d’água os homens lhe entregaram um cavalo aguateiro e, após uma pequena cavalgada, o matungo só se arrastava. O homem embrabeceu, aquele desaforo mas nem nunca ficaria sem o troco” Página 112.

Ao se referir ao personagem Cepi Diogo, acusado de trair Selvino, o autor comenta: “Seus camaradas escutaram e viam tudo o que acontecia, por isso não foi difícil ter a confirmação das suas suspeitas. Fora mesmo o tal do Cepi Diogo. Um dia eles acertariam as contas” Página 106,107.

Em outra parte da narrativa ao se referir ao Presidente Getulio Vargas, seu padrinho, o autor declara: “O Jacques era o tipo do homem que não levava desaforo para casa, e ele não

perdoaria a fraqueza do padrinho” Página 128.

Era um homem vingativo. Toda ação que o contrariava era motivo para ajuste posterior. Suas vinganças e ódios eram certamente compensados; são muitos os trechos onde a crueldade, a malvadeza se fez presente na rotina do dia-a-dia do bandido. Vejamos algumas passagens: “O paraguaio..., no meio farelo do esterco, ficou estrebuchando. O capitão então se aproximou e sem a menor misericórdia esfacelou-lhe o crânio.” Página 134.

O crime por encomenda fica bem claro no trecho abaixo: “Ele disfarçadamente já era o cabeça de um bando que executava pequenos serviços de mercenários. Alguém que tinha dinheiro pagava para eliminar maus, às vezes bons elementos, e o bando executava a tarefa. Esse tipo de serviço era comum naquela época,... e todo lugar tinha o se u “pôrojukahá” (matador profissional)” Página 110.

O significado atribuído no título, bandoleiro, ficou bem representado por Selvino Jacques, pois a narrativa é inundada de crimes bárbaros, estrondos de mosquetão, hoje todos considerados hediondos, todos sem nenhuma piedade, dentro da normalidade do cotidiano como uma ação comum de cada dia. Nesse sentido encontramos no decorrer da narração o personagem justificando suas atitudes como legítima defesa, em momentos de reflexão de Selvino. Observemos abaixo, nos versos escritos pelo personagem:


“Mas remorso eu não tenho Nem do que me arrepender, Briguei em minha defesa, Matei para não morrer, Nem que brigue como bandido Da prisão hei de correr.” Página 35 e 36

O estilo era esse tipo de traje, ao se referir ao personagem Pedro Cruz diz: “Aí o Pedro foi bailar num bochincho. E foi armado, que ele não largava mesmo o trinta-e-oito... já dançava com o revólver bem á mostra” Página 109.

Em outro trecho narra: “Parados no meio da mata distante, enquanto os cavalos conseguidos pelo amigo pastavam, o Jacques percebeu que a sua vida no Rio Grande do Sul seria uma eterna fuga com sobressalto sem fim. E de nada adiantaria se entregar às autoridades, pois jamais o ajudariam a se defender, uma vez que matara até policiais, mesmo que fora em legítima defesa...” Página 39.

São trechos que demonstram as justificativas para continuar no mundo da bandidagem. Também denunciam a falta de confiança na polícia que usa dos mesmos meios que o bandido para se livrar dos considerados maus exemplos. Em meio a esse mundo violento encontramos então como adorno principal para o homem daquela época o revólver, elemento que fazia parte da vestimenta. Observamos na passagem abaixo quando Selvino chegou a Mato Grosso: “Com seu grande chapéu mangueiro de barbicacho, bombachas largas quase encobrindo as botas sanfonadas, um vistoso lenço encarnado dependurado placidamente ao pescoço e preso por um anel de ouro, um quarenta-e-quatro luzidio na revolveira, e um trinta-e-oito bem escondido sob a camisa listrada” Página 49.

Ou ainda ao se referir ao personagem Osvaldo Cabrera: “A noite estava bonita, lu a cheia clareando o cerrado, ... levava para longe risadinhas abafadas das moças que cruzavam em direção ao baile. Sentouse na rede, calçou as botas e pegou seu paletó e o quarenta-e-quatro, enfiou o chapéu panamá na cabeça e se mandou rumo ao baile” Página 111.

O uso de armamento se fazia constante, mas não podia ser a olhos vistos. Os personagens das duas últimas citações foram interpelados pela polícia por usarem a arma à mostra. Para a patrulha a apresentação da arma, desse modo, significava uma provocação, e o Osvaldo Cabrera perdeu a vida nessa circunstância. O Pedro, na ocasião, foi poupado, pois convencido por amigos, se arretirou do salão de baile, e assim escapou do mesmo destino. Ele morreu na emboscada armada pelo Ramón Ka´a à beira do Apa, no lugar conhecido como Cachoeira. O revólver era um objeto comum e essencial naquele meio. Os homens estavam sempre preparados para matar ou morrer, e por conta disso os derramamentos de sangue foram inúmeros. O texto faz descrições minuciosas das mortes. Um dos capítulos recebe o título de Rosário de Mortes e se destina a transcrever a trajetória criminosa de Jacques, denunciando que desde os 15 anos ele sempre


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esteve envolvido com as mortes. Há descrições em meio ao texto que parece estar fotografando os detalhes. Observemos como o autor narrou uma luta corporal entre Selvino e o paraguaio Jaguarete´í: “O guarani sufocava o Jacques com seus golpes e estocadas endiabradas, e ele atirava como podia, quase a esmo. ... Quando as balas do quarenta se acabaram, e antes que ele tivesse tempo de sacar a outra arma, o guarani se afastou e preparou o golpe decisivo” Páginas 133, 134.

O livro é todo lastrado pela organização criminosa que reinava naquele tempo. Todo tipo de crime era cometido e tudo foi minuciosamente narrado no ano de 1938. A violência era tamanha que o clima era de medo e de suspeita levando muitas famílias a emigrar para o Paraguai, abandonando os ranchos, o gado e todos os seus pertences, frutos de anos de trabalho. Outro aspecto que merece destaque no texto é com relação ao retrato dos hábitos, crenças e costumes dos gaúchos, matogrossenses e paraguaios que são descritos no decorrer dos casos contados. O consumo do tererê é uma prática comum do sul-mato-grossense até hoje. O autor faz um comentário que vale destaque: “... o tererê é o momento da confraternização, momento em que os problemas se fundem numa só guampa, e as tensões se aliviam em conjunto. O lento escorrer da água fresca pela garganta vai lavando a alma e refrescando a mente. Os olhos se desanuviam e a estrada fica mais nítida. O cansaço escorrega pelas pernas, e o

peito aos poucos vai se aprumando”. Página 152.

Podemos perceber na citação acima o tamanho da importância do ato de consumir essa bebida. O autor a descreve quase como uma poesia. As palavras são escolhidas de forma a transformar o texto em representante magnífico da simbologia desse ato, assumida pelos mato-grossenses. Esta é apenas uma das passagens que demonstram aspectos literários do texto. São várias as crenças populares discorridas pelo autor. Podemos lembrar a denominação dada ao Rio Apa, como rio feiticeiro, influência paraguaia, mas também de cunho brasileiro. Na retirada de Laguna, magistralmente narrada por Visconde de Taunay, ele relata que o Coronel Camisão, ao se aproximar do Apa horas antes da invasão do território paraguaio, sentiu-se mal, muito cansado. Pediu que lhe trouxessem água do Apa, que ele acreditava lhe daria novas energias, o que realmente aconteceu. Daí o mito do rio feiticeiro. Também ao narrar o fato ocorrido com Dona Maria Canuta Cristaldo percebese viva a fé no místico: “Quando o ”Pombero” encontrava uma mulher sozinha quase sempre abusava. O estranho personagem pulou-lhe em cima, mas ela se esquivando bateu-lhe com o afiado machete. O golpe pegoulhe na nuca, e o corte profundo degolou o índio místico ..., e subiu no jirau onde dormia para se proteger. Quando amanheceu o dia, o corpo se fora... Três dias depois cerca de trezentos aborígenes arredios e perigosos, rodeavam a choupana, e ela teve que fugir senão seria violentamente castigada, mas não escapou da maldição de que dentro das


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gerações futuras da sua família sempre haveria alguém cultuando misticamente as forças da natureza, no lugar da divindade morta.” Página 55.

Ou ainda ao narrar que: “Voltando à cachaça, diziam os mais velhos que quem tomava um trago do Bororó e pitasse um charuto guarani enrolado a mão, dava três pulos de costas e estava pronto para viver mais cem anos ou morria ali mesmo...” Página 75.

Em uma narração de dia de chuva percebe-se outra crença: “Ao longe, ouviam-se gritos e lamentos diluídos no ar, e os animais corriam a procura de abrigo. Todos os espelhos das casas estavam já cobertos, e as tesouras, guardadas nas gavetas da cômoda que era para não atrair raios.” Página 149.

Esses episódios mostram algumas das muitas crendices que são registradas pela obra, que vai descrevendo hábitos, crenças, que o autor justifica como certas e verídicas. Sabemos que muitos outros aspectos merecem ser lidos ainda neste texto. Relatamos aqui muito das maldades do personagem, mas há que se lembrar que o texto permite também, ao leitor, uma abordagem sentimental a ponto de ele se sentir triste, idealista, romântico, boêmio, analisando as mulheres que foram conquistadas pelo bandido. O texto, graças a sua forma de escrita, traz ainda a possibilidade de conhecer o espaço geográfico, a miscigenação da população, os meios de transportes usados e outros que merecem uma análise mais profunda.

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A leitura desse livro nos momentos atuais nos causa choque, a forma como foi tratada a vida, a pouca importância que se dava aos valores vitais em função do orgulho ferido de um homem. Foi uma coisa brutal, evidencia a justiça feita com as próprias mãos, quando a lei era a do quarenta-equatro. Por fim o livro retrata uma parte da história de Mato Grosso que nunca fora retratada com tanta propriedade e riqueza de detalhes. Sabe-se que a literatura é imprescindível para o engrandecimento de um povo. O livro analisado representa a literatura sulmato-grossense e, como vimos em vários aspectos, a obra mescla realidade e ficção, o que a faz ainda mais grandiosa no sentido de registrar os hábitos, costumes, crenças de um povo em uma dada época em forma de pensamento e projetos de vida. Com o propósito de narrar a realidade dos fatos bem ao modo de viver e falar daquele povo, o autor abrangeu ao mesmo tempo um universo físico e uma dimensão simbólica que se institui no processo do pensamento, dos valores daquela época, das lendas narradas. E então esta obra representa maravilhosamente essa dimensão e suas conseqüências vividas no Mato Grosso do Sul, fazendo-se, sim, literatura por ter a função de denúncia de uma vida social injusta, e de reivindicações de uma nova ordem social. Segundo o autor seu objetivo era retratar com fidelidade os fatos marcantes da vida do personagem, com o objetivo de escrever bem ao modo do falar daquela gente. Dessa forma o autor coloca esse livro como parte integrante da história e da literatura da população sul-mato-grossense. Para terminar quero fazer uso de uma citação que enriquece a forma como foi caracterizada a construção do texto em


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análise, por Antonio Lopes Lins, literato sulmato-grossense, registrada no prefácio do próprio livro, que diz: “o livro uma fiel e autêntica biografia,

faz história, romance e poesia. É um retrato de corpo inteiro de uma época atribulada de nossa história, em um meio circunscrito e selvagem, romance de movimento e de costumes.” Página 12.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FERREIRA, A.B de H. Novo Aurélio Século XXI: O Dicionário eletrônico da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FIORIN, J.L & SAVIOLI, F.P. Para entender o texto: leitura e redação. 16a ed. SãoPaulo: Ática, 1992. HOUAISS, A. E VILLAR, M. de S. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. IBANHES, Brígido. Selvino Jacques: o último dos bandoleiros. 2 a ed. São Paulo: Scortecci, 1995. IBANHES, Brígido. A morada do arco-íris: em Volta Grande, no Oeste de Santa Catarina, o maior tesouro das Américas. 2a ed. Dourados: Dinâmica, 2006. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. 2a ed. São Paulo. Cortez, 2003. LAJOLO, Marisa. O que é literatura. 17a ed. São Paulo: Brasiliense, 1982. 98p PROENÇA FILHO, Domício. A linguagem literária. São Paulo: Ática, 1997.


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S

omos vidas azulando-se em céus e araras — Ariranhas e capivaras, guavira colhida no pé, Firmes como a aroeira, bandeirosos como as palmeiras, sistemáticos e imponentes, iguais as emas em plantações e em resquícios de matas. Somos revoadas de periquitos — oscilações de verde, azul e preto nas asas do beija-flor — No tronco lingüístico tupi — em lendas e escrituras — De um povo GUAICURU, somos cria da Terra, Água vertente em rochas, Rios que brilham no correr da vida, Levando os entulhos e desastres das curvas. Somos o vento de agosto que dá o gosto e o cheiro da terra, anúncio da vida — dos ipês floridos das garças que magistralmente tecem seu balé a cada dia. Somos realeza, tuiuiús; enfim somos massa povo raça MATO GROSSO DO SUL.

A nossa terra é um delírio. DELÍRIO GUAICURU Um livro de Denilson Alher


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NORMAS PARA PUBLICAÇÃO 1) A Revista Arandu destina-se à publicação de trabalhos que pelo seu conteúdo possam contribuir para a formação e o desenvolvimento científico além de atualização nas diversas áreas do conhecimento. 2) As publicações deverão conter trabalhos da seguinte natureza: a) Artigos originais, de revisão ou de atualização, que envolvam abordagens teóricas e/ou práticas referentes à pesquisa e que atinjam resultados conclusivos e significativos. b) Traduções de tetos não disponíveis em língua portuguesa, que constituam fundamentos das diversas áreas do conhecimento e que, por esta razão, contribuam para dar sustentação e densidade à reflexão acadêmica. c) Entrevista com autoridades que vêm apresentando trabalhos inéditos, de relevância nacional e internacional, com o propósito de manter o caráter de atualidade da Revista Arandu. d) Resenhas de produções relevantes que possam manter a comunidade acadêmica informada sobre o avanço das reflexões nas diversas áreas do conhecimento. 3) A publicação de trabalhos será submetida à aprovação do Conselho Editorial da Revista Arandu. - Caberá ao Conselho a seleção dos trabalhos com base nestas normas e o encaminhamento a consultores externos quando necessário. 4) A entrega de originais para a Revista Arandu deverá obedecer aos seguintes critérios: a) Os trabalhos deverão conter obrigatoriamente: título em português; nome do autor, identificado em rodapé e a qualificação e a instituição a que pertence; notas fi-

nais, eliminando-se os recursos das notas; referências bibliográficas, segundo as normas da ABNT. b) Os trabalhos deverão ser encaminhados dentro da seguinte formatação: uma cópia em Compact Disc, editor Word For Windows 6.0 ou superior; duas cópias impressas, com texto elaborado em português e rigorosamente corrigido e revisado, devendo ser uma delas sem identificação de autoria; limite aproximado de cinco a 12 laudas para artigos; cinco laudas para resenhas; dez laudas para entrevistas e quinze laudas para traduções; a fonte utilizada deve ser Arial, corpo 12, espaço entrelinha um e meio. 5) Eventuais ilustrações e tabelas com respectivas legendas devem ser apresentadas já inseridas no próprio texto. Todo Material fotográfico deverá ser em preto e branco. 6) Ao autor de trabalhos aprovado e publicado serão fornecidos, gratuitamente cinco exemplares do número correspondente da Revista Arandu. 7) Uma vez publicados os trabalhos, a Revista Arandu se reserva todos os direitos autorais, inclusive os de tradução, permitindo, entretanto a sua posterior reprodução como transcrição e com a devida citação da fonte. 8) Os trabalhos representam o ponto de vista dos seus autores e não a posição oficial da Revista, do Grupo Literário Arandu ou de Nicanor Coelho-Editor.



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