Ano 14
/2011 • ISS arço-Abril M ro ei er ev • Nº 5 5 • F
ISSN 1415 - 482X
9 771415 482002
2X N 1415-48
nicanorcoelho@gmail.com
Dourados-MS Ano 14 - No 55 Pรกgs. 1-68 Fevereiro-Marรงo-Abril/2011
[ CARO LEITOR
OCARO
LEITOR
compromisso firmado pela Revista Arandu há quase duas décadas com a ciência, a arte, a literatura e a informação está sendo cumprido à risca e a cada três meses uma nova edição da publicação seriada mais importante da região Centro-Oeste vem a lume trazendo artigos de primeira qualidade em diversas áreas do conhecimento. Bem conceituada na Lista Qualis da CAPES, nesta edição a Revista Arandu apresenta como assunto principal o artigo “Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional – três modelos de juízes”, escrito pelo professor Eudes Vitor Bezerra, da Universidade Nove de Julho (UNINOVE) e da UNIESP, em São Paulo. O professor da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul André Martins Barbosa contribui com o artigo “A cadeira de história e filosofia da educação da USP entre os anos 40 e 60: um estudo das relações entre a vida acadêmica e a grande imprensa”, além de uma resenha sobre o livro “Tá na rua: Representações da prática dos educadores de rua”, de José Luis Vieira de Almeida. Disponibilizamos também os artigos “O conceito de bordas, permeado na arte do paranaense Beto Carlinhos”, escrito por Aida Franco de Lima e Amélia de Fátima Bueno de Lara; “A Escola no acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE/2006”, de Aryádnee Espindola Ortega Alves e Célia Regina Delácio Fernandes (UFGD); “Empoderamento da mulher na política”, dos pesquisadores Loreci Gottschalk Nolasco e Jatene da Costa Matos (UEMS); e ainda o texto “Mercado de capitais: Fonte de captações financeiras estratégicas para as organizações capitalistas ou local de jogo de azar para os especuladores?”, do professor José Carlos de Jesus Lopes (UFMS). Com mais esta edição contribuimos para a divulgaçao científica brasileira, oferecendo aos leitores uma fonte inesgotável de informações. Nicanor Coelho, Editor
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ISSN 1415-482X
Editor NICANOR COELHO nicanorcoelho@gmail.com Conselho Editorial Consultivo ÉLVIO LOPES, GICELMA DA FONSECA CHACAROSQUI e LUIZ CARLOS LUCIANO Conselho Científico ANDRÉ MARTINS BARBOSA, CARLOS MAGNO MIERES AMARILHA, CÉLIA REGINA DELÁCIO FERNANDES, LUCIANO SERAFIM, MARIA JOSÉ MARTINELLI SILVA CALIXTO, MARIO VITO COMAR, NICANOR COELHO, PAULO SÉRGIO NOLASCO DOS SANTOS e ROGÉRIO SILVA PEREIRA Editor de Arte LUCIANO SERAFIM PUBLICAÇÃO DO
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Rua Mato Grosso, 1831, 10 Andar, Sl. 01 Tel.: (67) 3423-0020 / 9238-0022 Dourados, MS CEP 79804-970 Caixa Postal 475 CNPJ 06.115.732/0001-03
Revista Arandu: Informação, Arte, Ciência, Literatura / Grupo Literário Arandu - No 55 (Fevereiro-Março-Abril/2011). Dourados: Nicanor Coelho Editor, 2011. Trimestral ISSN 1415-482X 1. Informação - Periódicos; 2. Arte - Periódicos; 3. Ciência - Periódicos; 4. Literatura - Periódicos; 5. Grupo Literário Arandu
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[ SUMÁRIO
Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional – três modelos de juízes ............................................................ 5 Eudes Vitor Bezerra A cadeira de história e filosofia da educação da USP entre os anos 40 e 60: um estudo das relações entre a vida acadêmica e a grande imprensa ........................... 10 André Martins Barbosa O conceito de bordas permeado na arte do paranaense Beto Carlinhos ................................................ 17 Aida Franco de Lima Amélia de Fátima Bueno de Lara A Escola no acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE/2006 ............................................................ 25 Aryádnee Espindola Ortega Alves Célia Regina Delácio Fernandes Empoderamento da mulher na política ................................... 39 Loreci Gottschalk Nolasco Jatene da Costa Matos Resenha “Tá na rua: Representações da prática dos educadores de rua”, de José Luis Vieira de Almeida ................................................ 48 André Martins Barbosa
INDEXAÇÃO •
CAPES - Classificada na Lista Qualis www.capes.gov.br
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Mercado de capitais: Fonte de captações financeiras estratégicas para as organizações capitalistas ou local de jogo de azar para os especuladores? .............................................................. 54 José Carlos de Jesus Lopes
Capa: “CEGUEIRA” In: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProduto Biblioteca SimboloJustica&pagina=cegueira> Acesso em: 25/Abril/2011.
DIREITOS FUNDAMENTAIS E JUSTIÇA CONSTITUCIONAL — TRÊS MODELOS DE JUÍZES Eudes Vitor BEZERRA1 RESUMO O presente artigo tem como escopo a averiguação da correlação entre os direitos fundamentais e a justiça constitucional, analisando, para tanto, três modelos de juízes, e como esses modelos influenciam nosso judiciário atual, bem como em que medida essa correlação e afetada pela atuação dos juízes. Ressalta-se que material utilizado foi, basicamente, o bibliográfico. Para tanto, foram estudadas obras da literatura jurídica, sociológica, histórica e filosófica, nacional e estrangeira, em especial a obra de François Ost, que em linhas regais traz a voga a obrigação dos juízes para propiciar a eficácia dos direitos fundamentais e da justiça constitucional. Concluímos que deve ser respeitar o caráter hermenêutico do juízo jurídico, que não se reduz nem à improvisação, nem à simples determinação de uma regra superior. Palavras-chave: Direitos Fundamentais; Justiça Constitucional; Juízes; Júpiter; Hercules e Hermes. ABSTRACT This article is scope to investigate the correlation between the fundamental rights and constitutional justice, looking for both, three models of judges, and how these models influence our current judiciary, and to what extent this correlation and affected by the performance judges. It is noteworthy that the material used was basically the literature. Thus, we studied the works of legal literature, sociological, historical, philosophical, national and foreign, especially the work of François Ost, which brings the fashionable lines regais the obligation of judges to assure the effectiveness of fundamental rights and constitutional justice. We conclude that must comply with the hermeneutic character of the legal opinion, which does not reduce or improvisation, or the simple determination of a superior rule. Keyw or ds: Fundamental Rights, Constitutional Justice: Judges, Jupiter, Hercules ywor ords: and Hermes. Mestrando em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Professor de Ensino Superior na Universidade Nove de Julho (UNINOVE); na UNIESP; e no Federal Concursos. E-mail: eudesvitor@uol.com.br
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1. INTRODUÇÃO Consoante aos diversos artigos, trabalhos, dissertações etc., que tratam sobre o tema, podemos dizer que somente buscam estabelecer uma justiça constitucional usando o modelo jurídico clássico, aquele que até os dias atuais continua sendo ensinado nas faculdades de direito em todo Brasil, ou seja, a justiça constitucional é ensinada e pesquisada no modelo de Direito Codificado. Tal modelo que, diga-se de passagem, é o modelo vigente, surgiu em detrimento dos direitos consuetudinários, anteriormente, aplicados. O Direito Codificado ou simplesmente “Direito Compilado”, ou seja, comprimido à singeleza de um código, se articula de forma hierárquica e piramidal, como proposto pelos positivistas, dentre eles Hans Kelsen, que preleciona ser o sistema jurídico uma pirâmide ou uma hierarquia de normas que são superpostas ou subordinadas umas às outras, superiores ou inferiores, sendo certo que nosso Ordenamento Jurídico a Constituição é a lei maior, isto é, encontra-se no cume do Ordenamento Jurídico Pátrio. No topo da pirâmide do nosso Ordenamento Jurídico encontra-se a norma Constituição (como dito anteriormente), na mencionada Carta Magna estão disciplinados os direitos fundamentais, que habilita à autoridade suprema criar o direito válido, que segundo KELSEN é uma ficção necessária para a validação positivista dos ordenamentos jurídicos em vigor. François Ost desenvolve três modelos de juízes que, se observarmos bem, se
encontram espalhados por nossas Comarcas e Tribunais, contudo, buscar o autor apenas uma solução para garantir os direitos fundamentais através de uma justiça constitucional. Vejamos: 2. JÚPITER — JUIZ NORMATIVISTA (PIRÂMIDE NORMATIVA) Consoante os ensinamento de François Ost o sistema jurídico visto como uma hierarquia de normas que são superpostas ou subordinadas umas às outras, refere a um modelo que atende às exigências do Estado Liberal ou do Estado de Direito do século XIX, o qual foi por Ost denominado como o modelo de “Júpiter”, ou seja, o magistrado estar adstrito à pirâmide de normas, não se preocupando com a realidade social de cada indivíduo. Em uma análise sumária, verifica-se que tal modelo não garante a justiça constitucional, eis que não atende todos os Direitos Fundamentais, tendo em vista que é caracterizado pelo monismo jurídico, pelo monismo político ou soberania estatal — supõe o resultado de um processo de identificação nacional e de centralização administrativa que culmina na figura do soberano —, pela racionalidade dedutiva e linear, apta a garantir coerência lógica e harmonia ideológica ao sistema, e, derradeiramente, pela concepção de tempo orientado a um futuro controlado (OST, 1993, p. 175), o que por si só, não é suficiente para garantir uma justiça constitucional. Importa frisar que no Judiciário contemporâneo, alguns Magistrados não bus-
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cam conhecer a realidade social, pautando única e exclusivamente para solucionar as controvérsias judiciais os ditames legalistas, não dando margem a uma hermenêutica mais humanitária. Ressalta-se, por oportuno, que os “Júpiteres” do nosso Judiciário não é regra absoluta! 3. HÉRCULES — JUIZ ASSISTENCIALISTA (FATO CONCRETO) Em contraposição à dureza do liberalismo econômico que se desenvolveu ao amparo do juridicismo formal, a “miopia legalista do século XIX”, surge o que Ost denomina a figura de “Hércules”, o juizassistencialista típico do Estado Social do século XX. Ao contrário de “Júpiter”, que era um homem da lei, isto é, um juiz estritamente positivista, “Hércules” passa ser um engenheiro social, relativizando o mito da supremacia do legislador, encontrando sua maior expressão nos Estados Unidos, com as correntes do realismo. Com base nesse modelo de juiz o direito passa a ser visto mediante a fórmula da pirâmide invertida, ou seja, com a supremacia do fato concreto perante as normas abstratas, em outras palavras, somente a norma não é suficiente para garantir uma justiça social devendo ser adequada ao caso concreto, ou seja, deve ser realizada uma hermenêutica considerando-se o momento. Nesta toada, o direito se reduz ao fato, porquanto se inverte a pirâmide o que garante a supremacia do fato concreto e à
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indiscutível materialidade das decisões. Assim, na leitura mais singela sobre o modelo em tela, podemos afirmar que o mesmo conduz a idéia que a jurisprudência torna-se capaz de adaptar o texto da lei às necessidades do momento. Entretanto, não se pode olvidar, que todo extremo desencadeia uma disparidade, ao ponto de não se estabelecer uma Justiça Constitucional adequada. 4. HERMES — (JUIZ ENTRE O DIREITO E O FATO — CARÁTER HERMENÊUTICO) Sem mais delongas, verificamos que “Júpiter” e “Hércules” são os pólos opostos. Destarte, os modelos supracitados se contrapõem claramente o modelo de “Hermes”, substituindo o monismo pelo pluralismo, o absolutismo binário (proibição-permissão, validade-invalidade), pelo relativismo e gradualismo, a linearidade hierárquica pela recursividade fecunda, a clausura e o determinismo do discurso pelo discurso jurídico hermenêutico. A mencionada situação e decorrente da herança deixada pelas crises do Direito liberal gerado pelo Estado de Direito e do Direito social produzido pelo Estado assistencial, e do surgimento de um direito pós-moderno, cujos contornos não se delineiam nitidamente, devido ao grau de complexidade da situação presente. Podemos apontar como sendo o primeiro indício desse grau de complexidade a multiplicidade de atores processuais, da forma desses atores (sindicados, entidades representativas, entre outros), da
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multiplicação dos níveis de poder — desde as autoridades locais até a transferência de soberania aos ordenamentos jurídicos supranacionais. Por esse motivo, proibição e permissão não são mais suficientes, surgindo os planos, as recomendações, as declarações governamentais, os pactos políticos, o reconhecimento, efetivo, dos direitos fundamentais etc. Portanto, do lado da despenalização e da desjudicialização, encontram-se a fiscalização administrativa e os mecanismos alternativos, tais como: conciliação, mediação e arbitragem (realidade ou tendência?). Tal acontecimento motiva o surgimento de um direito que, em certas ocasiões se apresenta como líquido, fluido, que lhe permite colocar-se nas situações mais diversas e ocupar suavemente todo o espaço disponível, suportando fortes compressões, contudo, em determinadas situações não promove de forma incontestável uma justiça constitucional. Nesse passo, podemos afirmar que o modelo “Hermes” e a teoria lúdica que o simboliza, nesse contexto, se articulam entre o direito e o fato, entre a ordem e a desordem, dando conta dessa racionalidade paradoxal. Esta teoria lúdica admite que vejamos e analisamos o direito como um jogo com um número indefinido de jogadores e cujas regras e réplicas não estão inteiramente programadas, em que interpenetram jogos sociais e de linguagem. Nesse se cambiam a regra e o azar, a convenção e a intervenção, motivo pelo qual não se reduz ao respeito às regras, tampouco
à indeterminação pura e simples. Assim, podemos dizer que se “Júpiter” insiste na convenção e “Hércules” na invenção, “Hermes” respeita o caráter hermenêutico do juízo jurídico, que não se reduz nem à improvisação, nem à simples determinação de uma regra superior. Assim, a regra do jogo implica o respeito ao jogador e lhe garante a igualdade com os participantes mais experientes ou mais poderosos, para que, ao menos, possa fazer valer seu ponto de vista, ou seja, para propiciar uma justiça constitucional a igualdade formal não é suficiente, porquanto deixa em desvantagem alguns jogadores, devendo ser propiciado a todos a igualdade material, servindo como exemplo a utilização de ações afirmativas, ou como também denominado de “discrimes positivos” que garante tratamento diferenciado aos desiguais na medida de suas desigualdades para com isso estabelece um tratamento igualitário entre todos e por consequência lógica o respeito aos direitos fundamentais e a concretude de uma justiça constitucional. Para viabilizar, de fato, uma justiça constitucional deve ser reconhecido, ainda, os direitos de primeira, de segunda, e de terceira geração, bem como atentar às normas intersubjetivamente válidas de responsabilidade universal, não obstante deve observar à institucionalização da prudência, principalmente no que se refere aos riscos decorrentes de manipulações genéticas e nucleares, ou seja, de escala mundial, colocando em prática os projetos societários mais soberanos como único escudo contra o totalitarismo.
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5. CONCLUSÃO Assim, concluímos que na visão do autor a justiça constitucional encontra-se em constante evolução e que todo posicionamento extremista somente afasta tal pretensão, devendo respeita o caráter hermenêutico do juízo jurídico, que não se reduz nem à improvisação, nem à simples determinação de uma regra superior. Não obstante, acreditamos que para obtermos, de forma eficaz, uma justiça constitucional os juízes devem observar tal caráter hermenêutico, porém, essa res-
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ponsabilidade deve ser divida com todos (políticos, juristas, cidadãos etc.), eis que também devemos contribuir para a efetivação de uma justiça constitucional e devido respeito que deve ser dispensado aos direitos fundamentais, tanto numa orbita vertical quanto horizontal, ou seja, não basta apenas prometer ou cobrar, tendo em vista que a busca pela justiça constitucional deve ser encarada como ato diário e continuo em todas nossas atitudes como seres humanos, mais principalmente pelos “Júpiter”, “Hércules” e “Hermes” do nosso país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS OST, François. Júpiter, Hércules, Hermes: Tres Modelos de Juez. In. Doxa 14. <http:// www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/01360629872570728587891/cuaderno14/ doxa14_11.pdf> – Acesso em 21/08/2010 às 14h05min. TAVARES, André Ramos. Teoria da Justiça Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2005. PERRY, Michel. Protegendo direitos humanos constitucionalmente entricheirados: que papel deve a Suprema Corte desempenhar? (com especial referência à pena de morte, aborto e uniões entre pessoas do mesmo sexto). In: TAVARES, André Ramos (coord.). Justiça Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
“A CADEIRA DE HISTÓRIA E FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DA USP ENTRE OS ANOS 40 E 60: UM ESTUDO DAS RELAÇÕES ENTRE A VIDA ACADÊMICA E A GRANDE IMPRENSA”, DE BRUNO BOMTEMPI André Martins BARBOSA1 RESUMO Este artigo aborda o trabalho de Historiografia do Professor Dr. Bruno Bomtempi Júnior sobre a cadeira de História e Filosofia da Educação da USP entre os anos 40 e 60 com um estudo das relações entre a vida acadêmica e a grande imprensa. Trabalho qualitativo com fontes primárias que instiga a busca de outras fontes. Atenção aos artigos de Laerte Ramos de Carvalho. Palavras-chave: Educação. Historiografia. História da Filosofia da Educação. USP. ABSTRACT This article approaches the Historiography work of Professor Bruno Bontempi Júnior PhD. and his place as advisor of History and Philosophy of Education at USP between the 1940s and the 1960s, with a study about his relationship with the academic life and the Great Press. A qualitative survey with primary sources that lead chase for another sources. Focus on the articles from Laerte Ramos de Carvalho. Keywords: Education, Historiography, Philosophy of Education’s History, USP.
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tese do Professor Bruno Bontempi Júnior, com a qual obteve o título de Doutor pela PUC/SP, intitulada “A Cadeira de História e Filosofia da Educação da
USP entre os anos 40 e 60: Um Estudo das Relações Entre a Vida Acadêmica e a Grande Imprensa” apresenta inúmeros aspectos de atualidade. É trabalho de Historio-
1 Professor adjunto do curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Mestre em Direito e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.
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grafia que apresenta pistas para novas pesquisas em educação, principalmente no período analisado pelo autor e em muito auxiliará os profissionais que queiram aprofundar os estudos sobre o ambiente e problemas da época. O autor trabalha muito qualitativamente utilizando fontes primárias que certamente não foram fáceis de localizar e, em alguns momentos, ao que tudo indica raros, obteve um auxílio da sorte. Não obstante a multiplicidade das fontes, logrou êxito em eleger as mais significativas para atender a intenção, plenamente exitosa, de realizar um estudo “que inscrevesse a disciplina História e Filosofia da Educação em um conjunto articulado que pudesse recriar o ambiente em que se configuraram os interesses de pesquisa e pensamento educacional do “grupo” de Laerte Ramos de Carvalho na Universidade de São Paulo. A escolha do protagonista, com o estudo do qual também é construída a tese, foi perspicaz, pois é Ramos de Carvalho quem adota pela primeira vez o trabalho em formato acadêmico como temos hoje, contando com fontes diretas e fazendo uma interpretação do período pombalino. A obra “As Reformas Pombalinas da Instrução Pública” traz para o campo uma abordagem que os luminares de então não adotavam, como por exemplo Fernando de Azevedo que não fez uma interpretação crítica sobre o período que escreveu, contando com esparsas informações e, talvez, também por isto, Fernando de Azevedo não tenha formado pesquisadores. E este é um dos méritos da tese de Bontempi, já que estimula, através da curiosidade que instiga no leitor, a busca de outras fontes além das que fo-
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ram mencionadas ao longo do trabalho. Há em toda a tese a adoção de uma crítica documental que confronta e elucida em diversos momentos as posições tomadas por Ramos de Carvalho, Roldão Lopes de Barros, Mesquita Filho e outros diante dos eventos políticos e das circunstâncias materiais e disputas acadêmicas, desmistificando o conceito do desinteresse presente em inúmeros discursos proferidos e registrados. É esta confrontação feita a partir de fontes originais de artigos, livros e teses escritas, artigos e livros memorialísticos que a faz brilhar e fornece modelo a ser seguido. Isto é um feito significativo já que a Historiografia até bem pouco tempo não produzia personagens contraditórios, humanos. Há como que uma cortina de silêncio sobre as querelas inevitáveis na construção dos fatos, no interior dos eventos que constituem a história dos homens, das matérias, das disciplinas e de tudo o que possa ser do interesse e caia sob a argúcia do historiador que tem por coerência não retransmitir maquinalmente o que os manuais, as fontes secundárias que até procuram induzir o leitor desatento, por demais crédulo na titulação do historiador não necessariamente bem intencionado, no que tange ao fato de somente buscar a verdade pura e simplesmente. A obra em questão auxilia a desmontar este mito. Característica também relevante na obra de Bontempi é o rigor, o método com que levanta e analisa as informações desde o início, escapando de realizar apenas um balanço dos acontecimentos. Em virtude do tratamento rigoroso consegue realmente reproduzir o ambiente estuda-
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do através das fontes e sua análise. Atenção especial foi demonstrada nos artigos de Laerte Ramos de Carvalho ao jornal O Estado de São Paulo (OESP) que foram subdivididos em dois grupos. No primeiro grupo os artigos assinados por Laerte e no segundo grupo os editoriais. No primeiro a expressão da opinião de quem os escreve e no segundo os editoriais que tiveram a autoria reconhecida pela filha de Laerte e que expressam a posição do jornal, que responde por eles. Buscando a coerência com o próprio rigor, descobre e esquadrinha os documentos oficiais atinentes à Cadeira de História e Filosofia da Educação bem como os registros dos programas e de pesquisa realizadas por outras cadeiras da Faculdade de Filosofia passíveis de serem localizados no Centro de Apoio à Pesquisa Histórica Sérgio Buarque de Holanda. Também foram analisados os documentos administrativos, publicações periódicas e o “dossiê” referente a gestão de Ramos de Carvalho no Centro Regional de Pesquisas Educacionais. O próprio autor alerta que teve o “cuidado de não tomar o documento oficial como a realidade inconteste do que acontecia nesses lugares, pois é de conhecimento que os relatórios, programas e demais registros são, muitas vezes, o mero cumprimento, incompleto ou maquilado, de formalidades administrativas” (pp.23). Também utiliza documentos de arquivos pessoais; correspondência, anotações de aulas, apontamentos de leitura, originais de palestras, discursos e outros bem como falas oficiais proferidas em cerimônias (de abertura e encerramento) de Cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras (FFCL) da USP. E perseguindo a objetividade crítica, lança mão de “arquivos provocados”, ou seja, aquelas fontes intencionalmente produzidas para a história pela intervenção direta do próprio historiador. Aqui deixa o papel de observador e passa também a constituir a história de certa e relativa forma, bem delimitada. Estas intervenções estão em três subgrupos. No primeiro há a participação do autor nas entrevistas. No segundo os depoimentos já publicados e no terceiro os depoimentos que foram colhidos e agrupados em edições comemorativas ou institucionais. A obra está organizada em quatro capítulos, além de uma introdução minuciosa que em vinte e oito páginas demarca todas as etapas percorridas, abordagem empregada, organização dos capítulos, as fontes e seu tratamento e a razão da escolha de como se deu a construção do objeto de pesquisa que é uma continuidade dos trabalhos desenvolvidos anteriormente pelo autor. Observa que a História da Educação Brasileira é objeto de seu interesse desde 1992 quando integra a equipe que se formava no Programa de Educação: História e Filosofia que levava adiante o projeto coordenado por Mirian Jorge Warde. Portanto uma década de conhecimento acumulado até a conclusão da obra que é agora resenhada. No primeiro capítulo procura responder, e consegue, perguntas como as seguintes: “Quais os principais traços dos discursos políticos contidos nas falas solenes da FFCL? De que forma esses discursos se alteram em decorrência das mudanças da conjuntura nacional e interna-
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cional? É possível identificar nos discursos a variedade de posições políticas presentes na FFCL?” (pp.25). Estas e outras perguntas permitiram reconhecer as idéias políticas dos protagonistas da FFCL no período estudado e também situar o ator Laerte Ramos de Carvalho no cenário e que sobre incidem as principais observações do autor. Constado está que os sujeitos apresentaram uma variedade de comportamentos e naquela universidade as posições políticas também acompanharam essa oscilação, ora para esquerda, ora a direita. A idéia do desinteresse permeia a primeira fase e se pode constatar nos discursos proferidos que procuravam instigar na consciência coletiva a “mística nacional”, um “desdobramento da missão” dos paulistas que deveria ser continuada pelos licenciados da FFCL. Missão de retirar a imensa massa populacional do estado em que se encontrava, quase amorfo, para moldar uma nova consciência, uma nova consistência diferenciada e definida. A FFCL caberia o papel, bem como aos homens nela formados, “de promover e impulsionar o progresso dentro da ordem, fazendo frente ao “obscurantismo retrógrado e conservador” das elites de mentalidade tradicional; retirar a massa de seu estado inerme e fazê-la seguir o bom caminho aberto pelo bandeirante, “símbolo de bravura, arrojo, integridade, progresso, superioridade racial e, até mesmo democracia” (pp.36). É através de citações de trechos que podemos vislumbrar o cenário em que se formaram muitos dos homens que vão, realmente constituir a elite dirigente, governamental em outros estados da fede-
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ração. Esta mentalidade ainda pode ser pressentida na constituição de inúmeras universidades, como por exemplo a Universidade Federal do Mato Grosso que depois, com a divisão do estado em 1977 e sua implantação em 1979 com o primeiro governador Harry Amorim Costa deixa perceber o rastro da mentalidade que a formou. Neste momento a obra de Bontempi começa, sem ser esta a intenção visível do autor, a elucidar diversos posicionamentos de homens públicos nacionais. Lamentável que não se pode, em anexos, relacionar a lista de formandos das turmas do período analisado. Não só seriam compreendidas inúmeras posições tomadas pelas Secretarias de Educação dos Estados da Federação como poderiam ser também apreendidos com maior clareza os interesses em jogo. E os interesses que estavam em jogo, quaisquer que fossem. No segundo capítulo o que é investigado é o início da carreira de Ramos de Carvalho, a Cátedra e o Departamento de Filosofia da FFCL da USP. Nesta função elabora os seus primeiros trabalhos e é convidado para produzir artigos para o OESP, atividade que desempenha ao longo dos anos. Sobrevivendo ao regime inicial, das cátedras, como aluno e assistente de João Cruz Costa. Nesta etapa da obra, Bontempi com a reconstituição do ambiente, das circunstâncias, nos leva a pensar como se assemelhavam a situação de “missionário” completamente desinteressado, de altruísta e em que circunstâncias estavam os que se submetiam a tal regime de ausência de garantias, com uma grande insegurança e os fatos demonstraram que nem
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sempre os candidatos “naturais” ocuparam os lugares almejados. Alcançada a cátedra, porém, os professores galgavam, como na Faculdade de Direito, o lugar de “semi-deuses”. E aqui surge uma peculiaridade na tese de Bontempi, que é a reconstituição do ambiente onde se desenrolaram algumas querelas que surtem efeito até hoje no mundo jurídico. O interesse é para os estudiosos em Filosofia em especial Filosofia do Direito que poderão entender na origem a razão dos professores das Faculdades de Direito em quase todo o país optarem ora por Miguel Reale ora por Tércio Sampaio Ferraz Júnior no que tange aos manuais de Introdução a Ciência Jurídica e Filosofia de Direito. E ao que tudo indica Tércio Sampaio fez a sua opção ao elaborar os seus textos. E todos reverenciam ainda hoje, Silvio Romero. As notas de rodapé são nestes trechos do trabalho as mais ilustrativas e significativas e produzem o traço de união entre os apaixonados pelo orbe jurídico e a pedagogia. E esta união só foi possível pela atividade historiográfica desenvolvida. A nota de rodapé de número 50 traz textualmente: “A duradoura polêmica, que se espraiou para além de Cruz Costa e Miguel Reale, ainda hoje se mostra relevante” (pp. 114). Tércio Sampaio em reposta a entrevista atesta que sempre ouvira que “era possível uma filosofia brasileira, como era necessário falar sobre isso porque seria um sinal da maturidade de um povo”. De outro lado, durante todo o meu curso na Maria Antônia ouvi o inverso do professor Cruz Costa, que dava risada “dessa”
história de filosofia brasileira, de filosofia do direito brasileiro. Ele até admitia que pudesse haver filosofia na literatura brasileira, mas não uma filosofia como tal” (pp.114). A citação de tal pronunciamento deixa claro, ou pelo menos fornece uma grande pista para os motivos que levaram Tércio Sampaio a introduzir a Semiótica nos estudos jurídicos que desenvolveu. Aqui a tese de Bontempi transpõe os círculos da educação para, como obra historiográfica, iluminar o jurídico. O papel que o Instituto Brasileiro de Filosofia (IBF) representava no conjunto de forças da época também se faz notar. Os confrontos entre as orientações e a marca de Laerte de Carvalho nos estudantes da época estão visíveis no trabalho de Bontempi. A curiosidade se aguça e inúmeras perguntas vão surgindo e que poderão ser respondidas em futuras pesquisas levadas a bom termo por estudiosos do mundo jurídico, principalmente História do Direito que começam a perceber que as grandes teorias que se propõem a explicar tudo acabam não explicando nada e que é através do levantamento minuncioso das fontes é que será possível explicar as relações de poder que constituíram e constroem a legislação, o conjunto normativo que os operadores de direito têm que aplicar, o mais das vezes a contragosto. E aprender Direito sem História do Direito é construir o arcabouço profissional sobre base frágil e História do Jurídico sem História Geral, maior temeridade ainda. Relevante perceber a importância da Historiografia para o jurídico e recordando o “postulado de Mangüe, que se assentava nas estreitas ligações entre filoso-
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fia e história, Cruz Costa extrapolou as fronteiras da filosofia, indo buscar na História – “o laboratório do filósofo” as referências e exemplos úteis” ao programa de investigações arejando com uma onda modernizadora os estudos brasileiros. Embora concordemos com o posicionamento de Cruz Costa frente a concepção de uma filosofia brasileira e sua atitude frente a história “bandeirista” lembramos as obras de Miguel Reale e Goffredo da Silva T. Júnior e tantos outros cientistas que demonstraram que o posição contrária tem defensores brilhantes. O terceiro capítulo versa sobre as relações desenvolvidas entre o jornal OESP, a FF e os “legítimos interesses do ensino”; como ocorre a contratação de Laerte Ramos de Carvalho; seus primeiros artigos; como a FFEL enxerga o ensino secundário e como este é visto pelo OESP. Ainda no capítulo em questão são observados os concursos e a profissão docente bem como os certames públicos e a greve de 1951. Júlio de Mesquita Filho foi um dos fundadores do USP e provavelmente querendo manter sua presença naquela instituição arregimenta Ramos de Carvalho como articulista e este não concebia a dissociação entre academia e imprensa. Sabia da oportunidade profissional como um dos meios para adquirir notoriedade e legitimidade. O capítulo ainda ambienta a presença de Fernando de Azevedo. Ramos de Carvalho se apresenta no OESP como professor idealista que fala aos estudiosos sobre os problemas educacionais. Neste sentido a contratação de R.C. fazia parte de um movimento de incorporação dos intelectuais formados pela FFCL. A
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visão quanto ao ensino particular não era das melhores e contrária as modificações sucessivas no sistema educacional. “Se um sistema tem defeitos, corrijamo-los ao invés de substituir o sistema inteiro por outro “ (pp 150). O articulista ainda, seguindo o olhar seletivo de Bontempi, escreve sobre os pedagogos, a elite, a finalidade da educação e outros temas. Percebido fica que realmente R.C. era um tanto idealista na forma que observava a realidade, mas extremamente pragmático quanto a forma de conduzir a própria carreira acadêmica. Muito rico o levantamento para ser sucintamente enunciado numa resenha que pretende apenas aguçar a curiosidade do leitor. O quarto capítulo vai colocar sob análise a figura de Roldão Lopes de Barros, a transferência da Cadeira de História e Filosofia da Educação para a FF, os Cursos da Cadeira XLV, a regência de Laerte Ramos de Carvalho, as relações ocorridas no Centro Regional de Pesquisas Educacionais e a Cadeira XLV, as pesquisas em História da Educação, a História na Cadeira XLV e as origens da periodização alternativa. Ao final o autor conclui que as relações tendo como epicentro a Cadeira de História e Filosofia da Educação da USP são possíveis, com a grande imprensa, em virtude de que tem Ramos de Carvalho a participação privilegiada no jornal OESP e como articulista é o responsável pela produção das marcas nos dois sentidos, tanto na FFCL como no posicionamento do jornal. As relações produziram o “microcli-ma” onde foram criadas as condições para produzir monografias em História da Educação Brasileira sob formato acadêmico.
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A atualidade dos temas do trabalho são evidentes. E algumas passagens em muitos auxiliam a compreender situações educacionais em alguns estados brasileiros. A desmistificação das posições propaladas como desinteressadas trazem
para a realidade, tornando humanas, demasiadamente humanas, as atitudes dos protagonistas estudados. E cônscio o autor de que conseguiu seu intento inicial fecha a tese, certo de que lançou luz cobre outro “elo perdido” da Historiografia.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA JÚNIOR, Bruno Bontempi. A Cadeira de História e Filosofia da Educação da USP Entre os Anos 40 e 60: Um Estudo das Relações Entre a Vida Acadêmica e a Grande Imprensa. São Paulo. PUC. Doutorado. 2001. pp. 280.
O CONCEITO DE BORDAS PERMEADO NA ARTE DO PARANAENSE BETO CARLINHOS Aida Franco de LIMA1 Amélia de Fátima Bueno de LARA2
RESUMO O presente artigo trata de uma reflexão a respeito da “cultura das bordas”, termo cunhado por Jerusa Pires Ferreira, relacionando-o com a performance do artista ponta-grossense Beto Carlinhos. A “cultura das bordas” surge a partir da consideração de espaços não-canônicos, trazendo para o centro da observação os chamados periféricos e privilegiando segmentos não-institucionalizados. Palavras-chave: Cultura de bordas; periféricos; Beto Carlinhos ABSTRACT This paper is linked to a reflection on “border culture”, a term created by Jerusa Pires Ferreira, and we relate it to a performance of Ponta Grossa artist Beto Carlinhos. Border culture originates from the consideration of no-canonic spaces, putting in the center of observation the so-called peripheral people and valuing no-institutionalized sectors. Keywords: border culture - peripherals - Beto Carlinhos
INTRODUÇÃO Durante as aulas da disciplina “Ambientes midiáticos e processos culturais: cul-
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tura das bordas, comunicação, edição e leitura”, ministradas pela professora Jerusa de Carvalho Pires ao longo do segundo semestre do Programa de Estudos Pós-
Doutoranda e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP; Especialista em Educação Patrimonial – UEPG/PR; Guia Especializada em Atrativos Turísticos Naturais Senac/Embratur; Graduada em Comunicação Social - Jornalista – UEPG. Atualmente, é professora do CESUMAR em Maringá (PR). 2 Artista Plástica. Especialista em Arte e Educação e Educação Especial: área da Surdez – Libras (ambas Faculdade do Vale do Ivaí); Graduada em Letras – UEPG. Atualmente é professora da Rede Estadual de Ensino de Ponta Grossa (PR).
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Graduados em Comunicação e Semiótica da PUC-SP, em 2009, o que mais chamou a atenção foi o conceito de “Cultura das Bordas”. Parar e refletir a respeito do significado do conceito e como o mesmo interfere e reage à cultura não somente da América Latina, mas por onde quer que seja que exista algum objeto/texto por assim dizer, que não seja necessariamente do mundo erudito, mas que tenha influência/significação dentro de seu campo. Deste modo surgiu a proposta do artigo, observando que se trata de um apanhado um tanto quanto sintético sobre o tema. Há várias maneiras de se estar nas bordas. Bordas é hoje para mim quase como mata e chancela. Essa idéia corresponde a um projeto e a uma atitude teórica que vem de longe. Foi sendo construído um conceito de cultura das bordas a partir da consideração de espaços não-canônicos, trazendo para o centro da observação os chamados periféricos e privilegiando segmentos não-institucionalizados. (...) Bordas, se de um lado é desafio, de outro é solução para impasses, como impasses para nomenclaturas como o de margens, de marginalidade ou de cultura periférica. Não é estar só estar à margem e não tem o sentido de marginalização (Ferreira, 2001).
As exposições da professora Jerusa 3
Pires, permitiram ampliar o leque pelo qual circunda o conceito e nesta gama de informações contempladas ao longo do semestre, foi possível fazer uma conexão com um autor paranaense Carlos Roberto Silva, conhecido no meio artístico de Ponta Grossa e pelos locais que transita como Beto Carlinhos. Um artista multifuncional, que pinta muros da cidade, em parceria com a COPEL3 , por exemplo. Que expõe em galerias conhecidas de Curitiba, como também vende seus quadros aos amigos e imprime seus livros de maneira quase artesanal, como também é citado em pesquisa de PIBIC da UEPG4 . É a ele, Beto Carlinhos, que vinculo as bordas, apresentadas por sua genitora, Jerusa Pires Ferreira. A RELAÇÃO COM O OBJETO Ao mencionar sobre o vínculo pesquisador e objeto Ferreira5 (2009) questiona sobre a maneira como o sujeito e objeto se relacionam hoje. Para definir que isso acontece com maior intensidade porque diante das inovações tecnológicas e sociais, fica o sujeito de um lado e o objeto de outro. Existe, sempre, um fluxo e uma relação assídua entre sujeito e objeto. Por que tal coisa é seu objeto de pesquisa? Temos que fazer uma introspecção. Ele existe por minha escolha, minha inserção... e minha inserção tem fatores de diversas ordens: de escala social, escala cultural. Que cultura é aquela
Companhia Paranaense de Energia. Ver obra denominada: Expressividade Fônica na Poética Ponta-Grossense, de Ana Maria Wendler e Márcia Zan Vieira. 5 Aula ministrada, 08 outubro de 2009. 4
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a qual eu pertenço que quer que as coisas sejam assim e não de outro jeito? As escolhas também entram na ordem do psicológico, do cognitivo, do psíquico, da coletividade social, da inserção individual nessa coletividade social. A escolha de um tema às vezes é aparentemente aleatória, mas não existe objeto separado: existe relação entre sujeito e objeto e os fluxos, passagens, encontros e desencontros, os vazios, os silêncios. Tudo o que monta essa relação que é tão complexa quanto às relações interpessoais. Dizia Lévi-Strauss, ao estudar outras culturas, que aparentemente você cumpre o seu destino de entender determinado objeto, mas ficará sempre um espaço a ser preenchido, o que pode acontecer hoje, amanhã ou nunca. Isso não só em sujeito-objeto, mas partindo de uma relação social. (Ferreira, 2009) Ainda de acordo com Ferreira (2009), alguma coisa pode ficar pendente e em determinado momento se cumpra. Portanto, do mesmo jeito todo tipo de relação, seja com o tema de pesquisa ou com o objeto. O tema da pesquisa é sempre um objeto amoroso. Roland Barthes dizia isso: todo texto é autobiográfico. Querendo ou não você se coloca nele. O texto erótico, por exemplo, você joga suas pulsões, seus desejos, todo o seu ser nesse objeto que você escolheu. E o mais importante: não existe um tema mais nobre que o outro. O objeto é uma complexa teia que leva do sujeito a ele sob diferentes perspectivas. De repente você pode estudar só o inferno na Divina Comédia e a poesia popular. Isso deixa de ser nobre por você ter introduzido poesia popu-
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lar? Até o lixo hoje em dia é um tema importantíssimo. Do mesmo dia que mudam-se os tempos, as vontades, a cultura muda e as opções mudam também. O que era apreciado deixa de ser e vice-versa. Então a gente tem que levar em conta esse caminho móvel do objeto. O objeto é móvel e o sujeito também. Então não existe um objeto parado no tempo, um espaço que seja sempre bom, visto que certos autores são valorizados em determinado momento por questões políticas, por exemplo, mas depois caem no esquecimento. Então são três postulados: 1) relação complexa e fluida, interativa entre sujeito-objeto (não existe a separação entre eles); 2) não existe um tema melhor que o outro; 3) mobilidade permanente faz com que uma coisa aparentemente desprezível se transforme em algo importante. De repente as pessoas começam a estudar Carolina de Jesus, uma escritora que é recolhedora de lixo e o livro de lixeiros, o material descartável pode estar na moda. (Ferreira, 2009)
Acredita-se que com esta fala a autora permite certa alforria para tratar de temas que relacionam pesquisador e objeto, sem necessariamente, ter que justificar-se. O interesse entre este e aquele e a retroalimentação que a pesquisa permite, isso por si só já define a situação. BETO CARLINHOS DAS BORDAS Conheci Beto Carlinhos quando fui trabalhar como assessora parlamentar na
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Câmara Municipal de Ponta Grossa, PR, entre 2001 e 2004. Uma pessoa que não passava despercebida. Seus trajes eram inconfundíveis, pois jamais dispensava algum adereço alusivo ao Corinthians. Se o brasão da Fiel não estava no chapéu, apresentava-se na camisa, na calça, na meia ou na corrente que trazia no pescoço. Inconfundível também seu gosto por anéis. Cada um com um significado. Talvez carregasse mais, se suas mãos não fossem como da maioria dos mortais que conta com dez dedos. Afinal, nem o mindinho escapa. Está lá um anel que é a cara do Beto. Seu cabelo também é alvo de constantes mutações. Às vezes loiro, em outras a cor natural. Também há espaço para um rabo de cavalo, combinando com o cavanhaque. Vale o que vier, quando partir de Beto Carlinhos. Mas Beto Carlinhos não era conhecido apenas pelo sangue corintiano que percorria suas veias, extrapolado pelos adornos pessoais. Ele é uma destas figuras que cada cidade tem e que dificilmente alguém do seu entorno desconheça ou não tenha ouvido falar. BC, como assina suas obras, é um artista de marca maior. Joga com as palavras e faz poesias que encanta a esquerda e desperta corações hipnotizados pela crença do amor. Transforma o barro, não com um sopro, mas com as mãos, em obras de arte. E assim, faz de um amontoado de argila um Charles Chaplin nostálgico, por exemplo. E vai além. Transforma retângulos de madeira em telas coloridas e expressivas que são suas marcas registradas. Coloca dentro de caixas de fósforos e porta-jóias presépios inteiros. Faz de um pinhão o cenário da flora e fauna do Paraná e modela
com durepox a miniatura que for. E ainda arrumava tempo para atuar como um verdadeiro líder na comunidade onde morava na Vila Belém, na periferia de Ponta Grossa. Na sua história de vida a estrela do PT – Partido dos Trabalhadores também está cravada. BC é um dos que carregaram o PT nas costas, enquanto o Partido engatinhava nos idos dos anos 80, anos que sucederam ao sufoco do Regime Militar. Deve beirar os 40 anos. É um baixinho de pouco mais de 1,60cm de altura. Mas com um talento gigantesco, que nem mesmo as batalhas vivenciadas quando era menino de rua foram capazes de abatêlo. Um verdadeiro Davi, que não deixou que o Golias personificado pelos anos perambulando na rua, o álcool e as dores provocadas pelas drogas lhe derrubassem. Veste-se de palhaço e traz para os rostos de crianças e marmanjos o sorriso perdido. Toma cerveja Kronenbier para não colocar em risco a saúde e ao mesmo tempo compartilhar o prazer de estar ao meio de uma roda de amigos. Sua primeira filha, Mariângela, nasceu aos 27/10/02. Em 2005 já estava com o terceiro filho. E se a média continuou, deve estar com uma meia dúzia de Betinhos e Betinhas. BC tem olhar expressivo e sincero. Quando está feliz ou triste não consegue disfarçar. Seus olhos são um misto de verde com marrom e o “entregam” facilmente. E mesmo quem não o conhece, é capaz de saber qual sentimento está imperando. Se feliz, fica uma covinha nos cantos da face. Quando triste, representa trazer consigo o peso do mundo. Fica com cara de bonachão, de palhaço que não conseguiu o aplauso da platéia. Mas quando está assim,
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não tem erro. Nada por conta do que ocorre com ele. Mas por causa das injustiças que o deixam “danado” com a vida! Como, por exemplo, quando não consegue que as autoridades enxerguem as tristezas com as quais luta contra na vila Belém... É lá na vila, que lembra o nascimento do Cristo Redentor, que Beto mora. É na Belém que o mundo de Beto toma consistência, diante de um cenário tristemente bonito, devido à enorme adaptabilidade das pessoas diante do palco em que os barracos dispersos em formas assimétricas revelam a luta pela vida. Seja da mãe encostada na janela, ninando o filho. Sejam com as crianças de pé no chão que fazem do pneu um balanço, sob o arroio da Belém, que titubeia tal qual um bêbado extasiado pela água que passarinho não arrisca a beber. É no cenário de cães com suas costelas à mostra e gatos preguiçosos sob telhados de lonas de amianto que Beto encontra parte da inspiração que recheia os quatro livros que publicou até 2005.6 Eis uma pincelada do conteúdo de algumas de suas obras. Li vr o: No Tempo Andante Livr vro: Poema: HOLOCAUSTO DO AMANHÃ (p. 75) vem voltando sem falar do agora 6
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as cordas vocais rompem o silêncio cortinas de seda rasgam-se do céu da boca em saliva tudo debaixo do mesmo teto racham-se trovões de pensamento cantam as palavras soam os clarins sangram as canetas sangue azul mancha celulose branca com letras Poema: POESIA (p.71) viagem na qual não se desce em qualquer ponto final
Livro: Mapa Cotidiano7 (p. 11) a manhã debruçada à beira do cais com ar de quem passou a noite na gandaia abre a boca com dentes dourados
enquanto o pescador iça sua rede do mar, apenas aprecio minha preguiça debaixo das palmeiras
Ante a pesquisa incompleta, que pretende transformar-se em um artigo contemplando a história da vida e as obras de Beto Carlinhos, os livros transcritos referem-se a apenas 3 e as referências encontram-se incompletas, no momento. 7 CARLINHOS, Beto. Mapa Cotidiano. Poesias. Curitiba-PR: Ócios do Ofício Editora, 1997.
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Livro: Às vezes as estrelas brilham longe demais8 (p. 21) tem sonâmbulo que dorme a céu aberto procure dormir no claro um anjo pode cair do beliche
Beto tem suas obras publicadas por selos independentes, da mesma maneira que é sua atitude em circular pelos redutos da Princesa dos Campos Gerais, a cidade onde nasceu e morou, que tem fama de ser fria e elitista. À sua maneira, BC, transita nas mais variadas galerias. Seja a do SESI, seja na Câmara Municipal, em mostras catalogadas, entre outras, expõe suas obras, nas telas que ele mesmo confecciona desde o momento que estica a tela e a prende com grampeador de pressão até quando dá sua última pincelada. A matéria abaixo, transcrita na íntegra, mostra o trânsito deste artista na melhor amplitude da palavra. Com pouco grau de escolaridade, Beto, é parceiro de doutores renomados no cenário paranaense. Cultura “Essências” entra em cartaz na Galeria de Artes da Proex9 - “A finalidade da arte é dar corpo à essência secreta das coisas, não copiar sua apa-
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rência”. Com esta máxima do filósofo grego Aristóteles, o professor Nelson Silva Júnior, coordenador da Galeria de Artes da Proex, da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), convida a comunidade ponta-grossense em geral, especialmente aficionados pelas artes plásticas, a prestigiar mais uma iniciativa da Divisão de Assuntos Culturais (DAC) - Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais (Proex), a exposição “Essências”, que entra em cartaz nesta quarta-feira, dia 23, a partir das 19h, reunindo fotografia, pintura e poesia. Depois da mostra individual ‘O Impressionismo de João Carneiro’, que registrou um dos melhores públicos pelas dependências da galeria, em pouco mais de duas semanas, segundo Nelson Júnior, a DAC / Proex abre espaço nesta temporada para a criatividade e o talento do artista plástico e poeta ponta-grossense Beto Carlinhos, bem como para a sensibilidade artística da bióloga e doutoranda em paleontologia Carolina Zabini, que apresenta trabalhos em fotografia. O coordenador da Galeria de Artes da Proex (Praça Marechal Floriano Peixoto, 129 - próximo à Catedral de Sant’Ana), onde a exposição permanecerá aberta até 4 de agosto próximo, destaca que “o título da mostra, ‘Essências’, revela um olhar além do figurativo, ou seja, o ver a essência do mundo que nos cerca”. BETO & CAROLINA - já participou de diversas exposições individuais e coletivas
Feira do Poeta, 2000 – Curitiba - Paraná Publicado em: 22/07/2008 16:07 – JM News com assessoria.
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em Ponta Grossa, outras cidades do estado. Nesta exposição, seu trabalho é marcado pelas tendências do expressionismo abstrato, em composições fortes, nas quais as cores e as texturas se sobressaem. Além de artista plástico, Beto Carlinho incursiona pelas lides literárias, há longa data, incluindo em sua carreira como poeta quatro livros já publicados. Carolina Zabini, por sua vez, apresenta um conjunto de fotografias feitas no decorrer de sua formação profissional, explorando os pequenos detalhes da vida animal, como ‘o descansar de um cão’; e da vida vegetal, a exemplo de ‘uma estrela do mar’. Em sua trajetória como fotógrafa, Carolina já foi premiada duas vezes com a obra “Estrela do mar, bolacha dos céus”, em Porto Alegre (RS). Nessa pequena mostra de seu trabalho, o tema predominante envolve as flores, suas cores, formas e texturas. (JM News, 1998).
Dois anos antes, release da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa anunciava o nome de Beto Carlinhos, entre outros 49 artistas, no projeto “Rua na Arte”.10 Para dar uma pausa temporária neste texto, que encontra-se em estado de construção, pois as autoras estão há algum tempo sem contato com Beto Carlinhos e necessita recontar sua história, para trazer novas informações, salienta-se que a última atividade divulgada em relação ao trabalho de Beto Carlinhos, refere-se ao release da Universidade Estadual de Pon10 11
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ta Grossa, publicado em 04 de agosto de 2009. Com o título: Obras que refletem a cultura do povo grego tem exposição na galeria de artes da Proex - Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais, o mesmo faz referência à exposição, iniciado no dia 05 de agosto, que deveria reunir mais de 30 obras de artistas plásticos pontagrossenses, entre nomes já consagrados, emergentes ou iniciantes na arte de criar através das mais variadas técnicas. Cada um vai deslocando o conceito de “bordas” à sua maneira. O que é bordas pra você pode não ser pra ele, pode não ser pra ela. E de repente é tudo isso, é esse ir e vir. (...) E o que é mesmo essa cultura das bordas? Muitos estudiosos e teóricos vêm utilizando em seus trabalhos esse conceito que apareceu formalizado em 1988 em artigo heterônimo de Cultura das Bordas que publiquei na revista USP. (Jerusa, 2009)11
CONSIDERAÇÕES FINAIS Acredita-se, conforme a fala de Jerusa, que esta liberdade de deslocar “bordas” de acordo com a maneira de cada um, permite trazer Beto Carlinhos, para este universo. Talvez o próprio artista não saiba deste fato, mas esta facilidade de transição, este participar ativamente dos vários movimentos que fazem pulsar a sociedade, esta transição que tem entre tantos universos, o faz borda.
Disponível em: http://www.pg.pr.gov.br/node/1500 03 setembro de 2009 – Aula ministrada
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Beto Carlinhos é um artista plástico e poeta artesanal. Faz da sua experiência de vida pauta para suas obras. Mas só consegue fazer esta leitura, quem conhece sua história, suas origens. Ele cuida de seus versos, como um de sua prole. Pede patrocínio, apoio cultural nos mais variados meios para editar seus livros. Vende de mão em mão, propaga-os de boca em boca. Seus livros podem apresentar dedicatória de um amigo prefeito ou coisa al-
guma. Os dedica aos amigos, à mãe, a quem está em sua alma. Desenha suas capas, define suas artes. Pressupõe-se, que ao iniciar este projeto de tratar deste artista dentro da academia, é uma forma de estimular o trabalho de uma figura que faz parte do cenário ponta-grossense porque Beto Carlinhos não tem seus livros editados em série, nem suas telas expostas em galerias do corredor cultural midiático.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BORDA - Diálogo: Jerusa Pires Ferreira e Amálio Pinheiro, na PUC - São Paulo, em 06.04.2001 - Transcrição e edição: Edil Silva Costa. Disponível em: <http://64.233.163.132/ search?q=cache:nId_Hne4Dy0J:geocities.ws/proflucio/ja.html+jerusa+pires +bordas+2001&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&client=firefox-a>. Acesso em: 01/nov./2009. CARLINHOS, Beto. Mapa Cotidiano. Poesias. Curitiba-PR: Ócios do Ofício Editora, 1997. GROSSA, Prefeitura Municipal de Ponta. ‘Rua na Arte’ acontece neste sábado. Disponível em: <http://www.pg.pr.gov.br/node/1500> Acesso em: 01/nov./2009. NEWS, JM. Cultura “Essências” entra em cartaz na Galeria de Artes da Proex. Publicado em: 22/07/2008, 16:07. Disponível em <http://64.233.163.132/search?q= cache: la1nE0rMQ8gJ:www.jmnews.com.br/index.php%3Fsetor%3DNOTICIAS%26nid%3D 5141+Cultura+%22Ess%C3%AAncias%22+entra+em+cartaz+na+Galeria+de+Artes +da+Proex&hl=pt-BR&client=firefox-a&strip=0> Acesso em: 01/nov./2009. PIRES, Jerusa Ferreira. Relação do objeto e sujeito. DLP1: Ambientes midiáticos e processos culturais: cultura das bordas, comunicação, edição, leitura. 08/out./2009. Notas de aula. Gravação. PIRES, Jerusa Ferreira. Bordas. DLP1: Ambientes midiáticos e processos culturais: cultura das bordas, comunicação, edição, leitura. 03/set./2009. Notas de aula. Gravação. UEPG. Obras que refletem a cultura do povo grego tem exposição na galeria de artes da Proex. Disponível em: < www.tibagi.uepg.br/uepgnoticias/noticia.asp?Page=6798> Acesso em: 01 nov 2009
A ESCOLA NO ACERVO DO PROGRAMA NACIONAL BIBLIOTECA DA ESCOLA - PNBE/2006 Aryádnee Espindola Ortega ALVES1 Célia Regina Delácio FERNANDES 2 RESUMO Este trabalho se debruça sobre um conjunto de dez obras de literatura infantojuvenil, compradas e distribuídas às escolas públicas cadastradas no censo escolar, pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE no ano de 2006. Com a finalidade de analisar a maneira como a escola é representada nas narrativas selecionadas, a pesquisa discute as seguintes categorias: a construção do espaço escolar, imagens de professores e de ensino. Palavras-chave: 1) Literatura infantojuvenil; 2) Escola; 3) PNBE/2006. ABSTRACT This article focuses on a set of ten works of literature for children, bought and distributed to public schools enrolled in the school census, by the National School Library - PNBE in 2006. In order to examine how the school is represented in these narratives, discussing the following categories: construction of school; images of teachers and teaching. Keywords: 1) juvenile literature, 2) School, 3) PNBE/2006.
1. INTRODUÇÃO As representações de escola veiculadas nos textos verbais das obras de litera1
tura infantojuvenil, compradas e distribuídas às escolas públicas no ano de 2006, pelo Programa Nacional Biblioteca na Escola – PNBE, servem como temática para
Graduanda em Letras com habilitação em Português/Literatura, pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Bolsista de iniciação científica pelo PIBIC/CNPq da UFGD. E-mail: aryadnee_espindola@hotmail.com. 2 Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual Paulista - UNESP (1990), Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade Estadual Paulista - UNESP (1996) e Doutora em Teoria e História Literária pela Universidade de Campinas - UNICAMP (2004). Professora da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). E-mail: celwal@terra.com.br.
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a realização deste artigo. O PNBE, responsável por selecionar e organizar essas obras, foi criado pelo MEC no ano de 1997 com o objetivo de formar leitores e incentivar a descoberta de novos mundos e culturas por meio da leitura. No ano de 2006, o programa selecionou e distribuiu 225 obras de literatura infantojuvenil para as escolas. Para participar do processo de avaliação e seleção, foram aceitas obras de literatura voltadas para leitores das séries finais do Ensino Fundamental. Segundo o edital, a avaliação e a seleção dessas obras tiveram por objetivo “proporcionar a esses educandos o acesso a textos que contribuam para a reflexão sobre a realidade, sobre si mesmos e sobre o outro, desenvolvendo a percepção do jovem e ampliando suas referências estéticas, culturais e éticas.” (BRASIL, 2006, p. 14). Para compor o acervo do PNBE/2006, foram selecionadas obras com temáticas diversificadas, de diferentes contextos sociais, culturais e históricos. De acordo com os critérios de seleção (BRASIL, 2006), essas obras devem estar adequadas à faixa etária e aos interesses dos alunos. Nesse sentido, foram observadas as adequações às expectativas do público e a possibilidade de ampliá-las, assim como as perspectivas e referências do universo juvenil por meio da exploração artística dos temas e da faculdade de incitar novas leituras, evitando didatismos ou moralismos, preconceitos, estereótipos ou discriminação de qualquer ordem. Após a leitura dessas obras, foram selecionadas as dez mais significativas para
constituir o corpus do trabalho: Menino Grapiúna de Jorge Amado; O Meu Amigo Pintor de Lygia Bojunga; Difícil Passagem de Francisco Gregório Filho; Um estranho sonho de futuro: casos de índio de Daniel Munduruku; Irakisu: O Menino Criador de René Kithãulu; Depois daquela viagem de Valéria Piassa Polizzi; O mistério do caderninho preto de Ruth Rocha; Tajá e sua Gente de José J. Veiga; O Nariz de Luís Fernando Veríssimo e Rio Liberdade, uma aventura no pantanal de Werner Zotz. A escola foi eleita como tema desta pesquisa porque, como afirma Fernandes (2007, p. 2), é o local responsável pelo surgimento da produção literária para crianças, além de garantir sua circulação e consumo: [...] a literatura infanto-juvenil, desde sua gênese até os dias atuais, sempre dependeu da mediação escolar para manter aquecido seu mercado. A instituição escolar tornou-se o principal espaço de circulação e de consumo do gênero, promovendo a chamada escolarização do texto literário. A aliança estabelecida entre literatura infanto-juvenil e escola faz com que parte significativa da crítica não considere a primeira como arte, devido ao compromisso pedagógico que a instrumentaliza para veicular valores morais.
Em vista disso, o objetivo deste artigo é analisar as imagens de escola presentes nas obras que compõem o acervo do PNBE – 2006 e examinar se essas narrativas conseguem romper com os históricos vínculos entre literatura infantojuvenil e escola. Di-
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ante da recorrência e importância do tema escolar nesse gênero, esta pesquisa pretende contribuir em dois aspectos: social e acadêmico. No âmbito social, pretende-se estudar como a escola é representada pela literatura infantojuvenil, procurando possíveis imagens desta instituição, para compreender as relações entre a produção literária destinada ao público de menor idade e a escola. Em relação à relevância acadêmica, tem-se como objetivo contribuir com o avanço das pesquisas nessa área, pois de acordo com o levantamento feito por Fernandes (2007) ainda existe um número pequeno de estudos que mostram como a literatura vê a escola. Para tanto, no corpus selecionado foram discutidas algumas categorias dispostas nas seguintes sessões: a construção do espaço escolar; imagens de professores e imagens de ensino. 2. A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO ESCOLAR O que se vê é um clima de opressão e medo, um mundo masculino, rígido e hierarquizado, onde professores severos impõem sua vontade usando de autoritarismo e aplicando castigos corporais com ou sem motivo. (SILVA, 2008, p. 23).
Ao analisar o corpus em questão, foram observadas a construção do espaço escolar e, cosequentemente, as visões em relação às escolas representadas nessas obras. Ressaltam-se a predominância de descrições psicológicas e de visões dicotômicas do ambiente escolar.
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Em sua autobiografia, Menino Grapiúna, Jorge Amado retrata sua infância, desde o nascimento no ano de 1912 até a sua adolescência. O escritor passou a maior parte no sertão da Bahia e dois anos num internato, no colégio dos jesuítas, onde foi obrigado a estudar. O espaço físico dessa instituição é representado pelo autor como prisão, encarceramento, limitação e sensação de sufoco. A representação negativa da escola pode ser percebida na visão de um local com inúmeras regras e imposições de limites: “Essa mesma sensação de sufoco, de limitação, eu voltaria a sentir mais de uma vez no decorrer de minha vida.”. (AMADO, 2006, p. 109). Observa-se, na narrativa, que essa representação não é construída somente pelo espaço físico, já que se trata de um internato, mas também pela descrição psicológica relatada pelo autor: “Fui admitido numa espécie de Círculo Literário onde brilhavam alunos mais velhos. Nem assim deixei de me sentir prisioneiro, sensação permanente durante os dois anos em que estudei no colégio dos jesuítas.” (AMADO, 2006, p. 128). Esse tipo de instituição — internato — remete ao estabelecimento de uma educação vigiada, problematizada por Foucault (1997), realizada pela prática disciplinar que instaura um novo tipo de poder capaz de adestrar os comportamentos individuais por meio de um padrão de normalidade. Em Rio Liberdade — uma aventura no Pantanal (ZOTZ, 2006) Moreno, um garoto de 12 anos visita o pantanal com seus pais que, ao voltarem para casa, morrem de acidente. A irmã de sua mãe luta na justiça para ficar com sua guarda. Jondira,
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sua tia materna, ganha a causa e matricula Moreno em um internato para deficientes físicos. Ao ir para o internato, ele relata o sentimento de solidão e sufocamento, não somente por estar numa cadeira de rodas, mas também por se tratar de um lugar fechado: “Podia ser bom aqui. Tem comida, aula, física, cama boa, diversão pra todos os gostos. Mas não é: falta liberdade, carinho... Nem é do meu querer viver aqui!” (ZOTZ, 2006, p. 37). No texto ficcional, o protagonista consegue escapar do adestramento institucional ao fugir em direção ao Pantanal e viver muitas aventuras, descobrindo os prazeres da natureza e da liberdade. A questão do deficiente, abordada por Zotz, também aparece na obra Tajá e sua gente (VEIGA, 2006): Tajá era um garoto que vivia em uma cadeira de rodas. Todos, em sua cidade, se compadeciam da sua situação inclusive na escola, onde seus amigos ficavam sempre à sua disposição para tudo. Em decorrência disso, ele se sentia um estorvo, sentimento que o levou a abandonar a escola: — Alguém caçoou de você na escola? Maltratou? — disse a mãe — e Tajá respondeu: — Pelo contrário. E é isso mesmo que está me cansando. Não agüento mais tantas delicadezas. Pensam que sou de louça. Chega mãe. Sabe que a minha sala é a única que ninguém faz molecagens? — E isso não é bom? — Acho não. (VEIGA, 2006, p. 10).
A consequência da prática do precon-
ceito diante do diferente na escola é pontuada em uma obra do corpus da pesquisa de Fernandes (2007, p. 11) “A escola, como lugar onde se pratica o preconceito com o diferente, marca sua adolescência e transforma a personagem em um ser tímido e fechado”. A diferença é que aqui Tajá era alvo de um preconceito implícito, pois seus colegas o tratavam dessa maneira somente pelo fato de ele ser portador de necessidades especiais e não por eles serem tão comportados ao ponto de não fazerem molecagens durante a aula. Como se pode notar, essas três obras se inter-relacionam por abordarem uma importante questão: a liberdade, ou melhor, a falta dela. O narrador-personagem Jorge (AMADO, 2006) encontra, nos livros, as chaves da libertação. Libertação de uma instituição escolar que, para ele, era vista como uma prisão: “No colégio dos jesuítas, pela mão herética do padre Cabral, encontrei nas Viagens de Gulliver, os caminhos da libertação, os livros abriram-me as portas da cadeia [...]”. (AMADO, 2006, p. 110). Para Moreno (ZOTZ, 2006), a liberdade se encontrava em andar, ficar em pé novamente, libertar-se daquele internato e ir direto para o Pantanal viver suas aventuras: “[...] Ser livre é muito importante... é a coisa mais importante da vida! Tem gente que até morre, pra não deixar de acreditar nisso, e pra que outros possam ser livres.” (ZOTZ, 2006, p. 24). Já para Tajá (VEIGA, 2006) a liberdade consistia em independência, não ter a necessidade de depender dos outros para fazer tudo. O despreparo da escola em lidar com a inclusão do deficiente ocasiona a evasão escolar do personagem, que
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desiste de frequentar a escola porque se sentia um estorvo, com todas as boas maneiras e cuidados para com ele: Todo mundo na escola era solícito demais com ele, sempre querendo ajudar mais do que o necessário, a professora cheia de dedos para corrigir os erros dele, os colegas muito comportados para ele não ficar com inveja das travessuras que eles pudessem fazer. Com tantas delicadezas bem-intencionadas, ele foi se sentindo um estorvo, e desistiu. (VEIGA, 2006, p. 10).
No corpus selecionado pode-se, ainda, observar visões positivas das escolas representadas em algumas obras como, por exemplo, em Depois daquela viagem (POLIZZI, 2006). Trata-se de uma autobiografia que tematiza a AIDS: a autora era uma garota de classe média alta, filha de pais separados, e contraiu a doença ao transar pela primeira vez (e sem camisinha) na adolescência. Isso aconteceu por volta do ano de 1989, época em que a AIDS era vista com muito preconceito. Mas, apesar das dificuldades, Valéria aprendeu a conviver com a doença: [...] Hoje passo horas lembrando de tudo. Da gente sentado no fundo da classe fazendo zona; eu chutando a carteira da Pri gorda em dia de prova, para ela me passar cola; a Dé fazendo xixi na calça quando não conseguia parar de rir; o Cris, magrelo, sempre fazendo palhaçada [...]. A Gabi e a Mari, as irmãs mais loucas do colégio que eram do outro terceiro ano. Os nerds, os ‘cdf ’, os professores, a via-
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gem ecológica para arrecadar dinheiro para a formatura. Eu e a Dé cabulando aula para ir de classe em classe fazer a campanha para vender os convites. (POLIZZI, 2006, p. 17).
Em várias passagens, a narrativa apresenta o convívio da protagonista com os colegas de turma, as lembranças do tempo da escola. A instituição, nessa obra, é mostrada como um lugar de interação entre os colegas, assumindo a função de pano de fundo. Em pesquisa sobre a temática escolar em obras infantojuvenis, Felicíssimo (1992, p. 37) distingue duas funções para a análise do espaço escolar: “fator atuante” — influenciador de ações — e “pano de fundo” — elemento estático de pequena relevância. Felicíssimo aponta para o fato de a escola ser representada na literatura infantojuvenil na maioria das vezes como mero pano de fundo. Constata-se que no corpus deste artigo essa função ocorre em nove obras analisadas. A narradora-personagem de Depois daquela viagem (POLIZZI, 2006) ainda comenta que o tempo de permanência na escola é um dos fatores para fazer grandes amizades: “- Entendo. Eu também acho que os meus melhores amigos são os que eu fiz na escola. Também até agora com quase vinte anos a única coisa que a gente faz é ir pra escola.” (POLIZZI, 2006, p. 126). Assim como na obra de Polizzi, em O Meu Amigo Pintor (BOJUNGA, 2006), ao contar a história de um garoto chamado Cláudio, a narrativa mostra o seu convívio na escola e a função do espaço aparece como pano de fundo: “Eu te-
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nho um colega na escola, sabe, a gente é amigo. Só que não é amigo toda a vida, do jeito que eu era do meu Amigo Pintor [...] E ontem no recreio a gente conversou de coração.” (p. 48). Na perspectiva do espaço escolar como influenciador de ações, percebe-se em O mistério do caderninho preto (ROCHA, 2006) a escola como um lugar de interação entre os alunos, todavia, o cotidiano escolar é a inspiração para a produção de um livro que a personagem principal, Maria Emília, gostaria de escrever. É durante as aulas, ou intervalos, que a narrativa se desenvolve: Era difícil até dar uma olhada na sala dos professores. Mas um dia eu e o Pedro subimos e ficamos no corredor, perto da sala para ver se descobríamos alguma coisa. O máximo que pudemos observar foi que o Geléia, o professor Romário, estava namorando a Gertrude, a professora de educação física; que o Manuel, de matemática, também tinha um caderninho... (ROCHA, 2006 p. 22).
Embora não sejam explícitos, a narrativa mostra trechos em que se pode deduzir que a escola é o espaço onde os diálogos ocorrem como, por exemplo, em uma conversa entre Maria Emília e Pedro: “¯ Não sei mais escrever, perdi o jeito — eu disse para o Pedro, quando encontrei com ele na escola.” (ROCHA, 2006, p. 21). Em linhas gerais, a escola é representada de forma negativa em quatro obras (VEIGA, 2006; ZOTZ, 2006; AMADO, 2006; VERÍSSIMO, 2006), mas existem outras seis (BOJUNGA, 2006; FILHO,
2006; KITHÃULU, 2006; MUNDURUKU, 2006; ROCHA, 2006 e POLIZZI, 2006) em que, embora apareça como pano de fundo, ela se apresenta como um lugar bom para as amizades retratando, em várias passagens de forma positiva, o convívio entre os alunos. Em Difícil Passagem (FILHO, 2006), a escola é vista como lugar de convivência. Já em O Nariz (VERÌSSIMO, 2006) ela é representada de maneira negativa em decorrência de o personagem principal relembrar seus momentos vividos em sala com muito desgosto. E duas obras Irakisu: O Menino Criador (KITHÃULU, 2006) e Um estranho sonho de futuro: casos de Índio (MUNDURUKU, 2006) mostram a escola de forma positiva na medida em que tratam da pluralidade cultural e a importância da escola é percebida em ambas as narrativas, quando, por exemplo, Daniel Munduruku visita a escola para levar às crianças um pouco de sua cultura (MUNDURUKU, 2006, p. 66): “Uma vez fui a uma escola conversar com as crianças sobre os indígenas do Brasil. Gosto de fazer isso porque acredito que as crianças e os jovens são mais fáceis de mudar seu pensamento que os adultos. [...]”. Também na obra de KITHÃULU (2006, p. 33) percebe-se o papel fundamental da escola dentro de uma aldeia: “[...] Hoje na minha aldeia, há escola para crianças estudarem. Fico contente que muitas comunidades indígenas estejam fazendo um bom trabalho dentro de suas aldeias na área da educação e da saúde...”. A visão de escola também pode ser construída a partir da descrição do espaço escolar. Em algumas obras, no entanto, o espaço escolar não foi encontrado de for-
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ma explícita no texto. Em Difícil Passagem (FILHO, 2006) o espaço escolar é descrito com a função de mostrar o lugar ocupado pelos meninos na sala de aula: “[...] A sala de aula era relativamente grande e dispunha de três blocos de carteiras, um central e dois laterais. A maioria dos meninos sentava no bloco central.”(FILHO, 2006 p. 13), Ou seja, é representado apenas o espaço físico da sala de aula. Numa perspectiva diferente, a obra Tajá e sua Gente (VEIGA, 2006), além de destacar o fato de a mãe de Tajá ser sua mediadora de leitura, problematiza a estrutura do espaço escolar para acessibilidade do aluno deficiente: Tajá aprendeu a ler em casa com a mãe, depois fez um ano de escola, mas no começo do segundo ano desistiu. Naquele tempo ele ainda não tinha o carro, e achou que estava dando muito trabalho, só podia ir à escola carregado e lá ainda tinham que subir uns degraus de escada. A diretora da escola tinha arranjado com o prefeito uma carteira especial para ele, onde ele ficava recostado como em cama de hospital. (VEIGA, 2006, p.10).
Percebe-se, nessa passagem, a dificuldade que o protagonista encontra em relação às suas necessidades não atendidas pela escola onde frequenta e isso se torna motivo para a evasão escolar. Para resolver esse problema, o Ministério da Educação — MEC discute e aponta como a escola deve agir diante dessa situação:
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Na perspectiva da educação inclusiva, o foco não é deficiência do aluno e sim os espaços, os ambientes, os recursos que devem ser acessíveis e responder a especificidade de cada aluno. Portanto, a acessibilidade dos materiais pedagógicos, arquitetônicos e nas comunicações, bem como o investimento no desenvolvimento profissional, criam condições que asseguram a participação aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/ superdotação. Vivemos um tempo de transformação de referências curriculares, que indicam que não cabe ao aluno se adaptar à escola tal como foi construída; a escola é que deve se reconstruir para atender a toda a sua comunidade, da qual fazem parte pessoas com e sem deficiência. Portanto, são necessárias as adaptações nos espaços e nos recursos e principalmente uma mudança de atitude, que já reflitam a concepção de desenho universal, não só na estrutura física das escolas, como também no desenvolvimento das práticas de ensino e aprendizagem e nas relações humanas. (BRASIL, 2006, s. n.)
De acordo com documento governamental, a própria escola é responsável pela inclusão e permanência do deficiente físico, ou seja, ela deve adaptar-se à necessidade de cada aluno, não somente em relação à estrutura, mas também em suas práticas pedagógicas. Como se pode constatar, a construção do espaço escolar no corpus aponta visões tanto negativas quanto positivas,
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variando entre estrutura e ambiente, ou seja, seu aspecto físico e o de convivência. Vale ressaltar que a única representação da estrutura escolar que interfere negativamente no aprendizado do personagem ocorre em Tajá e sua Gente (VEIGA, 2006), pois o protagonista foi desestimulado a continuar estudando. Nesse sentido, a obra inova ao indicar novos caminhos para a questão da inclusão do deficiente na escola. 3. IMAGENS DE PROFESSORES Professores carrascos, aplicando penalidades de ajoelhar sobre grãos de milho, desfilar na rua com orelhas de burro sob a vaia dos colegas, ou aplicar bolos com a palmatória também pertencem a um deplorável passado arcaico. Mas a realidade — e não tanto a literatura — ainda nos revela a existência de professores mal vocacionados, que mantém seus alunos entregues a intermináveis tarefas de estudo e exercícios escritos em sala, para que possam ler com tranqüilidade seus jornais ou revistas. (SILVA, 2008, p. 30).
Em seus estudos sobre a escola na literatura infantojuvenil, Silva (2008) critica atitudes de professores que ainda usam métodos severos de castigos, alegando pertencer a um “passado arcaico”. A crônica “Santinho”, da coletânea O Nariz (VERÍSSIMO, 2006), narra sobre as lembranças de um rapaz do seu tempo de escola, de suas aulas e professoras. Essas evocações apresentam uma visão negativa da professora:
[...] Elas podiam ser boas e até maternais, mas decididamente não eram nossas tias. A Dona Ilka não era maternal. Era uma mulher pequena com um perfil de passarinho. Um pequeno passarinho loiro. E uma fera. Eu era um aluno “bem-comportado”. Era um vagabundo, não aprendia nada, vivia distraído. Mas comportamento, 10. Por isto até hoje faço verdadeiras faxinas na memória, procurando embaixo de tudo e em todos os nichos a razão de ter sido, um dia, castigado pela Dona Ilka. Alguma eu devo ter feito, mas não consigo lembrar o quê. O fato é que fui posto de castigo [...] (VERÍSSIMO, 2006, p. 34).
Essa passagem mostra o trauma do protagonista que, segundo ele, foi causado pela sua professora D. Ilka. Ele afirma nem saber ao menos o motivo dos castigos que recebia já que era um aluno exemplar em seu comportamento. Enquanto, nessa obra, aparece uma imagem de professora “traumatizante”, é possível encontrar outra imagem, a da professora sedutora, em Difícil Passagem (FILHO, 2006). O protagonista é Chico, autor do livro, que gostava de namorar escondido com as garotas, porque estava no auge da puberdade, com fantasias e desejos típicos dessa fase. Quando cresceu, viuse na necessidade de trabalhar, ‘virar homem’, como sempre dizia. Formado em Contabilidade, Chico se identificou com a leitura, frequentou por muito tempo a Casa do Estudante. Foi proprietário de uma pequena fábrica de pipas e tornouse contador de histórias, lendo pelas escolas, centros culturais, hospitais e vários lu-
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gares. A representação da professora enfoca a sensualidade, descrevendo a corporalidade feminina de maneira visível e atraente como se pode observar nessa citação: Conjugue o verbo ser no mais-queperfeito, ordenou sua professora Val. Mulher de formas cheias, coxas grossas, olhar determinado e muito cheirosa, cada dia com um perfume diferente [...] A sala de aula era relativamente grande e dispunha de três blocos de carteiras, um central e dois laterais. A maioria dos meninos sentava no bloco central. É que a mesa da professora era vazada, ou seja, sem o tampo da frente, e Chico ficava de olho nas coxas dela. Como ela usava saias sempre justas e com aquelas coxas muito grossas, ele só conseguiu enxergar o ponto em que elas se encostavam. A torcida era grande, mas dificilmente conseguiria saber a cor da calcinha de Val. [...] A professora era mesmo um tipo diferente de fêmea. Atraía muito os olhos dos meninos e exercia força e carisma sobre todos, mesmo sendo muito autoritária. Por isso, como professora, não chegava a ser perfeita. Assim pensavam seus alunos. Como conjugar o verbo ser no ‘mais-que-perfeito’ se a mestra era um ser ‘quase perfeito’? (FILHO, 2006, p. 13-14).
A atração pela professora jovem e sedutora é discutida por Fernandes (2007b, p.50), em um artigo sobre a representação de professoras na literatura infantojuvenil, que problematiza a ques-
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tão da erotização da professora veiculada em dez obras representativas, produzidas nas últimas décadas do século XX: “chama a atenção o fato de que a construção da professora como um ser sexuado, que desperta paixões e/ou também sente desejo” [...]. A autora afirma que há uma ruptura histórica do compromisso com a pedagogia quando se trata da professora na literatura infantojuvenil atual, porque ela deixa de ser representada como uma segundamãe e passa a ser construída de maneira sexuada. No fragmento já mencionado (FILHO, 2006, p. 13-14) fica clara a questão da sexualidade na imagem da professora relatada pelo protagonista Chico, cujo foco é de alguém que se encontra no auge da puberdade. Com efeito, em Difícil Passagem todas as mulheres são representadas com um certo ar de sensualidade, embora muito respeitadas, os alunos sempre as olhavam como objeto de desejo. Não se pode, no entanto, deixar de discutir o relevante papel do professor diante do processo de formação do alunoleitor. Nesse sentido, Silva (2008, p. 33) afirma: “Para falar em literatura na escola, há que se falar primeiro em leitura e em quem a promove.”. Realmente, não há como falar de leitura sem não mencionar seus mediadores, ou seja, os responsáveis pela formação dos futuros leitores. Como lembra Marisa Lajolo (2005, p.12) o professor “é a figura-chave para que a leitura chegue às mãos, aos olhos e ao coração dos alunos.” No corpus um modelo exemplar de mediador é o Padre Cabral (AMADO, 2006) cuja representação é muito interessante,
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porque em um colégio jesuíta o padreprofessor usava métodos de ensino que não tinham nada de ortodoxos e, portanto, era adorado por seus alunos: “despertava nossa sensibilidade, retirando-nos do poço da gramática portuguesa, para a sedução da literatura das palavras vivas e atuantes. As aulas de português adquiriram outra dimensão” (AMADO, 2006, p. 122). Apesar das representações negativas em relação ao espaço escolar, a imagem de professor é valorizada pelo narrador, é possível observar o papel do professor como um promotor da leitura e do prazer que essa atividade proporciona. Outra representação digna de nota do professor ocorre em Depois daquela viagem de Polizzi (2006, p.274): “A Dé me puxou e me levou até a Ignês, nossa professora de literatura. Uma morena baixinha, que segurava nossa classe como ninguém. E teve a proeza de nos fazer, aos dezesseis anos de idade, adorar Machado de Assis, com seus debates instigantes”. O trecho mostra a capacidade da professora em fazer com que seus alunos, no auge da adolescência, se tornassem leitores e adoradores de um dos maiores escritores de todos os tempos: Machado de Assis. Ou seja, a professora de literatura revela-se um exemplo de mediadora de leitura. Nessa perspectiva, Silva (2008) afirma a importância da ação do professor diante da promoção de leitura para com seus alunos, mostrando a eles que, existe todo um processo de construção, não esquecendo o compromisso que o professor deve assumir:
Se o professor despertar a atenção do jovem leitor para a relação que existe entre o processo de construção do texto e seu significado, ele será capaz de apreciar mais intensamente as obras que ler e, mais do que isso, será capaz de prosseguir em seu percurso de leitor sozinho. Para que isso possa acontecer, porém, é preciso que o professor se assuma de fato como docente, ou seja, aquele que conduz. [...] (SILVA, 2008, p. 45)
Como se vê, as imagens de professores representadas têm uma variação entre positivas e negativas. Em duas das obras citadas nesse tópico (AMADO, 2006; POLIZZI, 2006) existem exemplos de mediadores da leitura, enquanto nas outras duas (VERÍSSIMO, 2006; FILHO, 2006) somente aparecem seus aspectos físicos e psicológicos. Em O mistério do caderninho preto (ROCHA, 2006) eles são descritos pela sua aparência física e pelas práticas pedagógicas. Destaca-se, no entanto, que nas obras Rio Liberdade: uma aventura no Pantanal (ZOTZ, 2006), Tajá e sua Gente (VEIGA, 2006), O Meu Amigo Pintor (BOJUNGA, 2006), Irakisu: O Menino Criador (KITHÃULU, 2006) e Um estranho sonho de futuro: Casos de Índios (MUNDURUKU, 2006) não há representações de professores. 4. IMAGENS DE ENSINO Para muitos alunos, o hábito de estudar advém de certa obrigatoriedade que a escola impõe. Muitos gostam de ler porque tiveram de fazê-lo na esco-
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la, outros, apreciam as pesquisas porque os mestres as solicitaram. Diversos jovens valorizam o estudo porque foram positivamente conscientizados: houve estímulos, cobranças e recompensas. A escola tem de ser sedutora, promover um jogo e recompensar pequenas e grandes vitórias; sem esta força propulsora, poucos optarão livremente por ela. (FELICÍSSIMO, 2007 p.133).
Na epígrafe, a autora afirma que a escola como promotora do gosto pela leitura se torna um espaço de formação de leitores na medida em que ela seja capaz de conscientizar positivamente seus alunos, ou seja, fazer com que eles passem a considerar a leitura como algo prazeroso e de fundamental importância para a aquisição do conhecimento. As imagens de ensino encontradas em três obras são de muita relevância para a compreensão de algumas práticas significativas na trajetória dos alunos. Nota-se que Menino Grapiúna (AMADO, 2006) mostra uma inovação da prática pedagógica usada pelo professor: Em lugar de nos fazer analisar Os Lusíadas, tentando descobrir o sujeito oculto e dividir as orações, [...] fazendo-nos odiar Camões, o padre Cabral, para seu deleite e nosso encantamento, declamava para os alunos episódios da epopéia. [...] Patriota, desejava sem dúvidas nos fazer conscientes da grandeza de Portugal [...]. Obtinha bem mais que isso: despertava nossa sensibilidade, retirandonos do poço da gramática portuguesa,
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para a sedução da literatura das palavras vivas e atuantes. As aulas de português adquiriram outra dimensão. (p. 121-122).
Apesar de a citação indicar a inculcação de valores patrióticos, a leitura-fruição que o professor realiza com seus alunos, é uma maneira diferente de fazer com que eles se interessem pela matéria e percebam o encantamento que a literatura pode proporcionar: Padre Cabral levara os deveres para corrigir em sua cela. Na aula seguinte, entre risonho e solene, anunciou a existência de uma vocação autêntica de escritor naquela sala de aula. Pediu que escutassem com atenção o dever que ia ler. Tinha certeza, afirmou que o escritor daquela página seria no futuro um escritor conhecido. Não regateou elogios. Eu acabara de completar onze anos. (AMADO, 2006, p. 128).
Desse modo, a maneira de fazer com que os alunos se interessem pela aprendizagem é elogiar trabalhos, fazer com que se sintam capazes de realizar qualquer tarefa. Na obra de Amado mesmo se tratando de um internato, admira-se o seguinte fato: foi nessa instituição que um dos autores contemporâneos mais conhecidos hoje foi revelado, e o mais importante, incentivado. Jorge Amado, ao redigir seu primeiro dever dado pelo padre Cabral, descobriu seu talento de escrever. O interessante é que esse talento não foi ignorado pelo professor e pela instituição, muito pelo contrário, ele foi muito esti-
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mulado. Tais práticas também são assinaladas no resultado da pesquisa de Felicíssimo (1992, p.133-134): “Atividades extra-classes, aulas práticas, trabalhos de campo, [...] podem, também, servir de forças propulsoras que estimulam o hábito de estudo. Que delícia é realizar um experimento a contento! Que bom ver a redação elogiada pela classe.” Outra imagem de ensino considerada relevante no corpus é apontada em Um estranho sonho de futuro: casos de índio de Daniel Munduruku (2006), indicando a questão da pluralidade cultural: Uma vez fui a uma escola conversar com as crianças sobre os indígenas do Brasil. Gosto de fazer isso porque acredito que as crianças e os jovens são mais fáceis de mudar seu pensamento que os adultos. Tinha sido convidado pela diretora e por isso me dirigi a ela quando cheguei à escola. Estava vestido normalmente e nada em mim era de espantar ou causar constrangimento. Aliás, sempre fiz questão de conversar com as crianças desse jeito porque assim elas poderiam ver a transformação acontecendo e aprender que há muitas formas de ser índio hoje no Brasil. Alguns dias antes de ir até a escola contei para a diretora, em detalhes, o que iria fazer e disse-lhe que não se preocupasse porque tudo sairia de acordo com o combinado. (MUNDURUKU, 2006, p.66).
Pluralidade Cultural diz respeito ao conhecimento e a valorização de características étnicas e culturais dos diferentes grupos sociais que convivem no território nacional [...].” (BRASIL, 1998, p. 121). A pluralidade cultural também está presente em Irakisu: O Menino Criador (KITHÃULU, 2006), em que se pode observar a preocupação em levar a cultura indígena para outros povos por meio das histórias da tradição oral: Quero contar, neste livro, algumas histórias do meu povo para vocês, histórias que escrevo com todo o coração. É uma maneira de eu chegar até sua escola ou casa e começarmos uma amizade. Quem sabe um dia a gente se encontra na sua escola ou no sítio onde trabalho com as crianças. (KITHÃULU, 2006, p.7).
René Kithãulu relata a maneira como o ensino é tratado na aldeia onde ele mora, fazendo com que seus leitores se interessem pelos costumes de seu povo e que, ao mesmo tempo, saibam que a educação nas aldeias é muito bem trabalhada. Como é possível observar, apenas três dos dez títulos do corpus trazem imagens de ensino consideradas relevantes para esta pesquisa, pois abordam, além de temas transversais, práticas pedagógicas inovadoras. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em consonância com os temas transversais propostos pelos PCN’s, a Pluralidade Cultural refere-se ao conhecimento sobre outras etnias, outros povos: “A temática da
Ao longo do trabalho, baseado em algumas pesquisas realizadas acerca da temática escolar na literatura infantoju-
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venil, foi possível constatar que boa parte das representações da escola no acervo do Programa Nacional Biblioteca da Escola — PNBE/2006 mostram uma visão crítica da escola em detrimento de uma visão apologética. Em linhas gerais, observa-se que as imagens negativas presentes em 40% das narrativas expõem alguns problemas que apontam para contradições na aliança entre a literatura infanto-juvenil e a escola, conseguindo romper, em grande medida, com os vínculos históricos entre literatura e instituição escolar. Nota-se, ainda, que 60% das narrativas representam positiva-
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mente a escola ao retratá-la como um local de convivência e aprendizagem, onde os alunos encontram alegria e estímulos para a aquisição de conhecimento, de crescimento cultural e intelectual. No balanço geral, a análise das obras aponta para uma postura crítica das atuais relações entre literatura infanto-juvenil e escola, embora ainda revele problemas a serem superados. Apesar disso, é inegável o amadurecimento do gênero na primeira década do século XXI ao tratar de temas polêmicos e inovadores, procurando contribuir para a formação de leitores mais abertos e reflexivos.
REFERÊNCIAS
Corpus AMADO, Jorge. Menino grapiúna. Il. Floriano Teixeira. Rio de Janeiro: Best Seller, 2006. BOJUNGA, Lygia. O meu amigo pintor. Il. Vilma Pasqualini. Rio de Janeiro: Casa Lygia Bojunga, 2006. FILHO, Francisco Gregório. Difícil passagem. Contagem: Santa Clara, 2006. KITHÃULU, René. Irakisu: O menino criador. Il. do autor e das crianças Nambikwara. São Paulo: Peirópolis, 2002. MUNDURUKU, Daniel. Um estranho sonho de futuro: casos de índio. H: Andrés Sandoval. São Paulo: FTD, 2006. POLIZZI, Valéria Piassa. Depois daquela viagem. Il. ed., São Paulo: Ática, 1998. ROCHA, Ruth. O mistério do caderninho preto. Il. Cárcamo. São Paulo: Ática, 2007. VEIGA, José J. Tajá e sua gente. Il. Raul Fernandes. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. VERÍSSIMO, Luís Fernando. O nariz. São Paulo: Ática, 2006. ZOTZ. Werner, Rio Liberdade, uma aventura no pantanal. H. Andrés Sandoval. ed. rev. atual. Florianópolis: Letras brasileiras, 2006.
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Obras gerais BRASIL. Ministério da Educação. Como está sendo feita a inclusão de alunos com deficiência que nunca tiveram contato com as classes regulares? É necessário algum tipo de adaptação? Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view =article&id=112&Itemid=86.> Acesso em 20 jul. 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Edital de convocação para inscrição de obras de literatura no processo de avaliação e seleção para o Programa Nacional Biblioteca da Escola – PNBE/2006. Brasília, DF, 09 de fevereiro de 2006. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. FELICÍSSIMO, Maria Cristina Pupo. A “escola” na literatura infanto-juvenil contemporânea brasileira. 163 f. Dissertação (Mestrado em Didática) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1992. FERNANDES, Célia Regina Delácio, Leitura, literatura infanto-juvenil e educação. Londrina: EDUEL, 2007. ______. Quem é a professora na literatura infanto-juvenil? In: Raído: Revista do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFGD. n. 1 (2007). Dourados, MS: UFGD, 2007b. p.43-53. FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Lígia M. Ponde Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1977. LAJOLO, Marisa. Meus alunos não gostam de ler... o que eu faço? Campinas: Rever Produção Editorial, 2005. SILVA, Vera Maria Tietzmann. Literatura infantil brasileira: um guia para professores e promotores de leitura. Goiânia: Cânone Editorial, 2008. SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. Ela ensina com amor e carinho, mas toda enfezada, danada da vida: representações da professora na literatura infantil. In: Educação e realidade, Porto Alegre, v.22, n.2, p.146-161, jul./dez. 1998.
EMPODERAMENTO DA MULHER NA POLÍTICA Loreci Gottschalk NOLASCO1 Jatene da Costa MATOS2
RESUMO A mulher sempre teve um papel secundário na vida política e social e ainda hoje sofre discriminações ao tentar o ingresso na política do país. Mesmo com as políticas de apoio, elas não são nem 12% dos nossos representantes no Parlamento. Para aumentar a participação das mulheres nos órgãos oficiais de tomada de decisões, será preciso também aumentar seu impacto no processo de tomada de decisão, para que desta forma haja o efetivo empoderamento pela ação coletiva desenvolvida quando participam de espaços privilegiados de decisões e de consciência social dos direitos sociais. Palavras-chave: Política; Participação Feminina; Empoderamento. ABSTRACT Women have always had a secondary role in the political and social life and until today suffer discriminations on making attempts to get in the politics of the country. Although there are support politics, they do not even represent 12% of our Congress. To enhance women participation in the official decision making boards, it will also require their impact in the decision making process, so this way there will be the effective empowerment through the collective action developed when participate in privileged spaces of discussions and of social conscience of the social rights. Keywords: Politics; Feminine Participation; Empowerment.
INTRODUÇÃO O filósofo Francês Marques Condorcet, solitário feminista em época pouco iluminada, ousou defender o voto das mulheres no ensaio sobre a admissão das 1
mulheres no direito da cidade, ao afirmar que: “ou bem nenhum membro da raça humana possui verdadeiros direitos, ou bem todos temos os mesmos; aquele que vota contra os direitos de outro, quaisquer que sejam a religião, a cor ou o sexo
Mestre em Direito pela Universidade de Brasília. Professora e Coordenadora do Curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade de Dourados. 2 Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul.
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deste, está desse modo abjurando os seus”. Tal ousadia, no início da Revolução Francesa, valeu-lhe a vida, Condorcet, foi condenado à morte por Robespierre em setembro de 1793, preferiu envenenar-se em sua primeira noite como prisioneiro a ser humilhado publicamente na guilhotina. Muita água passou por baixo dessa ponte desde então. A luta foi longa e árdua. O direito de votar só chegou às francesas em 1944, no fim da Segunda Guerra Mundial. Nos Estados Unidos, esse direito chegou bem antes, porém foi uma conquista à prestação. O pioneiro foi o então território do Wyoming, em 1869. O assunto só foi, de fato, incluído na Constituição Norte-Americana em 1920. Do outro lado do globo, a Nova Zelândia foi o primeiro país a ceder à pressão das mulheres e conceder tal direito, em 1893, seguido pela Austrália, em 1902. Na Europa, a Finlândia saiu na frente, tornando legal o direito de voto às mulheres em 1906. Antes disso, desde 1886, as inglesas já travavam violenta batalha por essa conquista, que só chegou em 1918, no fim da Primeira Guerra Mundial, para aquelas com mais de 30 anos e, em 1928, para mulheres a partir de 21 anos. Portugal demorou bem mais para aceitar e adotar a participação do eleitorado feminino nos rumos políticos do país, isso só ocorreu a pouco mais de três décadas, em 1976. Na América Latina, coube ao Equador, em 1929, ser o precursor dessa conquista,
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que só chegou à Argentina em 1947, mas não antes de chegar ao Brasil. Essa foi uma das bandeiras abraçadas na Revolução de 1930 e alcançada em 1932, durante o governo de Getúlio Vargas – não por mérito do governante em questão, mas como resultado de ampla mobilização e pressão da sociedade desde décadas, segundo Almira Rodrigues a luta pelo sufrágio universal no Brasil teve inicio em 1910, com a fundação do Partido Republicano Feminino, no Rio de Janeiro, por Deolinda Daltro, e com a criação da Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher, por Bertha Lutz, em 1919, transformada em Federação Brasileira pelo Progresso Feminino em 1922. Em 1928, o direito de voto das mulheres foi conquistado no Rio Grande do Norte e depois estendido a nove estados brasileiros, até que, em 1932, foi incorporado ao Código Eleitoral e, em 1934, à Constituição Brasileira.3 De acordo com Alice Bianchini, o sufrágio representava o instrumento básico de legitimação do poder político, concentrando a luta no nível jurídico institucional da sociedade, segundo a autora: “hoje, é com alívio e esperança na formação de sociedades mais justas e democráticas que vislumbramos o trabalho de milhares de mulheres e homens ao redor do mundo, empenhados em alcançar a igualdade de oportunidades para todas as pessoas”. 4 Todavia, se engana quem acredita que tais conquistas foram simplesmente se concretizando com o passar do tempo. Na
RODRIGUES, Almira. Construindo a perspectiva de gênero na legislação e nas políticas públicas. “Cadernos 12: Estudos de Gênero. Goiânia, 2003. p. 99-112. 4 BIANCHINI, Alice. A luta por direitos das mulheres: apontamentos sobre as origens do feminismo. Revista Prática Jurídica. Brasília: Consulex, março/2009, p.25-33.
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verdade, a situação é bem complexa. Trata-se mais de um efeito montanha-russa, com altos e baixos gritantes, segundo a feminista espanhola Rosa Monteiro: “houve momentos de maior liberdade, seguidos de épocas de reação. Às vezes, o nível da repressão alcançou índices aterradores”. 5 No que diz respeito ao percentual de mulheres no Legislativo mundial, a posição do Brasil não é nada confortável, segundo o último levantamento realizado em 31 de janeiro de 2011 pela União Parlamentar6 . Entre os 188 países pesquisados, o Estado brasileiro figura em 108º lugar, o que significa baixa participação feminina na política. Nesse sentido, a partir da análise do resultado das eleições 2010, os dados do Tribunal Superior Eleitoral 7 (TSE) revelam que, apesar de o eleitorado feminino corresponder a 52% do total da população votante, a mulheres eleitas representam apenas 11, 8 % do total de vagas existentes no Senado Federal, na Câmara dos Deputados Federais e nas Assembléias Legislativas dos Estados e do Distrito Federal. Dentre as 81 cadeiras do Senado as mulheres ocupam 11, dos 513 lugares para deputado federal a participação feminina correspondeu a 46. Nas Assembléias dos Estados e do Distrito Federal a situação
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não é diferente, no Estado do Acre as mulheres conquistaram 4 das 24 cadeiras, em Roraima, Amazonas e Mato Grosso do Sul a proporção é de 2 para 24, em Rondônia o índice é de 3 para 24, no Pará 7 para 41, em Amapá de 7 para 24, no Mato Grosso 1 para 24, em Goiás a proporção é de 2 para 45, no Distrito Federal 5 para 24, em Tocantins o índice é de 4 por 24, no Rio Grande do Sul de 9 para 55, em Piauí são 5 para 24, no Maranhão 7 para 45, na Paraíba de 6 para 36, em Pernambuco 3 para 49, no Rio Grande do Norte de 3 para 24, em Alagoas 2 para 27, no Ceará o índice é de 6 para 46, na Bahia de 11 por 66, no Espírito Santo 3 para 30, em São Paulo de 12 para 94, no Rio de Janeiro 13 para 70, em Sergipe 6 para 25, no Paraná 4 para 54 e em Santa Catarina de 5 para 40. Diante deste cenário de pouca expressão da mulher na vida política do país, o advogado Pedro Dallari, doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo, defendeu na Câmara dos Deputados a discussão sobre o direito das mulheres de ocuparem cargos na Mesa Diretora do Parlamento no âmbito da reforma política. Para o advogado, é “estarrecedor” o fato de o Brasil ter menos de 9% das vagas na Câmara dos Deputados ocupadas por mulheres, “situação pior do que em países árabes, onde as
MONTEIRO, Rosa. Histórias de mulheres. Tradução de Joana Angélica D‘Avila. Rio de Janeiro: Editora Agir, 2008. 6 UNIÃO PARLAMENTAR. Disponível em: http:// http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm. Acesso: 12 de fevereiro de 2011. 7 TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Disponível em: http://divulgacand2010.tse.jus.br/ divulgacand2010/jsp/index.jsp. Acesso: 27 de janeiro de 2011.
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condições femininas são muito piores em termos de igualdade de direitos”. 8 POR UMA REFORMA POLÍTICA INCLUSIVA Em 2006 foi proposta uma emenda à Constituição, a PEC 590, com vistas à introdução de um critério na composição dos órgãos de direção e de funcionamento do Parlamento brasileiro, efetivamente uma proposta de reforma política, ao passo que garante a representação proporcional de cada sexo na composição das Mesas Diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado e de cada Comissão, contudo a PEC ainda está em tramitação. A Secretária Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, durante a gestão 2004-2010, Nilcéa Freire, também ressaltou a necessidade das mulheres assumirem maior poder político no país. Nesse sentido, foi recentemente instituída uma comissão tripartite, Executivo, Parlamento e sociedade civil, para fazer uma revisão da Lei 9.0504/97, que dispõe sobre as cotas eleitorais. O objetivo é examinar por que os 30% da cota obrigatória de candidatas não se transformam em um percentual semelhante de mulheres eleitas. Segundo Nilcéia Freire há que se verificar também a questão do financiamento, a capacitação das mulheres nos partidos políticos, destinação de recursos do fundo partidário para as candidaturas fe-
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mininas, tempo nos programas eleitorais, se há proporcionalidade, ou seja, trabalhar a questão da igualdade de oportunidades e tratamento, para que o percentual estabelecido como ação afirmativa possa ser garantido na prática. Para a socióloga Natália Mori Cruz, representante do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA) na comissão geral do Congresso Nacional que debate a reforma política, apresentou o resultado de uma pesquisa realizada por sua instituição. Segundo o CFEMEA, que há 20 anos monitora a atuação dos deputados sobre direitos das mulheres, a maior parte dos parlamentares homens são contrários a ações afirmativas que aumentem a participação das mulheres, como a lista fechada com alternância entre homens e mulheres. Segundo a pesquisa, a maioria dos parlamentares do sexo masculino também é contra a punição dos partidos que não cumprem a cota de 30% para mulheres no total de candidatos, conforme prevê a Lei n.º 9.504/97. “Nenhum partido brasileiro respeita a única lei que existe, a única ação para tornar mais igual a representação de mulheres”, afirma a pesquisadora. Ela lembrou que há dois anos esteve em um debate semelhante em plenário e que, na ocasião, o Brasil foi considerado um dos piores países na participação de mulheres nos espaços de poder, como o Parlamento. 9 Nesse sentido, há frequentemente,
CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/homeagencia/ materias.html?pk=135021. Acesso: 20 de dezembro de 2010. 9 O CFEMEA é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, que trabalha pela
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entre meios de comunicação e partidos, um engajamento que fortalece o não-interesse partidário em financiar campanhas de mulheres ou que as incluam como candidatas apenas para fazer número e fortalecer as legendas partidárias. Uma das estratégias utilizadas recorrentemente é a descaracterização de suas trajetórias políticas, bem como ficam claros processos para dificultar o acesso e as oportunidades delas aos cargos eletivos e aos nichos eleitorais quando já são candidatas. Desta forma, a mídia teria grande contribuição pelos resultados que, ao menos em termos numéricos, não favorecem as mulheres brasileiras, quando o assunto é participação de mulheres na política brasileira. Além da questão da invisibilidade, há todo um esforço no sentido de desqualificar a imagem das mulheres que, de alguma forma, se envolvem com política no Brasil. 10 Segundo estudos da União Interparlamentar “quarenta anos depois da ado-
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ção da Convenção dos Direitos Políticos da Mulher e apesar dos progressos inegáveis, a vida política e parlamentar continua dominada pelos homens em todos os países”. Para mudar tal situação, é preciso que os Poderes brasileiros levem adiante o projeto de reforma política, e que as demandas das mulheres sejam contempladas com informações e análises que esclareçam as condições para a participação da mulher na vida política, através da promoção de ações afirmativas que promovam a consciência política, o respeito ao princípio da igualdade nos partidos políticos, a divisão e compartilhamento das responsabilidades políticas entre homens e mulheres. Outro ponto crucial quando se fala em reforma política é rever o sistema de financiamento das campanhas políticas, tornando-o público com a criação de um fundo paritário cujos recursos seriam repassados para os partidos que, por sua vez,
cidadania das mulheres e pela igualdade de gênero. Luta, de forma autônoma e suprapartidária, por uma sociedade e um Estado justos e democráticos. Fundado no pensamento feminista, o CFEMEA participa ativamente do movimento nacional de mulheres, integra articulações e redes feministas internacionais, especialmente da América Latina, além de participar de diferentes iniciativas para o combate ao racismo. 10 A Associação Mundial para a Comunicação Cristã promoveu a campanha “Quem faz a notícia? Três semanas de ação global sobre gênero e mídia”. Com apoio do UNIFEM (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher) e da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), a campanha teve o objetivo de promover a igualdade de gênero na mídia, ao desafiar a mídia jornalística a tomar uma atitude efetiva e imediata para garantir uma representação equilibrada de mulheres e homens no noticiário. A campanha começou em 16 de fevereiro de 2006, exatamente um ano após o dia em que centenas de organizações que atuam com gênero e mídia em 76 países uniram-se em um esforço de solidariedade para monitorar a representação de mulheres e homens na mídia jornalística. A ação era parte do Projeto de Monitoramento Global de Mídia (GMMP, da sigla em inglês) 2005, que revelou, entre outras coisas, que, embora maioria nas redações (63%), as mulheres continuam a ser marginalizadas nos noticiários.
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deveriam fazer uma distribuição equânime entre as candidaturas. Entre os pontos levantados como cruciais para uma reforma política exitosa na possibilidade de adoção do voto em lista fechada, com alternância de gênero, defendido por várias organizações e diversos movimentos sociais. O eleitorado votaria só na legenda, e as dez primeiras pessoas da lista de cada partido seriam eleitas. Dessa forma, as possibilidades de participação e eleição feminina aumentariam. A polêmica reside no fato de que tal sistema, se adotado, poderia se tornar um instrumento de manipulação de quem está à frente dos partidos tanto com relação à escolha de quem poderá concorrer às eleições como com relação aos recursos envolvidos para a concretização das candidaturas. EMPODERAMENTO De acordo com Cavalcante Pereira empoderamento significa, de forma generalizada, “a ação coletiva desenvolvida pelos indivíduos quando participam de espaços privilegiados de decisões, de consciência social dos direitos sociais”. Essa consciência ultrapassa a tomada de iniciativa individual de conhecimento e superação de uma situação particular em que o indivíduo se encontra, até atingir a compreensão de teias complexas de relações sociais que informam contextos econômicos
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e políticos mais abrangentes. 11 Maria da Glória Gohn destaca que a categoria empoderamento não apresenta um caráter universal, haja vista que tanto poderá estar referindo-se ao processo de mobilizações e práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidades, no sentido de seu crescimento, autonomia, melhora gradual e progressiva de suas vidas, como poderá referir-se a ações destinadas a promover simplesmente a pura integração dos excluídos, carentes e de mandatários de bens elementares à sobrevivência.12 A idéia do empoderamento deve instigar nos indivíduos a possibilidade de realização plena dos seus direitos e representar para a sociedade espaço institucional de articulação e emergência de novos atores políticos envolvidos na transformação democrática da relação Estado-sociedade. O empoderamento compreende cidadãos atuantes e imbuídos de espírito público, por relações políticas igualitárias, por uma estrutura social firmada na confiança, na colaboração, espírito de reciprocidade e cooperação. De acordo com Marcelo Baquero, o empoderamento interpretado como processo e resultado, pode ser concebido através de um processo de ação social, no qual os indivíduos tomam posse de suas próprias vidas pela interação com outros in-
CAVALCANTE PEREIRA, Ferdinand. O que é empoderamento (Empowerment). Informativo científico da FAPEPI. Junho de 2006 - Nº 8, Ano III - Artigos. Teresina - Piauí, 24 de abril de 2006. 12 GOHN, Maria da Glória. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. São Paulo, v. 13, n. 2, 2004. LAROUSSE cultural: dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1992, p.1.045.
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divíduos, gerando pensamento crítico em relação à realidade, favorecendo a construção da capacidade pessoal e social e possibilitando a transformação de relações sociais de poder. 13 O empoderamento do indivíduo perpassa pela consciência de sua condição de cidadão na sociedade, sujeito dotado de poder, legitimamente garantido pelo princípio democrático, que lhe confere o direito de participar dos processos governamentais de cunho decisórios, com intuito de agir diretamente sobre os fatores que influenciam sobre sua existência. Nesse sentido, as transformações sociais fundamentadas em reivindicações específicas das mulheres só, de fato, se concretizaram quando estas travaram as lutas e fomentaram a vontade política necessária à realização das obras. As grandes conquistas nas áreas de saúde da mulher, da infância e de combate à violência doméstica e à violência contra a mulher emanaram necessariamente das mãos de mulheres vereadoras, deputadas, senadoras, conselheiras, gestoras, que cavaram nas leis espaço para as demandas das organizações populares e femininas. A lei da licença-maternidade, os benéficos previdenciários e a aposentadoria dos agricultores e das agricultoras nasceu da mobilização das mulheres em Brasília e de protestos nas principais capitais e cidades-pólo, e ainda, a Lei Maria da Penha, fruto da busca incansável por justiça pro-
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movida pelas mulheres vítimas de violência. O atendimento diferenciado em saúde da mulher, a instituição de creches, casas-abrigo, centros de referência no combate à violência e delegacias da mulher também. A esperança está na organização social, sindical, nos conselhos públicos, nas ações pastorais e nos movimentos populares, nos quais é significativa a participação de mulheres envolvidas em suas lutas, tanto nas ações de base dessas organizações quanto ocupando espaços de direção, à frente das tomadas de decisão. O grande laboratório para ampliar a participação da mulher na política é o movimento social e os conselhos gestores das políticas públicas. A participação da mulher na política é capaz não só de mudar determinada realidade como de redesenhar as bases da própria estrutura do poder político. A ampliação de espaços para a participação da mulher gera um impacto positivo imediato na qualidade de vida de todos na elaboração de políticas públicas que respeitem as diversidades culturais da população. No plano internacional, a Plataforma de Ação de Pequim definiu ,em 1995, como uma de suas prioridades a questão da mulher no exercício do poder e na tomada de decisões e apontou medidas concretas que deveriam ser adotadas por governos, setor privado, instituições acadê-
BAQUERO, Marcelo; BAQUERO, Rute; KEIL, Ivete. Para além de Capital Social - juventude, empoderamento e cidadania. Disponível em: < http://www.capitalsocialsul.com.br/capitalsocialsul/ desenvolvimentoregional>. Acesso em: 10 fev. 2011.
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micas e organizações não-governamentais para que as mulheres tenham maior acesso e uma participação efetiva nas estruturas de poder e na tomada de decisões. Segundo o relatório global denominado “Progresso das Mulheres no Mundo” 2008/2009, os desafios urgentes referemse: a maior participação das mulheres nos espaços de poder e decisão, a garantia de políticas públicas que assegurem os direitos das mulheres e a responsabilização do poder público em relação às políticas para as mulheres. O relatório ainda aponta risco de descumprimento de metas da Organização das Nações Unidas sobre igualdade de gênero até 2015. A meta é um dos objetivos de desenvolvimento do milênio da Organização da Nações Unidas - ONU.
Em todo o mundo, as mulheres têm enfrentado as dificuldades de acesso ao poder e estão contribuindo para mudar suas comunidades, seus países e o mundo. Contudo, ainda que se esteja avançando na conquista da igualdade entre mulheres e homens no acesso a cargos de decisão, ainda há muito que fazer. As mulheres continuam sub-representadas em todos os níveis de poder. Além de aumentar a participação das mulheres nos órgãos oficiais de tomada de decisões, é preciso também aumentar seu impacto no processo de tomada de decisão, por meio de ações conjuntas da classe, como por exemplo, através das eleições, com votação maciça das mulheres nas mulheres, para que desta forma haja o efetivo empoderamento.
REFERÊNCIAS BAQUERO, Marcelo; BAQUERO, Rute; KEIL, Ivete. Para além de Capital Social - juventude, empoderamento e cidadania. Disponível em: < http://www.capitalsocialsul.com.br/ capitalsocialsul/desenvolvimentoregional >. Acesso em: 10 fev. 2011. BIANCHINI, Alice. A luta por direitos das mulheres: apontamentos sobre as origens do feminismo. Revista Prática Jurídica. Brasília: Consulex, março/2009. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/ homeagencia/materias.html?pk=135021. Acesso: 25 de janeiro de 2011. CAVALCANTE PEREIRA, Ferdinand. O que é empoderamento (Empowerment). Informativo científico da FAPEPI. Junho de 2006 - Nº 8, Ano III - Artigos. Teresina - Piauí, 24 de abril de 2006. GOHN, Maria da Glória. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. São Paulo, v. 13, n. 2, 2004. LAROUSSE cultural: dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Nova Cultural, 1992. MONTEIRO, Rosa. Histórias de mulheres. Tradução de Joana Angélica D‘Avila. Rio de Janeiro: Editora Agir, 2008.
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RODRIGUES, Almira. Construindo a perspectiva de gênero na legislação e nas políticas públicas. “Cadernos 12: Estudos de Gênero. Goiânia, 2003. TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Disponível em: http://divulgacand2010.tse.jus.br/ divulgacand2010/jsp/index.jsp. Acesso: 27 de janeiro de 2011. UNIÃO PARLAMENTAR. Disponível em: http:// http://www.ipu.org/wmn-e/classif.htm. Acesso: 12 de fevereiro de 2011.
RESENHA
“TÁ NA RUA: REPRESENTAÇÕES DA PRÁTICA DOS EDUCADORES DE RUA”, DE JOSÉ LUIS VIEIRA DE ALMEIDA André Martins BARBOSA1 ALMEIDA José Luis Vieira de. Tá Na Rua: Representações da prática dos educadores de rua. 1a edição. São Paulo: Editora Xamã, 2001. pp.160.
A
obra de José Luís, indicada pelo sempre lúcido professor e orientador Dr. Evaldo Amaro Vieira, que está dividida em quatro capítulos: apresentação, introdução, conclusão além do prefácio de José Eustácio, desmistifica por completo a atuação do educador de rua. A questão é saber se já não vem apenas enterrar um cadáver conhecido. Agora o é. Agora, desmistificar inteiramente a atuação é abrir porta aberta, mas quando da elaboração da pesquisa não ocorria esta compreensão. E esta concepção do próprio Henri Lefebvre, do qual o autor utiliza a “teria das representações” para desnudar a realidade que o educador de rua encoberta e auxilia a consolidar, mesmo afirmando o contrário. Segundo Lefebvre as representações estudadas são
as que perderam eficácia, estando amortecidas e podendo ser identificadas e investigadas. Se vivas estivessem dificilmente seriam percebidas. O autor só consegue realizar a pesquisa em virtude do interesse e experiência como educador de rua do Estado de São Paulo na segunda metade da década de 1970. Com estas credenciais pode obter os dados para desmontar as representações, o objeto de estudo. Segundo o autor, não pode ignorar ou exaltar a experiência, mas se deve circunscrevê-la, para identificar alguma interferência. E dedicando os dois primeiros capítulos para a construção do teórico, intitulados respectivamente “A representação” e “A mediação”, estabelece as bases para compreensão de todo o trabalho, quase que deixando desneces-
1 Professor adjunto do curso de Direito da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Mestre em Direito e doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP.
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sária a leitura dos demais capítulos para o leitor desatento. Reconhece que a existência da população de “menores de rua” ou “meninos e meninas de rua” surge com os educadores de rua que no início da década de 1970, em pleno período ditatorial (e que curiosamente José Luis não faz referência clara de como este fenômeno “educador de rua” tenha se desenvolvido neste regime) se opunham às diretrizes da Polícia Nacional do Bem-Estar do menor (PNBEM) e implantadas pela Fundação Nacional do Bem –Estar do Menor (FUNABEM) e pelas fundações estaduais congêneres das unidades da federação. As propostas eram de que tais instituições eram a alternativa para contenção e atendimento a esta população. Opondo-se a isto os educadores alardeavam que o mais adequado seria a prática das atividades educativas nos espaços onde os menores de rua permaneciam. Desta forma auxiliavam de forma inversa o governo ditatorial, já que este, se não atendia toda a população menor de rua era porque até havia uma justificativa educacional para se estar na rua e nela permanecer. (Mas esta não é uma posição do autor, mas que nos leva a ela por interpretação transversa). Uma justificativa teórica educacional. Mas o autor a isto não se refere mesmo porque tem experiência na rua. E o trabalho dos educadores foi tão bem acolhido que no início da década de 1970 permitiu que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) o assumisse no começo do decênio seguinte. Com a eleição de governadores de oposição o processo leva adiante a contestação dos internatos e a metodologia empregada.
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Poderíamos perguntar em quanto isso alivia o Estado, os governos da pressão que deveriam sofrer para atender esta demanda reprimida e agora enfraquecida pela transferência do modelo escolar sobejamente conhecido para o das ruas, apregoado pelos educadores de rua que, literalmente, foram úteis ao sistema. E muitos presos também estavam a preocupação de desqualificar a expressão “menor de rua”, como vinculada a idéia de “menor infrator”, de crime, e substituí-la por “meninos de rua” num primeiro momento e depois “meninos e meninas de rua”, incluindo a questão gênero, que vem fortalecer o discurso, vão construindo a representação que oculta a realidade da acumulação capitalista. Como que, pelo fato da empregada doméstica ser chamada de “secretária” deixasse de morar no quartinho dos fundos, (quanto tem essa “regalia”) e de receber um salário-mínimo por uma jornada de trabalho extenuante. Na esteira desta construção, a palavra “menor” vai desaparecendo, inclusive da legislação, de onde é suprimida na promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990.
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Os educadores de rua não somente redefinem o que é ser “menino e menina de rua” como também a forma de se qualificar para educar esta população, que é pelo decurso de prazo; ou seja, torna-se especialista na área aquele que mais tempo de rua tem, em contato com os menores. Construindo o discurso pelas representações evitam a fundamentação em teorias alicerçadas em métodos analíticos do real. A coerência no discurso é importante para cooptarem formadores de opinião e conseguirem dar continuidade ao trabalho desenvolvido. A realidade das ruas envolve a população estabelecida em pequenos delitos, violências e outras ações que trazem a intervenção do Estado para o local, através do Ministério Público, Magistratura e demais categorias, como jornalistas, professores e educadores que acabam sofrendo a interferência indireta das “crianças” no ambiente escolar. São estes profissionais que os educadores de rua precisam cooptar e convencer da legitimidade de rua causa e modo de abordar o problema. Logicamente o protagonista do novo paradigma educacional apregoado, é o educador de rua. No capítulo primeiro o autor irá tratar da representação e ruas correlações com a práxis, a ideologia e a teoria sob o ângulo de Henri Lefebvre. Informar que a representação tem conotações distintas, como a representação comercial e que também as ciências naturais utilizam-no, como a curva ou a expressão gráfica da reação química, e que também são encontradas nas ciências humanas. Porém, é na filosofia que se aprofunda. O filósofo Lefebvre propõe a superação das representações
sem anulá-las, simplificá-las ou minimizar rua importância e que para isto é preciso conhecê-las, estabelecendo-se critérios de distinção entre as mesmas, buscando o modo como atuam, os vínculos, as possibilidades de desenvolvimento e avaliação da rua força. Como nascem e se desenvolvem com relativa autonomia não é possível a superação concomitante, como pretendia Marx. A superação depende de condições históricas e da convivência com as mesmas. Fazendo parte da realidade, procurando explicá-la, mas dissimulando as contradições reproduzidas nas relações sociais, as representações não são falsas nem verdadeiras e também o são. Apenas estabelecem uma relação entre estes extremos, pois que esta manobra se dá pela aproximação através da fixação em um suporte que é verdadeiro e este pode servir de base a várias representações que também não se fixam a um suporte somente. A verdade do suporte e a falsidade da representação só ocorrem por meio de equivalências não correspondentes ao real, mas são aceitas pela sociedade. Um exemplo é o dinheiro; outros, são o mercado a mercadoria. Ao invés de revelar seus conteúdos, dinheiro, mercado e mercadoria, os escondem. Este deslocamento do conteúdo pela forma é característico das representações como pelos distintos e equivalentes que afirmam e dissolvem a relação bipolar de forma que na relação representante–representado, o representante desloca o representado por meio da representação. Isto permite a justificação de guerras, como a do Vietnã,
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através de argumentos lógicos que sustentam as guerras e ruas conseqüências, e sofrem estas justificativas mudanças ao longo do tempo, adequandose as conjunturas em que ocorrem. É pelas representações que “em nome de custo”, “em nome do mundo livre” que soldados combateram, e também por elas trabalhadores submetem-se à disciplina em troca de salário legitimando o lucro. Mas não é só. Cidadãos pagam impostos, justifica-se o Estado, suas instituições e modernização. Individuais e coletivas as representações expandem porque encontram apoio no indivíduo, preenchendo uma lacuna que só ocorre enquanto representação, mas não em realidade. Sua força está em estar e não estar, em construir relações que na verdade não existem. A força está diretamente relacionada a sua atividade em dissimular o real. Uma representação dissimula o real, mas não se anula nele, tem vínculo com o real, mas não total. Uma relação similar ocorre com uma epífita que encobre a planta que a sustém. Em alguns casos, pela exuberância, encobre completamente o suporte, o real, mas não pode prescindir dele. Pode até existir em outro suporte, mas não sem ele. As representações nascem até com um indivíduo e se desenvolvem através do coletivo que funciona como uma caixa de ressonância que vai amoldando-a a seus interesses e finalidades e também perdem força e podem inclusive desaparecer. Contudo a “morte” de uma representação não traz o seu completo desaparecimento. Uma representação pode decompor-se, fragmentar-se e recompor-se e isto não
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ocorre de modo autônomo e é também através do tempo, já que a sua natureza é histórica que atende as necessidades de indivíduos, classes sociais ou frações de classe que compreendem o real pelo ângulo de seus interesses, naturais ou sociais. E, estabelecidas as representações, estas são difundidas para outros segmentos de forma que ocultem os interesses de classe, frações ou indivíduos que deste ocultamento se beneficiam. Através do método de análise que é o materialismo histórico, é que se pretende superar as representações, o que não é fácil pois que oferecem uma visão de mundo em harmonia e perfeição tanto quanto natural. As representações diminuem a importância das diferenças existentes fornecendo uma concepção de realidade estável, o que não corresponde ao real, que é um processo contraditório e histórico. Procurando articular palavras e imagens de forma coerente, total e unânime a representação explica as relações sociais e desta forma podem estabelecer formas de aprovar ou desaprovar as políticas governamentais que buscam equacionar os problemas que se apresentam na sociedade em que estão ativas. Um exemplo é o da “escola inadequada” onde os educadores afirmam que os métodos, conteúdos e disciplinas não correspondem as necessidades de aprendizagem dos meninos e meninas de rua. Ora, não fica claro no discurso representativo que os meninos(as) de rua são apenas uma pequena parcela dos atendidos pela instituição escolar e que métodos, conteúdos e disciplina foram
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construídos para atender a maioria que se mantém dentro dos parâmetros do ensino–aprendizagem e obtendo resultados satisfatórios. Os educadores de rua desqualificam o ensino “convencional” e afirmam de forma representativa que somente eles estão preparados e capacitados a atuarem junto aos meninos(as). As conseqüências para as Políticas Sociais são visíveis, já que os meninos(as) de rua fazem parte da população que preferencialmente são objetos de interesse das políticas que apregoam a “construção” da cidadania que, desta forma deixa de ser um direito a ser exercitado, para ser alcançado, buscado. Como que se tal direito já não estivesse inserido na carta constitucional devendo ser implementado, cobrado, e não novamente conquistado. Os educadores prestam assim, um desserviço às Políticas Sociais, na medida em que desconhecem as conquistas anteriores alcançadas pelos movimentos populares organizados, da sociedade. Na busca de defender direitos previstos constitucionalmente e até na legislação infra-constitucional, os educadores de rua constroem um discurso semelhante a uma ideologia, que confunde na medida que cria mediações entre a realidade e o que ela não é. As mediações surgem harmonizando conflitos e interesses antagônicos. Paradoxalmente, os educadores de rua com seu discurso e atuação realizam a mediação entre os meninos(as) de rua (sem casa, alimentação, saúde, vestuário, lazer e escola) frutos deste processo (in)evitável de espoliação pela divisão de classes no capitalismo e ruas necessidades (na
verdade direitos de cidadãos por pertencerem a esta sociedade que lhes garante, pelo menos enquanto pacto social, a satisfação destas necessidades). Ao colocar a cidadania como conquista, a negam justamente aqueles que dizem representar e defender interesses. Ao pregarem que os métodos das escolas são inadequados e que devem estes sim adequar-se a realidade em que se encontram, os educadores, de certa forma mantém, por via transversa, os meninos(as) no novo local reconhecido também como de aprendizagem, a rua. E a situação é mais grave do que simplesmente a negação a escola, mas também se estende aos outros itens como a moradia, reconhecendo, representando o “mocó” como uma “casa”, atos infracionais como furto famélico como saberes próprios e “rua” passa a ser “casa do menino”. A representação, desta forma aliena, os envolvidos no processo “educacional”, de forma que enleiam profissionais de diversas áreas e vão obtendo diversos suportes, englobando linguagens aperfeiçoando o discurso ideológico, influenciando as Políticas Sociais que só não sucumbiram a tal discurso pois não foram destinadas verbas a constituírem salas de aula sob viadutos para que ali atuassem seus protagonistas, os zelosos educadores de rua. No terceiro capítulo a identificação das representações permite observar que possuem certa autonomia e estão entrelaçadas, mas podem existir umas sem as outras, mas apóiam-se mutuamente. A representação “menino de rua” é fortalecida pela idéia de gênero. Evasão escolar
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fortalece as diversas modalidades de evasão. As “instituições educacionais” não são diferenciadas e desta forma tanto as destinadas a internação dos que praticaram atos infracionais como as de atuação regular ficam equiparadas, igualadas unanimemente e sujeitas todas, as criticas dos especialistas. A representação mais ativa (que torna a presença dos educadores da rua aceitáveis pelos meninos(as)) é que na verdade não estão educando, mas assistindo, compartilhando vivencias, mas não ensinando. O deslocamento da ação de educar ocorre de forma que há a substituição desta pela assistência. E acrescido ao fato de que o educador poderá aprender com o educando. Problema sério, pois que se não educa (já que os meninos(as) de rua tem necessidades de aprendizagem peculiares, que exigem metodologia e conteúdos programáticos específicos) o educador de rua está aprendendo com os meninos(as) de rua. E o que está aprendendo, por ser um saber “próprio”, útil, poderá ser inserido nos conteúdos programáticos nas disciplinas regulares? A vida cotidiana pode ser objeto de estudo e conhecimento mas o conhecimento transmitido nas escolas não pode ser reduzido tão somente ao que ocorre na vida rotineira. O saber da rua, pela concepção dos educadores de rua, validam a idéia de educação. É a fragmentação, a redução e a recombinação empobrecida
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da realidade educacional. O quarto capítulo destinado a critica das representações é destinado a possibilidade de uma superação. Na verdade quando são identificadas é porque já estão menos ativas e, portanto, superadas parcialmente. O que deve-se perceber é que o educador de rua ao reconhecer a sala como lugar de aprendizagem validou a rua como escola e construiu um discurso por inversão de cidadania que é exercida e não conquistada. É algo que se tem ou não. O menino(a) de rua vem da família desestruturada e não da família espoliada. O resultado desta compreensão, desta representação, para as Políticas Sociais é que se deve investir na reestruturação da família através, também de um de seus integrantes, o menino(a) de rua,e não pelo combate a espoliação. A ocultação da exploração histórica, que desestrutura as famílias, que joga as crianças para a rua, não fica evidente. O educador de rua não educa, aprende. O menino(a) de rua não aprende, ensina. A rua é casa e escola e lugar de solidariedade. A representação, a mediação aproxima o desabrigado, o desamparado, do abrigo e do amparo das ruas. Não pela construção e concessão de abrigo e amparo, mas pelo reconhecimento de sua situação como sendo amparada e abrigada. Amparada pela solidariedade dos iguais na rua existente e abrigada pelo sol e as estrelas que na rua a todos é concedida democraticamente.
MERCADO DE CAPITAIS: FONTE DE CAPTAÇÕES FINANCEIRAS ESTRATÉGICAS PARA AS ORGANIZAÇÕES CAPITALISTAS OU LOCAL DE JOGO DE AZAR PARA OS ESPECULADORES? José Carlos de Jesus LOPES1 RESUMO Este artigo tem por finalidade analisar os diferentes objetivos dos participantes que transacionam ações, outros ativos financeiros e comodites nos mercados organizados, dos quais a Bolsa de Valores e as Bolsas de Mercadorias localizadas no Brasil e no resto do mundo fazem parte. Aponta-se, como a problemática central desta pesquisa, uma relativa desinformação entre milhares de pessoas leigas sobre mercados de capitais, que entendem que é somente os especuladores que participam das negociações e que o ambiente das bolsas é concebido como um local de jogo de azar. Ambas formas de pensar não são corretas. Assim sendo, através de uma revisão bibliográfica, foi possível concluir e entender que há interesses diferenciados entre os participantes dos pregões das bolsas. Palavras-chave: Mercados Organizados. Agronegócio. Comodites. ABSTRACT This article goals to clarify the different proposal among participants who purchase actions, others assets and commodities at organized market, such as happen in Brazil and worldwide Stock Market. It is pointed, as the central problematic of this research, a relative disinformation between thousands of laypeople on stock markets, who understand that this kind of business is done by speculators economic agents only and
1 Graduado em Ciências Econômicas (UCSAL-BA) e em Administração com habilitação em Comércio Exterior (FECEA-PR), Mestre em Teoria Econômica (UEM-PR), Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento (UFPR-PR). Professor Adjunto do Departamento de Economia e Administração (DEA), da UFMS, Campo Grande (MS).
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the pits are the right place of game of chance. Both kinds of thinking are not correct. Thus being, through a bibliography review was possible to conclude and understand that there are different objectives between stock exchange agents. Keywords: Organized Market. Agribusiness. Commodities.
INTRODUÇÃO A literatura em geral consultada esclarece que dentre as principais funções das Bolsas de Valores e das Bolsas de Mercadorias, a que mais se destaca, sob o contexto deste tema, é o atendimento às necessidades de captação de recursos para financiamentos de médio e longo prazos, por parte das organizações econômicas. Tais tomadas de decisões por parte do empresariado e demais agentes econômicos resultam no desenvolvimento econômico das regiões, onde essas empresas estão inseridas, sejam de formas diretas ou indiretas. Pinheiro (2006) coloca que a Bolsa de Valores e as Bolsas de Mercadorias do Brasil, bem como as demais instaladas ao redor do mundo são também denominadas de mercados organizados, face à estrutura e as instituições alocadas, que permitem uma livre concorrência e pluralidade de participações dos diversos agentes econômicos, de modo que nenhum tenha privilégio de outros. Para o autor, a transparência na fixação dos preços cotados das ações, dos valores, bem como os demais títulos patrimoniais negociados no ambiente das bolsas proporciona credibilidade e segurança a esse tipo de mercado. Ainda no que diz respeito às redes de Bolsas, tal como coloca Fortuna (2005), de
uma forma geral, elas têm o papel de intermediar e unir os agentes econômicos superavitários de recursos financeiros com os agentes econômicos que demandam por esses recursos, para dar continuidade aos projetos de manutenção ou expansão das unidades produtivas industriais ou agropecuárias. Contudo, para os leigos esse mercado é compreendido como locais lotados de especuladores que fazem altas apostas em ações de empresas de capital aberto, além das negociações especulativas nos demais ativos financeiros e nos contratos de comodites. Ainda para os desinformados, é no local das bolsas que sempre os mais espertos ganham e os menos informados costumeiramente perdem altas somas de dinheiro. Assim sendo, ainda para os leigos, as Bolsas passam a ser caracterizadas como verdadeiros locais de jogos de azar. Neste contexto, cabe colocar, sob o enfoque da problemática central deste artigo a seguinte questão: afinal quais são as motivações que levam os agentes econômicos a negociar ações, títulos patrimoniais, bem como os contratos de comodites nos pregões das bolsas instaladas no Brasil e ao redor do mundo? Nesta direção, este artigo tem por finalidade analisar os diferentes objetivos dos participantes que transacionam ações, demais ativos patrimoniais e comodites
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nos mercados organizados. Para atingir essa proposta, fez-se necessário dividir, didaticamente, esse artigo em seções, com finalidades específicas. Além desta parte introdutória e das considerações finais mais três partes fazem parte do corpo desse texto, a saber: 1) mercado de capitais; 2) bolsas de valores e bolsas de mercadorias; e 3) objetivos diferenciados dos participantes. MERCADO DE CAPITAIS: FONTE DE CAPTAÇÃO DE RECURSOS PARA AS ORGANIZAÇÕES ECONÔMICAS Um dos principais impactos da globalização produtiva foi a necessidade de novas fontes de investimentos nacionais e estrangeiros para aumentar a competitividade global e local das empresas que participam das trocas internacionais. A captação de recursos internacionais pode ocorrer através de instrumentos como lançamento de debêntures, commercial papers, eurobonds, diversificando as fontes de financiamento da empresa, ou junto a novos investidores. Naturalmente, o acesso ao mercado internacional dependerá do volume da emissão, exposição da empresa, qualidade do crédito e outros fatores que viabilizarão ou não a operação. Percebe-se, que com mais instrumentos de financiamento e atraindo mais investidores, facilita a compatibilização dos prazos de maturação dos investimentos e os de captação para a empresa. Assim sen-
do, de acordo com Fortuna (2005) e Gitman e Madura (2006) o cronograma de amortização do financiamento pode ser melhor adequado ao fluxo de caixa dos empreendimentos, que em alguns casos, só começa a apresentar resultados após longo período de investimento. Nesse sentido, uma das opções para financiar projetos de expansão das organizações econômicas é a abertura do capital social da empresa, que se faz através de uma Bolsa de Valores. Como bem colocam Passos e Nogami (2002, p. 383) os mercados internacionais de capitais são aqueles que se concentram todas as redes de Bolsas de Valores [e Bolsas de Mercadorias], instituições financeiras [que operam no nível global] com compra e venda de ações [outros títulos patrimoniais e comodites] e títulos de dívida em geral. De acordo com Rudge e Cavalcante (1991, p. 51), os mercados de capitais nacionais, que integram o Sistema Financeiro Nacional, são aqueles onde são efetuados os financiamentos do capital de giro e do capital fixo das empresas e das construções habitacionais dentro do país. Explicam os autores, que é neste mercado que está concentrada a maior parte das transações das instituições financeiras não monetárias. No Brasil, os mercados de capitais compreendem dois mercados. O primeiro é formado pelo mercado de ações, onde são negociados títulos patrimoniais nos pregões da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA). O segundo é formado pelo mercado de comodites e demais ativos financeiros, cujos contratos são negociados, exclusivamente, na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F).
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Desta forma, há de se compreender que estas bolsas juntas exercem atividades econômicas, sociais e técnicas importantes e de forma bastante segura na captação das poupanças internas e externas, bem como no financiamento dos investimentos das empresas, que atuam em diversos segmentos econômicos. Para tanto, a organização econômica deverá emitir e negociar no mercado secundário, títulos como o de ações — que são pequenas frações do capital social da empresa, bem como outros títulos de obrigações, a exemplo, das debêntures, transformando assim, ativos fixos em ativos de boa liquidez para seus acionistas (PINHEIRO, 2006). É, portanto, através destes mecanismos utilizados pelas Bolsas de Valores e pelas Bolsas de Mercadorias, que as empresas do ramo industrial ou agroindustrial, de forma geral, podem aumentar o seu capital de giro e elevar o volume de suas transações, além da modernização das suas gestões. BOLSAS DE VALORES E BOLSAS DE MERCADORIAS A literatura clássica aponta que as Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias constituem-se como associações civis, sem fins lucrativos e tem por objetivo social manter local adequado ao encontro de seus membros e à realização de transações de compra e venda de títulos, de valores mobiliários e de diversos tipos de comodites, em mercados livres e abertos; enfim, em mercados organizados (CNBV, 1991).
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Com o passar do tempo e com a própria evolução do mercado de capitais, as bolsas transformaram-se em associações civis com fins lucrativos, aprimorando e fortalecendo o objetivo social e com possibilidades de obter maiores ganhos aos seus acionistas. Isto porque, de uma forma geral, as instituições financeiras mundiais, bem como as Bolsas de Valores e de Mercadorias nacionais e regionais passaram a pertencer a um grupo de corporações, que de fato, estão diariamente competindo entre si, tal como uma indústria qualquer e com outras corporações, que ofertam bens e serviços financeiros, relativamente substitutos, nos mercados internacionais de capitais. Através de um conjunto de regras contratuais, que estabelecem de forma clara os direitos e deveres de cada participante, as Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias têm por finalidade oferecer infra-estruturas adequadas às negociações de ativos e comodites, a partir do cumprimento das cláusulas contratuais por parte dos integrantes. De acordo com Pinheiro (2006, p. 313), de certa maneira, as Bolsas de Mercadorias foram criadas com o intuito de regular o preço vigente e futuro e garantir o ganho dos produtores e consumidores de algumas comodites. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA), tal como a Bolsa de Mercadoriasl & Futuros (BM&F) são concebidas formalmente como centros de negociação onde se reunem compradores e vendedores de ativos padronizados para realizarem operações (BM&F, 2006, p. 4).
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A propósito, existe uma dúvida que ainda se torna freqüente para a maioria da população brasileira em geral, ao diferenciar a atuação da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) em relação à Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). Embora, atualmente, estas duas bolsas estejam integradas, faz-se necessário explicar os mercados em que cada uma atua. Na Bovespa são negociadas somente ações de empresas de Sociedade Anônima de capital aberto. A maior parte do volume negociado nesta bolsa se concentra no mercado à vista. Já, na BM&F são negociados contratos de comodites, nos mercados a vista, a termo e futuro. Baseados em Hull (2000) e Marques e Mello (1999), de uma forma geral, as comodites podem ser concebidas como ativos, cujos contratos são negociados em mercados organizados. São contratos derivados dos produtos primários, com baixo grau de tecnificação, padronizados, homegêneos e substitutos entre si, a exemplo das clássicas comodites agropecuárias e minerais. Com a evolução do mercado bursátil, outros ativos se enquadraram neste conceito, a exemplo das comodites financeiras e ambientais. De acordo com a BM&FBOVESPA (2011), atualmente, as comodites dividemse em quatro grandes grupos. São elas: 1) Comodite Agroecuária (negociase contratos de compra ou de venda de produtos agrícolas, tais como café, soja, milho, boi gordo, açúcar cristal, álcool anidro, dentre outros); 2) Comodite Mineral (negocia-se
contratos de compra ou de venda de produtos minerais, tais como ouro, prata, zinco, petróleo, dentre outros); 3) Comodite Financeira (negocia-se contratos de compra ou de venda de produtos financeiros, tais como, as taxas de câmbio do dólar norte-americano, as taxas de juros, os índices do Bovespa, conhecidos como Ibovespa, dentre outros); e 4) Comodite Ambiental (negocia-se contratos de compra ou de venda de produtos ambientais, tais como, os Certificados de Redução de Emissões (CRE), dentre outros bens ambientais que ainda estão sendo organizados para participar deste grupo.
Tal como colocam Marques e Mello (1999), independente da sua tipologia, uma comodite compreende um bem homogêneo, padronizado. No entanto, torna-se um produto indiferenciado aos olhos dos consumidores e dos compradores, não possibilitando, portanto, qualquer arranjo de diferenciação de preço além do estipulado pelo mercado. Assim sendo, o mercado de comodite se aproxima da estrutura de mercado denominada de concorrência perfeita, pois nenhum agente econômico tem posição dominante sobre o outro e a fixação do preço dos ativos que é divulgado a todos os participantes, no tempo real, dá-se através da lei da oferta e demanda. Além do mais, nos pregões das Bolsas de Mercadorias, as comodites são negociadas através de contratos padronizados. Nele são estabelecidos as regras contra-
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tuais, garantias, formas e prazos de pagamentos, locais de entrega dos bens, direitos e deveres entre as partes. Atenta-se que os contratos de comodites diferem-se apenas nas quantidades transacionadas e nos preços acordados entre os negociadores, num determinado instante do pregão. Algo particular das comodites, e aqui merece um destaque, é que os preços das comodites são inerentemente voláteis. Podem ocorrer fortes oscilações nos preços pregoados nos leilões ao longo do dia. Contudo, as variações adversas dos preços podem ser minimizados para produtores e negociantes. Poderá também resultar em altos ganhos ou grandes perdas a um tipo de participante, como se verá adiante. OBJETIVOS DIFERENCIADOS DOS PARTICIPANTES Para atingir a proposta central desta pesquisa bibliográfica, esta última seção discutirá a classificação dos participantes das bolsas de acordo com os seus respectivos objetivos, bem como das finalidades das entidades que atuam nesse mercado. Para tanto, toma-se como exemplos os participantes da BM&FBOVESPA. Pinheiro (2006) classifica em dois principais participantes das bolsas, que são os clientes e as entidades. Os clientes são representados pelos a) Hedgers; b) Arbitradores; e c) Especuladores. Já as Sociedades Corretoras, a Bolsa de Mercadorias, a Clearing House e a Câmara de Compensação fazem parte da classe das Entidades. Faz-se necessário, a seguir, co-
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nhecer o papel de cada um deles no conjunto das operações realizadas no ambiente bursátil. De acordo com Hull (2000), os clientes são os usuários das Bolsas de Mercadorias, que efetivamente compram e vendem nos mercados a vista, a termo e no mercado futuro. Para o autor, mercado a vista é aquele em que a qualidade e preço do bem agrícola são acordados entre as partes e o pagamento será realizado mediante a entrega efetiva do ativo, em local combinado. O prazo para pagamento e entrega não é superior a sete dias. Este mercado pode ocorrer também fora do ambiente das bolsas. É oportuno dizer, que ao negociar bens e ativos nesse mercado, fora do ambiente das bolsas, os participantes correm o risco de inadimplência por uma das partes. Já no mercado a termo, o preço do ativo negociado é ajustado para a entrega e pagamento em uma data exata futura, que pode variar entre trinta a noventa dias. Tal como no mercado a vista, no mercado a termo tal negociação poderá também ocorrer fora do ambiente das bolsas e os participantes correm o risco de uma das partes não cumprir com as cláusulas contratuais. Por fim, no mercado futuro são realizadas operações, envolvendo lotes padronizados de comodites ou ativos financeiros, para liquidação em datas prefixadas. Adverte-se que estes contratos são pactuados somente no interior das bolsas, que por sua vez, criaram diversos instrumentos de proteção aos participantes, para que no final do contrato todas as cláusulas contratuais sejam garantidas.
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Portanto, três diferenças entre contrato a termo e contrato futuro merecem ser destacadas. A primeira é que no mercado futuro, embora cada contrato tenha uma data de vencimento, não se especifica uma data de entrega exata. A segunda é que também no mercado futuro um dos participantes pode sair da sua posição, transferindo o contrato para terceiros. A terceira é que a celebração das cláusulas contratuais é garantida pela própria entidade bolsa, eliminando-se assim os riscos de inadimplência por qualquer parte contratante. De acordo com Teixeira (1992, p. 23) também para a maioria dos autores já mencionados, os clientes são classificados em três categorias com finalidades bastante específicas: Hedgers – São os agentes econômicos, que ao se utilizar do Mercado Futuro buscam, através das operações de compra ou venda a futuro, eliminar o risco de perdas decorrente das variações adversas de preços das comodites com que trabalham. Em tese, a atividade econômica destes clientes consiste na produção, distribuição, no processamento ou na estocagem de uma comodite.
Percebe-se, facilmente, que este tipo de agente econômico ao participar dos pregões das Bolsas de Mercadorias, assumindo posições de compra ou de venda de uma comodite agrícola, não tem como objetivo aferir lucro em cima das volatilidades dos preços que ocorrem durante a celebração do contrato. Este tipo de participante assume uma posição para
se proteger exatamente das fortes oscilações do preço do mercado físico que ocorrem ao longo da validade de contrato. Arbitrador – A ação diária deste cliente garante que o preço negociado a futuro nas Bolsas de Mercadorias seja sempre justo, ao atender a determinadas regras mínimas de atuação. Em tese, este agente econômico busca tirar proveito da variação na diferença entre o preço de dois ativos ou mercados, ou das expectativas futuras de mudança nessa diferença.
Em menor número, este tipo de agente econômico que atua nos pregões das bolsas, busca ganhar dinheiro quando percebe diferenças de preços de determinados ativos ou comodites em diferentes mercados. Ao atuar desta forma, este tipo de participante faz com que não haja muita diferença no preço líquido dos ativos negociados nas diferentes bolsas ao redor do mundo. Especulador – Estes clientes são formados tanto por pessoas físicas quanto instituições que buscam ganhos financeiros nesses mercados voláteis. Deve aqui ficar claro, que a intenção do especulador, ao atuar nas Bolsas de Mercadorias, não é comercial; ou seja, interesse no produto físico; mas sim, tirar proveitos das diferenças entre os preços de compra e venda dos contratos futuros, em função da inerente volatilidade dos preços das comodites.
Diante do exposto, fica claro que é exatamente este tipo de participante nos
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pregões das Bolsas, que tem por única finalidade obter lucros nas operações bursáteis em função das diferenças de preços (entre compra e venda e também de venda e compra dos contratos) que ocorrem ao longo de um dia ou de um determinado período. Reconhece que este tipo de participante é mal compreendido e pré-julgado pelos leigos, mas, deve-se colocar aqui, que é exatamente este tipo de agente econômico que possibilita a realização financeira dos pregões, bem como o elevado montante de recursos financeiros aplicado nas bolsas no Brasil e ao redor do mundo. Dito de outra forma, são os agentes especuladores que assumem os riscos frente às adversidades dos preços diários que podem ocorrer nos pregões diários das bolsas. São eles também que dão liquidez ao sistema, o que permite que os demais participantes entrem e saiam desse mercado. Já com relação à classe das Entidades, Teixeira (1992, p. 28) aponta as quatro entidades que atuam nas Bolsas de Mercadorias. São elas: Sociedades Corretoras – São instituições auxiliares do sistema financeiro, que em nome de terceiros, operam no mercado de capitais com títulos e valores mobiliários, tanto nos mercados de ações, como nos mercados das Bolsas de Mercadorias.
De fato, são estes os agentes econômicos que detêm o direito de realizar operações em seu nome e em nome de terceiros, seus clientes, em todos os mercados organizados. Para tanto, estas sociedades
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precisam estar devidamente credenciadas pelo Banco Central do Brasil e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), além de terem autorização das próprias bolsas em que queiram atuar. Bolsas de Mercadorias – Associações Civis, com ou sem fins lucrativos, que têm por objetivo social manter um ambiente organizado, adequado ao encontro de seus membros e à realização, entre eles, de transações de compra e venda de contratos de comodites de diversos tipos, em mercado livre e aberto.
De forma pontual, de acordo com a BM&F (2006, p. 4) Bolsas são centros de negociação onde reúnem-se compradores e vendedores de ativos padronizados (ações, títulos de créditos, moedas, mercadorias) para realizarem operações. As bolsas têm por finalidade oferecer uma infra-estrutura adequada às negociações.
De fato, as Bolsas de Mercadorias são os locais que oferecem condições e sistemas tecnológicos e de segurança necessários para a realização de negociação de compra e venda de contratos de comodites, de forma transparente, buscando sempre o preço justo. Clearing House – Instituições, tais como a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), cujo papel é assumir a função de contraparte em todos os contratos, bem como garantir o seu cumprimento.
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Em outras palavras, basicamente, a Clearing garante a Câmara ou um Membro de Compensação contra a inadimplência de outro membro. Estas instituições podem ou não tornar-se uma instituição separada das bolsas. Câmara (Membro) de Compensação – Diferentes das Sociedades Corretoras e dos Sistemas de Compensação dos Bancos, são entidades responsáveis pela organização dos registros, da compensação e pela liquidação financeira de todos os negócios realizados em pregão de viva-voz ou eletrônico das Bolsas.
Aqui, ressalta-se que os membros de Compensação são escolhidos através de
PARTICIPANTES
CATEGORIAS Hedger Arbitrador
CLIENTES:
Especulador
Corretora Membro de Compensação ENTIDADES:
Clearing
Bolsa
critérios rigorosos, sendo os principais sua capacidade financeira, sua reputação e a adequação de sua estrutura organizacional. Diante do exposto, o Quadro 1 sintetiza a participação de cada um dos agentes econômicos integrantes do mercado organizado. Como pode-se ver no Quadro 1, existem diversos agentes econômicos que atuam no ambiente das Bolsas de Valores e das Bolsas de Mercadorias com propósitos diferentes. Fica claro que os pregões dos mercados organizados não são realizados apenas pelos agentes econômicos com características de especuladores, que compram e vendem ativos bursáteis com o único propósito de auferir lucros nas operações.
OBJETIVOS Obter proteção contra oscilações de difícil controle de preços. Obter lucro nos diferenciais de preços (livre de riscos). Obter lucro financeiro em cima dos diferenciais de preços (assumindo riscos). Estabelece o contato e faz a intermediação da negociação dos contratos entre o cliente e a bolsa. Garante as posições das Sociedades Corretoras perante a bolsa. Sistematiza o registro das operações, compensação e liquidação dos contratos negociados nos pregões. Oferece a infra-estrutura ao mercado para que os agentes econômicos venham a praticar o preço justo e celebrar as cláusulas dos contratos negociados.
Quadro 1 - Participantes do mercado organizado, categorias e objetivos Fonte: Baseado em BM&F (2006).
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Da mesma forma, fica entendido que os pregões das bolsas no Brasil e ao redor do mundo não são locais de jogos de azar, mas sim, ambientes que ocorrem transações de títulos patrimoniais de empresas, de outros ativos financeiros, bem como contratos padronizados de comodites, cujos preços tendem a revelar um equilíbrio de forças entre demandantes e ofertantes, o que se aproxima de um mercado de concorrência perfeita. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do corpo deste texto foi possível responder alguns questionamentos que foram apresentados na parte introdutória, bem como o problema central desta pesquisa que indaga sobre os propósitos dos participantes dos mercados organizados no Brasil e no resto do mundo. Por conta da pesquisa de revisão bibliográfica, foi possível saber que as Bolsas de Valores e as Bolsas de Mercadorias instaladas no Brasil e no resto do mundo integram o Mercado Internacional de Capitais que por sua vez faz parte das entidades que compõem a estrutura do Sistema Financeiro Internacional, instituição pilar dos processos de globalização. Acredita-se que ao longo do texto, foi possível conhecer e entender o papel de cada participante das bolsas, a exemplo do hedger, do arbitrador e do especulador, além das entidades que compõem toda estrutura operacional e de garantias das Bolsas de Valores e das Bolsas de Mercadorias. Indagou-se também, na parte introdutória, se o ambiente bursátil era fre-
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qüentado somente por especuladores espertos e que ganham muito dinheiro em detrimento dos demais agentes que perdem alta soma de recursos financeiros. Sobre esta indagação foi também possível entender que o ambiente bursátil não é somente composto por esse tipo de agente econômico, o especulador. Relatou-se no corpo desse texto, que o especulador é apenas um dos participantes necessários nas operações, mas com interesses próprios, bem definidos, que corre risco para se obter lucros nas negociações dos ativos. É ele também que dá liquidez ao sistema. Longe de uma defesa deste tipo de agente, mas há que se atentar, inicialmente, que o fato de ser necessária a presença dos especuladores nos pregões das bolsas, tal participação não fragiliza a fundamentação teórica de que os preços leiloados em mercados organizados são resultantes de um mercado de concorrência perfeita, que traduz o perfeito equilíbrio entre as forças ofertantes e demandantes de ativos negociados nos pregões, traduzindo num preço justo. No ambiente bursátil existem outros participantes, a exemplo, do hedger, um agente econômico que se utiliza da negociação dos contratos de comodites, como um instrumento de proteção à volatilidade dos preços dos produtos físicos, não tendo, portanto, interesse nos lucros advindos das operações de compra e de venda dos contratos. Por fim, foi possível compreender que as bolsas são entidades intermediárias que buscam captar recursos para as empresas de capital aberto. É um local onde reú-
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nem-se agentes econômicos superavitários com poder de ofertar recursos financeiros aos agentes econômicos deficitários, que necessitam de novos recursos financeiros, para dar prosseguimento à expansão das empresas. Portanto, é no ambiente bursátil, que se negociam ações, ativos financeiros e contratos de comodites, com possibilidades de ganhos e também de perdas. Ao reconhecer que o ambiente bursátil negocia-se contratos de riscos, tal fato não significa que seja um local de jogo de azar; e sim de realizações de contratos de compra e venda de ativos financeiros e de bus-
ca de financiamentos aos empreendimentos empresariais, negócios típicos do segmento financeiro, com bases legais, fiscalizados e controlados pelo Banco Central do Brasil (BCB) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Desta forma, o mercado de capitais, das quais as bolsas fazem parte como instituições, propicia uma fonte de financiamento dos investimentos de empresas de capital aberto e até mesmo de um país. Tais investimentos são os motores do desenvolvimento econômico, que por sua vez, faz gerar o aumento de renda e assim sucessivamente.
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