66 ISSN 1415-482X -Janeiro/2014 • 13 20 o/ br m ze o-De 65 • Novembr Ano 17 • Nº 66
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I SSN 1415 - 482X
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Roland Barthes e o desejo do escritor Por Rodrigo da Costa Araújo
nicanorcoelho@gmail.com
Dourados-MS Ano 17 โ ข No 66 Pรกgs. 1-64
Novembro-Dezembro/2013-Janeiro/2014
[ CARO LEITOR
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sta edição da Revista Arandu traz a público os trabalhos de pesquisadores do Rio de Janeiro que estudam aspectos da Literatura de dois grandes autores — Clarice Lispector e Roland Barthes. No artigo “A escrita autoficcional em Um sopro de Vida de Clarice Lispector”, a professora e mestranda Caroline de Almeida Delgado analisa uma das obras mais enigmáticas da autora brasileira falecida em 1977. Em “Roland Barthes e o desejo do escritor”, o professor e doutorando Rodrigo da Costa Araújo investiga um livro capital do escritor, sociólogo, crítico literário, semiólogo e filósofo francês — O Império dos Signos. Rodrigo da Costa Araújo também escreveu uma resenha sobre o livro Clarice Lispector: pinturas (Rocco, 2013), em que Carlos Mendes de Sousa aborda a relação de Lispector com a pintura. Por sua vez, no artigo “Poesia como reflexo das vozes dos prostestos brasileiros”, a jornalista e mestranda Talita Vieira Barros analisa o poema “Opus Opera”, que integra a coletânea Vinagre — uma antologia dos poetas neobarracos, “composta por imagens e textos inspirados nos protestos que ocorreram em diversas cidades brasileiras em junho de 2013". Boa leitura!
Ano 17 • No 66 • Nov.-Dez./2013-Jan./2014 ISSN 1415-482X
Editor NICANOR COELHO nicanorcoelho@gmail.com Conselho Editorial Consultivo ÉLVIO LOPES, GICELMA DA FONSECA CHACAROSQUI e LUIZ CARLOS LUCIANO Conselho Científico ANDRÉ MARTINS BARBOSA, CARLOS MAGNO MIERES AMARILHA, CÉLIA REGINA DELÁCIO FERNANDES, LUCIANO SERAFIM, MARIA JOSÉ MARTINELLI SILVA CALIXTO, MARIO VITO COMAR, NICANOR COELHO, PAULO SÉRGIO NOLASCO DOS SANTOS e ROGÉRIO SILVA PEREIRA Editor de Arte LUCIANO SERAFIM PUBLICAÇÃO DO
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Rua Mato Grosso, 1831, 10 Andar, Sala 01 Centro • Dourados • MS CEP 79810-110 Telefones: (67) 3423-0020 e 9238-0022 Site: www.nicanorcoelho.com.br CNPJ 06.115.732/0001-03
Revista Arandu: Informação, Arte, Ciência, Literatura / Grupo Literário Arandu - Ano 17 No 66 (Novembro-Dezembro/2013-Janeiro/ 2014). Dourados (MS): Nicanor Coelho Editor, 2013. Trimestral ISSN 1415-482X
Nicanor Coelho, editor
1. Informação - Periódicos; 2. Arte - Periódicos; 3. Ciência - Periódicos; 4. Literatura Periódicos; 5. Grupo Literário Arandu.
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[ SUMÁRIO
ARTIGOS A escrita autoficcional em Um sopro de Vida de Clarice Lispector ............................................................. 5 Caroline de Almeida Delgado Roland Barthes e o desejo do escritor ................................ 20 Rodrigo da Costa Araújo Poesia como reflexo das vozes dos prostestos brasileiros ..................................................... 44 Talita Vieira Barros
RESENHA Das pinturas à literatura de Clarice .................................. 59 Rodrigo da Costa Araujo
INDEXAÇÃO •
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A escrita autoficcional em Um sopro de Vida de Clarice Lispector Caroline de Almeida Delgado1
RESUMO Gênero contemporâneo intitulado como autoficção, foi teorizado e definido primeiramente como uma evolução do clássico modelo autobiográfico instaurado por Philippe Lejeune. A autoficção é estudada por críticos literários do Canadá francófono, Madeleine OuelletteMichalska2, Simon Harel3 e Régine Robin4, e praticada por escritores da migração e da mobilidade cultural. A proposta deste ensaio é analisar a obra Um Sopro de Vida de Clarice Lispector de acordo com as teorias da autoficção. Serão também abordadas reflexões sobre a obra intitulada Era uma vez: Eu. A não ficção na obra de Clarice Lispector, de Lícia Manzo, dissertação publicada pela Editora Templo Gráfica em 2001. Palavras-chave: Autoficção; gênero contemporâneo; Clarice Lispector.
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Caroline de Almeida Delgado tem formação em Letras com habilitação em língua francesa pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG, mestranda em Cognição e Línguagem na Universidade Estadual Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF. Email: mademoiselle.caroline82@gmail.com
2 Escritora e crítica literária Canadense. Autora mais de 47 publicações de diversos gêneros literários traduzidas em várias línguas. Atualmente é professora de literatura e oferece cursos de escrita criativa. 3
Intelectual nascido no Quebéc, Simon Harel é psicanalista, escritor, crítico e ensaísta. É professor e diretor do departamento de Literatura Comparada no Quebéc, na Universidade de Montreal. 4 Escritora, tradutora, historiadora e socióloga, Regine Robin nasceu na França, de origem Judia. Ela é uma autora e teórica premiada, sua principal abordagem é identidade, cultura e memória.
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SUMMARY Contemporary gender autofiction, was first theorized and defined as an evolution of the classic autobiographical model introduced by Philippe Lejeune. The autofiction is studied by literary critics of francophone Canada, Madeleine Ouellette-Michalska, Simon Harel and Régine Robin, and practiced by writers of migration and cultural mobility. The purpose of this essay is to analyze Um Sopro de Vida by Clarice Lispector according to the theories of autofiction. Will also be addressed reflections on the work entitled Era Uma Vez: Eu. The non-fiction in the work of Clarice Lispector, Lycian Manzo, dissertation published by Editora Graphic Temple in 2001. Keywords: Autofiction; contemporary genre; Clarice Lispector.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS A autoficção tem seus primeiros estudos que partem do clássico gênero da escrita íntima. Foi a partir do modelo autobiográfico proposto por Philippe Lejeune (1975) que surgem as primeiras inquietações. Serge Dubrovsky, na obra Fils, instaura o novo termo para pensar as limitações que o modelo Leujeuniano apresentava diante de uma estrutura genérica fechada e limitada. Esse outro teórico vai mostrar que é possível escrever sobre si em uma obra romanesca, valendo-se de um personagem de ficção. O sujeito que se escreve e se inscreve na literatura acaba por apropriar-se de espaços variados para expor sua vida e narra-la de forma explícita ou camuflada, respeitando a verdade dos fatos ou alimentandose do ficcional. O escritor que pratica a autoficção pode encontrar em seu texto o espaço para revisitar sua vida. Ele ainda pode recuperar apenas fragmentos traumáticos de um passado que precisam ser registrados para não serem esquecidos ou ainda, para serem curados; superados no espaço do texto-divã como denomina Simon Harel. Pretendo nesse ensaio fazer um contraponto e levantar algumas reflexões sobre a não ficção defendida por Lícia Manzo e as teorias da autoficção.
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UM POUCO DE CLARICE Clarice Lispector aos 23 anos publicou seu primeiro livro Perto do Coração Selvagem, suas últimas obras foram Um Sopro de vida e A hora da Estrela as quais foram escritos de forma simultânea, ao final de sua vida, tomada pelas dores agora não só da alma, mas de um câncer que a levaria à morte em nove de dezembro de 1977. Olga Borelli, amiga íntima de Clarice, definiu Um Sopro de Vida, como “a obra definitiva” da autora. A obra póstuma foi organizada por Olga, e os textos inéditos que chegaram às suas mãos, através de Paulo, filho de Clarice (2001, p.222). Os textos eram fragmentados e escritos em talões de cheques, envelopes usados, guardanapos e pedaços de papel. Clarice utilizava a técnica da anotação imediata, levava consigo um caderninho onde anotava todas suas impressões ao longo do dia, das mais diversas situações. Deste modo é que ela passou a desenvolver e a criar seus personagens, suas histórias, a partir de suas anotações, de suas percepções da vida cotidiana, seu olhar sobre a vida e o mundo. Lícia Manzo afirma que “diante de uma leitura da obra de Clarice Lispector (...) torna-se impossível, até mesmo para o leitor mais desatento, deixar de vislumbrar uma intenção autobiográfica percorrendo seus escritos” (MANZO,2001; p 04). A voz da crítica na época, como Álvaro Lins, acreditava que Clarice “padecia de problemas típicos da chamada literatura feminina”, ou seja, a presença visível da autora transparecendo em sua narrativa era dada como um problema. Na mesma obra, Lícia aponta que Álvaro Lins, crítico da época, rejeitou Perto do Coração Selvagem para publicação e escreveu um artigo datado em 14 de fevereiro de 1944: É certo que, de modo geral, toda obra literária deve ser a expressão, a revelação de uma personalidade. Há, porém, nos temperamentos masculinos, uma maior tendência para fazer do autor uma figura escondida por detrás de suas criações, para operar um desligamento quando a obra já esteja feita e acabada. Isto significa que um escritor pode colocar toda sua personalidade numa obra, mas se diluindo nela de tal modo que o espectador só vê o objeto e não o homem. (MANZO, 2001; 22)
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Incompreendida pelos críticos de sua época, Clarice não era simpatizante das teorias literárias, a própria não se admitia escritora, dizia que não escrevia por obrigação e sim quando lhe dava vontade. Manzo descreve em sua obra que Clarice, certa vez, a convite de Affonso Romano de Sant’Anna e Nélida Pinõn foram à uma palestra na Pontifica Universidade Católica do Rio de Janeiro para assistirem ao debate Estético entre dois proeminentes teóricos, no meio da palestra: “Clarice ergueu-se irada de sua cadeira (...). Diga a eles que se eu tivesse entendido uma palavra de tudo que disseram, não teria escrito uma única linha de todos os meus livros”. Clarice temia o papel em branco que a observava pronto a ser datilografado em sua máquina de escrever, ela era dada a epifânias, a anotação imediata era uma forma de caçar as impressões, sentimentos, sensações que tinha ao longo de seus dias, tudo registrado em seu caderninho ou guardanapos de papel, sentimentos descritos através da linguagem, a linguagem como um espelho de seu mundo. A menina que acreditava que os livros eram “como árvores, como bicho, coisa que nasce”, depois de tornar-se uma renomada escritora tentava ser discreta sobre sua vida pessoal. Clarice se autoficcionalizou em seus personagens e buscou através da linguagem decodificar angústias e sensações intraduzíveis. AUTOBIOGRAFIA, AUTOFICÇÃO, NÃO FICÇÃO E FICÇÃO Estou, por exemplo, querendo escrever sobre uma pessoa que inventei: uma mulher chamada Ângela Pralini. E é difícil. Como separá-la de mim? Como fazê-la diferente do que sou? (Um Sopro de vida: 1999 p. 83)
Lícia Manzo em Era uma vez: Eu. A não ficção na obra de Clarice Lispector faz uma dedicada pesquisa sobre vida e obra de Clarice. Lícia aponta em sua dissertação, que nas obras ficcionais de Clarice havia muita não ficção, ou seja, em determinados personagens havia um pouco de sua vida pessoal. Para isso Lícia relaciona fatos da vida real colhidos através de depoimentos da família e amigos dessa grande escritora. Entendendo a não ficção defendida por Lícia Manzo em sua obra Era uma vez: Eu, em oposição ao conceito de ficção, pretendo nesse ensaio a partir da obra Um Sopro de Vida, contribuir com reflexões vistas
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a partir das teorias da autoficção. E para melhor entender tais conceitos, e introduzir as reflexões sobre este ensaio a que me proponho, cito abaixo a definição do que é ficção, segundo Dicionário Interativo de Termos Literários: Na linguagem comum, ‘ficção’ significa quase sempre invenção, obra da fantasia ou da imaginação, fabricação fabular, lenda ou mito. É, pois, uma palavra geralmente oposta a ‘facto/s’ e a ‘realidade’. Genericamente, o termo significa, em conformidade, afirmação sem fundamento, narrativa forjada, falsificação, dissimulação, fingimento; ou, mais especificamente, histórias, contos, novelas, romances da invenção de um escritor, de uma época, de uma literatura. (Ceia: s.v. “ficção”, E-Dicionário de Termos Literários).
Se a ficção, conforme citação do Dicionário Interativo, é “quase sempre invenção, obra da fantasia ou da imaginação, fabricação fabular, lenda ou mito”, a não ficção, obviamente, é o seu oposto. Lícia Manzo defende a ideia em sua dissertação de Não Ficção na obra de Clarice Lispector, porém para classificar as obras literárias desta autora como não ficcionais, apontando para isso fatos de ordem pessoal, ditos verídicos que são atribuídos aos seus personagens, dessa forma penso que também não pode ser classificada como autobiografia, pois “para que haja autobiografia (e, numa perspectiva mais geral, literatura íntima), é preciso que haja relação de identidade entre o autor, o narrador e o personagem”(LEJEUNE, 2008; p14) ou para melhor elucidar essa afirmação de que a obra de Clarice não pode ser classificada com autobiografia, segue outra citação de Lejeune: No caso do nome fictício (isto é, diferente do nome do autor) dado a um personagem que conta sua vida, o leitor pode ter razões de pensar que a história vivida pelo personagem é exatamente a do autor: seja por comparação com outros textos, seja por informações externas (...) Ainda que se tenha todas as razões do mundo para pensar que a história é exatamente a mesma, esse texto não é uma autobiografia, já que pressupõe, em primeiro lugar, uma identidade assumida na enunciação, sendo a semelhança produzida pelo enunciado totalmente secundária. (LEJEUNE, 2008; p 25)
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Pois se havia fatos que, de certa forma, identificavam similaridades ou mesmo coincidências entre os personagens ficcionais na obra de Clarice Lispector, busco nesse ensaio, apoiar-me na teoria de Simon Harel, psicanalista e teórico literário que aponta o genêro autoficção como uma “escrita do divã”. Levando em consideração as teorias de Harel, Clarice camuflava-se em seus personagens para contar-se, encontra-se, refletir sobre si mesma, diferentemente da autobiografia em que no texto é necessário uma identidade assumida. Kelley B. Duarte em sua tese de doutoramento, aborda o teórico e psicanalista Simon Harel à luz da autoficção como uma escrita para purgar os traumas ou forma de autoanalisar-se: “A autoficção é a escrita do divã ou purgatório dos conflitos internos. A autoficção não é psicose, mas pode ser espaço de psicanálise. Local de cura, de superação, de encontros com o eu do presente e o eu do passado; é o texto dupla face do autor. Autoficção configura, sem dúvida, um gênero literário independente e autônomo e não mais pode ser visto como subcategoria da autobiografia.” (DUARTE, p. 230)
Para Lícia Manzo, a não ficção é vista como uma espécie de autobiografia, passagens reais da vida do autor que se escreve. Porém indo de encontro à autora Lícia Manzo e analisando a obra de Clarice Um Sopro de vida pela perspectiva da autoficção, é possível perceber que Clarice se conta através de dois personagens: o autor e Ângela Pralini. Em toda a narrativa há fluxos de pensamentos e sentimentos, a autora escreveu-se em fragmentos: maços de cigarro, guardanapos de papel, em um momento traumático de sua vida, vivendo as dores de um câncer e sabendo que lhe restava pouco tempo de vida. Suas reflexões fragmentadas e escritas em diversas situações desse momento que passava por um câncer terminal foram organizadas por sua amiga íntima Olga Borelli, transformando-se então em obra póstuma.
UM SOPRO DE VIDA Clarice em Um Sopro de Vida dá voz ao personagem chamado “O Autor” e novamente à personagem Ângela Pralini, a mesma que aparece
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em A Partida do Trem e de Onde Estivestes de Noite. Para Manzo, se nos contos de Clarice havia dúvidas sobre o quanto de Clarice estava em Ângela, em Um Sopro de Vida a dúvida desaparece. O livro póstumo não há uma trama, ou um início meio ou mesmo fim, onde nos restam apenas reticências, há sim um diálogo livre, fluxos de pensamentos e consciência, onde os personagens O Autor e Ângela Pralini conversam, refletem, traçam diálogos desconexos que por vezes se fundem como se um complementasse o pensamento do outro, ou mesmo como se ambos se completassem, como corpo e alma, sentimento e racionalidade, positivo e negativo, como se dependessem um do outro. Lícia Manzo em sua obra comenta: “poucos dados que nos são oferecidos a respeito de Ângela nos remetem diretamente à pessoa de Clarice, a estrutura do livro acaba apontando para a seguinte fórmula: “O autor escreve Ângela”, ou ainda “O Autor” escreve “Clarice Lispector” (MANZO, 2001, p. 223). O tom confessional em Um Sopro de Vida se dá em vários momentos da obra, como que se a cada nova página encontrássemos provas, provas espalhadas por toda narrativa “Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar. Estou com medo de começar. Existir me dá às vezes tal taquicardia. Eu tenho medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram em mim.” (1999, P 16). Clarice nasceu em 1925 em uma aldeia da Ucrânia chamada Tchetchelnik. Seu país se dizimava por doenças, epidemias e atingido pela Primeira Guerra Mundial, seus pais que eram judeus resolveram partir para o Brasil. Uma das primeiras providências ao chegar a solo brasileiro foram às mudanças dos nomes, a família Lispector formada por Pinkas e Mania passarou a se chamar Pedro e Marieta; Lea sua irmã mais velha adotou o nome de Elisa, Tânia sua irmã do meio foi a única a manter o mesmo nome e Haia, a caçula da família, passou a se chamar Clarice. A segunda troca de nome foi quando Clarice se casou com o colega da faculdade de direito, Maury Gurgel Valente, o nome Clarice Lispector passaria então a ser somente o seu nome artístico, Clarice passa a ser Clarice Gurgel Valente. Qual seria então o nome a que Clarice se refere na passagem citada acima em Um Sopro de Vida? Talvez nem mesmo a própria Clarice soubesse nos responder, pois como ela mesma cita: “Há tantos anos me perdi de vista que hesito em procurar me encontrar.” O nome que supostamente seria nossa primeira identidade para o mundo, Clarice por ser judia, foi obrigada a se esconder desde cedo, a se esconder de sua verdadeira identidade:
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Haia. Tentar se encontrar, talvez, em Um Sopro de Vida fosse uma de suas últimas tentativas. Condenada à morte por um câncer, Clarice faz uma última tentativa de buscar-se. Ela se autoanalisa entre as vozes dos personagens “O Autor” e “Ângela Pralini”, e ela fez tal reflexão da forma mais prazerosa que era escrever. Clarice costumava dizer que depois que escrevesse um livro ela morria, como se em mais uma de suas tramas geniais, ela deixasse pistas para sua amiga Olga Borelli. Um livro, um livro fragmentado e escrito em guardanapos de papel, maços de cigarros, talões de cheques e envelopes usados e nessa brincadeira, nessa trama bem pensada ela morreria, mas dessa vez de era de verdade. A brincadeira de se esconder ou de se autoficcionalizar, talvez tenha dado para Clarice, um gosto mais doce para sua vida, pois através de Joana, Ana, Laura, Martim, G.H., Lori, Rodrigo, Macabéa e Angela Pralini, Clarice contou-se, inventou-se para o mundo por meio de seus personagens. Talvez a vida tenha lhe ensinado isso desde cedo, a se esconder, se camuflar. A literatura talvez tenha lhe dado a sua real liberdade. O que Clarice talvez não contasse era com a omissão de um fragmento de Um Sopro de Vida organizado por sua amiga Olga Borelli, conforme cita Lícia Manzo, o depoimento de Olga em sua obra: Ela pede para morrer. Eu omiti uma frase. Omiti esse fato para a sua família não ficar muito sofrida. Quer dizer, esse livro eram fragmentos, e um fragmento me tocou muito, em que ela diz “eu pedi a Deus que desse a Ângela um câncer e que ela não pudesse se livrar dele”. Porque a Ângela não tem coragem de se suicidar. Ela precisa, porque ela diz: “Deus não mata ninguém. É a pessoa que se morre.” Clarice dizia também que cada pessoa escolhe a maneira de morrer. (MANZO, 2001, 207)
Será que Clarice escolheu sua morte? A vida real e a ficção se confundem ou se fundem, e ela parece ter escrito a própria vida. É possível debruçar-se sobre as teorias da autoficção para refletir sobre Um Sopro de Vida, pois como Clarice revelaria em público suas mais temidas sensações e medos ou como ela se isentaria, diante de tanto sofrimento com a doença, de transpor suas dores aos seus personagens O autor e Ângela Pralini? Olga Borelli ao poupar a família de Clarice retirando um fragmento no qual Clarice pedia para morrer, acabou construindo um novo
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sentido com a omissão desse fragmento. No momento em que escrevemos formalizamos, no momento em que nos lemos, refletimos. No momento em que refletimos nos autoanalisamos. Um divã na forma de um personagem, Ângela é Clarice, Clarice é Ângela e também o personagem O autor. Lícia Manzo cita que “Clarice costumava dizer que o maior elogio que jamais recebera viera do escritor Guimarães Rosa que, em meio a uma festa, segredara-lhe: “Não leio você, Clarice, para a literatura. Leio você para a vida” (2001, p.151). Talvez o próprio Guimarães Rosa tenha percebido o quanto de confessional camuflava-se em seus personagens. A TRÍADE: CLARICE, ÂNGELA E O AUTOR, UMA VOZ DO EU Ao folhear a primeira página de Um Sopro de Vida, na terceira linha, há presença de um Eu que fala: “Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém. Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie de loucura que a morte faz.” (LISPECTOR, 1999, p.13). A obra começa em fluxo de pensamento, algo como a oralidade, sentimentos e reflexões do narrador/autor sobre o tempo, vida, morte e a efemeridade, a efemeridade da vida e da duração das “coisas”. Fala sobre o medo de escrever, sobre o corpo, sobre a alma, sobre Clarice “eu que escrevo para me livrar da carga difícil de uma pessoa ser ela mesma”. Quando se pensa que este livro, Um Sopro de Vida, nasceu de fragmentos escritos por Clarice enquanto convivia com a proximidade da morte, pode-se pensar que essa última obra foi como os últimos sopros de vida de Clarice. Sopros de emoções que ela sentia em seus últimos dias, nada de surpreendente que essa obra, que foi organizada por Olga Borelli, mostrasse uma Clarice que questiona não só vida e morte, mas tudo o que permeava sua vida, inclusive o processo de criação de uma obra e de um personagem. Em seu ultimo livro, com Ângela Pralini e O autor, Clarice é masculino (O autor) e feminino (Ângela) duas energias unidas em um Eu. Frente à morte sua última obra é um adeus e também, simbolicamente, parece um símbolo da eternidade “como cobra que engole o rabo”. Um Sopro de vida é uma obra circular de alguém que tem que calar-se, mas não quer ficar em silêncio. O livro tem continuidade quando é finalizado pelas reticências, Ângela fala e logo em seguida entra “O autor”, O Autor que é Clarice, que se despede:
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Quanto a mim também me distancio de mim. Se a voz de Deus se manifesta no silêncio, eu também me calo silencioso. Adeus. Recuo meu olhar minha câmera e Ângela vai ficando pequena, pequena, menor — até que a perco de vista. E agora sou obrigado a me interromper porque Ângela interrompeu a vida indo para a terra. Mas não a terra em que se é enterrado e sim a terra que se revive. Com chuva abundante nas florestas e o sussurro das ventanias. Quando a mim, estou. Sim. “Eu...eu...não. Não posso acabar”. Eu acho que...
Neste fragmento final da obra, o “Eu...eu...não. Não posso acabar” seria a negação da própria morte. Clarice dá sua voz ao personagem O autor, e se notarmos as reticências ao final e retornarmos a ler o início da obra que começa “ISTO NÃO É UM LAMENTO, é um grito de ave de rapina5. Irisada e intranquila. O beijo no rosto morto.” há uma nova construção de sentido se unirmos o fim da obra ao seu início: “Eu...eu...não. Não posso acabar. Eu acho que isso não é um lamento, é um grito de ave de rapina” Dessa forma, com uma linha que une início e fim da obra, há o simbolismo da eternidade, o livro não acaba, ele é contínuo, eterno, como o próprio símbolo da cobra que engole o rabo6.
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Para Nietzsche (1844-1900), há dois tipos de pessoas: as que são fortes como Aves de Rapina e as que são fracas como ovelhas. As Aves de Rapina têm força para realizarem tudo o que querem e, se tiverem o desejo de capturar ovelhas, elas conseguirão se impor, pois são fortes. Como, para Nietzsche, há dois tipos de pessoas, há também dois tipos de moral: como os fortes dizem sim a si mesmos, veem-se como bons, como fortes e desprezam as ovelhas, já que são seres fracos, ruins. Já as ovelhas dizem não a um outro, consideram-no mau e desejam vingança. Isto é, as ovelhas inverteram os valores e dominaram as aves de rapina com a moral socrática e com o cristianismo. Para Nietzsche, ao invés de agirem de acordo com seus instintos, os homens os reprimem com a razão. O caminho que Nietzsche trilha para que as aves de rapina voltem a ser livres é somente um “Como tornarse o que se é”. 6 Antigo símbolo chamado de Ouroboros está comumente associado a alquimia, ao gnosticismo e a hermenêutica. Representa a natureza cíclica de tudo, o eterno retorno e os ciclos. A característica dual de todas as coisas. Está ligado também ao Yin e ao Yang. Na alquimia simboliza o trabalho circular do alquimista, que une opostos: mente consciente e inconsciente. Um dos mais antigos símbolos de Ouroboros foi encontrado na obra Chrysopoeia de Cleópatra com a ilustração da
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O grito de uma ave, ave que é livre Clarice queria ser livre, uma ave que grita, grita de dor, grita porque não quer calar-se. Mas se a vida lhe impôs a morte, sua genialidade permitiu que construísse uma obra que não tem fim, que continua, como o símbolo do infinito ou algo cíclico. Por mais que Clarice atribua a Ângela data de nascimento, altura, que era casada com um industrial, ao longo da obra Clarice confere seus próprios traços à Ângela: Tenho sobrancelhas que perguntam sem parar mas não insistem, são delicadas. Esse rosto-objeto tem um nariz pequeno e arredondado que serve a esse objeto que sou para farejar que nem cão de caça. Tenho uns segredos: meus olhos são verdes tão escuros que se confundem com o negro. Em fotografia desse rosto de que eu vos falo com certa solenidade os olhos se negam a ser verdes: fotografada sai uma cara estranha de olhos pretos e levemente orientais. ( 1999, p 109)
Em pesquisa para este ensaio, vi uma fotografia de Clarice ainda moça. As características acima atribuídas à Ângela, na verdade, são de Clarice e para minha surpresa, pois até o momento eu desconhecia que os olhos de Clarice eram verdes, verdes escuros, e em algumas fotografias ficavam negros. E não foram somente os traços do rosto que foram atribuídos a Ângela, mas também a autoria de A cidade sitiada: “No meu livro A cidade sitiada eu falo indiretamente no mistério da coisa”(P.104), logo em seguida continua: “No Ovo e a Galinha falo no guindaste.” São contos de Clarice Lispector, cuja autoria é atribuída à Ângela Pralini, personagem de Um Sopro de Vida. Na posição de escritora/criadora já que Clarice podia criar um personagem, ela também podia colocar-se como no papel de um Deus em Um Sopro de Vida. Ela cria um personagem, constrói, atribui-lhe carac-
seguinte frase “Um é tudo, tudo é um”. A serpente que morde a própria cola é simboliza um ciclo de evolução encerrado nela mesma , rompendo um processo linear, mostrando um fluxo natural e dual do mundo. Tudo flui e circula entre opostos. A cobra que engole o próprio rabo, ao mesmo tempo em que se mata ela se dá a vida.
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terísticas e depois lhe sopra a vida. Clarice cria e liberta Ângela, e também, pois se ela brinca de Deus, Clarice podia fazer o que quisesse até ser sua própria personagem ou por momentos o personagem O autor, Clarice podia tudo, podia criar palavras, dar sentido à palavra “coisa”, chamar Deus de “sued”. Ela só não podia fugir da morte, enganá-la, então deixou-se levar porém não se calou, ela ainda fala, fala com o leitor, o grito da ave de rapina ainda ecoa. Ela inventou-se, ou melhor, ficcionalizou-se por último em Ângela e primeiro em Joana. Depois vieram Virginia, Ana, Laura, Martim, G. H., Lori, Rodrigo, Macabéa, também ela pode ter sido um pouco de seu cachorro Ulisses o qual ela também mencionava em seus contos, ou o cego mascando chiclete na esquina. Clarice não cabia em si, em ser somente ela, então criou-se, multifacetou-se em vários outros seres que na literatura chamam de personagens. Já que a morte foi-lhe imposta, ela deixou pelo menos o que acreditava ser eterno, seus livros. CONSIDERAÇÕES FINAIS Clarice Lispector rompeu com os padrões das teorias literárias de sua época, e talvez rompa até hoje porque ela vai além de qualquer teoria, pois não há como restringi-la, recortá-la, pois provavelmente serão deixados para trás aspectos de suma importância em suas obras. Neste ensaio, atrevo-me lançar um olhar para sua obra póstuma Um Sopro de Vida pelas teorias da autoficcão, nada de surpreendente que uma teoria contemporânea seja relacionada à obra de Clarice, já que Clarice estava avant la garde, à frente de seu tempo. Lícia Manzo em sua obra fala que Álvaro Lins arriscou definir a obra de Clarice em Realismo Mágico, pois a crítica na época da publicação de Perto de um coração Selvagem precisava encaixar seu livro em algum compartimento de suas estantes. Ela também comenta, em Era uma vez: Eu, que a primeira obra de Clarice também foi julgada como: “temperamentos femininos”, “Feminino no seu caráter essencial”, “livros pessoais de confissões”, “potencial de lirismo” (MANZO,p 23). Comparações, a meu ver equivocadas, com Virgínia Woolf também foram feitas no aspecto teórico, porém Clarice, diante a toda a repercussão de sua obra de estréia, em entrevista a O Pasquim disse:
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— Clarice, diga o nome de alguns escritores e livros que tenham te influenciado? — Não me lembro. — Onde então você aprendeu a escrever? — Na escola pública João Barbalho em Recife. (2001, p 24)
Em Um Sopro de Vida Clarice é dual, ora Ângela ora é O autor. Ângela é solta, livre, mística, inconsequente. O personagem O autor lhe deixa escrever um livro, mas Ângela assim como Clarice teme e adia a escrita do romance “Só consegue anotar frases soltas (...). Amanhã eu começo o meu romance das coisas” (1999, p 102). Contraditória, também como Clarice, que na sua genialidade se intimidava perante uma folha em branco, só não teme escrever em pedaços de papel e envelopes velhos. Escrever de forma fragmentada, talvez, o reflexo de sua alma que estava aos pedaços ao criar Um Sopro de Vida “O que está escrito aqui, meu ou de Ângela, são restos de uma demolição de alma, são cortes laterais de uma realidade que se me foge continuamente” (1999 p 29). O sonho acordado é que é a realidade, atrás do pensamento, eu falando dela (Ângela) e A ÚLTIMA PALAVRA será na quarta dimensão (p 22,23) são como pistas da amplitude de sua obra. A voz de Ângela vem de trás do pensamento, algo como uma tentativa de revelar o nível mais profundo de sua consciência, na quarta dimensão algo muito além, talvez por suspeitar que, quando publicados seus fragmentos de Um Sopro de Vida ela não estivesse mais entre nós. Philippe Lejeune na obra O pacto autobiográfico, no capítulo “Um diário todo seu”, cita: O papel é um amigo. Tomando-o como confidente, livramo-nos de emoções sem constranger os outros. Decepções, raiva, melancolia, dúvidas, mas também esperanças e alegrias: o papel permite expressálas pela primeira vez, com toda a liberdade. O diário é um espaço onde o eu escapa momentaneamente à pressão social, se refugia protegido em uma bolha onde pode se abrir sem risco, antes de voltar, mais leve, ao mundo real. Ele contribui, modestamente para a paz social e o equilíbrio individual. (LEJEUNE, 2008; p 262)
Ainda na mesma obra, Lejeune comenta sobre a condição do dia-
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rista que se protege da própria morte definido por ele como uma escrita do amanhã: A escrita de amanhã por sua reduplicação indefinida, tem valor de eternidade. A intenção de escrever outra vez pressupõe a possibilidade de fazê-lo: entramos em um espaço fantasmático no qual a escrita se sobrepõe à morte — post-scriptum infinito... (LEJEUNE, 2008; p 270)
“Eu tenho que ser legível quase no escuro” (p 23) alguém que tenta ser clara diante da escuridão que simboliza a proximidade de sua morte. Legível pode-se relacionar ao racional, legível no sentido de tentar processar o que vivia, se conformar com o que o futuro em breve lhe reservava. Se Clarice escrevia em forma de fragmentos, quem sabe suas personagens seriam várias facetas de uma única mulher. Talvez, seus fragmentos, suas epifânias que eram formalizadas em suas anotações, construíram um EU único. Uma personagem da vida real, Clarice sentia, absorvia, observava com emoção, com sensibilidade o outro, o mundo. Gostava das crianças e dos animais, admirava a pureza de alma, isso explica talvez a sua amizade com a menina de nove anos de idade, Andréa Azulay, filha de seu ex-psicanalista Jacob Azulay, e sua paixão pelo seu cachorro Ulisses, que em Quase de verdade, “ela se propõe a falar por Ulisses e escreve — Au, au, au!” (MANZO apud Lispector 2011, p.187). A língua era seu instrumento, certamente, de ver, sentir e tentar entender o mundo e se fazer entender para o mundo, o seu mundo, vistos pelas janelas de sua alma: “Na hora de minha morte — o que é que eu faço? Me ensinem como é que se morre. Eu não sei”. (1978,p.120) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS LISPECTOR, Clarice. A descoberta do Mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. ________. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. ________. Entrevista a Julio Lerner. TV Cultura. São Paulo, fevereiro de 1977.
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________.Onde Estivestes de Noite. Rio de Janeiro: José Alvaro, 1999. ________.Um Sopro de Vida. Rio de Janeiro: Rocco Ltda, 1999. CEIA, Carlos: E-Dicionário interativo de Termos Literários. Acesso em: 20/07/2013. Disponível em: http://www.edtl.com.pt/index.php?option= com_content&view=frontpage&Itemid=1 DUARTE, Kelley Baptista. A escrita autoficcional de Régine Robin: mobilidades e desvios no registro da memória. Porto Alegre: UFGRS, Letras. 2010. Acesso em 07/07/2013. Disponível em: http://www.dominiopublico. gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=203106 HAREL, Simon. Sites et lieux de mémoire: les cybermigrances de Régine Robin. Acesso em 08/07/2013. Disponível em: http://academia.edu/ 669599/Sites_Et_Lieux_De_Memoire_Les_Cybermigrances _De_Regine_obin LEJEUNE, Philippe. O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet. Belo Horizonte: UFMG, 2008. MANZO, Lícia. Era uma vez: EU. A Não-ficção na obra de Clarice Lispector. Curitiba: UFJF- Templo Gráfica, 2001.
Roland Barthes e o desejo do escritor Rodrigo da Costa Araújo1
RESUMO A escritura-leitura de Roland Barthes (1915-1980) concilia as margens do ensaio e do romance e realiza, transgressoramente, a inscrição do romanesco no texto crítico. Nesse sentido, este artigo foca o livrocorpus O Império dos Signos e a noção de romanesco que, de elementos de uma teoria, tornar-se, progressivamente, uma estratégia de escritor. Esta estratégia deve ser associada a uma busca do detalhe, que se verifica tanto na análise do romanesco como numa busca da abordagem da vida, do real cotidiano. Palavras-chave: Roland Barthes; romanesco; O Império dos Signos; escritor. ABSTRACT The scripture-reading of Roland Barthes (1915-1980) reconciles the banks of the essay and the novel and realizes transgressoramente, enrollment in the critical text of the novel. Thus, this article focuses on the book corpus Empire of Signs and the notion of romance that of elements of a theory, become progressively a strategy writer. This strategy should be linked to a search of the detail, which occurs both in the analysis of the novel as a search approach to life, the everyday reality. Keywords: Roland Barthes; novel; The Empire of Signs; writer.
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Professor de Literatura Infantojuvenil e Teoria da Literatura na FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé, Mestre em Ciência da Arte [2008 - UFF] e Doutorando em Literatura Comparada [UFF]. Ex Coordenador Pedagógico do Curso de Letras da FAFIMA, pesquisador do Grupo Estéticas de Fim de Século, da Linha de Pesquisa em Estudos Semiológicos: Leitura, Texto e Transdisciplinaridade da UFRJ/ CNPq e do Grupo Literatura e outras artes, da UFF. Autor das coletâneas Literatura e Interfaces e Leituras em Educação, ambos da Editora Opção (2011). Email: rodricoara@uol.com.br
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É preciso conceber o escritor (ou o leitor: é a mesma coisa) como um homem perdido em uma galeria de espelhos: ali onde a sua imagem está faltando, ali está a saída, ali está o mundo. [BARTHES, Roland. Sollers Escritor, 1982, p.51]
I. SIMULAÇÕES ROMANESCAS DA ESCRITURA Escrever exige clandestinidade. [BARTHES, Roland. A Preparação do Romance. Vol. I. 2005. p. 23] Há em mim uma espécie de Eros da linguagem. [BARTHES, Roland. O Grão da Voz. 1995. p. 226]
Barthes escreve por fragmentos ou a maioria dos livros de sua poética é escrita por fragmentos, de articulações de instantes que vêm picar, ferir (como o punctum) o leitor ou ele mesmo escritor, no momento de escrever; apropriando-se do oral em proveito do imaginário da escritura. Diante deles, e a partir da escritura, apresenta-se, para nós, um Roland Barthes-escritor, investigado pelo romanesco. O descontínuo da forma desliza para o descontínuo do ensaio ou da ficção, abrindo espaço para a estetização da vida, aproximações de gêneros e, a partir dessas relações, reflexões sobre o romanesco. Por isso mesmo, podemos ler a obra de Barthes como “um longo amadurecimento “d’un dérir de roman”2 ou mesmo como “l’escriture du roman” (COSTE, 2010, p.143). O esteta, nesse sentido, reflete, em suas múltiplas máscaras e rubricas, e na polifonia de suas referências artísticas e culturais, uma marca singular em relação ao discurso. É a singularidade desse discurso, o registro do cotidiano e as miríades de conexões por ele viabilizadas que pluralizam a leitura das descobertas. Nesses fragmentos e nessas abordagens inscreve-se um écrivain-dandy que rompe com as noções de gêneros (literário e ensaístico), para o surgimento de um texto em que as
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Queremos dizer, o romance sem a ficção.
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simulações3 romanescas darão o tom, certa nuance4 de leitura-escritura. O reivindicador do “prazer do texto” e crítico romanesco de si mesmo faz desse processo um trabalho de explicitação de um texto plural e que se adensa, se opaciza, se ambiguiza por um trabalho de escritura. A medida e valor dos fragmentos e do texto, assim, são dados pelo próprio valor do texto, que ele mesmo consegue suscitar: ficções em fragmentos, jogos de metacríoica. Fez, como ele mesmo estabeleceu: Como um bricoleur, o escritor (poeta, romancista ou cronista) só vê o sentido das unidades inertes que tem diante de si relacionando-as: a obra tem, pois, aquele caráter ao mesmo tempo lúdico e sério que marca toda grande questão: é um quebra-cabeça magistral, o quebracabeça do melhor possível (BARTHES, 1964, p. 186).
A prática crítica de um bricoleux, como é vista nesse fragmento que se refere a Butor, é, pois, uma prática secreta do indireto e, que, também, pode ser aplicada a sua própria escritura quando fala do romanesco. O pretexto crítico talvez seja ideal para que se pratique não o romance, mas o romanesco a que aspirava Roland Barthes. A “crise do nome próprio” que, segundo ele, o impede de ser romancista, encontra saída quando esse nome próprio não tem um referente “real”, mas já é ele próprio um nome literário. A reivindicação do prazer por Barthes, em seu ensino e, por sua vez, em O Império dos Signos e na escritura, é um dos aspectos mais instigantes de sua proposta. Inquietante, sua escritura, nesses registros, é a atividade com a qual o escritor se envolve, se enovela, finge que vai dizer, mas apenas aponta, sugere, indicia, de forma a fisgar o leitor com o seu “canto órfico”5, que só
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Quanto ao conceito de simulação em R. Barthes, as discussões neste ensaio proximam-se, do que o crítico escritor chamou de Amador. Para ele, “O Amador = aquele que simula o Artista ) e Artista deveria, de tempo em tempo, simular o Amador) [...] Simulação: eu simulo ser aquele que quer escrever uma obra” (BARTHES, 2005, p.87). 4
Nuance para o semiólogo é “uma aprendizagem da sutileza” (BARTHES, 2005, p. 94). 5
Roland Barthes ao falar do escritor e do crítico no prefácio de Essais critiques
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pode olhar para frente, proibido que esta de retornar ao objeto amado. Nessas rubricas ficam apenas os possíveis narrativos e a obstinação de escritor em dispor, manipular, compor, manejar, reordenar a vida, enquanto a morte não lhe rouba a cena. Nesse discurso, ora em críticaescritura6, ora sério e denso, os registros acontecem entre as digressões da memória e o jogo escritural. No espaço esperado e continuamente suspenso da criação em O Império dos Signos, tece-se nos registros do cotidiano como ausênciapresença: a criação que emerge, pelos fragmentos, da criação submergida e impossibilitada do dizer. O romanesco se realiza e pulsa nos e dos flagrantes da ausência, das clivagens, suspensão, rupturas daquilo que o romance poderia ser dito, mas não foi. Em meio à essa confusão e fragmentação diegética, percebe-se a construção de um sujeito que se mantém como perturbável personagem, ou em contrapartida, um “eu” que retorna dilacerando as estruturas da linguagem, ressignificando o sentido do Japão como objeto romanesco. Essa mesma sequência fragmentária do Império dos Signos é utilizada inclusive em Roland Barthes por Roland Barthes (1975), texto que subverte o conceito de autobiografia, no qual o autor fala se si por biografemas, fragmentos de vida que quebram a cronologia dos fatos e que, ainda que apresentem um Roland Barthes histórico, cronologicamente situado, não impede que outros Barthes sejam (re)elaborados, à medida que o leitor, ao “levantar a cabeça” aqui e ali cadencie, com os movimentos de seu próprio corpo, os movimentos do corpo que se encena no texto. Tudo recupera, de alguma forma, os valores do “texto de
(1964) acentua a “linguagem indireta” do escritor. E sendo ela indireta, é também, simultaneamente obstinada e “desviante”. Seria esse olhar, segundo o crítico francês, uma situação órfica, “não porque Orfeu “cante”, mas porque o escritor e Orfeu estão ambos tomados pela mesma interdição, que faz o seu canto: a interdição de se voltarem para aquilo que amam” (BARTHES, 1964, p. 16). 6
Nesse espaço romanesco, onde o escritor escreve sem nunca escrever, ocorre a circulação incessante de seus desejos e a inscrição de seu prazer que, como a escritura, é insustentável, impossível, circulando infinitamente nessa maquinaria de linguagem desejante chamada escritura. A respeito do texto que se escreve, Barthes afirma: “O escriptível é o romanesco sem o romance, a poesia sem o poema, o ensaio sem a dissertação, a escritura sem o estilo, a produção sem o produto, a estruturação sem a estrutura.” (BARTHES. S/Z, 1970, p.11).
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gozo”, num encontro de pluralidades, conforme o que se lê em S/Z: “Este “eu” que se aproxima do texto é já uma pluralidade de outros textos, de códigos infinitos, ou mais exatamente: perdidos (cuja origem se perde)” (BARTHES, 1970, p. 16). Algumas dessas leituras de Barthes como escritor se concretizaram em “Pourquoi j’aime Barthes?”, quando Alain Robbe-Grillet (1978) explica por que o considera tão romancista quanto Flaubert, aliás, como o crítico-escritor seria “o romancista” moderno: A necessidade de estar sempre no impasse é o que caracteriza o gênero romanesco. Houve o impasse de Joyce, houve o Nouveau Roman dos anos 50, que conheceu o seu próprio impasse, depois houve o Nouveau nouveau Roman, e que passa igualmente por um novo momento de impasse. Algo de novo deve ser feito no romance, e esse algo de novo está sendo feito precisamente por alguém que não vai querer aplicar todas e qualquer regra do romance passado. E, talvez, gerações futuras julguem que o obstáculo já tenha sido transposto. Você não está transpondo o obstáculo do lado em que se espera, isto é, pelo processo de realinhamento por uma forma bem conhecida e bem tranquilizadora, a do romance romanesco. Ao escrever Fragmentos de um discurso amoroso (Fragments d’un discours amoreux), você transpôs não o obstáculo colocado pela sociedade, mas o que você próprio colocou, indo em direção ao que talvez apareça daqui a vinte anos como o Nouveau nouveau nouveau Roman dos anos 80. Quem sabe? (ROBBE-GRILLET, 1995, p.27-28).
Entre o l’obvie et l’obtus, entre o crítico e o escritor7 parece não haver divisões, apenas o afrontamento que os desvela ou a fronteira difusa que se coloca para o leitor como desafio que instiga a descobrir os limites que os envolvem. A leitura d’O Império dos signos e de suas próprias teorias apontam, em Barthes, o caminho que o transforma de autor-crítico, em leitor de si mesmo, de artista, em semiólogo das linguagens. Nes-
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Quanto ao mesmo viés, de Roland Barthes, escritor — ler o ensaio: NAVA, Luís Miguel. Roland Barthes, Romancista. In: SEIXO, Maria Alzira (org.). Leituras de Roland Barthes. Dom Quixote. Lisboa. 1982. pp.189-203.
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sa leitura de si, o crítico e escritor se desafiam para proporcionar, ao leitor de ambos, uma revisão da literatura a partir da leitura responsável pela descoberta do autor nos textos que lê o crítico na maneira como descobre esse autor/leitor. Entre o ficcionista e crítico8 há apenas um disfarce de autores, ambos são leitores sagazes. Ao fragmento, junta-se o romanesco, certo “modo de notação, de enquadramento do real cotidiano, um modo de fragmentação; e captado, de preferência quando se produz” (MARIELLE, 2010). Mesmo falando do cotidiano, as rubricas sobre o Japão, através do romanesco, reforçam a passagem entre a vida e a literatura, entre o romanesco e a travessia que se faz através da fragmentação, da descontinuidade. O romanesco é modo de notação, de enquadramento ou mesmo de picturalização do cotidiano, e, por isso, torna-se a matéria de uma escritura curta, certa errância da vida cotidiana. Tal como o romance de Proust, o narrador, nessas nuances, estabelece uma busca poética da realidade perdida do passado, e uma retomada dos meios artísticos para recriá-la, registrando no papel suas memórias ou reminiscências. O romanesco está ligado, portanto, não a temas específicos ou a contar uma história, ou a tecer um relato, mas para Roland Barthes, tratase de um modo, propriamente dito de recortar o real e de uma forma de fragmentação9 e, talvez, por isso, muito mais próximo de captar do que produzir. O romanesco, neste sentido, simula o romance em cada texto, já que sua articulação narrativa é a do desejo. Ao aproximar o romanesco da escritura, Stephen Heath, em Vertige du déplacement: lecture de Barthes (1974) afirma que “a escritura não respeita a separação dos gêneros, as partes estabelecidas do discurso”. Nenhuma surpresa, então, em Barthes considera-se como um romancista scripteur (escritor), não do romance, mas do “romanesco”: Mitologias, O Império dos Signos, são romances sem história, Sur Racine e S/Z são romances sobre histórias. A escritura de Barthes, nessas leituras, assume
8 Outra leitura importantíssima que fala de Barthes como escritor é o livro Poiética de Barthes (1980), de José Augusto Seabra. 9 Esse mesmo viés de leitura pode ser aplicado aos livros: Roland Barthes par Roland Barthes, La Chambre Claire, Incidents, Fragments d’un discours amoreux e O Diário de Luto, do mesmo autor-crítico-escritor.
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nuances de romanesco; este que transmite o desejo de escritura e que não é o romance; mas o romance sem enredo, sem personagens, ficção sem fazer ficção. Pela escritura, Roland Barthes produz o delírio sistemático da permutação infinita, contra o sistema, a estruturação fechada, centralizada (Fourier é um exemplo privilegiado do que poderia ser um trabalho ronanesco). Uma vez que o romance é recuado por um discurso — um socioleto, uma ficção — aí se produz um romance, o romanesco é outra coisa: “um simples corte instruturado, uma disseminação de formas: a maya” (BARTHES, 1973,p. 46). Nesse sentido, o trabalho semiológico do texto em S/Z traz, precisamente, o traço romanesco. O romanesco, para Stephen Heath, estabelece uma oposição a todos os romances de viagem. Para ele, o romance clássico foi capaz de apelar para confiáveis pontos de chegada e de partida — com ou entre esses dois polos, apostando em etapas sucessivas na promessa de um sentido. Aqui, no entanto, é um movimento sem fim (ou finalidade), assim como perversão contínua que é necessária numa cidade sem um centro (como Tóquio, com o seu centro vazio) movimento que encontramos em todos os momentos da escritura, o tecido da vida — “a escritura viva da rua”. Quanto a este olhar, o que chama a atenção do estudioso (e ele entende que esta ideia surge de uma série de inflexões que se revelam em todos os textos de Barthes): são os registros de curiosidades da linguagem, a arrumação de um dossiê sem horizonte de tudo o que, de longe, de aparência absurda, bizarra, vai eclodir o conforto mesmo da língua, como certo projeto de espanto, um choque distorcido e esperado. Segundo ele, esses gestos em Barthes revelariam algo não somente de Joyce, ceifeiro de linguagens, mas, também, de Freud com sua coleção de palavras apaixonadas para dois significados contraditórios que mudam a lógica da razão. Para o crítico de Vertige du déplacemente, o trabalho semiótico de Barthes faz acontecer o romance da linguagem, e a linguagem de um romance. Por mais paradoxal que possa parecer, segundo sua leitura, essa foi uma possível definição do romanesco. O trabalho do romanesco em Barthes é este saber do romance da linguagem (sua inteligência, segundo Nietzsche); deslocamento maior que desliza ao significante ( “O romanesco, quer dizer, o significante”), ao escrevível, a todo o texto da vida.
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No jogo romanesco pulsa certa dimensão evocativa da escritura, o que supõe corporeidade e desejo. Em sua materialidade significante, o livro/texto Império dos signos se faz carne e corpo erótico. A escritura é prova que o texto deseja o leitor. Numa perspectiva barthesiana, o próprio livro enquanto escritura e resultado de uma projeção romanesca, é o “kamasutra da linguagem”. O escritor barthes, segundo Leyla Perrone Moisés, “é aquele que desloca, que se desloca, que a cada vez imposta diferentemente a mesma voz. Assim, R.B. não é um impostor, mas um impostador” (1993, p.111). A escritura-romanesca, segundo Barthes tem a função de “colocar a máscara e, ao mesmo tempo apontá-la” (BARTHES, 1972, p, 28), apresentando diversas vozes expressas em tempos verbais diferenciados, cuja intenção é apagar a imagem do autor empírico. Desse modo, a escritura romanesca, ao apontar a máscara, volta-se para si mesma, instaurando uma atividade crítica e de autocrítica. Além disso, é possível afirmar que a escritura barthesiana, com suas marcas, nuances e viscosidades próprias, torna-se inconfundível quanto à sintaxe e pontuação. O uso dos parênteses, o travessão, a barra, os dois pontos assumem papéis significativos no modo como conduz o texto; também quanto à enunciação (a primeira pessoa, irônica e lúdica, quando intervem), quanto à duração (Barthes cultua o fragmento, o aforismo, o haikai) e, sobretudo, quanto à retórica. É exatamente esse olhar que Philippe Sollers, em R.B., reforça quando afirma: “Ai-je dit que R.B., [...] avait inventé l’écriture-séquence, le montage flexible, le bloc de prose à l’état fluide, la classification musicale, l’utopie vibrante du détail [...]” (SOLLERS, Philippe. 1971, p.26)10. II. ROLAND BARTHES, LE MÉTIER D’ÉCRIRE No texto (na obra), é preciso ocupar-se do ator. [BARTHES, Roland. Sollers Escritor, 1982, p.69]
Em texto sobre Walter Benjamim, Susan Sontag (1986, p.87) afirma 10 “Eu disse que RB, [...] tinha inventado a escrita-sequência, a montagem flexível, o bloco de prosa no estado fluído, a classificação música, a utopia vibrante do detalhe [...] “(SOLLERS, 1971, p.26).
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que “não se pode interpretar a obra a partir da vida. Mas pode-se, a partir da obra, interpretar a vida”. Foi justamente este o percurso que Éric Marty fez ao ler a vida de Roland Barthes (1915-1980) no elegante livro Roland Barthes, o ofício de escrever (2009). Esta biografia/memória recupera o dinamismo da obra de Roland Barthes e, o que ela mesma, institui no seu fazer e refazer interpretativo em busca de um redimensionamento de sua prática e criatividade. A trajetória crítica e literária de Roland Barthes, constituída por uma produção complexa e variada, rica e densa, é fonte inesgotável de leituras críticas. O crítico-escritor faleceu em pleno auge de sua criatividade. No entanto, com suas ideias e leituras, inovou e fundou a semiologia, redimensionando o espaço da crítica literária. Deixou-nos textos que, até hoje, passados vinte e nove anos de sua morte, dinamizam e fundamentam o universo literário e outros discursos, onde reiteram suas obsessões numa linguagem irônica e persuasiva, transgressora e rica em vieses, visionária e erótica, com um potencial significativo nunca exaurido. Espécie de fragmentos de memória e fragmentos de uma amizade, celebração e conturbações, deslocamentos — duas vidas (biógrafo e biografado) que se cruzaram, — Roland Barthes, le métier d’écrire [título original em francês] é um depoimento literário que pretende restituir a inquietude e estranhezas dos gestos e das ideias de Barthes, sobretudo seu perfil requintado e seu olhar dionisíaco. A partir dessas premissas, como espelho do livro Roland Barthes par Roland Barthes (1975) a vida do semiólogo é lida em fragmentos, à deriva, porque segundo ele “o texto é só texto, nada mais que texto”, e a vida, nesse jogo consciente de linguagem, é construída nas relações intersemióticas. A vida de Barthes, como jogo entre l’obvie et l’obtus, é interpretada em três leituras: “A memória de uma amizade” — uma narrativa autobiográfica desenhada com percursos dos últimos anos do célebre semiólogo e autor Le plaisir du texte (1973). A segunda parte do livro revive “A Obra” e certa cronologia dos textos que marcaram a vida do crítico francês. E por último, e não por acaso, um capítulo exclusivamente dedicado ao seu livro mais conhecido — Fragments d’un discours amoureux (1977) — leitura marcada e marcante por qualquer leitor que se aproxima de Barthes —, pelo êxtase amoroso, pelo discurso fragmentário, intertextual e sedutor.
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Com olhar de esteta e pelo viés dos fragmentos — estilos marcadamente que perpassam várias obras do escritor dândi — Éric Marty fala da sua experiência como aluno, do sabor dos encontros e da paixão de ler e aprender — marcas desse crítico-professor — rememorando sua juventude e reflexões acerca das motivações que unem o escritor-professor e o jovem aluno inexperiente. Curioso e perspicaz, o biógrafo percebe-se fascinado pelos abismos e hedonismo do dandy decadentista11 que revolucionou a crítica literária abrindo-lhe novos rumos dentro de uma linha afetuosa e marcadamente intensa, subjetiva e desviante, sempre tentando respostas para o mundo dos signos. Nesse capítulo ainda, E. Marty retoma, semiologicamente, cinco prefácios que escreveu em 2002 para a reedição de suas OEuvres Complètes em cinco volumes luxuosos lançada pela Éditions du Seuil. A proposta é explicitamente didática, pois interrogam-se a unidade de uma obra e a série de unidades que compõem cada um dos volumes correspondentes a um período específico. As respostas a todas as indagações lançadas — também múltiplas e variadas — sempre fragmentadas em lexias, ampliam, diversificam, repetem, reverberam pelo campo social e intelectual, reaparecendo sempre idêntica em espiral: Em que condições há obra? Quando ela aparece? Essas perguntas, também, como fez o crítico-romancista e autor de Mythologies, assumem, na voz de biógrafo, sempre como uma aposta ou indagações semiológicas de cada um de seus livros. Plurais e despreocupadas com respostas, essas perguntas — e como, também, os textos barthesianos — multiplicam-se quando relacionadas ao subtítulo do livro — “o ofício de escrever” — paratexto que permite pensar o “ofício”, palavra de origem latina officium (opus + facio = obra, fabricação) e que se desdobra na pergunta que retoma: “quando há obra?”. As respostas para essa pergunta surgem, no entanto, em questões silenciosas, irônicas e polêmicas, porém fascinantes; em indagações líricas ou metódicas, em questões latentes que, ao desconstruir toda resposta, se projeta em cada etapa, cada instante ou página, como fórmula
11 BOUÇAS, Edmundo. Qui je dois désirer (deliberação de um écrivain-dandy). In: CASA NOVA, Vera e GLENADEL, Paula (org). Viver com Barthes. Rio de Janeiro. Sete Letras, 2005. pp.91-106.
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caleidoscópica em que se concentra, se apega e apaga ou se esconde na dialética do próprio jogo “do ofício de escrever”. Com esse intuito, o conjunto de prefácios pode ser lido como uma representação sintética dos grandes temas, os motivos centrais ou significativos do trabalho de Barthes, ou, por outro lado, como uma reflexão sobre a significação do “ofício de escrever”. Isso permite pensar, pois, o centro do pensamento de Roland Barthes: o problema da significação. Homo significans: o homem fabricador de signos, “liberdade que os homens têm de tornar as coisas significantes”, “o processo propriamente humano pelo qual os homens dão sentido às coisas”, eis o objeto essencial de suas pesquisas. Fazer significar o mundo através das significações que somos, da Semiologia por ele preconizada. Esse capítulo, de certa forma, reforça que os sistemas que interessam a Barthes são sempre, como ele classifica a crítica literária, “as semiologias que não ousam dizer seu nome”, códigos envergonhados ou inconscientes e, muitas vezes, marcados por certa má-fé. Coreografando movimentos e repousos, a terceira parte do livro, completamente diferente das duas anteriores, centra-se no livro Fragments d’un discours amoreux, especificamente na transcrição do Seminário ocorrido entre fevereiro e junho de 2005 na Universidade de Paris. Tendo o célebre livro como fundamentação teórica, procurou-se entender que modo a experiência fragmentária do tumulto psíquico — o estado amoroso — é um procedimento ou um processo de constituição subjetiva, e de que modo ela pode, como toda experiência fragmentária vivida pelo sujeito, eliminar a questão do sujeito em geral, não se restringindo somente à questão do amor ou a valores ditos, experimentados e constituídos por uma língua particular, que é a língua do amor. De qualquer forma, contra todas as expectativas, Fragments d’un discours amoreux, para além do objeto que se ocupa — o discurso amoroso — instiga novamente, a metalinguagem crítica numa linguagem ela mesma, ficcional. Assim adverte o prefácio, paratexto indicador e condutor de leitura: “Substituiu-se, portanto, a descrição do discurso de amor pela sua simulação e devolveu-se a este discurso a sua pessoa fundamental, que é o eu, de modo a levar à cena uma enunciação e não uma análise” (1977, p.7). Mais uma vez, a escritura, como gesto e “ofício de escrever” toma consciência do seu registro e instabiliza a noção de literatura, configurando, nesse contexto, uma múltipla e diluição dos gêneros.
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Por outro lado, e não será certamente o último olhar da questão, a enunciação do eu em Fragments d’un discours amoreux, prova como o sujeito recorre do texto e do lugar de onde fala, de onde toma a palavra. Este é um sujeito amoroso reflexivo e ficcionalizado, contribuindo para adensar uma teoria do sujeito na escrita que tem em Barthes, momentaneamente, um dos seus mais exímios artesãos. Por isso, e por muitos outros olhares, junto ao seu caráter didático, um Seminário é também um momento de investigação semiológica. A incidência — de Fragments d’un discours amoreux — livro escolhido para o último capítulo dessa biografia — é marcadamente híbrida deste texto da incorporação, no afeto, de uma tessitura textual que acabou por fabricar o sentimento e que resume a trajetória de Barthes. O recurso à intertextualidade, que o semiólogo assume em sua fabricação, sugere, de uma forma implícita, a quanto intertextual é também o domínio do sentimento ou qualquer leitura que se faz da vida. Isso porque, semiologicamente, como esse livro, a vida, também se fabrica de pedaços indistintos, de inscrições literárias, discursivas, imagéticas e culturais. E são nesses atravessamentos que, paradoxalmente, se vai marcar e tornar forma a singularidade do sujeito, o seu discurso amoroso e o mundo da escritura, inscritos, também, nos biografemas. Enfim, a irradiação plural de Fragments d’un discours amoreux — posta ao final dessa biografia — cuida para que reine nela não apenas o susto da ambiguidade, mas o de uma invenção dionisíaca insistentemente tributária da travessia das escrituras de Barthes. III. O IMPÉRIO DOS SIGNIFICANTES O texto não “comenta” as imagens. As imagens não “ilustram” o texto: cada uma foi, para mim, somente a origem de uma espécie de vacilação visual, análoga, talvez, àquela perda de sentido que o Zen chama de satori; texto e imagem, em seus entrelaçamentos, querem garantir a circulação, a troca destes significantes: o corpo, o rosto, a escrita, e neles ler o recuo dos signos. Roland Barthes
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Com esta epígrafe Roland Barthes (1915-1980) inicia o livro O Império dos signos. Neste livro, imaginado a partir de uma viagem de quinze dias ao Japão em 1970, Barthes cria um sistema de signos ao qual, a partir de um olhar semiológico, chama “Japão” e o descreve (através de lexias)12 considerando algumas manifestações típicas daquele país.
Figura 1. MU, o vazio. O Império dos Signos. Roland Barthes. (2007, p.9)
Audacioso e assumindo o viés transgressor, o livro caminha entre a ficção, crônica, realidade ficcionalizada ou mesmo um ensaio que debate e aventura-se, semiologicamente, para atualizar não somente a escritura, mas toda a cultura japonesa em vinte e seis textos independentes, que lidos na ordem dada no livro assumem uma visão totalizadora. Assim, Barthes “transformando o texto em fragmentos, ou “lexias”, como os chama, ele identifica os códigos em que se baseiam”. (CULLER, 1988, p.78) Nesse mundo embaralhado entre texto, imagens e lexias é possível compreender o Japão como um texto de reticências e de ambiguidades.
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Para Barthes, a lexia é uma unidade de leitura, uma unidade resultante da decupagem não convém esquecer os compromissos que esse termo tem com o fazer e o interpretar um texto cinematográfico — do significante-tutor. As lexias são, consequentemente, fragmentos contínuos de um texto e, em relação a um texto literário, correspondem, mais ou menos, a frases que apresentam uma certa coesão de sentido.
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Este texto/objeto silencioso fabricado por Barthes (e também pelo leitor) reveste-se sempre de palavras, independentemente do constante trabalho de anulação do sentido, processo tipicamente semiológico. “O signo é uma fratura que jamais se abre senão sobre o rosto de outro signo” (BARTHES, 2007, p.72). Nessa leitura, entendida muitas vezes como retórica do silêncio “sua arte consiste em fazer da linguagem, veículo de saber e de opinião geralmente rápido, um lugar de incerteza e de interrogação. Ela sugere que o mundo significa, mas sem dizer o quê” [GENETTE, 1972, p.195]. O livro descreve gestos, paisagens, situações ou acontecimentos e em vez de impor-lhes significações certas e fixas sugere ou restitui, por meio de uma técnica muito sutil de evasão semântica, o sentido trêmulo, ambíguo e indefinido que constitui a sua verdade. E é assim que Barthes desconstrói a leitura única, fixa e carregada de preconceitos e assume paradigmas que propõem a liberdade da pressão do sentido social (que é um sentido nomeado, portanto um sentido morto), a incerteza dos signos, o recuo transgressor. Nesse sentido, questiona-se o tempo inteiro do que se costumou chamar ensaio. Ler O império dos signos é ler, também, um certo desejo (sempre incompleto enquanto realização) de transgredir os lugares demarcados para cada tipo específico de saber. O que permite dizer que “o ensaio, muitas vezes, sequer, também, ficção. A ficção, muitas vezes, se quer, também, ensaio. A escritura barthesiana, segundo Roberto Correa dos Santos, “talvez tenha se constituído em nosso tempo por um dos exercícios mais constantes de realização dessa prática, para a qual todo e qualquer limite definidor se vê perdido” (1989, p.33). O Japão é, pois, lido como texte de plaisir: o que o autor mesmo, aliás, parece autorizar, como uma espécie de Mitologias, certo espaço social e lúdico — um sistema simbólico. Das vinte e seis lexias, a ideia do vazio (o que se pode considerar o sema mestre do livro todo) surge, semiologicamente, em primeiro lugar num contexto linguístico, atribuída tanto ao idioma japonês em si, como aos ideogramas em que, no sentido mais rigoroso, se concretiza. É exatamente a “diluição do sujeito” na retórica japonesa, a maneira como avança “uma leve vertigem”. O que constitui a escritura é segundo Leila Perrone-Moisés [1985, p. 56] “poesia, no sentido moderno do termo: aquele discurso que acha sua justificação na própria formulação, e não na representação de algo prévio e
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exterior; aquela forma na qual, de repente, o que se diz passa a ser verdade; aquela visão do mundo que não vem do mundo, como reflexo, mas que se projeta sobre o mundo, transformando sua percepção; aquele discurso que não exprime um sujeito, mas o coloca em processo”.
Figura 2. O Império dos Signos. Roland Barthes. (2007, p.74)13
Texto e imagem (figuras 1 e 2) formam uma tessitura, onde o prazer da leitura circula entre prazeres visuais. Nesse registro da pintura e escritura japonesas, as imagens parecem necessitar da proximidade do texto que é em si uma outra forma de “desenhar” o real. A escrita, nesse jogo, sugere visualmente um caminho de interpretação. Os olhos atentos do
13 Em O Império dos Signos , as imagens propiciam um percurso de complementaridade, de ida-e-volta entre teoria e ficção e não mais apenas um texto teórico sobre o corpus. As imagens, nesse caso, assumem, também, um material de especulação teórico-reflexiva-ficcional que se confunde e se articula com a dimensão artística (ficcional e ensaística). O Império dos Signos é o livro mais ilustrado de Barthes.
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leitor são convidados para um percurso de “visitas” ao livro, ao gesto, à rua e, de volta do livro, ao imaginário da escrita. A sugestão sutil é para que penetremos nesses fluxos do sujeito daquela maneira indiferente, despreocupada, desinteressada, com que nos colocamos diante de uma cultura e língua inteiramente desconhecidas: perdemo-nos nas diferenças, nas tonalidades, no grão da voz, nas estranhezas. Estamos diante do gesto, do “mu- no vazio” — o sujeito, de certa forma, produz para si esse vazio. Ele é espécie de andarilho que escreve e caminha, porque se sabe acompanhado pela solidão. Como em Le plaisir du texte, o Japão parece, em estado de escritura: “essa situação é exatamente aquela em que se opera certo abalo da pessoa, uma revirada das antigas leituras, uma sacudida do sentido, dilacerado, extenuado até o seu vazio insubstituível, sem que o objeto cesse jamais de ser significante, desejável. A escritura é, em suma a sua maneira, um sartori (o acontecimento do Zen) é um abalo sísmico mais ou menos forte, o sujeito: ele opera um vazio de fala” [BARTHES, 2007, p.10]. Para Barthes “O prazer do texto é semelhante a esse instante insustentável, impossível, puramente romanesco, que o libertino degusta ao termo de uma maquinação ousada, mandando cortar a corda que o suspende, no momento em que goza” [BARTHES, 1996, p. 12]. A partir desses “deslocamentos”, “recuos” e através de uma série de detalhes dos costumes japoneses, Barthes constrói, em lexias, o sistema que constitui o seu “Japão”. Realiza uma leitura semiológica da disposição da comida e de como ela é descentralizada na sua arrumação à mesa, sem desconsiderar o ato de comer como referência ao próprio alimento. O uso do hashi, nesse contexto, sugere esse mesmo respeito, pois ao contrário do Ocidente, em que utiliza garfos e facas para destruir e fatiar o alimento, os orientais utilizam, delicadamente, um par de palitos para tal gesto. Assim, também observa o cuidado e elegância dos pratos japoneses que primam pela beleza: Inteiramente visual (pesada, arrumada, manejada pela visão e até mesmo por uma visão de pintor, de grafista), a comida diz, assim, que ela não é profunda: a substância comestível é desprovida de âmago precioso, de força oculta, de segredo vital: nenhum prato japonês é provido de um centro [...]; tudo ali é ornamento de outro ornamento [BATHES, 2007, p. 32].
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Na rubrica “centro da cidade, centro vazio” (p.43) Barthes compara as cidades centralizadas do Ocidente com os centros vazios do Oriente. Ou seja, a centro-orientação das nossas cidades que, normalmente crescem do centro para os subúrbios em contraste com as cidades japonesas que não foram constituídas dessa forma e, por isso não possuem este lugar de concentração tão bem demarcado nos grandes centros urbanos. Esse olhar atento sobre os signos é antes de mais e não pretende ser senão, segundo CALVET (p.139) uma “excitação do olhar crítico”. Este mundo dos signos que Barthes nos propõe, portanto olhar “como produção cultural (toda a sua abordagem decorre desta proposta) aparece talvez mais claramente como tal quando a abordamos com um outro sistema, um outro mundo de signos”. Para Culler (1988) o livro L’empire des signes não está ligado a um objeto crítico, analítico e sim a uma vida cotidiana que através de objetos e práticas que provocariam uma “escrita eufórica”. O Japão para Barthes, oferece o exemplo de uma civilização onde a articulação dos signos é extremamente delicada, desenvolvida, onde nada é deixado ao nãosigno; mas este nível semântico, que se traduz por uma extraordinária delicadeza de tratamento do significante, não quer dizer nada: de algum modo não diz nada, não remete a qualquer significado, e, sobretudo para nenhum significado último, exprimindo, assim, ao meu ver, a atopia de um mundo estritamente semântico e estritamente ateu ao mesmo tempo [1995. p.96-97].
A atividade semiológica não é, pois, exclusiva nem mesmo essencialmente de ordem do saber. Os signos nunca são para Barthes objetos neutros de um conhecimento desinteressado, eles contrariamente, misturam-se com outros discursos para compor a leitura da cultura como um texto, cujas entrelinhas podem ser compreendidas através das marcas cotidianas para possibilitarem a semiose do contexto como um todo. O volume contém, ainda, fotografias e anotações originais do semiólogo estruturalista que percebe o mundo como linguagem e ensina ao leitor a ver como os signos que nos rodeiam (porque ler para Barthes é entrar em conotação), dissociando-os de seu significado, fazendo-nos descobrir
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novos horizontes de sentido e observando com novos olhos a cultura do Japão, em cujas inquietações ocorrem, a cada instante, a aventura infinitesimal do signo. Nessa leitura de trocas e “quebras de paradigmas”, em constantes significações aos signos, Barthes nos faz acreditar que a semiocracia ocidental baseia-se no imperialismo do sentido. Dessa maneira (e sedutoramente) o anônimo que se constrói sobre o vazio reveste-se nesse ensaio de uma “estratégica da forma”, permitindo talvez uma abordagem menos redutora da alteridade. Enfim, o livro caminha transgressoramente no sentido contrário de tudo que apazigua os signos, já que sua leitura inquieta qualquer leitor. Para Barthes o Japão faz uso dos signos não para designar um sentido, mas para causar uma certa “decepção”, isto é, ao mesmo tempo propôlo e suspendê-lo. Nessa leitura, entre o sentido posto e o sentido suspenso, o movimento transitivo da mensagem verbal se detém e se reabsorve num “puro espetáculo”. Essa dialética entre o óbvio e o obtuso seria a estratégia semiológica cadenciada pelo inesperado, para uma adesão, uma aproximação mais profunda à realidade das coisas. O paradoxo e a fuga incessante de tal desvio não escapariam ao autor de Mitologias, que lhes consagra a última página do livro: o mitólogo quer “proteger o real” contra a “evaporação” de que é ameaçado pela palavra alienadora do mito, mas ele receia ter contribuído para fazê-lo evaporar-se. O Japão, assim, entendido como mundo trapaceado, torna-se ao mesmo tempo vertiginoso e manipulável, pois o homem (e também e leitor) encontra até mesmo em seu desvario um princípio de coerência. Cada um, ao seu bel prazer, nesse jogo semiológico, deve construir um recurso para entender essa trama. Ao ler este livro segundo MALLAC (1977) o leitor terá a sensação de manusear um álbum de viagem, e “ao terminar, entretanto este passeio exótico, não será ele coagido a avaliar e mesmo a enfrentar [...] a experiência do satori (a perda de sentido preconizada pelo Zen?)”. De qualquer forma, o livro, segundo o estudioso, desencadeia no leitor um momento de satori, sugere a própria metáfora do vazio (da anulação do centro) suscita um choque inesperado. Ao fim de suas indagações Barthes declara: “Império dos signos? Sim, desde que se queira dizer que esses signos são vazios, e que o ritual é sem deus” [BARTHES, 2007, p.146].
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O êxtase, amoroso ou místico, na captura dos significantes que compõem retratos à deriva do Japão seria a dialética mesma entre lembranças e esquecimentos. A existência desse Japão só seria possível na fuga, no vazio da linguagem. O leitor que conhece, e entende esse jogo, é o leitor que se procura e não se encontra e que se realiza, justamente, nessa incessante busca. Essa é a lição semiológica do livro L’empire des signes (ou “gozo” dos significantes?; Ou prazer dos significantes?; Ou mesmo O Prazer do texto?). Essa atitude simboliza bem o que poderíamos chamar de vertigem, ou melhor, o império dos significantes. Essa leitura é, pois, para o semiólogo (o crítico) uma tentação permanente, uma vocação incessante adiada e que se realiza num tempo dilatado. Ela projeta um Japão “escrito”, isto é, um processo “do constante” ato semiótico, que transforma o sentido dos signos e devolve a linguagem a sua parte de silêncio. Em todas essas experiências de Barthes com o Japão, Noel Burch afirma que “não se trata de esmagar a linguagem sob o silêncio místico e inefável, mas de o medir, de fazer parar esse pião verbal, que arrasta consigo, enquanto gira, o jogo obsessional das substituições simbólicas”(1979, p.62). ENFIM, A ESPIRAL DE BARTHES A escrita do gozo, a partir das considerações desse ensaio, constitui, em O Império dos signos, uma escritura que aproxima-se da ficção, da destruição das certezas do sujeito, da ruína de seus alicerces: “Avec l’écrivain de jouissance (et son lecteur) commence Le texte intenable, le texte impossible”14 [BARTHES, 1977, p. 37). Assim, pondo-se, com efeito, na posição daquele que faz e não mais na daquele que fala sobre um discurso, Barthes-escritor endossará sua produção, fundamentalmente, a partir das proposições do fragmento e do romanesco nesse livro ou em muitos outros ensaios críticos. Diante desse jogo discursivo, o romanesco se realiza e pulsa nos e dos flagrantes da ausência, das clivagens, suspensão, rupturas daquilo que o romance poderia ser dito, mas não foi. Em meio à confusão e
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“Como o escritor de gozo (e seu leitor) começa o texto insustentável, o texto impossível”. [BARTHES, Roland. Le plaisir du texte. 1977. Paris. Seuil. p.37].
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fragmentação diegética, percebe-se a construção de sujeitos que se mantém como perturbáveis, ou em contrapartida, em sujeitos que retornam dilacerados das estruturas da linguagem, ressignificando o sentido discursivo do flâneur e, por outro lado, reforçando o jogo da metacrítica. De certa forma, a clássica frase: “Tudo isso deve ser considerado como se fosse dito por uma personagem de romance” ecoa em O Império dos Signos. Retomando-a, é possível entender que o romanesco em Barthes é construído a partir de pactos, de diálogos entre autor, crítico e leitor, de uma leitura que se volta para a descoberta de associações imprevistas (obtusas) e divulgadora de um escritor/crítico que se revela como se novo fosse a cada associação inesperada. O desejo do romanesco em Barthes, é segundo Philippe Roger, sustentado pelo mito do escritor, o mito da entrada na escritura (Proust) e o mito do grande romance. Será Barthes, segundo suas leituras, em Roland Barthes, Roman (1986) um “exagere em Litterature” (1986, p. 341). De qualquer forma, Barthes, para falar do romanesco, pauta-se em táticas de deslocamento ou vertigem, como estudou Stephen Heath. Nesse sentido, qualquer pergunta a ele, será respondida por esse recurso tático e discursivo, feito certa prática desenvolvida na “errância”, também ela, entregue em perguntas que alimentam a frustração, o deslocamento, a vertigem ou a decepção. A partir dessas considerações, toda e qualquer leitura do livro Impérios dos signos, sugere retomar outra resposta, do próprio Barthes, com a seguinte declaração: “será que farei realmente um Romance? Respondo isto: agirei como se eu fosse fazer um — vou me instalar nesse como se” (BARTHES, 2005, p.41). Trata-se, em síntese, de um Barthes que opera deslocamentos no lugar da enunciação, da crítica para a escritura, da escritura para a ficção, da crítica para a metacrítica e, nesse movimento caleidoscópico, da verdade para a validade e escrituralidade do discurso próprio. Desses deslocamentos e vertigens, enfim, surgem as inexistências de diferenciações claras entre o Barthes-crítico e o Barthes-escritor porque poderíamos intercambiá-los, sem prejuízo para qualquer uma das escolhas, embora uma seja espelho da outra, como reflexões autocríticas. Barthesescritor ou crítico ajuda a ler outros autores ou a ele mesmo; um Barthescriador, mesmo em seus ensaios, quando realiza a partir de sua escritura fragmentária, outro texto que se quer literário.
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Entre os disfarces do artista e do discurso, nessas leituras surgem cruzamentos irônicos de caminhos difíceis de mapear, porém ambos se mascaram para entreolharem-se com curiosidade e deleite, e, é difícil saber onde a enunciação do primeiro foi descoberta/construída pela sagacidade do segundo: nesse cruzamento, o autor é nome guardado no tempo, mas as leituras plurais são possibilidades de revelações do que está guardado para a criação de um valor presente.
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Poesia como reflexo das vozes dos prostestos brasileiros Talita Vieira Barros1
RESUMO O presente trabalho analisa o poema “Opus Opera”, que faz parte da coletânea intitulada “Vinagre — uma antologia dos poetas neobarracos”, lançada em diversos sites em formato PDF e composta por imagens e textos inspirados nos protestos que ocorreram em diversas cidades brasileiras em junho de 2013. A análise se mostra relevante em função de todas as pautas postas em discussão nas manifestações de rua, bem como pela nova forma de reivindicar, sem lideranças, apontando para a crise do modelo de representação da democracia, em que, segundo Castells, os cidadãos não se sentem representados pelos políticos. Os protestos brasileiros fazem pensar ainda no modelo de protesto que se inicia na rede, vai às ruas e volta à rede para denunciar desmandos da polícia e repercutir o que não é veiculado na grande mídia, sendo um canal para o empoderamento de diversas vozes da sociedade. Portanto, em função dessa pulverização de desejos/desabafos/reivindicações nas ruas do Brasil, a pesquisa pretende mostrar as mudanças no que diz respeito à formação da identidade, com suas múltiplas sobreposições em uma espécie de palimpsesto (BAUMAN, 1998), e à criação artística que se refletem no poema da antologia. Para contextualizar este período histórico, far-se-á a conceituação da pós-modernidade, segundo Harvey (2010), apontando para a fragmentação da compreensão da realidade, desde a passagem do modelo econômico fordista para a acumulação flexível, e Lyotard (1988), que mostra esta descontinuidade influenciando na lin-
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Mestranda em Cognição e Linguagem pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf). Graduada em Comunicação Social— habilitação Jornalismo — pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: tv.barros@yahoo.com.br
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guagem, ao revelar a “incredulidade em relação aos metarrelatos”. Palavras-chave: Pós-modernidade; poema; identidade. ABSTRACT This paper analyzes the poem “Opus Opera”, which is part of the collection entitled “Vinegar — an anthology of poets neobarracos” launched in several sites in PDF format and consists of images and texts inspired the protests that occurred in several brazilian cities June 2013. The analysis proves relevant in light of all the guidelines presented for discussion in street demonstrations as well as the new way of claiming without leaders, pointing to the crisis in representation model of democracy, in which, according to Castells, citizens do not feel represented by politicians. Brazilian protests are still thinking of protest that begins on the network model takes to the streets and back to the network to denounce police excesses and pass which is not aired in the mainstream media , being a channel for empowering diverse voices of society. Therefore, due to this spray wishes / outbursts / claims in the streets of Brazil , the research aims to show the changes with regard to the formation of identity, with its multiple overlays in a kind of palimpsest (Bauman, 1998), and the creation Art that are reflected in the poem of the anthology. To contextualize this historical period will be made conceptualization of postmodernity, according to Harvey (2010), pointing to the fragmentation of the understanding of reality, since the passage of the Fordist economic model to flexible accumulation, and Lyotard (1988) that shows this discontinuity influencing the language, to reveal the “incredulity toward metanarratives to”. Keywords: Postmodernity; poem; identity.
INTRODUÇÃO
Durante o mês de junho de 2013 aconteceram em diversas cidades brasileiras protestos que revelaram reivindicações da população do país e também o mero extravasamento de insatisfações com a corrupção/a impunidade no país. Essas ações, por não terem pauta específica, ganharam múltiplas interpretações, que acabaram por gerar ora esperan-
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ças ora preocupações e se transformaram em sinal de alerta para parte da esquerda brasileira, a partir do momento em que manifestantes começaram a utilizar o slogan “o gigante acordou”, pautando-se pelo nacionalismo exacerbado e obscurecendo bandeiras de partidos políticos. O protesto que serviu como pólvora para todo o país foi o convocado pelo Movimento Passe Livre (MPL) e realizado em São Paulo contra o aumento de R$0,20 nas tarifas do transporte público. O que poderia ser mais um protesto contra o aumento de passagem foi o início de uma onda que afetou todo o país, inclusive outros países, quando brasileiros residentes em outras nações resolveram também ir às ruas em apoio ao que ocorria em sua terra natal. A aparente banalidade da causa, que levou milhões de brasileiros às ruas, logo foi respondida: “Não é só pelos 20 centavos”, externando que motivos não faltavam para ocupar o espaço público. As convocações foram feitas pelas redes sociais e não havia um grupo ou organização que liderasse esse clamor. As redes sociais foram ainda amplamente utilizadas pelos manifestantes para informar o que acontecia nos atos e não era veiculado na mídia tradicional, dando seu olhar acerca dos ataques policiais e afastando-se da ênfase aos atos de vandalismo (termo demasiadamente empregado e difundido nos programas jornalísticos televisivos e em matérias de veículos impressos). E também na internet é que foi lançada a coletânea compartilhada em diversos sites que compila poesias sob o título “Vinagre — uma antologia dos poetas neobarracos”, escritas neste contexto de manifestações. O deputado estadual Marcelo Freixo2, ao se referir aos protestos ocorridos com maior intensidade em junho e mais dispersos em julho e agosto, afirmou que “nosso sistema cognitivo está em crise. Não dá para
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Depoimento colhido no debate realizado no dia 30 de julho de 2013, logo após a exibição do filme “Hannah Arendt”, com o antropólogo, escritor e especialista em segurança pública Luiz Eduardo Soares, e o deputado estadual Marcelo Freixo. Com mediação da professora Ivana Bentes, a mesa teve como tema “Brasil hoje: A atualidade da banalidade do mal”. O debate aconteceu na Estação Rio 2, em Botafogo, zona sul do Rio, e foi transmitido ao vivo pelo site postv.org. Trechos do debate estão disponíveis no Youtube, nos seguintes links: http://www.youtube.com/ watch?v=QcYJC3U2sq4, http://www.youtube.com/watch?v=48eQHYKwPy0, http:/ /www.youtube.com/watch?v=iqUdYIZQocE, http://www.youtube.com/ watch?v=PLHagR2R3Oc. Acessado em agosto de 2013.
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analisar os protestos que aconteceram recentemente com outros fatos históricos, como Diretas Já, Fora Collor, 1968”. Já o sociólogo espanhol Manuel Castells3 se refere aos protestos no Brasil como reveladores do sentimento de desrespeito que acomete os cidadãos. Mesmo que exista a crise cognitiva mencionada pelo deputado estadual Marcelo Freixo e que ainda não haja resultados contabilizados, por ser acontecimento sem o necessário afastamento histórico, o momento é revelador de problemas sociais causados pelo capitalismo, interferindo no modo como o cidadão vive e externa suas insatisfações por meio da arte, no caso estudado, da poesia. O presente trabalho tem o objetivo de apresentar, como mote para a fundamental contextualização dos protestos, as mudanças na passagem da modernidade à pós-modernidade que se mostraram em aspectos políticos, econômicos, sociais e culturais, revelando a atual instabilidade do capitalismo e as construções identitárias multifacetadas. Para explicar este período histórico, serão utilizados os conceitos de “celebração do instante”, conforme conceituação de Castel (2010) e de formação da identidade em Bauman (1998). No que se refere às manifestações e suas consequências artísticas, pretende-se avaliar o poema “Opus Opera” da antologia mencionada, a partir das mudanças ocorridas na pós-modernidade que interferiram na linguagem e na leitura, em um fomento constante à intertextualidade, segundo Harvey (2010).
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“Em algum momento, há um fato que traz à tona uma indignação maior. [..]. O fato provoca a indignação e, então, ao sentirem a possibilidade de estarem juntos, ao sentirem que muitos que pensam o mesmo fora do quadro institucional, surge a esperança de fazer algo diferente. O quê? Não se sabe, mas seguramente não é o que está aí. Porque, fundamentalmente, os cidadãos do mundo não se sentem representados pelas instituições democráticas. Não é a velha história da democracia real, não. Eles são contra esta precisa prática democrática em que a classe política se apropria da representação, não presta contas em nenhum momento e justifica qualquer coisa em função dos interesses que servem ao Estado e à classe política, ou seja, os interesses econômicos, tecnológicos e culturais. Eles não respeitam os cidadãos. É esta a manifestação. É isso que os cidadãos sentem e pensam: que eles não são respeitados”. CASTELLS, M. Disponível em: http:// www.acessepiaui.com.br/vc-no-acesse/soci-logo-manuel-castells-analisaprotestos/23162.html. Acessado em agosto de 2013.
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A TRANSIÇÃO DA MODERNIDADE À PÓS-MODERNIDADE: A PERMANÊNCIA DA INCERTEZA Conforme sinaliza Harvey (2010), a incapacidade do fordismo para driblar as crises do capitalismo se mostrou evidente nas décadas de 1960 e 1970, revelando a necessidade de um modelo que exigia maior flexibilidade em detrimento da rigidez do mercado, dos investimentos de capital fixo de larga escala e dos contratos de trabalho. A acumulação flexível [...] caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. (HARVEY, 2010, p. 140). Modernizar a maneira como a empresa é dirigida consiste em tornar o trabalho “flexível” — desfazer-se da mão-de-obra e abandonar linhas e locais de produção de uma obra, sempre que uma relva mais verde se divise em outra parte, sempre que possibilidades comerciais mais lucrativas, ou mão-de-obra mais submissa e menos dispendiosa, acenem de longe. (BAUMAN, 1998, p. 50).
Segundo Harvey (2010), a grande recessão do ano de 1973 colocou em marcha uma nova estruturação econômica e social. Por sua vez, Castel (2010) menciona os movimentos sociais surgidos na França de 1968, que já desejavam ultrapassar as questões relacionadas à seguridade social, a partir da busca da “celebração do instante”. A palavra de ordem ‘mudar a vida’ exprime a exigência de recuperar o exercício de uma soberania do indivíduo diluída nas ideologias do progresso, da rentabilidade e do culto das curvas de crescimento, pelo que, como diz uma inscrição nas paredes da Sorbonne, ‘ninguém se apaixona’. Através do hedonismo e da celebração do instante — ‘já, imediatamente’ -, expressa-se também a recusa em entrar na lógica da satisfação diferida e da existência programada que implica o planejamento estatal da segurança: as proteções têm um preço; são pagas com a repressão dos desejos e com a aceitação do torpor de uma vida
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em que tudo está decidido antecipadamente. (CASTEL, 2010, p. 504).
Os movimentos sociais surgidos ao final da década de 1960 são apontados por Harvey (2010) como um marco para a pós-modernidade: “total aceitação do efêmero, do fragmentário, do descontínuo e do caótico que formavam uma metade do conceito baudelairiano de modernidade”. (HARVEY, 2010, p. 49). Como referencia Bauman (1998), “o mundo pósmoderno está se preparando para a vida sob uma condição de incerteza que é permanente e irredutível”. Neste mundo, os limites entre o que é pureza e o que é sujeira/ estranho, padrões estabelecidos de tempos em tempos, como o próprio Bauman cita no livro “O mal-estar da pós-modernidade”, são reconfigurados sob outra ótica, adaptada a uma realidade em que as instâncias públicas são instáveis, diferentemente do projeto moderno em que a formação da identidade se fazia a partir da interface com o Estado, ou seja, o projeto individual tinha a prerrogativa de caminhar ao lado do projeto social. A diferença essencial entre as modalidades socialmente produzidas de estranhos modernos e pós-modernos [...] é que, enquanto os estranhos modernos tinham a marca do gado da aniquilação, e serviam como marcas divisórias para a fronteira em progressão da ordem a ser constituída, os pós-modernos, alegre ou relutantemente, mas por consenso unânime ou por resignação, estão aqui para ficar. [...] Podese dizer: um novo consenso teórico e ideológico está emergindo para substituir um outro, que tem mais de um século. Se a esquerda e a direita, os progressistas e os reacionários do período moderno concordam em que a estranheza é anormal e lamentável, e em que a ordem do futuro, superior (porque homogênea), não teria espaço para os estranhos, os tempos pós-modernos estão marcados por uma concordância quase universal de que a diferença não é meramente inevitável, porém boa, preciosa, e precisando de proteção, de cultivo. (BAUMAN, 1998, p. 43 e 44).
Essa mesma conclusão é vista na concepção de Michel Foucault que “nos instrui a ‘desenvolver a ação, o pensamento e os desejos através da proliferação, da justaposição e da disjunção’ e a ‘preferir o que é
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positivo e múltiplo, a diferença à uniformidade, os fluxos às unidades, os arranjos móveis aos sistemas’”. (FOUCAULT apud HARVEY, 2010, p. 49), o que repercute também na linguagem: [...] considera-se ‘pós-moderna’ a incredulidade em relação aos metarrelatos. E, sem duvida um efeito do progresso das ciências; mas este progresso, por sua vez, a supõe. Ao desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde sobretudo a crise da filosofia metafísica e a da instituição universitária que dela dependia. A função narrativa perde seus atores (functeurs), os grandes heróis, os grandes perigos, os grandes périplos e o grande objetivo. Ela dispersa em nuvens de elementos de linguagem narrativos, mas também denotativos, prescritivos, descritivos etc., cada um veiculando consigo validades pragmáticas sui generis. (LYOTARD, 1988, p. XVI).
O mundo está mergulhado em incertezas, que se refletem na própria formação identitária dos indivíduos, que vivem em processo de recriações, sobreposições, em uma “identidade palimpsesto” (BAUMAN, 1998, p. 36). Diante de todas essas incertezas, Bauman se refere a uma vivência totalmente nova, distante da concepção moderna de construção de uma identidade. RESISTÊNCIA E POESIA: AS RUAS DO BRASIL TOMADAS PELOS CIDADÃOS Conforme ressalta Lyra (2008, p.?), algumas formas artísticas se aproveitaram, ao longo do século XX, da profusão dos meios de comunicação de massa e que, “sem maior compromisso com a tradição ou um projeto cultural e colocando seus produtos ao nível intelectual das massas, oferecem basicamente a emoção, o prazer ao seu público: a música, no rádio; a narrativa, no cinema; e ambas na tevê e hoje na Net”. Com isso, o pensamento de Adorno é corroborado, quando diz que a arte deve ser pensada como fruto de um contexto histórico. A poesia pôde garantir seu espaço na internet, que permite a livre circulação dos textos, podendo alcançar vários grupos/pessoas, principalmente os jovens. Neste ambiente, já amplamente utilizado para a divulgação do gênero literário, é que o arquivo “Vinagre — antologia de
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poetas neobarracos” foi disponibilizado. O telefone os condenara ao abandono da escritura, até de cartas e bilhetes — era tudo pelo DDD; o cinema, a televisão, o videocassete e o DVD, ao da leitura, até de romances — era só assistir. Abrindo a era do blog, do e-mail, do messenger, do hipertexto, dos sites, dos chats, do fotolog, das homepages e das comunidades virtuais, ela restaurou para a juventude o prazer de escrever e de ler. Com uma prática nova: a escritura/leitura interativa. E com esta coisa visceral a tantas atividades, não apenas à poesia: uma linguagem própria, transbordante de afetividade e de graça. E, mais importante ainda: de liberdade, na manifestação de pensamentos e sentimentos. (LYRA, 2008, p.?).
A pós-modernidade também compreende diversas mudanças que se dão nas concepções acerca do estudo histórico e no âmbito da linguagem, implicando em colagens, sobreposições de fatos históricos, e na quebra da linearidade discursiva, o que representa a maior valorização da interpretação do leitor, abrindo espaço para a estética da recepção. O efeito é quebrar (desconstruir) o poder do autor de impor significados ou oferecer uma narrativa contínua. Cada elemento citado, diz Derrida, “quebra a continuidade ou linearidade do discurso e leva necessariamente a uma dupla leitura: a do fragmento percebido com relação ao seu texto de origem; a do fragmento incorporado a um novo todo, a uma totalidade distinta”. A continuidade só é dada no “vestígio” do fragmento em sua passagem entre a produção e o consumo. O efeito disso é o questionamento de todas as ilusões de sistemas fixos de representação. (FOSTER apud HARVEY, 2010, p. 55). Segundo Lévy (1996), a informatização também exerce influência na fragmentação da leitura, haja vista que, segundo o autor, as relações hipertextuais no suporte digital são mais rápidas que em períodos anteriores à informática, implicando na desterritorialização do texto. No ciberespaço, como qualquer ponto é diretamente acessável a partir de qualquer outro, será cada vez maior a tendência a substituir as cópias de documentos por ligações hipertextuais: no limite, basta que o texto exista fisicamente uma única vez na memória de um computador conectado à rede para que ele faça parte, graças a um conjunto
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de vínculos, de milhares ou mesmo de milhões de percursos ou de estruturas semânticas diferentes. A partir das home pages e dos hiperdocumentos on line, pode-se seguir os fios de diversos universos subjetivos. (LÉVY, 1996, p. 48).
A leitura do poema “Opus Opera” requer esta não linearidade discursiva, haja vista que se faz a partir de um “entrelaçamento intertextual” (HARVEY, 2010, p. 53), em uma constante busca pelas referências/colagens feitas pela autora Beatriz Azevedo. O texto se divide em dez “atos”, assim como a ópera compreendida em seu sentido clássico: Opus Opera Opusilânime O governador é membro da Opus Dei Cacetada, Opus Dei Spray de Pimenta, Opus Dei Tiro de Borracha e da Opus Dei Bomba de Gás Lacrimogêneo. Depois de seu impeachment ele poderia fundar a Opus Dei Motivo, Opus Dei chilique, Opus Dei Mole, ou Opus Dei Azar. De todo modo, você já Opus Deu, Chuchu. OpuSalmo É Opus Dando que se recebe OpuSamba chegou a hora dessa gente diferenciada vândala e cheiradora de vinagre mostrar seu valor
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Opusalada a pergunta que não quer calar: voce é Pimenta ou Vinagre? Opus Day Se hay gobierno, soy…. Impeachment! Já deu, picolé de chuchu. OpuScience agora é a PP “polícia pacífica” contra o VVV “violentos vândalos de vinagre” PP x VVV de que lado voce samba? Opu S. O. S. EXISTE PAVOR EM SP Opus Ó pus Geraldo Alckmin: pergunta aí como se diz impeachment em Francês. Haddad: larga o camembert e pega o avião! Aqui tá Russo, Mano. Opuscúlo Será que agora a mídia vai dar a cara a tapa? Olho por olho de jornalista: quem é vândalo, os manifestantes ou a polícia? OpusCopa A Copa das Como fedem as ações4
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OBRA COLETIVA. “Vinagre — uma antologia de poetas neobarracos”, Disponível em https://www.mediafire.com/view/8xo1155vho004ir/VINAGRE_UMA_ ANTOLOGIA_DE_POETAS_NEOBARRACOS_junho2013.pdf. Acessado em agosto de 2013.
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O primeiro ato “Opusilânime” destaca os atos repressivos do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, por meio de versos que repetem o termo Opus Dei, criando associação com grupo homônimo católico ultraconservador. O segundo ato é “OpuSalmo”, com a frase “É opus Dando que se recebe”, em menção a texto religioso que remete a São Francisco de Assis e ao deputado Roberto Cardoso Alves5. No ato “Opus Day”, o verso “Se hay gobierno, soy... Impeachment!” faz menção à clássica frase “Se hay gobierno, soy contra”. Os terceiro, sexto e sétimo atos, “OpuSamba”, “OpuScience” e “Opu S. O. S.”, remetem a distintos momentos e estilos musicais brasileiros: à música “Brasil Pandeiro”, do grupo Novos Baianos; à música “Samba do lado”, do compositor Chico Science, e à “Não existe amor em SP” 6, do rapper Criolo, respectivamente. Os protestos no Brasil e sua ampla repercussão na internet, seja em produção literária ou meramente informativa, podem ser um passo à “construção de uma personalidade social”, tal como referencia Lyra (2008). Com a facilitação para a veiculação de textos e imagens via internet, a construção de significados na sociedade se diluiu em rede7, por meio da qual se estabelece um processo de ressignificação dos signos, conforme o pensamento de Bakhtin (?, p. 36), quando afirma que “a palavra é o modo mais puro e sensível de relação social”. Indo além, na reflexão da
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“Famoso lema do PMDB durante o governo do presidente José Sarney — “É dando que se recebe” — popularizado pelo falecido deputado Roberto Cardoso Alves”. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/tag/robertocardoso-alves/. Acessado em agosto de 2013. 6 O termo também remete ao movimento “Existe amor em SP”. Disponível em: http://revistaforum.com.br/spressosp/2013/07/existe-amor-em-sp-promovesegundo-festival-anhangabau-da-felizcidade/. Acessado em agosto de 2013. 7
Não à toa o jornalista Bruno Torturra e o produtor cultural Pablo Capilé, fundadores da mídia NINJA (Narrativas Independentes Jornalismo e Ação), com atuação em rede na cobertura da onda de protestos que ocorreram em todo o Brasil, foram os entrevistados do programa Roda Viva do dia 05 de agosto de 2013. A entrevista se pautou pela preocupação em descobrir como a Mídia Ninja se mantém, se é independente como se autodenomina, e se pratica jornalismo em suas coberturas. Disponível em: http://revistaforum.com.br/blogdorovai/2013/08/06/midia-ninjada-um-baile-na-bancada-do-roda-viva/#.UgD0AZ9qGhs.facebook. Acessado em agosto de 2013.
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linguagem em um contexto permeado por novas tecnologias da informação, Lyotard (1988, p. 4) declara: [...] hoje em dia já se sabe como, normalizando, miniaturizando e comercializando os aparelhos modificam-se as operações de aquisição, classificação, acesso e exploração dos conhecimentos. É razoável pensar que a multiplicação de máquinas informacionais afeta e afetará a circulação dos conhecimentos, do mesmo modo que o desenvolvimento dos meios de circulação dos homens (transportes), dos sons e, em seguida, das imagens (media) o fez.
Os protestos trouxeram à tona insatisfações desta sociedade fragmentária, em mutação, que vão do aumento de R$0,20 na passagem dos ônibus até os problemas com a impunidade dos políticos corruptos, resvalando em uma série de outras reivindicações, como se constata no poema analisado: críticas aos políticos, aos investimentos na Copa das Confederações, à mídia tradicional e à ação da polícia. Para o professor, poeta e ensaísta Alberto Pucheu, que assina o prólogo da antologia, o grito das ruas sinaliza um pedido de respeito. o que se quer, parece, é mais mobilidade, mais folga, mais espaço, mais intervalo, mais respiração, mais lazer, mais saúde, mais cultura, mais educação, mais, mais, mais, mais... para ficar com o simbólico, o que se quer parece ser uma movimentação de vida mais bem resolvida, que favoreça os cidadãos em uma vida mais tranquila. se os portugueses têm gritado “queremos nossas vidas de volta”, talvez o grito, ainda ilegível, daqui seja “queremos nossas vidas”, já que, no sentido das melhoras da qualidade de vida planejadas pelo governo, muitos aqui só a poderiam ter pela primeira vez8.
Por fim, essa análise de Pucheu reforça a ideia de Bauman no que tange o conceito de consumidores falhos, mantidos a partir de uma política de exclusão, repressora do processo de construção da identidade de um grupo oprimido que experimenta o mundo como armadilha. Segun-
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Idem ao 3.
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do Bauman (1998), não é apenas o direito à renda, à melhoria da expectativa de vida, mas o direito à individualidade que tem se polarizado com maior intensidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir da perspectiva de teóricos que tratam a fragmentação da pós-modernidade em seus diversos contextos — sociais, econômicos, linguísticos, artísticos e identitários — associada aos problemas causados pela política de exclusão, segundo conceituação de Bauman (1998), é que se fez a análise do poema “Opus Opera” escrito em meio à onda de protestos que ocorreram no Brasil em junho de 2013. O estudo se mostra importante em função de o poema ter sido escrito tendo como pano de fundo atos políticos-históricos recentes que revelam as insatisfações de uma sociedade permeada por uma série de contradições em sua formação, fruto da desigualdade (BAUMAN, 1998). É uma crise cognitiva, tal como cita o deputado estadual Marcelo Freixo, que longe está de chegar ao fim, como aponta o sociólogo Manuel Castells. O que se evidencia no poema é que a facilitação existente na pósmodernidade para o acesso à informação modifica o modo de leitura, como referencia Lévy (1996), mas também o modo de escrita dos autores, que fazem as colagens textuais, reunindo lembranças a músicas, a frases políticas e a outros contextos históricos. E mesmo a veiculação dessa antologia de poemas, que se deu no início de julho, ou seja, no calor dos protestos, foi rápida, servindo como espelho para os protestos que ocorriam nas ruas de todo o país, como evidenciou o poeta, crítico literário e professor Eduardo Sterzi: “Um bom poema é no plano da linguagem o que uma manifestação é no plano da política. [...]. Todo poema tem um quê de quebra-quebra, todo poeta é um pouco ‘vândalo’” 99
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FREITAS, G; SPREIER, P. Ação e Invenção. Jornal O Globo (Caderno Prosa e Verso), Rio de Janeiro, 27 de julho. 2013.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADORNO, T. Palestra sobre lírica e sociedade. Disponível em http:// stoa.usp.br/gabrielamorandini/files/2130/12079/ Palestra+sobre+l%C3%ADrica+e+sociedade+-+Theodor+Adorno.pdf. Acessado em agosto de 2013. BAKHTIN, M. O estudo das ideologias e filosofia da linguagem. In: Marxismo e filosofia da linguagem. BAUMAN, Z. O mal estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. CASTEL, R. A nova questão social. In: As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. 9 ed. Trad.: Iracy D. Polleti. Petrópolis: Vozes, 2010. p. 495 a 591. CASTELLS, M. Disponível em: http://www.acessepiaui.com.br/vc-noacesse/soci-logo-manuel-castells-analisa-protestos/23162.html. Acessado em agosto de 2013. Existe Amor em SP promove segundo festival Anhangabaú da FelizCidade. Spresso SP. São Paulo, 25 de julho. 2013. Disponível em: http://revistaforum.com.br/spressosp/2013/07/existe-amor-em-sp-promove-segundo-festival-anhangabau-da-felizcidade/. Acessado em agosto de 2013. FREITAS, G; SPREIER, P. Ação e Invenção. Jornal O Globo (Caderno Prosa e Verso), Rio de Janeiro, 27 de julho. 2013. FREIXO, M; SOARES, L. E. “Brasil hoje: A atualidade da banalidade do mal”. Rio de Janeiro: Estação Rio 2, 30 de julho de 2013. HARVEY, D. A condição pós-moderna: Uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 2010. LYOTARD, J. F. O pós-moderno. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1988.
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OBRA COLETIVA. Vinagre — uma antologia de poetas neobarracos. Disponível em https://www.mediafire.com/view/8xo1155vho004ir/ VINAGRE_UMA_ANTOLOGIA_DE_POETAS_NEOBARRACOS_junho2013.pdf. Acessado em agosto de 2013. LÉVY, P. O que é o virtual? São Paulo: Ed. 34, 1996. LYRA, P. O lugar da poesia. Jornal Rascunho nº 97. Curitiba, mai.-2008. NUNES, A. É dando que se recebe. Revista Veja. 08 de junho. 2011. Disponível em: http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/tag/robertocardoso-alves/. Acessado em agosto de 2013. ROVAI, R. Mídia Ninja dá um baile na bancada do Roda Viva. Blog do Rovai, São Paulo, 06 agosto. 2013. Disponível em: http:// revistaforum.com.br/blogdorovai/2013/08/06/midia-ninja-da-um-bailena-bancada-do-roda-viva/#.UgD0AZ9qGhs.facebook.
• RESENHA
Das pinturas à literatura de Clarice Rodrigo da Costa Araujo1 Em meio a tanta diversidade na poética de Clarice Lispector (1925-1977), o que permite identificar as aproximações da literatura com as artes plásticas? Onde se pode encontrar um foco de unidade para a pluralidade indefinida de alternativas exibida pela arte de Clarice? Estas perguntas ou indagações — também diálogos do elegante livro Clarice Lispector: pinturas (2013), de Carlos Mendes de Sousa — confirmam ou nos colocam diante da evidência de que a arte não conhece fronteiras. Sem negar a existência de várias aproximações com sua escritura (a músi- SOUSA, Carlos Mendes de. Clarice ca, a própria literatura, o teatro e outras Lispector: pinturas . Rio de artes), o pesquisador português Carlos Janeiro. Rocco. 2013.268 p. Mendes, como muitos leitores e estudiosos brasileiros da obra de Clarice, percebeu que uma convergência significativa está na forma muito peculiar que a prosa e pintura clariceanas são capazes de acionar, uma forma de cognição que é disparada pela capacidade de sentir, ver ou ler.
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Professor de Literatura Infantojuvenil e Teoria da Literatura na FAFIMA - Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Macaé, Mestre em Ciência da Arte [2008 - UFF] e Doutorando em Literatura Comparada [UFF]. Ex Coordenador Pedagógico do Curso de Letras da FAFIMA, pesquisador do Grupo Estéticas de Fim de Século, da Linha de Pesquisa em Estudos Semiológicos: Leitura, Texto e Transdisciplinaridade da UFRJ/ CNPq e do Grupo Literatura e outras artes, da UFF. Coautor das coletâneas Literatura e Interfaces e Leituras em Educação, da Editora Opção (2011). E-mail: rodricoara@uol.com.br
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A dilatação dos poros da sensibilidade que a criação ou linguagem artística de Clarice tem o poder de produzir no leitor não se esgota em si mesma, mas funciona como um convite ao entendimento de sua literatura ou interrogações que ela proporciona. De certa forma, tanto as pinturas preferidas da escritora, como as suas próprias pinturas dão corpo a qualidades de sentimento que reverberam na interioridade sujeito-receptor. A esse sentimento, a teoria literária chama de efeito estético ou certo encantamento/estranhamento que a poética clariceana proporciona. Por mais intenso que esse efeito possa ser, o estudioso da obra da escritora brasileira, confirma que ele nunca deixa de interrogar cognitivamente, pois essas aproximações são, também, formas de sabedoria e marcas do gesto, delicadezas ou mecanismos de expressão. Ao mesmo tempo em que falam à nossa sensibilidade, elas convidam a razão a se integrar, ludicamente, ao sentir. Para além da emoção, — o que de fato, não há como negar esse poder à arte —, também não podemos restringi-la a esse caráter, pois isso significaria amputar sua irradiação cognitiva e metafórica. Diferentemente de outras formas de conhecimento, como as científicas, que podem dispensar as emoções, as pinturas de Clarice ou mesmo a sua paixão pelas artes nos leva a conhecer sua criação pelo filtro do sentimento. Surge daí seu potencial regenerador, pois sua escrita ou gesto visual dilatam a sensibilidade perceptiva ou promovem a educação dos sentidos, levam à frente o projeto humano de ser cada vez mais humano: ver, ler, tocar, sentir de maneiras cada vez mais sutis e sofisticadas. Clarice Lispector: pinturas preenche uma lacuna ao apresentar essa educação e os interesses dos estudos comparados e da convivência harmoniosa entre pintura e literatura, bem como esclarecer momentos e etapas da escritora brasileira nessas aproximações pela análise de suas ficções e pinturas, ou mesmo como essas leituras e remissões podem conviver e interrogar o próprio ato criativo. A capa — também pintura de Clarice e presente oferecido a Autran Dourado — é o convite e paratexto visual que inaugura discussões em torno da criação e proximidades das artes. O viés que o livro assume fala, ainda, da veloz poética clariceana em diversos gêneros — cartas, entrevistas, pinturas, autorretratos, ficções, crônicas, fragmentos. O suporte maior, a errância na trama da subjetividade, é o estilo com que esses
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temas são abordados em iluminuras escritas ou visuais — uma poética da verticalidade entre o sabor semiótico das representações e a intensidade amorosa de saber dizê-las. São recortes sobre a pintura ou a escrita, no toque breve do gesto e da criação, que funcionam como fissuras na plenitude, embora tenham sido produzidos de modo independentes, sem qualquer ligação obrigatória de um com outro. O livro, em sua estrutura, organiza-se segundo dois eixos interligados: um — correspondente a primeira parte — mais, evidentemente, teórico e geral, dedicado a percorrer o tema das artes plásticas, expostas a nós leitores em suas diversas perspectivas (as trocas de correspondências, a existencial, a literária, a metafórica, a semiológica). Esse primeiro olhar acompanha a trajetória dos “Quadros de Clarice” e sua admiração pelas artes, como, também, os reflexos dessa paixão em sua produção literária. O convívio com as artes, segundo Carlos Mendes, configurava a ambientação do apartamento da escritora no Leme, onde ela se estabeleceu depois de retornar ao Brasil em 1959. Sua sala, como comprovam os registros fotográficos dos anos 1960 e 1970, assemelha-se a uma galeria de artes, com quadros que de certa forma, contaminam sua forma de escrita ou atravessam as possibilidades de entrelaçamentos de discursos. Admiradora das artes, Clarice tinha especial interesse pelas artes plásticas, conviveu com diversos artistas, frequentou vários museus e galerias e produziu suas próprias pinturas, cerca de vinte delas reproduzidas, como nunca antes, nesse livro. Dos quadros e autorretratos de sua coleção, dos confrontos e estranhezas de sua literatura e de sua pintura, o foco da observadora, segundo Carlos Mendes, desvela a sua “condição alienígena em marcha continuamente a autoconsciência e a alteridade propulsoras” (2013, p.64). De algum modo, o sabor e o desejo da escritora pela pintura, seus traçados ou marcas estilísticas de uma prosa insólita nos arrancam da inércia e entorpecimentos perceptivos, nos instiga a enxergar o mundo sob pontos de vista que só elas propiciam e instauram. Nessa obra, pressupõe-se que pela literatura, lê-se a arte e pela arte, lê-se a literatura. Através desse olhar imbricado se alcança o modo de dizer o mundo, ou por outras palavras, “a utilização do olho, até ao ponto de se ser olhado pelo próprio olhar, não pressupõe a simplista experiência em que a impossibilidade diz outra coisa” (2013, p.81).
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O segundo momento da obra dedica-se a Clarice Pintora. Nessa produção pictórica e experiência literária, a ação mútua de uma sobre a outra e a imbricação resultante desse encontro são mapeadas com finura, abrindo-se ao leitor entradas inéditas à literatura, como presentes ao leitor clariceano. No conjunto, são-nos entregues análises críticas minuciosas, delicadíssimas, de textos literários, de pinturas e diálogos, de obras de artistas plásticos ou aspectos semelhantes. Em todas, são revelados, por uma escrita de caleidoscópica visão, o poder do signo visual e suas materializações — as artes em cores e linguagens —, seus aspectos; sua força motriz e geradora. As análises apresentadas alteram o ângulo de se ler Clarice a partir dos estudos de suas preferências sobre as artes plásticas. Alternam-se, na maneira como é trazido para o banquete de ideias de sugestões do livro, a perspectiva imagística e imagens construídas pela escritura, fazendo render, nos textos clariceanos, sua condição, digamos, semiótica — as pinturas tomadas como discussão de experiências de poética e de busca de si mesma e lidas em seu complexo sistema de códigos, sinais, cores e convenções. Com isso, oferecem-se outras alternativas para examinarem-se os traços literários e alterações, considerados práxis, sentimentos e configurações. Revelam-se transformações de natureza sígnica e de natureza sensorial, transformações na escrita e nos olhares, nos modos de percebê-los e de vivê-los. O admirável recurso de ir trazendo ao leitor a dimensão visual, aos poucos e como foco iluminador, torna agradável seguir um pensar que amplia não só o interesse, mas, também, o afeto pelo campo da literatura e da pintura. Renovam-se, com o livro de Carlos Mendes, a ficção e poética clariceanas. Busca-se uma construção teórica e comparada, elaborada nas próprias apreciações das diferentes linguagens. Para o crítico e estudioso da obra de Clarice, “se tudo o que envolve a prática pictórica da escritora suscita alguma curiosidade, esta produção reveste-se de uma importância considerável pela luz que pode trazer para a leitura do seu processo criativo” (2013, p.161). Não se trata, propriamente, dito de ler a obra de Clarice a partir das pinturas, mas de lê-la com as pinturas, aproximando-as, apresentando as circunstâncias relacionadas com a sua elaboração e com os múltiplos contextos que associam a autora às artes plásticas e as inter-relações destas imagens com a obra literária. Clarice torna-se assim, aos olhos de Carlos Mendes, compreensí-
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vel, e suas obras captáveis segundo uma harmonia visual subjacente às disritmias de superfície. O estudioso percorre-as em sequência, estabelecendo os mecanismos da leitura da pintura pela visualidade ou, ao contrário, da escrita pelas telas, dando à rede a direção de seus fios, mapeando e roteirizando os pontos que indicam a força de um projeto em sua globalidade e singeleza. Retiradas da solidão, as telas de Clarice fazem par com outras diferenças, modo pelo qual se incorporam à literatura e aos autorretratos, conforme a maneira aguda e sensível, de Carlos Mendes expressar os seus modos de inserção na prática da Literatura Comparada. Interdisciplinar e abraçando grande número de dados críticos e metateóricos, Clarice Lispector: pinturas, de Carlos Mendes de Sousa formula notáveis interpretações sobre a escritora de A descoberta do mundo e suas variadas estratégicas de demarcar o seu gesto, as suas marcas pessoais e inconfundíveis, certas nuances delicadas que revelam a própria Clarice, sofisticada e simples, em seu singular e pluralidades. Foi justamente essa impressão de conjunto, de ideias que se tecem e retecem, que vão e voltam sob diferentes entonações e tonalidades, em diversas aparições e fragmentos, breves marcas de pessoalidade que retornam ao final do livro em forma de pergunta ou constelação de sentidos com a seguinte frase e assinatura em letra cursiva da escritora: “Quero pintar uma tela branca. Como se faz? É a coisa mais difícil do mundo. A nudez. O número zero. Como atingi-los? Só chegando, suponho, ao núcleo último da pessoa”.
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