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KL Sentral e suas facilidades Perto das 20h00 chegamos à estação KL Sentral, a maior estação de transporte intermodal da cidade. Lá passa uma linha de monotrilho, algumas de metrô, o trem expresso para o aeroporto, trens regionais e inter-cidades, vários ônibus e o local ainda fica cercado de shoppings, escritórios e hotéis. |É um local de Kuala Lumpur onde nunca será vista a calmaria plena. Ainda assim, descobrimos o local mais pacífico que um mero passageiro pode visitar na estação: a sala de chuveiros pagos. Por apenas, 5 reais - ou 7, se não tiver toalha, como era nosso caso - é possível tomar um banho. O local tem cerca de 10 chuveiros e é administrado por uma moça muçulmana que, de burca na cabeça e filho no colo, cobra a entrada, entrega a toalha e a chave do box. O banheiro era limpo, a água ensaiava certa calidez. Já estive banheiros de hostels muito piores que aquele. Repetiria sempre que preciso. Nota 9/10.
Esta é a entrada das duchas na estação KL Sentral.
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Depois do banho, procuramos um lugar para comer. Encontramos um restaurante pouco glamouroso, bastante gostoso e do qual se viam os trens de metrô entrarem e saírem da plataforma, alguns andares acima de nós. Depois de comer esperamos mais uma hora até que fosse aberto o portão B para que pudéssemos embarcar, pela plataforma 2, no trem KTM 25, vagão S6, camas 5 e 7. “Dormindo” no trem O primeiro estranhamento dentro do trem foi: onde vamos deixar nossa bagagem? Ao contrário de outros trens, esse não tinha bagageiros sobre nossas cabeças ou nas pontas do vagão. Perguntamos ao funcionário da KTM e, com normalidade, ele indicou que deixássemos as bagagens ali mesmo, no meio do corredor. Foi o que fizemos, não sem atrapalhar a vida de todos os outros passageiros que entraram depois de nós, já que as malas, uma em frente a outra, afinavam o corredor em uns 30 cm de cada lado. Com medo de roubos, furtos e tombamentos involuntários, amarrei as malas na escada que levava às camas superiores. Depois, a hora de subir na cama. Como havíamos comprado com pouca antecedência, sobraram apenas as camas superiores: mais estreitas, com janela menor e que balançam mais. É preciso subir a escadinha para deitar nelas, e a altura disponível é pouco mais do que o suficiente para se poder sentar. Onde deixar o tênis? E a mochila? São preocupações mundanas mas sendo a primeira vez em um trem do tipo, tive que parar para pensar nisso. O tênis ficou no final do colchão, próximo a mochila, que também estava amarrada para evitar problemas. Depois de pelo menos uns 20 minutos filmando e fotografando esta experiência, coloquei fones de ouvido e passei pelo menos a próxima hora ouvindo músicas enquanto assistia Kuala Lumpur indo embora pela pequena janela. Já sem fones, entrei em um sono leve que era facilmente interrompido quando algum viajante inconsequente ia ao banheiro e esquecia a porta do vagão aberta, deixando entrar todo o agradável ruído de rodas de ferro girando em alta velocidade sobre trilhos igualmente de ferro.
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Depois de uma, duas, três ou talvez quatro vezes, abri a cortina da minha cama e falei: “Excuse me, Sir? Would you PLEASE close the door? It’s way noisier this way” A contragosto, o companheiro viajante foi até a porta e fechou-a o suficiente para continuar fazendo barulho. Irritei-me com a situação e decidi acatar o destino, fechando com certa raiva a cortina e mentalizando naqueles rangidos de ferro uma melodia qualquer que encurtasse as restantes horas de viagem. Eventualmente, alguém passou pela composição gritando: “10 minutes do Johor Bahru! Terminal Station, 10 minutes!” Mal pareceu que haviam se passado 8 horas desde o embarque, o que provou a efetividade daquela mentalização.
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3 DE MARÇO O relato do dia anterior invadiu algumas horas do dia 3 de março. Como costumeiramente se diz: só é um novo dia depois que durmo (e acordo). Johor Bahru e a imigração diária na fronteira Nunca havia ouvido falar nesta cidade, mesmo ela sendo a segunda maior da Malásia - com 1,8 milhões de habitantes contando com sua região metropolitana. A relação populacional entre Johor Bahru e Kuala Lumpur (7 milhões) é parecida com a que acontece na Tailândia entre Bangkok (14 milhões) e Chiang Mai (1 milhão). Descemos do trem por volta de 05h45 da manhã. A estação é envidraçada e moderna, lembra um aeroporto. Ela fica a metros do estreito de Tebrau, a menos de 2 km de Cingapura. A primeira coisa que fizemos ao chegar lá foi comprar o bilhete para o trem que nos levaria a estação de Woodlands, já do outro lado do estreito. Ele custa R$ 5 e pode ser reservado pela internet ou comprado pelo balcão, como fizemos. Como temia que o trem de Kuala Lumpur pudesse atrasar, resolvi deixar para comprar na hora. Má estratégia: o trem chegou antes do horário previsto, que era 06h30 da manhã. E o próximo trem para Woodlands com bilhetes disponíveis sairia somente às 08h30. Achamos muito curioso e pouco planejado que a chegada do trem da capital não fosse sincronizada com a disponibilização de assentos na linha que segue para o país vizinho, mas logo entenderíamos o motivo. Antes, compramos um café no Kentucky’s Fried Chicken, aberto 24h. Era um bom café, por mais estranho que seja comprar café em uma rede de fast food que vende baldes de frango frito.
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Sentamos no banco de espera perto da entrada para os portões de embarque que levam às plataformas. Com um café em mãos e com 2hs de espera, tudo o que podíamos fazer era observar – os bancos eram desconfortáveis para dormir. Uma grande concentração de pessoas enfileirava-se gradualmente no portão A. Elas vinham de todos os cantos da estação e sempre paravam ali. A imensa maioria estava muito bem vestida, quase sempre em trajes que eram ou beiravam o social. Seguiam um estilo ocidental que era mais raro de ser visto nas outras cidades: burcas, grandes barbas e outros traços étnicoreligiosos eram raros. Ficou claro que estavam todos esperando o trem para ir trabalhar em Cingapura.A cena se repetia a cada novo trem, de meia em meia hora. As pessoas vinham, cruzavam o saguão e formavam a fila. Ao longo do saguão haviam vários stands de empreendimentos imobiliários novos em Johor Bahru: “Grande conforto”; “Perto da estação de trem”; “A partir de 415 mil ringgits”. Johor Bahru era não só a segunda maior cidade da Malásia como também uma cidade dormitório. E os arredores da estação de trem, praticamente um subúrbio de Cingapura. De acordo com o expatistan.com, o custo de vida em Johor é 59% mais barato do que seria em Cingapura. E os salários em Cingapura, muito mais altos. Um engenheiro de projeto em Cingapura ganha em média 128 mil reais por ano, ao passo que em Johor Bahru o sua renda anual seria cerca de 49 mil reais por ano. Isso explica como há tantas pessoas que se dispõem a passar diariamente pelo que nós estaríamos prestes a passar a seguir. Perto das 08h00 da manhã a fila para o trem das 08h30 - o nosso - começou a se formar. Depois de horas sentado, foi bom aguardar o embarque em pé. Quinze minutos depois de começada a fila, abriram os portões. Mostramos os bilhetes ao fiscal e seguimos para a imigração. Fomos uns dos poucos viajantes a pegar o caminho à direita para o guichê que dizia ALL PASSPORTS ao invés de seguir nas máquinas automáticas de leitura de passaporte, indicadas com a placa MALAYSIAN CITIZENS. O funcionário da imigração agia de forma apressada: depois de carimbar o passaporte, fechou-o tão rapidamente que a tinta não secou e o carimbo
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manchou a outra página. Assim como em um aeroporto, passamos por um detector de metais e deslizamos as malas por uma máquina de raio-x. O trem saiu pontualmente as 08h30, com todos os assentos ocupados e muitas pessoas em pé no corredor. Aproximadamente 1 minuto após sua partida, já estavamos sobre a água cruzando o estreito de Tebrau em direção a estação de Singapore Woodlands, no noroeste de Cingapura.
Para nós foi uma vez. Mas para muitos daqueles trabalhadores, todo dia é dia de carimbar o passaporte em Johor Bahru e em Cingapura.
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Chegando em Cingapura O trem cruzou uma ponte que corria a poucos metros acima do nível da água. Ele sequer atingia sua velocidade normal de cruzeiro: menos de cinco minutos depois estávamos na plataforma da estação Woodlands. Os trabalhadores saíram apressados. Alguns, apressadíssimos, correndo como velocistas pela plataforma - talvez os chefes cingapuranos sejam exigentes e não aceitem atrasos. Todos já estavam com os formulários da imigração guardados e já preenchidos em suas bolsas e carteiras, provavelmente a cada mês preenchem vários deles de uma só vez. Nós sequer sabíamos destes formulários: os preenchemos com toda a calma do mundo. Fomos os dois últimos passageiros daquele trem a passarem pelos guichês da imigração de Cingapura. Legalmente permitidos a permanecer na cidade-estado, fomos buscar o caminho para o metrô. Mas quem é mesmo que disse que a estação de trem de Woodlands é a mesma estação de metrô de Woodlands? Eu achava isso, mas a verdade era outra. Sabendo do empenho do país em construir uma infraestrutura de primeira, me pareceu um pouco de má vontade dar esse trabalho a mais aos viajantes e, principalmente aos migrantes diários. Precisaríamos pegar um ônibus para chegar ao metrô. Mas, para isso, precisávamos antes trocar dinheiro. Cansado e tendo dormido mal, todas esses pequenos passos se atropelavam na minha cabeça e me deixaram com um pouquinho de raiva deste novo território. Troquei o dinheiro na cotação U$ 1 = 1,38 Singapore Dollar, ou seja, 1 SGD = R$ 2,75. Nota: chegamos a um lugar caro. Pegamos o ônibus, viajamos por paisagens suburbanas com a grana perfeitamente cortada e chegamos ao terminal de Woodlands. Comemos um folheado de vegetais e seguimos viagem pelo metrô, cambaleando de sono por quase 1 hora até chegar à estação Chinatown, depois de uma baldeação na estação Dhoby Ghaut, cujo nome é pronunciado da maneira mais inglesa possível. Caminhamos por Chinatown - sim, de novo ela - até chegar ao hotel, o que não durou mais do que 10 minutos. A entrada é bem bonita e tem decorações antigas. O cartão de visitas do estabelecimento diz que trata-
se de um boutique hotel, o que provavelmente significa “local bonitinho, meio antigo e com um quarto tão pequeno que mal dá para abrir as malas dentro dele”. Tirando o espaço diminuto, é um bom hotel mas, como tudo em Cingapura, caro. O mais caro da viagem: mais de R$ 300 por noite, enquanto nenhum outro passou de R$ 150.
Nos estabelecemos e, depois de um banho, descansamos por menos de uma hora. A estadia na cidade é curta e é preciso conhecê-la, desculpava-me eu a mim mesmo e a meu pai, ambos um tanto zumbis para passear. Antes de sair, fiz um café instantâneo na - sim, ela de novo também - chaleira elétrica. O café não vinha em pó e sim dentro de um saquinho, como um chá. É igual café passado mas dá pra fazer na própria caneca. Obrigado, Ásia.
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Fazendo negócios no estilo de Cingapura A primeira atração a ser visitada em Cingapura foi sem dúvida pouco usual e passível de várias críticas: uma loja de eletrônicos chamada PassionGadgets. Durante os mais de 10 dias em que já estive na Ásia quase sempre passávamos na frente de alguma loja de eletrônicos e, esperançoso, eu perguntava se havia o que eu queria: um carregador portátil de bateria. Como tenho algumas ressalvas em relação a marcas e produtos que não gosto e, principalmente, a preços exorbitantes (o da Sony custava R$ 200) nunca conseguia concretizar minha compra. Pesquisei no Google e descobri em uma página do Reddit que a loja PassionGadgets era um lugar confiável para se comprar em Cingapura produtos da marca que eu queria, a chinesa Xiaomi. Pegamos o metrô e chegamos no endereço da loja em vinte minutos. O prédio não se parece nem um pouco um lugar onde um estrangeiro visitando a cidade deveria ou gostaria de ir. Puramente funcional, entra-se no edifício pelo mesmo lugar onde os caminhões descarregam carga. Achei por bem avisar ao porteiro onde estávamos indo, para o caso de aquela situação parecer muito esquisita. Chamamos o elevador e logo que abriram suas portas deixamos desembarcar dois jovens que usavam a camiseta da PassionGadgets. Foi um momento revelador: estávamos no lugar certo. Subimos ao quinto piso e entramos na loja: um grande depósito com um balcão na frente e 4 ou 5 atendentes. Pedi os produtos para atendente. Resolvo inclusive levar dois carregadores, pelo motivo de levar dois carregadores. Cada um custava cerca de R$ 50, a metade do preço no Brasil. E toda essa epopeia deveria valer para alguma coisa – eu merecia. A compra toda, com mais algumas coisinhas, fechou em 70 SGD. Só havia a opção de pagar no cartão e a atendente disse que eu deveria baixar o app Shopee para realizar a compra, não havia “maquina”. Tentei, tentei e tentei novamente, mas o aplicativo Shopee só estava disponível na Play Store daqueles que tem como residência Cingapura.
Compreensível e claramente compadecida com meu empenho em comprar na loja dela, a moça praticamente sussurrou para mim: “I can let you pay by cash if you have the exact amount but since it’s now allowed we will have to do it outside the building” Já tendo sido ameaçado por um comerciante libanês em Ciudad del Este e negociado preços em um souk marroquino, essa proposta me pareceu mais do que limpa e tranquila. Falei para ela que iria sair da loja para verificar minha carteira e a avisaria. Verifiquei e - obrigado, destino - tinha o dinheiro necessário para a compra. Talvez passássemos fome depois, mas isso ficava para depois. Fui até a porta de vidro da loja e lancei à atendente um olhar decidido, gesticulando com o polegar para cima em sinal de positivo. Minutos depois ela saiu da loja com meus produtos já em uma sacola e a nota fiscal. Abordou-nos com discrição, nos convidando a pegar o elevador e descer. No estacionamento do prédio, que para ela já era oficialmente considerado como “outside the building” efetuei o pagamento do valor combinado, assinei a nota fiscal e a agradeci. Ela perguntou como eu descobri a loja, obtendo como resposta “it’s a long story”. Tendo feito um excelente negócio, saí do estacionamento do prédio sentindo-me realizado.
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LISTA DE FOTOS
p. 15 Temple Street, Chinatown
p. 16 Smith Street, Chinatown
p. 18 Henderson Waves
p. 20 Ensacamento de Temperos
p. 22 Marina Bay
p. 17 Domo do National Museum
p. 19 Conjunto Habitacional n˚ 532
p. 21 Metrô Bras Basah
Mais fotos em: tinyurl.com/FotosAsia2016
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(Quase) Não tem dinheiro pra almoçar Para diminuir a carga de estresse e a culpa de deslocar a entourage até uma loja aleatória em um local pouco atrativo, decidi pesquisar por restaurantes vegetarianos na região e encontrei um que dizia ser o primeiro restaurante coreano vegetariano de Cingapura, o “The Boneless Kitchen”. O nome pareceu bom, a proposta coreana pareceu interessante, mas precisamos chegar até a porta e verificar o menu para ter certeza de que poderíamos pagar a refeição em dinheiro. A conclusão foi positiva: sairíamos de lá com 12 dólares sobrando. O caixa/garçom era um jovem que atendia às mesas mesmo em sua cadeira de rodas. Pedimos vegetais ao molho de feijão preto e um bimbimbap, que é um prato típico da Coreia, mas lá feito apenas com vegetais.
National Design Centre e o consumismo asiático Saindo da região da estação MRT Tai Seng, descemos no Esplanade, a fim de passar por uma certa loja de cosméticos e depois seguir para o National Design Centre. Como fazia quase 30˚C lá fora, tomamos a decisão de aproveitar o ar condicionado e ir andando por dentro do shopping. Minutos depois mostrou-se uma decisão ingênua: o shopping virou outro shopping que tornou-se um corredor, abriu em outro centro de compras com saídas para outro metrô e restaurantes e lojas de departamento e estávamos bem perdidos a esta altura. Eventualmente, nos localizamos usando as raras placas de saída que apareciam pelo caminho. Já na rua certa, avistamos o centro de design montado em um prédio artdeco pré II-guerra no bairro Bras Basah–Bugis. Tirando a parte do art-deco, todo o resto eu aprendi com a Wikipedia. A ideia de visitar o local nasceu sem grandes pretensões: apenas verifiquei se era visitável e, boa surpresa: estava em cartaz uma exposição entijucada “Fifty Years of Singapore Design”. A exposição era pequenina, mas mostrava uma panorama interessante e já imaginava - muito focado no design de produto. Era uma expectativa racional, dada a grande quantidade de indústrias de manufatura do país, especialmente as eletrônicas. Anexo ao centro de design há uma loja e evidente que pareceu boa ideia visitá-la. Após 5 minutos no local, vi que tudo ali era cerca de 4 vezes mais caro do que eu poderia cogitar pagar. R$ 1200 por um tênis Adidas, R$ 300 por uma camiseta, etc. Minha única aquisição no local foram diversos flyers e folders sobre o próprio centro de design, no valor de R$ 0,00. Acatando a canseira Depois do centro de design retornamos ao hotel. De novo, fomos de metrô. A cada vez que entravamos nele notavamos como realmente o metrô daqui é bom. Todas as estações tem escadas rolantes e elevadores para todo lado, portas de vidro que impedem o acesso/queda aos trilhos e uma altíssima freqüência de trens. Em nenhuma das linhas que viajamos vimos trens com
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motorista: são todos automáticos. Além disso, nunca pegamos um vagão absurdamente cheio e a sinalização é muito eficaz e não nos deixou perdidos. Dentro do trem há até uma luz que indica qual lado dele terá as portas abertas na próxima parada. Chegando no hotel o cansaço bateu: acumulado pelas andanças em museus malaios no dia anterior, somados a noite mal dormida no trem e aos cansativos tramites migratórios da manhã, sucumbimos à cama. Uma hora e meia depois forcei-me a acordar. Cogitava visitar a Marina Bay - o que exigiria algum esforço - mas fiquei contente com a sugestão de jantarmos aqui por perto, na Chinatown. Como não encontramos casas de câmbio abertas, tivemos um limitador a mais na busca por comida: o restaurante deveria aceitar cartão, algo não tão comum quanto poderia ser. Escolhemos um restaurante vietnamita na rua principal dos restaurantes da Chinatown: assim como a de Kuala Lumpur, uma rua de pedestres que foi coberta com folhas de vidro e aço. Comemos e tomamos algumas cervejas Tiger, para depois voltar ao hotel e dormir o sono merecido que duraria até o dia seguinte, sem interrupções.
4 DE MARÇO Hoje escrevo sobre Cingapura no exato momento em que a deixamos: acabamos de levantar voo do aeroporto de Changi e, pela janela, provavelmente o que se vê já é a Malásia. Um dia cheio e planejado Ao contrário dos últimos dias, planejei estrategicamente os lugares a serem visitados na noite do dia anterior. Como teríamos pouco tempo em Cingapura e várias expectativas para serem atingidas (ou destruídas), a lista levava em conta proximidade, horários de funcionamento, valor de ingresso, período do dia, etc. Acordamos às 08h00 da manhã com a mesma quantidade de Singapore Dollars na carteira que tínhamos na noite anterior: quase nada. Como procurar casas de câmbio em jejum é uma das piores atividades que alguém pode fazer, fomos salvos pelo McDonalds e pela homogeneidade do capitalismo global e seu dinheiro de plástico. Um cappuccino e um Egg McMuffin, por favor. Sim, vamos comer aqui. Posso inserir o cartão? INSERT PIN. Ok. TRANSACTION APPROVED. Ótimo, obrigado. Singapore City Gallery Alimentados e ainda sem dinheiro, seguimos para a primeira atração, que era propositalmente gratuita. O Singapore City Gallery é um centro de exposições mantido pela Urban Redevelopment Authority, o instituto de planejamento e de estudos urbanos que cuida da cidade. O prédio do órgão é uma construção agradável e aberta. Além de exposições, lá eles fazem atendimento ao público e disponibilizam materiais para consulta, como planos diretores da cidade em diferentes escalas: da cidade como um todo ao nível da rua. É ao mesmo tempo impressionante e desconcertante ver o quanto Cingapura é uma cidade evoluída de praticamente todos os pontos de vista.
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Ainda nos anos 60, logo após a conquista da independência do Reino Unido, o país definiu prioridades sensatas. Uma das principais era a moradia: muita gente morava em favelas e isso deveria acabar. Em mais ou menos 10 anos, a crise habitacional no país foi resolvida com a construção de complexos residenciais adensados e de qualidade: apartamento próprio, água encanada e energia elétrica para muita gente que até então vivia sem isso. Entre os anos 70 e 80 foi construído o já mencionado metrô da cidade, conhecido por MRT. A partir deste momento, além de casa, o povo de Cingapura tinha um transporte público satisfatório. Os recursos para isto tudo vieram da crescente industrialização do país e da sua atuação como porto internacional, que já ocorria desde tempos pré-coloniais. Hoje, a cidade conta com infraestruturas exemplares que vão desde o calçamento público até túneis de uso misto por onde circulam redes de energia, água, gás, telecomunicações, etc. Com apenas 5 milhões de habitantes eles tem o 37˚ maior PIB do mundo e taxas praticamente nulas de desemprego. Tudo isso, no entanto, com uma legislação rígida e uma suposta baixa liberdade para se contestar o governo - as duas últimas informações precisam ser aprofundadas e, evidentemente, não faziam parte da exposição no City Gallery. Red Dot Museum Ao buscar pela City Gallery no Google Maps percebe que logo ao seu lado havia um museu chamado Red Dot. O museu exibe produtos cujo projeto de design recebeu o prêmio homônimo. Ciente de que haveria de ser um museu com cara de showroom de loja, tinha baixas expectativas para o local. Ao ver que custava 10 SGD para ser visitado e que o ingresso e a entrada eram feitos a partir da loja do museu, tive a certeza de que ele não merecia ser visitado. Interessante mencionar: o museu não ocupava todo o prédio, sendo o restante usado por escritórios de design, arquitetura e afins.
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Almoço na Calçada Estava previsto no roteiro que em algum momento iríamos almoçar, mas definitivamente não o quê e nem onde isso aconteceria. Após termos encontrado uma casa de câmbio (cuja localização estava, sim, no roteiro), encontramos uma loja de hortifruti que também montava saladas com ingredientes a escolha do cliente pelo razoável preço de 4,90 SGD. A minha opção incluía abacate, batatas amassadas, ovo, cogumelos e molho de mostrada e mel (superior ao encontrado no Subway). Para acompanhar, um suco de melão. A refeição foi consumida na calçada de um centro comercial, enquanto observávamos a circulação dos funcionários de escritórios da região aproveitando o horário de almoço.
Faber Mount e Henderson Waves Saindo do centro comercial pegamos mais uma vez o metrô para o sentido Harbourfront. A estação de destino fica – como diz o nome – muito perto do porto e de frente para a ilha de Sentosa, um pequeno paraíso de resorts caros, praias e outras infraestruturas de lazer. Imediatamente oposta a estação e a ilha fica a trilha para o Faber Mount, um pequeno morro transformado em parque que abriga muita vegetação e oferece boas vistas. Caminhamos pelas trilhas e escadas, todas com calçamento, até chega ao topo do morro, onde fica uma estação de teleférico que leva até embaixo. Apesar de longa a caminhada, foi notório como caminhar em um parque cansa menos que fazê-lo na cidade: ao final teríamos andado quase 3 km sem perceber. Começamos a descida para o outro lado do morro, rumo às Henderson Waves. Um erro na rota fez com que gastássemos pelo menos 15 minutos a mais mas, por fim, chegamos. Trata-se de uma ampla passarela que liga o Faber Park a um parque vizinho. Ela atravessa uma movimentada avenida em grande altura – pelo menos 40 metros no ponto mais alto, sendo que para quem sai do Faber Park a passarela é em aclive. No meio deste caminho aéreo, bancos para encostar e descansar antes de prosseguir. Uma pausa no hotel Saímos do Faber Park e pegamos um ônibus que nos deixou no People’s Park Complex em Chinatown. Atravessamos uma das várias passarelas que cruzam a Eu Tong Sen Street e avistamos um lugar que era a coisa mais similar a uma padaria vista em toda a viagem. Comemos três muffins ali mesmo. A loja, com algo de francês em sua decoração, tocava músicas pop em alto volume. Como Gangnam Style e Sorry, por exemplos. Os muffins foram uma parada a caminho do nosso destino: o hotel. No planejamento estratégico previamente elaborado havia uma pausa na metade do dia para recuperar a energia, a vitalidade e o bom humor. Ficamos por ali, em estado de repouso, por cerca de 1h30, até eu notar que se não nos apressássemos, perderíamos o horário de funcionamento do National Gallery.
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National Gallery A National Gallery é um museu que conta a história do país-cidade-estado cingapurense. O conjunto de prédios que formam a National Gallery já é histórico: abrigou a Suprema Corte e a antiga prefeitura. Hoje, com o museu, vidro, aço e colunas gregas convivem em harmonia. Chegamos lá perto das 17h45, e o último acesso ao museu seria às 18h30. Apesar do pouco tempo, conseguimos passear pela exposição sobre a história local com certa calma e com tempo suficiente para aproveitar o que ela tinha para nos mostrar. Aprendemos que as primeiras povoações de Cingapura aconteceram na época das grandes navegações, mas que sempre por ali estiverem presentes também chineses. Lá pela metade do século 19, o território foi tomado por britânicos e só saiu do poder deles após a segunda guerra mundial, exceto pelo breve momento durante a segunda guerra em que o território foi invadido por japoneses. Uma história conturbada e intrincada que se torna ainda mais incrível após ter visto o que é a Cingapura de hoje ao vivo e no Singapore City Gallery. Singapore Art Museum Depois da National Gallery aproveitamos o início da noite de sexta feira para visitar o Singapore Art Museum, que oferece visitas gratuitas entre 19h e 21h. Ainda que seu nome não denuncie, trata-se de um museu de arte contemporânea e, como tal, nunca se sabe direito que tipo de exposição poderia ser esperada por lá. Uma das exposições lidava com artistas variados explorando cinco pilares essenciais para a sociedade de Cingapura: paz, justiça, igualdade, democracia e progresso. Se as palavras-chave pareciam clichê, o mesmo era verdade sobre a maioria das abordagens artísticas. Tudo bem executado e montado, mas com um conceito que pareceu um pouco preguiçoso (a partir do momento em que a arte contemporânea pode fazer quase tudo, posso também fingir ser crítico de arte?).
O positivo era que o museu, ao menos nas exposições em cartaz atualmente, mostrava apenas artistas de Cingapura. Algumas obras fotográficas foram especialmente interessantes, mostraram lados diferentes da cidade que ainda não havíamos vistos, como bairros de casas. Há casas em Cingapura. Marina Bay Sands Novamente exauridos de tanto ver museus, partimos para mais uma atividade quase diametralmente oposta: a Marina Bay Sands, uma espécie de Little Dubai onde tudo é majestoso, rico e grande. Ao chegar, deparamo-nos com a primeira coisa grande: um caminho longo e feio da saída do metrô até o centro das atenções do local. Margeando o caminho, obras de um novo edifício sendo tocadas com vários funcionários, mesmo já passando das 21h. Eram tantas as luzes na construção que, à primeira vista, parecia que o prédio já estava pronto e poupado. Chegamos ao local onde o movimento se concentrava. Lá acontecia um show de uma banda pop qualquer que lutava para entusiasmar o público, convocando-os a levantar os smartphones em suas mãos enquanto tocavam aquela que era uma balada romântica. Descobrimos que no local também acontecia o iLight Marina Bay, o “primeiro e único festival asiático de luzes sustentáveis”, que consistia basicamente em muitos leds, projeções e outros tipos de intervenção luminosa ao longo de toda a bay. Havia também um festival de jazz caro e com artistas cujo atribuição do género jazz poderia ser facilmente contestada. E, por fim, muito mais discreta, acontecia uma competição de máquinas de fazer bolhas de sabão gigante (!), que parecia estar sendo promovida por algum curso ou instituição de design. Depois de todas aquelas luzes a beira d’água, afundamos no metrô e apagamos no hotel. Depois de todos os lugares que havíamos visitado no dia, dormi com a impressão de ter conhecido uma das cidades mais organizadas e completas do mundo.
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5 DE MARÇO Escrevo na beira da piscina já depois das 22h00. Sinto que os pernilongos estão cada vez mais perto de mim. Último passeio por Cingapura Acordamos relativamente cedo para conseguir aproveitar uma última manhã em Cingapura. Saímos do hotel a pé seguindo a direção norte. Paramos para um café da manhã em uma espécie de pequena praça de alimentação 24h que lembra um pouco os Cobal do Rio. Não eram nem 10h00 e já - ou, ainda? - havia gente bebendo cervejas Tiger. Pedimos torradas e um suco de limão que tinha gosto e aparência de Tang, pelo qual deveria de fato ser “refresco em pó”. Não foi um bom café da manhã, mas saiu barato e durante seu consumo pudemos observar como eram montados os saquinhos de tempero que já havia visto em todas as cidades da Ásia pelas quais passamos. Eles inserem os molhos no saquinho, fecham e despacham os saquinhos um a um nas encomendas de comida para entregar. O destino da caminhada foi o Boat’s Quay, uma região que toca ambas margens do Singapore River logo antes de ele desembocar na Marina Bay e no estreito de Cingapura. Caminhamos até lá e atravessamos o rio pela North Bridge. Em uma das margens do rio há vários restaurantes, com mesas na calçada. Na outra, aparatos culturais variados como a Art’s House, um centro cultural que tem salas para concertos e para exposições. Como a exposição que lá havia no momento era sobre obras literárias completamente desconhecidas para mim, entramos no local apenas para usar o banheiro. Muito próximo por ali há o Asian Civilizations Museum, com peças sobre a cultura asiática. A julgar pela diversidade e o tamanho do continente, foi uma boa ideia sequer cogitar visitá-lo, já que tínhamos pouco tempo naquele dia. Desviamos um pouco da rota e fomos parar na frente da National Gallery de Cingapura, onde há várias quadras. Naquele dia, o Singapore Cricket Club hospedava um torneio. Nunca havia assistido a uma partida de cricket,
me pareceu uma espécie de futebol com tacos e uma minibola. Parece pouco prático, vimos depois um jogador no metrô e ele tinha que carregar o taco por aí. Futebol é mais simples, não surpreende que cricket seja popular no UK, India e outras ex-colônias britânicas. Continuamos a caminhada voltando ao Boat’s Quay, atravessando a ponte Cavenagh e iniciando o retorno ao hotel pela margem sul do rio. A perfeição e a preocupação com a segurança e o bem estar em Cingapura se mostraram evidentes mais uma vez em uma escultura metálica que representava um touro. Ao passo que a escultura em si não é assim tão interessante, a placa que indica quais são os locais pontudos dela é um exemplo.
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Veja o vĂdeo Cingapura em vimeo.com/album/3883522
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