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O Aeroporto de Changi Chegamos ao hotel perto das 11h10 e tínhamos combinado de sair para o aeroporto as 11h30. Foi tempo necessário para uma rápida deitada na cama, vasculhar o quarto por itens perdidos e jogar uma água na cara para dar uma animada, já que jornadas ao aeroporto dificilmente são empolgantes. Apesar da pontada de preguiça em sair do ar condicionado, caminhar com malas no calor de 30˚ C até o metrô e fazer 2 trocas de linha, a verdade é que eu já sabia o que estava por vir e inclusive fiquei sentido de não ter saído mais cedo. O Aeroporto Changi em Cingapura é considerado, por vários anos seguidos, o melhor aeroporto do mundo de acordo com Skytrax, um dos mais respeitáveis rankings do gênero. Não é mentira: do momento em que saímos do metrô e pisamos na plataforma da estação do aeroporto, todo um novo nível de serviço aeroportuário se revelou. Nossa primeira atividade no aeroporto era devolver o cartão de transporte para reaver os S$ 10 de seu depósito. Diante de uma fila grande em frente ao guichê da bilheteria, decidi confirmar com uma funcionária do metrô se era ali mesmo onde deveríamos estar para pegar o dinheiro de volta. Ela confirmou que sim e enquanto triste me deslocava até a fila a ouvi me chamar. De forma discreta ela falou para eu entregar a ela os cartões. Prontamente lembrei da vendedora da PassionGadgets e entendi: era mais uma daquelas situações onde um trabalhador de Cingapura decide gentilmente contornar as regras para melhorar a experiência do consumidor. A funcionária correu - ela correu mesmo, de um jeito bem desengonçado mas que não pude rir, tamanha boa vontade - até o guichê administrativo da estação, pegou os S$ 10 de cada cartão e entregou rápida e discretamente a nós, que recebemos como quem recebe dinheiro de propina e agradecemos como quem ganhou mais 10 minutos de vida fora de uma fila.
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O passo número dois era despachar as malas para no nosso voo até Krabi. Voaríamos TigerAir, a lowcost de bandeira cingapurense. Um conjunto de telas mostrava os voos e os balcões de check-in da maneira como geralmente são mostrados nos aeroportos pelo mundo. Ao lado, uma tela touchscreen tinha como opções inserir o voo, destino ou cia aérea que voaríamos. Digitei “Krabi” e surgiu na tela uma animação mostrando onde eu estava e exatamente até onde deveria caminhar para despachar as malas. Despachamos as malas com um funcionário mal humorado que pediu nossa passagem de volta para o Brasil, com medo de que estivéssemos imigrando ilegalmente pra Tailândia. Seria mais prudente emigrar ilegalmente para Cingapura do que para a Tailândia, mas tudo bem. Entramos na sala de embarque depois de um procedimento de imigração muito rápido. A tarefa n˚ 3 era almoçar. Em Cingapura e no melhor aeroporto do mundo, estava preparado para um abuso financeiro, mas novamente, Changi agiu conforme manda sua reputação. A comida ali tinha o mesmo preço que lá fora. Por S$ 7 comi uma sopa de bolas de peixe que parecia bem legítima, mas pouco adequada ao meu paladar. A textura das bolas de peixe lembrava uma gelatina mais consistente. É bom ressaltar que não se tratavam de testículos de peixe e sim de uma mistura de qualquer-coisa-grudenta com carne triturada de peixe.
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Feita a refeição, pudemos observar as opções de lazer e compras oferecidas pelo aeroporto. As observadas estão listadas abaixo: •
Jogos de videogame (PS3 e outros) gratuitos
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Jogos em rede gratuitos
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Cinema
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Jardim de Girassóis (literalmente isto que está escrito)
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Mini-mercado 24h
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Academia (paga)
Em resumo, parece que o aeroporto merece seu título. A única decepção foi a conexão wi-fi, cuja autenticação requeria o recebimento de uma mensagem de texto SMS. O sistema não funcionou com meu número Vivo e a operadora do meu chip tailandês sequer tinha sinal em Cingapura. Decolamos no horário e prontamente sobrevoamos uma imensa área de obras que parece ser uma ampliação do próprio aeroporto. Sobrevoamos a Malásia e o sul da Tailândia, pousando 1h40 depois em Krabi.
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Chegando a Ao Nang Chegando a Krabi tivemos que provar às autoridades sanitárias que estávamos vacinados contra febre amarela, uma obrigação que todo brasileiro têm ao chegar aqui - mesmo pela segunda vez em menos de duas semanas. Fomos admitidos no país após demorada fila e pegamos as malas, já tontas de tantas voltas na esteira. Pagamos o táxi e observamos o motorista com jeito de malandro ir buscar o carro com a camiseta levantada, revelando sua barriga. Esperávamos veículo sedan ou algo assim, acabamos surpreendidos por uma van de 15 lugares só para nós dois. O caminho de meia hora até o hotel lembrou muito o litoral brasileiro: avenidas que parecem estradinhas, movimentadas e sem calçada, com lojas de materiais de construção aqui e ali. Se não estivéssemos trafegando pelo lado esquerdo da pista seria bem fácil ter uma epifania: a essência de Matinhos ou Caraguatatuba estava ali. Entramos no hotel Ibis Styles Ao Nang. É como o Ibis, mas melhor que o Ibis só que sem deixar de ser o Ibis. Antes mesmo de subir ao quarto já tinha tomado quatro copos do suco que eles oferecem gratuitamente durante a tarde no lobby. E comido boas bolachas com recheio de abacaxi. Elas eram realmente boas, sempre que chegavam novas desapareciam prontamente. Também antes de subir avistamos a piscina, só para confirmar que era para lá que iriamos tão logo trocássemos de roupa no quarto. Já na piscina percebemos que há duas nacionalidades majoritárias neste hotel: chineses e russos. Depois dos dois coquetéis que tomamos (happy hour, 2 pelo preço de 1) cheguei a conclusões assumidamente precipitadas sobre os hóspedes colegas: chineses falam alto demais e russos são brancos demais. Já passava das 20h quando saímos para jantar, com a ideia de não comer comida oriental. Encontramos um restaurante que leu nossa mente e a traduziu em uma placa com os dizeres “We don’t serve Thai Food”. Entramos decidimos e pedimos pratos de massa: um penne de atum, um spaghetti gorgonzola. Qualidade razoável, mas desejo sanado. Passamos rapidamente na onipresente 7/Eleven para comprar itens banais e, como estávamos com preguiça de descer a rua para ver a praia, voltamos ao hotel para dormir. A praia ficaria para o dia seguinte.
6 DE MARÇO Depois de vários dias no atraso, finalmente consegui começar a escrever sobre um dia ainda estando neste dia. A memória fresca facilita. Um café da manhã ocidental Hospedar-se no Ibis é sempre uma espécie de porto seguro e acho que isso tem grande valor em viagens, um valor que cresce conforme cresce a o grau de emotividade do local visitado. Ter escolhido o Ibis Styles durante uma promoção da rede (40% off) foi uma ideia melhor ainda: o café da manhã está incluído. Rapidamente após acordar apertamos o botão G do elevador e descemos ao térreo para encontrar a sala de café da manhã lotada. Parece que chineses e russos também acordaram as 08h da manhã para ir tomar café. Estava tudo lá, ou quase tudo: frutas, iogurtes, ovos fritos, café, sucos, pão e torradeira (!), mais tipos de pão, etc. Uma mescla do que se espera de um café da manhã ocidental com um ou outro toque local (arroz com legumes e ovo, noodles, vegetais em curry). Só faltou queijo: não há queijo no café da manhã deste Ibis, o que parece uma afronta ao país de onde se origina esta rede de hotéis. O que é a França sans fromage? Sobrevivemos esta ausência, sai cheio o suficiente para várias horas sem comer. A praia de Ao Nang Pegamos o transfere que o hotel oferece gratuitamente. São apenas 1,4 km até a praia, mas estamos todos de férias e, da nossa parte, já andamos o suficiente nas últimas cidades que visitamos. O site do hotel prometia um transfer de tuk-tuk mas o que conseguimos foi, novamente, uma enorme van Toyota Commuter com bancos de couro e ar-condicionado. Confortável, mas quebrou a promessa de pseudo-integração com a cultura local. Pegamos o horário das 10h00 e já as 10h05 descíamos em frente ao local que vendia passagens de barco. Dezenas de barqueiros estavam prontos para levar qualquer um a qualquer ilha ou praia da região. Essa região tinha um cheiro ruim de cocô, o que era pouco promissor para uma praia. Felizmente, próximo da água ou da areia nada se sentia.
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Nós chegamos antes do meio dia e o sol surgia por trás da praia, fazendo com que as sombras das arvores minuto a minuto nos deixassem expostos ao sol forte. Pelo menos duas vezes tivemos que reposicionar as toalhas laranjas que trouxemos do hotel (elas eram bem fáceis de serem identificadas e sempre se avistava alguma delas pela areia). A água estava quente, não só pelo sol mas talvez também por ser uma praia com águas muito calmas. Haviam cardumes de pequenos peixes na parte mais rasa. Em um dos cantos da praia uma retroescavadeira trabalhava no leito de um córrego. Parecia ser uma obra importante para o local, mas era uma grande chateação ver a lama correndo pelo correio e manchando de marrom a água até então semi-transparente da praia. Quando chegamos, só no canto da praia se avistava a mancha amarronzada. Perto da hora do almoço, no entanto, ela já ocupava pelo menos 1/3 da extensão total da praia. Durante o almoço, sentamos ao lado de um casal de turistas que demoraram pelo menos 10 minutos para conseguir chamar um garçom, tamanha a timidez e contenção de seus esforços. Me pareceu que eles mereciam mesmo esperar todo aquele tempo. Enquanto comia o Pad Thai vegetariano observava pelo canto do olho uma mesa com outro casal, um homem branco e alto, claramente estrangeiro e uma moça com todo o jeito de ser tailandesa. Ele olhava para ela, ela nem tanto, mas quando o fazia sempre em atitude de agrado ao homem. Ela usava roupas justas e ele tênis, meia e camisa pólo na praia, nenhum dos dois tinha vindo para aproveitar a praia. Novamente me veio a cabeça toda a história de a Tailândia ser uma referência em turismo sexual, e isso é ao mesmo tempo curioso e incômodo. Descansando após comer, passei vários minutos na Wikipedia lendo sobre o assunto. Railay Beach Acabamos a pequena siesta pós almoço e voltamos para o lugar que vende passagens (aquele que era um pouco fedido). Por 100 baht cada trecho compramos passagens de ida e volta para Railay Beach, uma praia a 15 minutos de barco dali. As saída aconteciam quando cada barco juntava pelo menos 8 pessoas para a viagem, o que demorou menos de cinco minutos.
Caminhamos pela área seguindo o condutor do barco, que estava atracado (atolado?) na areia, já que não há píer. Uma escada metálica parecida com a de uma piscina dá acesso ao barco, todo de madeira. Com todos os passageiros acomodados, o barqueiro puxou uma corda que desatolou a embarcação e ligou o motor, de onde sai um longo eixo que têm em sua ponta a hélice. Por conta dessa característica, os barcos são chamados de long tail boats, ou barcos de rabo comprido (tentei procurar um barquinho na feira de artesanato e não encontrei). O barco deu ré e rapidamente acelerou no sentido inverso ao da areia. Com a força das ondas, uma fenda no casco se revelou: a cada batida, uma boa quantidade de água entrava por ali. Ao cruzar a formação rochosa que delimitava o final da praia de Ao Nang várias outras formações do gênero foram reveladas, ainda mais complexas e bonitas que a anterior. Durante a viagem, várias câmeras para todos os lados filmavam e fotografavam a paisagem. O barco parou no lado oeste de Railay e lá todos desembarcaram.
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Desde que havíamos chegado na praia de Ao Nang, pela manhã, notamos que a maré estava baixando. Em Railay não era diferente e a maré baixa fazia-se ainda mais notável, deixando a praia com um aspecto um pouco desagradável: a areia de fundo escuro dava um aspecto sujo, ainda que provavelmente não estivesse. Mesmo esse efeito não ofuscava quão bonita era a praia. Caminhamos pela vila da praia, marcada com uma grande placa que dizia ser ali uma “Walking Street”. O que antes talvez fosse uma vila pouco povoada com pescadores e ciganos do mar hoje é um local completamente voltado ao turismo, com agências de viagem, lojinhas, bares e pousadas. O caminho levava ao lado leste de Railay, onde o mangue tomava conta da praia e impossibilitava entrar na água por ali. Como a única coisa que tinha por ali eram pousadas de luxo, compramos um sorvete de jaca e voltamos para o lado oeste. Desde que chegamos estávamos com a ideia de pegar um caiaque. Havíamos sentado na praia por um tempo e, enquanto deixei a câmera gravando um timelapse, fui consultar o preço do caiaque com o dono da barraca, interrompendo a conversa dele com um um amigo que cheirava um pote com conteúdo muito estranho. Seriam 200 baht por hora para o caiaque de duas pessoas e ele entregaria uma bolsa impermeável para levarmos nossos pertences. Pareceu um bom custo benefício. Pegamos o caiaque n˚ 9
e o arrastamos para a água, tomando cuidado com a imensa quantidade de pedras naquela parte da praia. Cinco minutos de remo depois, a decisão não poderia ter se mostrado mais acertada. Ultrapassando mais uma formação rochosa que limitava a praia, desta vez com a força de nossos próprios braços, vimos um cenário majestoso. Enormes rochas surgiam no meio do mar calmo, tão calmo que permitia que contornássemos as rochas e inclusive passássemos por dentro delas. Fomos até o conjunto rochoso que parecia mais próximo e começamos a atravessar uma fina passagem de água entre elas, mas nosso caiaque ficou preso em uma pedra que não vimos. Foi uma luta de 2 ou 3 minutos para tirar o caiaque dali, mas o suficiente para nos deixar atentos pelo resto do passeio. Passamos pela praia Rayavadee e, perto dela, atracamos em uma pequena faixa de areia entre rochas. Ali haviam pequenas cavernas que subiam até o topo das encostas de rocha – um turista (russo) escalava as pedras, o que me deixou um pouco apreensivo (seria difícil levar um ferido no caiaque). De todas as opções possíveis para aquela praia sem dúvida andar de caiaque foi a melhor delas. Nunca estive em um cenário sequer parecido com aquele, muito menos guiando um caiaque. A bateria da câmera acabou no final do passeio, exausta por capturar tantas imagens bonitas. Retornamos a Railay, devolvemos o caiaque e embarcamos no long tail boat rumo a Ao Nang. Lá, esperamos pela van do hotel, que chegou pontualmente.
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Descanso do descanso Chegamos ao hotel prontos para tomar suco e comer a bolacha de abacaxi, mas esta havia já terminado. Ficamos apenas com o suco e fomos diretamente para a piscina. Um indiano boiava lá dentro com uma bola inflável infantil por vários e vários minutos, sendo observado por uma criança que queria muito estar brincando com aquela bola. Tomamos uma Singha cada, aproveitando a promoção 2 por 1, e fomos para o quarto. À noite, jantamos em um restaurante indiano chamado Namaste (criativo!). Ficamos apreensivos pois, além do papel parede imitando pedra e do piso de azulejo imitando madeira, éramos os únicos lá dentro. Mas parei para pensar que se ontem não queríamos comer comida thai, muito menos pessoas ainda iriam querer de comer comida indiana na Tailandia. Os pratos estavam bons: cheese naam, um creme de pepino e cebola e prato com queijos ao molho semi picante. No caminho de volta ao hotel, observamos um sujeito de capacete (!) vomitando casualmente ao lado de um poste enquanto falava ao celular. Uma pessoa versátil, uma pessoa multifuncional. E acima de tudo, preocupada com sua segurança, pois foi um dos raros motociclistas avistados com capacete na cabeça. Para terminar o dia, decidi tomar um banho de repelente e escrever relatos à beira da piscina. Por 45 minutos tudo esteve bem mas, eventualmente, os mosquitos me descobriram e mesmo com repelente decidiram me atacar. Neste momento, me retirei ao quarto.
7 DE MARÇO Lá pelas 08h tomamos uma Singha Light e na janta, o mojito mais forte que já tomei. Neste momento estou sentindo um efeito decrescente do álcool. Um transfer marcado com eficiência Acordei as 08h e pensei que poderia acordar as 08h45, então na verdade acordei as 08h45 mesmo. Terminei de organizar pensamos e arquivos de dias anteriores e fomos ao café da manhã, que continuava sem queijo e onde novamente comi demais. Depois, deixamos malas arrumadas e fomos ao balcão de turismo, um lugar do qual tinha certo medo que foi superado. Parece que há um acordo geral na Tailândia: nos pacotes turísticos cobrarás o mesmo que o outro lugar, mesmo se pareceres bem mais caro e estiveres dentro de um hotel. Arrumamos um transfer para Phi Phi que partiria do hotel dali a exatos 65 minutos, o que apressou para 15 minutos os planos de passar pelo menos 60 na piscina. Perto das 11h40 estávamos no lobby aproveitando o suco de Roselle (um tipo de hibisco) e as bolachas recheadas de abacaxi. Foi uma atitude premeditada da qual me arrependi, depois de constatar que na verdade ainda estava bastante cheio do farto café da manhã. A van - novamente uma Toyota Commuter - chegou pontualmente ao meio dia para nos buscar. A bolacha com recheio de abacaxi que é de verdade bem boa, mas não quando se está cheio. A van era quente e tinha um ar condicionado bastante ineficiente, tornando um pouco incômoda a viagem entre Ao Nang e Krabi, com paradas em 3 ou 4 hotéis pelo caminho. Os companheiros de viagens eram todos russos, o que me fez pesquisar sobre a oferta de voos entre a Rússia e Krabi e o resultado da pesquisa é: não há. Isso mostra que eles gostam muito daqui, pois precisam passar por Doha, Helsinki, Bangkok ou China antes de chegar na região.
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Uma viagem de barco Fazia tempo que eu não viajava de barco por longas distâncias. Longas pode ser interpretado como mais de meia hora flutuando por aí. A viagem entre Krabi e a ilha Phi Phi duraria cerca de 2h e partiria de um píer incrustado em um manguezal. A vegetação impedia que se avistasse a água da sala de espera e, sem o que fazer enquanto esperava, fiquei com fome. Arrumei um sanduíche de atum por 60 baht que trouxe de brinde um micro pacote de batata frita Lays apimentada. Quando o embarque começou, a comunidade russa novamente se demonstrou presente com empurrões e tentativas de furar a fila, desta vez representada por um grupo de 5 homens gordos viajando juntos. Dentro do barco, parte do grupo de homens russos gordos guardou 6 assentos dentro do barco cheio, impedindo outros passageiros de lá sentarem. Enquanto isso, a outra parte tratava de fritar ao sol na cobertura do barco. Espero que tenham obtido uma boa queimadura. Passado o pequeno ódio por tais senhores, tratei de renomear fotos e ler o livro que trago comigo (dormir era inviável naquele banco esquisito). O barco e suas fileiras de assento 4+4, que fazem ter que pedir para todos saírem se o da janela quer ir ao banheiro o passear.
Phi Phi Já ouvi muito bem sobre Phi Phi. É uma ilhazinha mais ou menos do tamanho da Ilha do Mel, no litoral do Paraná. Em 2004 ela foi completamente devastada pela tsunami que atingiu boa parte do sudeste asiático e, depois isso, foi praticamente reconstruída, especialmente a região de Ton Sai, que fica quase ao nível do mar e justamente onde está nosso hotel, o JJ Residence. Chegando ao píer da ilha, vários homens seguravam placas com a marca dos hotéis e, sem me surpreender, lá estava o nosso – com meu nome escrito errado no verso da placa. O sujeito pediu que esperássemos ali por um minuto, para ver se mais hóspede apareceriam. Nesse meio tempo, pudemos ver alguns destes homens seguradores de placa emulando miados de gatinho a cada vez que uma moça bonita e/ou pouco vestida passava por eles. Bela recepção, amigos, meus parabéns. Como ninguém apareceu, o homem pegou nossas malas de rodinha e puxou as duas, pedindo que nós o acompanhássemos. Cinco minutos depois, após esse transfer a pé, chegamos ao hotel. Pelo caminho, algums aromas pouco agradáveis de esgoto e/ou água parada. Para entrar no hotel era preciso tirar o calçado. Fizemos isso, preenchemos o que havia de ser preenchido e assinado (só o recibo do cartão, na verdade). Subimos ao quarto, de tamanho razoável e com uma pequena sacada. A única coisa estranha é o revestimento, inteiro de madeira. Brigamos um pouco com o cofre do quarto e perdemos, trancando ele sem conseguir abrí-lo mais. Resolvemos a situação com o funcionário do hotel e fomos comer por perto, em um restaurante que poderia ser traduzido como um barraco que serve comida. Pad Thai e arroz no abacaxi, típicos pratos locais. Para tomar, pedi um café gelado, na ideia de dar alguma energia àquela tarde quente. Apesar de o local ser bem feio, as comidas vieram boas. Voltamos ao quarto, arrumamos a mochila com câmeras e garrafas d’agua e partimos para a praia. Chegando lá, vimos que as praias da ilha próximas ao centro eram inviáveis para um banho. Seguimos direto para o mirante, uma das atrações mais famosas da ilha, onde o grande acontecimento era ver o
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sol se pôr. Como eram quase 6h, apressamos ligeiramente o passo para não perder tal evento, chegando lá cerca de 15 minutos antes de Ele (o Sol) se esconder atrás das montanhas. Foi um acontecimento bonito mas não sei afirmar se valeu a pena os quase 40 minutos de caminhada na subida. Talvez tenha valido sim, pelo menos por uma vez na vida. Retornando do mirante descemos escadas íngremes que lembravam uma favela brasileira, mas onde os barracos são, na verdade, pousadas - desde as mais simples até pousadas de luxo. O cheiro de esgoto vez ou outra aparece, misturado com aromas de tempero que também estão por todo lado. Demorou menos para descer, tanto por ser descida quanto pela descoberta de um novo e mais curto caminho. Uns 30 minutos depois de o sol ter se retirado já estávamos nós tranquilamente na piscina do hotel, ao lado de um grupo de 5 ou 6 portenhos (ao menos pareciam, se minha identificação de sotaque é correta). Até aqui há certa invasão de argentinos, provavelmente graças às novas e menos surreais políticas de saque de dinheiro no exterior. Como a água da piscina estava mais quente que o ambiente externo, a refrescância da mesma era limitada. Menos de 15 minutos depois de entrar, já quis sair. Tomamos um banho, demos um tempo no hotel e saímos atrás de um restaurante aprovado pelo TripAdvisor, o Cosmic. Chegando lá, as aprovações pareceram ter fundamento: coquetéis a 100 baht, daiquiris a 50 e pratos de massa a 100 baht. A massa estava muito boa mas me fez lembrar que preciso parar de pedir frutos do mar: cada vez que aparece um tentáculo de polvo ou um pedaço de lula no meu prato sinto um nojo maior do que a vontade de comê-lo. O mojito, no entanto, estava muito longe de parecer nojento: muito bem feito - decorado até com uma flor - e caprichado no rum. Saímos bem alimentados e bêbados. Tentando aproveitar o fim da noite, sugeri dar uma passada no píer para tentar fotografar as estrelas - o céu estava limpo e a ilha não é tão iluminada quanto uma cidade grande. Quando cheguei lá percebi que esqueci a lente adequada: só estava com a fisheye. Como esta tem um campo de visão amplo demais, não foi possível evitar as luzes dos postes e embarcações. Espero que a Via Láctea esteja por aí amanhã a noite.
8 DE MARÇO Estava pensando em como a preguiça é um determinante na escrita destes relatos. Hoje, por exemplo, estou com aquele cansaço típico dos dias passados ao sol: será que a produção de vitamina D dá sono? Não devo escrever tudo sobre hoje ainda no dia de hoje e, se o fizesse, provavelmente ia sair incompleto, abreviado pela canseira. Que eu então comece, pelo menos. A Praia dos Macacos Acordamos com a calma que as férias pedem e, perto das 09h00, estávamos na rua a procura de uma casa de cambio, já que não tínhamos o suficiente sequer para um café da manhã. Encontramos a melhor cotação da viagem até então: 35 baht para cada dólar, em um lugar esquisitinho que vendia passeios e garrafas d’água e tinha a cabine de câmbio no fundo. Parte do dinheiro trocado em instantes virou café da manhã: dois sanduíches, um de queijo e outro vegetariano e dois shakes de banana. A comida estava boa mas, da mesma maneira que um cheiro ruim influencia negativamente uma comida, a cara feia que a atendente fazia deu uma boa desvalorizada no sanduíche. Enquanto comíamos, decidimos ir para a Praia dos Macacos ao invés de ir para a Long Beach (ou Praia Grande, comum a 99% do litoral mundial). Saímos de perto do píer Tonsai e caminhamos ao lado oposto do istmo que quase corta Phi Phi Don ao meio. Como quase tudo aqui na ilha, não é preciso preocupar-se sobre quando e como vai achar o que precisa: as coisas sempre estão lá na hora certa. Nesse caso, precisávamos de um caiaque e, antes mesmo de pisar na areia da praia, avistamos quem poderia alugá-los. Por 300 baht - pouco mais de R$ 30 - teríamos 2 horas com o caiaque. Câmera aquática do lado de fora, água para a jornada e guardada a mochila dentro do saco impermeável, remamos pela praia no sentido noroeste. Contornamos uma espécie de península pontiaguda, daquelas que, quando se está de um lado, sempre se imagina o que existe do outro - exceto quando se usa a previsibilidade do Google Maps. Já sabíamos que depois de cruzar esta ponta estaríamos perto da Praia dos Macacos e a distância de nosso deslizamento por aquelas águas teriam sido de cerca de 1 km.
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LISTA DE FOTOS
p. 21 Placa indicando rota de evacuação em caso de tsunami
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p. 23
Sol se põe no Viewpoint
p. 24 Motor do Long Tail de Noo
p. 26 Proa decorada
p. 28 Pôr do sol na água
p. 25 Hélice do barco
p. 27 Peixes em Maya Bay
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Mais fotos em: tinyurl.com/FotosAsia2016
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Cruzamos a ponta e já avistamos vários barcos parados em uma praia. A maior parte dos turistas que aportam na Praia dos Macacos chegam em lanchas de alta velocidade ou em barcos de rabo comprido (me veio a cabeça que barcos de cauda comprida soa melhor, não?). No meio das várias dezenas de pessoas que estavam por lá, só haviam outros 2 caiaques fora o nosso, o que nos colocava em uma espécie do topo da pirâmide dos turistas menos preguiçosos da região. Encalhamos propositalmente o caíque na areia fofa da praia e, uau, era a areia mais fofa e mais fina em que já pisei e tinha uma aparência tão limpa que a ideia de deitar e rolar nela parecia uma boa ideia. Os macacos também deveriam gostar muito dela, já que sempre estavam por ali no meio dos turistas. Eles vinham em tamanhos variados: desde crianças, pequenos e magros, até machos alfa grandes e fortes que claramente estavam ali para proteger o resto do bando. Por mais que as placas pedissem que não, alguém decidiu dar um alimento aos macacos e que grande surpresa ao ver que era uma banana. Com imensa velocidade o banco se reuniu perto do benfeitor-malfeitor. Em um encontro com a decepção, um dos insaciáveis macacos puxou a sacola (vazia) que o homem segurava na mão. Passeando pelo resto da curta extensão da praia pude observar um macaco mordendo a perna de uma senhora chinesa, que ficou bastante abalada e desesperada com a situação. Infelizmente nenhum macaco mordeu os vários seguradores de bastões de selfie que haviam na praia. Naquele local isolado eles pareciam ainda mais ridículos do que em uma situação urbana. Imaginei náufragos desesperadamente procurando um sinal de rádio enquanto olhavam de maneira falsamente casual para a ponta de suas antenas. Saímos da praia e avançamos remando um pouco mais no sentido em que ainda não havíamos explorado. Após ver que seriam centenas de metros de paredão e que uma corrente estava nos puxando cada vez mais para lá, demos algumas remadas com maior esforço para voltar à praia dos Macacos. Ficamos lá mais alguns minutos, desta vez materializando a ideia de deitar-se a areia. Perguntei a hora a um dos barqueiros e vimos que tínhamos mais 20 minutos para fechar as duas horas do caiaque. Subimos de novo em nossa
humilde embarcação e voltamos para a praia de onde havíamos iniciado o passeio. Não sei se pelo sol mais forte, pelas correntes ou pelo cansaço mas voltar pareceu bem mais longe do que ir.
Quando repetir restaurantes é uma boa ideia A fome bateu rapidamente e seria interessante comer algo bom e o mais rápido possível. Como a cota de comida tailandesa atravessou padrões recomendados, decidimos novamente ir atrás de comida ocidental. Para poupar o cérebro e a pesquisa, optamos pelo mesmo Cosmic da noite anterior, pedindo duas lasanhas e repetindo o pedido de duplo mojito. Como esperado, a boa comida compensou o não ineditismo do lugar. Depois de comer pegamos uma soneca de sobremesa. Exatos trinta minutos depois - às vezes, é preciso disciplina - estávamos novamente acordados e, par atentar continuar assim, tomamos um café instantâneo no hotel antes de sair.
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Um passeio privado com o barqueiro Noo Queríamos - assim como todo mundo que vem a Phi Phi - visitar a praia de Maya Bay e suas adjacências, que juntas formam a ilha de Phi Phi Lee. A praia ficou famosa por ter aparecido no filme “A Praia”, que tem Leonardo DiCaprio como um dos atores e conta a história de pessoas que eventualmente acabam parando n’a praia que, no filme, é “A Praia”. Combinamos com um barqueiro e, apesar de ambos nunca termos visto “A Praia”. ao final do passeio poderíamos pelo menos ter visto a praia do filme “A Praia”. Apesar de ter parecido a primeira vista caro - 1500 baht - o valor do passeio teria se mostrado bastante justo. Entramos no barco eu e meu pai: seria um passeio privado. A primeira coisa depois de embarcar foi o barqueiro se apresentar. Como quase todo tailandês quando se apresenta (pelo menos para estrangeiros, imagino), nosso barqueiro se apresentou pelo seu apelido: Noo. Não faço ideia e não perguntei qual seria seu nome completo pois difícillmente conseguiria sequer pronunciá-lo. Ainda assim, quando ele perguntou o meu nome fui inocentemente sarcástico e respondi: “Guilherme”. Já há muito percebi que o “lhe” é impronunciável em outras línguas que não o português. Ele perguntou novamente, não havia entendido. Falei sílaba a sílaba: “Gui-lher-me”. Por fim, ele pediu um short name e eu disse que poderia me chamar de “Gui”, algo que poucas pessoas por aí fazem, talvez por acharem que eu não vá gostar. A partir deste dia estão no panteão das pessoas que me chamam assim meus pais, alguns amigos e o Sr. Noo, barqueiro de Phi Phi. O barco estava atracado a praia do píer de Tonsai e, como fazem nos long tail boats, o acesso é sempre pela praia, molhando pelo menos até a canela. O primeiro destino não estava no mapa que ele ofereceu: fizemos uma rápida parada ao lado de um grande paredão rochoso onde macacos praticavam escalada com maestria. Se eles caíssem, cairiam na água, o que provavelmente era a melhor das opções. Mas justamente quando observei isso me coloquei a pensar sobre se macacos sabem nadar. Nunca vi um macaco nadando, gostaria de ver um dia.
Depois, prosseguimos margeando o paredão de rocha e paramos na baía de Loh Samah, onde nosso guia e barqueiro perguntou se gostaríamos de nadar. Claro que sim. Para nossa surpresa ele ofereceu um snorkel e óculos. Isso já estava incluído no pacote mas o povo de Phi Phi é péssimo em fazer propaganda de seus próprios serviços. Sabendo do snorkel ainda em terra já teríamos diminuído nossa impressão de que o passeio estava saindo caro. Já com a mascara e snorkel na cabeça, peguei a câmera aquática, comecei a gravar e pulei na água (Nota: é uma péssima ideia pular na água com snorkel, já que ele se torna inútil a partir do momento que a água cobre sua ponta superior). Poucos segundos depois, percebi que a memória da câmera estava cheia e cogitei se deveria deixar de filmar ou interromper temporariamente a atividade para apagar a memória da câmera. Optei pela segunda opção, que se revelou ainda mais recompensadora agora, em um futuro onde não estou mais a 2 metros daquela água transparente. Prosseguimos para a parte mais esperada, a própria Maya Bay. Chegando fazendo a curva na pedra que releva a praia, pudemos contar pelo menos 15 barcos na areia ou perto dela. Fomos informados pelo guia Noo que, se quiséssemos ir na praia e si - pisar na areia tal como os personagens de “A Praia” teríamos de pagar a taxa de visitação de 200 baht por pessoa, um total de R$ 40. Como a parte mais interessante da praia para nós era a água e não a areia, não hesitamos em deixar de seguir os passos de DiCaprio e manter 400 baht a mais em nosso bolso. Ficamos quase uma hora e meia por ali. No começo, nadando com o snorkel. Uma hora esta atividade se torna um pouco incômoda, já que a vedação não é perfeita e a água do mar começa a entrar pelo nariz. Quando isso aconteceu, subi ao barco e comecei a conversar com o guia Noo. Mesmo sabendo que ele talvez esteja cansado de falar desta história (por conta de outro filme, “O Impossível”), perguntei à ele sobre o tsunami de 2004. A primeira resposta veio acompanhado de um gesto: ele apontou para os próprios olhos e falou “I was there, saw everything”. Ele estava em Phi Phi quando a onda veio. Ele, assim como os outros barqueiros, turistas, trabalhadores e moradores viram a onda chegando e correram para cima
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do morro. De acordo com ele, foram três ondas e a primeira chegou perto das 16h00. Depois de a terceira onda ter passado pela vida de Ton sai, Phi Phi era um amontoado de destroços - quase tudo havia sido destruído. Na ocasião Noo tinha conseguido subir o morro que abriga o Phi Phi hotel um dos mais antigos da ilha e um dos poucos que continuou em pé depois de 2004, justamente por sua localização elevada. Ele passou um dia inteiro lá em cima antes de poder voltar para sua casa e sua família em Krabi, no continente. Ele diz que, depois da reconstrução da cidade pós-tsunami Phi Phi não é mais a mesma – aos olhos dele piorou, com lojas demais, construções demais organização insuficiente para tanto. Os vários hotéis e pousadas, diz ele, sujam de esgoto a água transparente. Mesmo com essa piora, Noo parece ser uma pessoa que gosta do que faz. Ele sorri bastante e nem de longe aparenta ter os 40 anos de idade que nos revelou. Depois da conversa voltei para a água. Avistei peixes curiosos: um era tão colorido que não parecia real. Outro esguio, baixo e comprido: não era um peixe espada mas, se fosse, seria só a lâmina. Mesmo os mais comuns eram simpáticos: prateados, com listras cinzas e uma mancha amarela na parte superior. Estes na verdade eram literalmente simpáticos e gostavam de interagir: era só ficar parado na água, boiando, para que vários deles nadassem muito perto de nós. Retornei ao barco e Noo me disse, pela segunda vez, para eu não me apressar. Eu não estava apressado, mas compreendi: ele queria esperar para que saíssemos de Maya Bay em tempo de pegar o pôr do sol no meio do caminho de volta, para vê-lo baixar no mar. Fiquei em pé no barco observando a paisagem e pensando em como ela seria ainda mais bonita se um barco batizado de “Bob’s Booze Cruise” não tivesse chegado por ali minutos atrás. Ele estava repleto de jovens americanos ouvindo música alta, bebendo cervejas Chang e gritando asneiras. No celular de Noo já era hora de partir. Ele é uma das primeiras pessoas que eu vejo por aqui a não usar um smartphone. Não sei se é pela limitação técnica que as telas de toque tem com mãos molhadas e respingos ou por pura preferência, mas nosso barqueiro confiava suas comunicações a um
telefone simples e sem câmera, daqueles que a bateria dura por dias. Partimos em uma velocidade absolutamente contemplativa: gaivotas voavam sobre nós margeando os paredões de pedra que recebiam, agora, os últimos minutos de sol do dia. Alguns minutos depois, já a meio caminho entre Phi Phi Don e Phi Phi Lee, Noo desligou o motor do barco e ficamos à deriva para observar a descida do sol rumo em direção ao horizonte. Distraídos pelo acontecimento trivial que é o sol a se pôr, mal podíamos notar que pelo menos outros 20 barcos ao nosso redor estavam ali presenciando exatamente a mesma cena.
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Como reagir a conterrâneos? No caminho de volta para o hotel compramos duas cervejas e amendoim com casca para acompanhar. Sentei na cama e sujei lençol e chão com tanto amendoim que parecia que eu tinha colocado o lençol na areia da praia. Pouco depois fomos dar uma volta pela pequena mas densamente povoada vila da cidade, com inúmeros comércios e hotéis, diga-se. Cruzamos com grupos de brasileiros, o que mostrou que Phi Phi, dos lugares pelos quais passamos, parece ser o mais popular entre os conterrâneos. É curiosa a maneira como reagimos ao encontrar brasileiros no exterior. Por vezes, parece que existe a necessidade de falar algo com eles, descobrir ao menos de que cidade são. Mas em geral tenho como regra ignorar e tentar passar despercebido. Ainda assim sempre tenho vontade de saber se passei ou não despercebido mas, para sabê-lo, teria que quebrar minha própria regra. Jantamos em um restaurante que servia suco industrializado em copos de vidro e ocultava as embalagens, tentando passá-los por suco fresco - inclusive no cardápio estava presente a palavra “fresh”. Isso me deixou desapontado, e mais ainda quando, após o garcon ter errado o meu pedido de suco, ele ter tentado argumentar que eu havia mesmo pedido aquele suco de abacaxi. Comemos um pad thai vegetariano e pronto saímos. Ao nosso lado, um casal de brasileiros estava sentado e eu vi no homem um desejo igual o meu de permanecer discreto e ignorar seus conterrâneos. Voltamos ao hotel e tratei de dormir cedo pois acordaria as 06h30 no dia seguinte.
9 DE MARÇO Deixamos Phi Phi ontem e hoje saímos de Krabi em um voo matinal da Thai Airways para Bangkok. É o início do retorno da viagem. Eclipse Solar Completo No dia anterior havia lido uma noticia de que haveria um eclipse solar completo acontecendo e que ele teria sua visibilidade total na Indonésia, algumas centenas de quilômetros e graus de latitude ao sul de Phi Phi. Sempre fico um pouco desconcertado com acontecimentos astronômicos já que na maioria das vezes para vê-los é preciso subir ao Himalaia, ter um telescópio científico ou morar em uma pequena cidade suburbana do Alasca. Dessa vez, no entanto, a possibilidade era real e foi confirmada em um site especializado: o eclipse estaria visível a partir de Phi Phi entre 6h30 e 8h20 da manhã. Por esta razão nobre, levantei da cama as 06h30 e me coloquei no caminho do píer de Ton Sai, chegando lá antes das 06h45. Já era dia e havia algum movimento na vila, principalmente de trabalhadores mas, também, de uns poucos turistas que provavelmente queriam visitar as atrações naturais enquanto ainda estivessem vazias. Chegando no píer, um pequeno desapontamento: apesar de o dia já estar bem claro, não encontrava o sol. Os morros - entre eles o que subimos no primeiro dia na ilha - encobriam-no. Algumas nuvens no céu também dificultavam a visibilidade e a já pré-existente sensação de descontentamento em relação a tais eventos voltou à tona. Esperei uns 10 minutos, verificando no celular sobre a veracidade do horário e sim, era para já estar acontecendo. Decidi caminhar alguns metros em cima do píer, na direção oposta a da praia e, por fim, encontrei o sol. Só percebi o eclipse depois de cerrar os olhos: eram 07h00 mas ele já brilhava com força. Levemente emocionado, coloquei a câmera no tripé e deixei-a tirando fotos sequenciais, um pouco inseguro sobre como faria aquilo de maneira a deixar a exposição correta, já que ora as nuvens escureciam o quadro, ora a ausência delas queimava a imagem. Como não confio muito em exposição automática, a cada vez que as nuvens revelavam ou ocultavam o sol eu alterava a exposição.
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Quando o sol apareceu para a praia eu era o único por ali a estar claramente observando o eclipse. Fiquei surpreso: a notícia saíra em vários sites internacionais e, mesmo com toda a horda de turistas estrangeiros, eu era o único ali. Pouco tempo depois um casal americano chegou, olhando para o céu - perguntei se eles buscavam o eclipse, o que a essa altura já parecia óbvio. Eles se posicionaram ao meu lado e pareciam também felizes em tê-lo encontrado. Traziam consigo uma GoPro e infelizmente acho que o máximo que conseguiram fotografar com ela foi um borrão luminoso em algum ponto daquela lente olho de peixe. Se no quesito fotográfico estavam despreparados, traziam consigo uma lente de óculos escuro avulsa, que me gentilmente me emprestaram. Respeitei-os: se perguntassem o que você levaria para Phi-Phi (o que você levaria para uma ilha deserta?) somente alguém que sabia de antemão sobre o eclipse teria respondido “uma lente avulsa de óculos escuros”. De acordo com a última foto do timelapse, cansei de fotografar o eclipse as 07h34 da manhã e retornei ao hotel. Passei na loja de conveniência e arrumei um Nescafé gelado enlatado e algumas bolachas para tomar café da manhã enquanto processasse as fotos: um acontecimento destes precisa ser publicado o mais rápido possível, especialmente quando seus espectadores estão em um país que não poderia vê-lo se não por uma tela.
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Marés deixam a praia bonita Antes das 08h30 já havia publicado o eclipse na internet e, como precisávamos sair as 11h00 do hotel, decidimos ir até a praia cedo. Acho que nunca em lugar algum fui tão cedo à praia - culpa do eclipse. Chegando lá o aluguel de caiaques estava em operação, bem como uma ou duas turistas que já estavam dentro da água. Após alguma espera na areia - estávamos na sombra e o calor da manhã era fraco - entrei em uma água muito mais fresca que aquela da tarde. Dentro da água o chão de areia apresentava algumas manchas escuras que, quando eram pisadas, liberavam um material marrom para a superfície da água. Como não sabia o que era, achei pouco agradável: parece que, dentro da água, qualquer coisa que não se entende bem o que é é potencialmente nojenta ou perigosa. Ficamos na praia até 10h da manhã e voltamos ao hotel para fechar as malas e fazer o check-out. Saímos pontualmente as 11h, o que significava que teríamos ainda 4 horas e meia de espera até o nosso barco sair. A arte de aguardar Ainda estava um pouco longe do horário de almoço então decidimos passear pela ilha e rever boa parte das já vistas lojinhas. Notamos que havia um pedaço mais ao leste que ainda não fora visitado e decidimos caminhar para lá. Atravessamos um trecho de calçada onde a água batia. Nesse pedaço um dos géneros mais populares de loja eram as de tatuagem: você poderia escolher se gostaria de marcar a própria pele usando uma agulha elétrica ou - aparentemente a preferida do local - agulhas de bambu. A maioria das lojas de tatuagem tinha pelo menos um humano sendo marcado. Continuamos a caminhada no sentido leste para descobrir vários restaurantes seguidos a beira mar e alguns hotéis e ousadas mais arrumados. O que mais havia por ali pareciam ser chineses e, como a causa segue a consequência e vice-versa, as lanchas rápidas que os levam a todo canto também estava em grande número por lá. Sentamos em uma mureta de um dos restaurantes a beira mar - ali terminava a calçada e não estávamos na disposição de seguir
andando pela praia. Foi interessante parar ali para observar o vai e vém das lanchas e seus passageiros: de cada 5, 4 eram de chineses. E de cada 50 chineses, pelo menos 30 tiravam selfies com seus iPhones em bastões de selfie. Eram vários ângulos de uma mesma foto e, em alguns barcos, existiam fotógrafos “profissionais” específicos para esta função. O momento mais curioso foi logo após o desembarque de um dos barcos, quando três meninas loiras ocidentais passeavam pela praia e foram abordadas por um senhor chinês de, pelo menos 70 anos. O chinês queria tirar uma foto com elas. Ao contrário do que se poderia imaginar em um outro país, não enxergamos malícia: era mais um comportamento de zoológico humano: eles queriam uma foto com aquelas espécimes diferentes de humano que tinham o cabelo loiro trançado e olhos abertos com dobrinhas na pálpebra (note: a maioria dos orientais não tem essa dobra e vários apelam por cirurgias plásticas para tê-las). Quem tirou a foto do senhor com as moças foi a própria esposa dele. A esposa continuou cumprindo o papel de fotografa: mais 2 chineses e 2 chinesas vieram para ser fotografados com as garotas, que a essa altura já não continham o riso e faziam poses exageradas mandando beijinhos que ficariam registrados na memória digital daqueles telefones que voltariam a Nanjing, Guangzhou, Beijing ou qualquer outra cidade chinesa. Depois de assistir a dinâmica daquela praia e seus personagens por pelo menos 15 minutos, tomamos o caminho de volta para o oeste: já estávamos com fome e os restaurantes de lá pareciam mais adequados e ali onde estavamos só encontramos buffets sobreprecificados e com pratos sem graça, além de bastante frango frito e passageiros de excursões. Ainda que desta vez tivéssemos tempo suficiente para pensar em um novo lugar para comer, acabamos voltando ao Cosmic depois de visitar um outro restaurante que também se chamava Cosmic. Não temos certeza até agora sobre qual dos dois é o original, mas nos pareceu ser aquele em que já havíamos estado e para o qual retornávamos pela terceira vez. Pedi um macarrão arabista, que, apesar de ocidental, vinha apimentado. Meu pai, pela terceira vez, apostou nas lasanhas do estabelecimento.
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Depois do almoço estávamos com apenas um desejo: de ter uma cama onde deitar. Como este desejo só se realizaria depois de cruzar o mar de volta a Krabi, o mais próximo que conseguimos foi a autorização da recepcionista do hotel para usarmos a piscina mesmo depois do check-out. Foi um ato de grande misericórdia, já que tínhamos ainda 2h30 a esperar até a saída do trem. De início, sentamos. Depois, entrei na piscina e tomei esperei que o sol me secasse com grande calma. Seco, dormi na espreguiçadeira (que inclusive eliminou o desejo de uma cama, tamanha sua eficiência). Me molhei de novo, me sequei de novo e fui me trocar: já estava na hora de caminhar ao píer e o melhor de tudo é que nem pareceu tanto tempo assim. Aguardamos com maestria.
EM TRÂNSITO
Voltando para Krabi Entramos no barco a tempo de encontrar assentos bons e solitários logo ao lado da escada que dá acesso ao piso inferior da embarcação. Como entramos antes da maioria das pessoas, ficamos observando o repetido movimento de passageiros entrando, verificando se havia espaço no deck superior, confirmando que não havia e descendo as escadas. Como a maioria viaja em grupo de 3 ou mais pessoas, achar poltronas em grupo era uma tarefa quase impossível. No mesmo tempo em que essa movimentação ocorria outra tomava lugar em frente ao grande ventilador posicionado no corredor: como em um desfile, pessoas caminhavam até a frente do ventilador, paravam e faziam uma pose como, por exemplo, levantar a blusa, fazer uma cara esbaforida ou dar uma voltinha para refrescar as costas. Segundos depois, continuavam a seu caminho com expressão de refrescaria temporária. O barco iniciou a viagem que levaria as mesmas duas horas da ida. Conseguimos assentos ainda melhores depois que um grupo de pessoas preferiu subir ao deck para banhar-se de sol e largou seus lugares vazios. Aproveitei o resto da viagem para escrever e sobre o dia 8 e, quando acabei, fui verificar a situação no deck superior: existia certa melancolia nas pessoas que estavam ali, provavelmente por estarem terminando suas viagens.
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O centro de Krabi Chegamos ao píer Klong Jirad em Krabi e caminhamos até o pequeno terminal de passageiros lá existente. Antes de chegar, começou um abordagem pesada de pessoas perguntando aonde estávamos indo, no intuito de oferecer um serviço de táxi. Era uma maneira tão agressiva de chamar clientes que tudo o que faltava era eles de fato nos puxarem pelo braço. Acabamos sendo coagidos por um dos ofereceres de serviço e, quase como cair em rio de forte correnteza, mal percebi e estava entregando 250 baht para pagar a corrida de menos de 3 quilômetros de distancia até o hotel. Cheguei a perguntar se havia um serviço de ônibus - claro que havia, eu já sabia - e a resposta (mentirosa) foi justamente o que esperava: No, only taxi! De tão desorientado com aquela agressividade aceitei a enganação e logo entramos no táxi que era, novamente, uma van para mais de dez pessoas. Não bastasse a raiva de ter pago uma quantia injusta por um trajeto tão pequeno, o motorista não sabia onde ficava nosso hotel. Demoramos quase cinco minutos para sair do píer e, enquanto isso, ele fazia ligações para alguém tentando descobrir como nos levar. O motorista de táxi cobra 250 baht por uma viagem e sequer tem um celular com GPS?
Quanta incompetência. Finalmente ele achou o local, dirigiu por cerca de cinco minutos e parou em frente a uma viela, apontando para descermos por ela. Olhei desconfiado e perguntei se ele tinha certeza e a resposta foi que sim, era ali mesmo. Descemos a viela e encontramos um prédio sem muros onde dois turistas de cabelo branco nos saudaram e uma tailandesa disse que aquele lugar era de fato o Ban To. Pagamos o hotel antecipado e em dinheiro: 600 baht. Seria o pior e o mais barato hotel em que ficaríamos, assim como também era o que passaríamos menos tempo: fizemos check in as 17h30, faríamos check out as 08h da manhã. Passamos no quarto o tempo suficiente para tomar um banho rápido. Saímos então pela rua em busca de um lanche . A região era cheia de restaurantes e ficava perto de um grande hostel. Acabamos entrando no restaurante/bar de um tailandês jovem e sorridente que a plenos pulmões gritava “Welcome, welcome!” para qualquer um que dobrasse a esquina perto de seu negócio. Apesar de abordagens efusivas não me convencerem, o local era arrumadinho e ele disse que tudo era “homemade, my wife cooks it”. Pareceu legítimo. Pedi um hambúrguer de atum e, enquanto esperávamos a comida, tomando uma Singha, notamos que o dono do lugar mantinha duas corujas em um galho próximo a entrada. Elas não estavam em gaiolas mas tinham uma cordinha presa a suas patas. Aquilo pareceu uma afronta que ia inteiramente contra a felicidade dele: deixar aqueles dois bichos presos. Perguntei se a noite elas saiam para caças e ele respondeu que não, que dava galinha para elas. E completou: “They so cute, they so cute”. Acabamos engolindo aquela situação de maneira meio atravessada – espero que as corujas gostem dele e que elas gostem de comer e não se incomodem tanto de servirem de decoração interativa em uma lanchonete para turistas. O hambúrguer não era muito bom: estava um pouco seco e as batatas fritas, apesar de engraçadas, me lembraram como é sempre uma má ideia misturar batata fritas com cerveja.
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Saímos do restaurante e descemos a rua que leva à água: várias barraquinhas de comida e mais restaurantes por ali. Depois, seguimos novamente a rua do local onde havíamos comido para encontrar-mos novamente a água mais adiante, depois de ter passado por 2 ou 3 hostes e algumas lojas de souvenir. A cidade claramente serve de quarentena para pessoas que saíram de Phi Phi tarde demais para pegar um voo ou que chegaram a Krabi tarde demais para pegar o barco para a ilha. Fora os restaurantes e lojinhas, não há grandes atrações exceto uma: a mais bizarra fonte de água que eu já vi na vida. Feita por um tailandês e uma japonesa, ela une madeira, ferro e pedra e tem um show de luzes, além tocar a música (!) que inspirou sua existência, a canção de Andaman. Creio que nunca antes tinha visto uma fonte, escultura ou qualquer outra espécie de monumento urbano tão esquisito quanto aquele. Parece até que seu design foi concebido de maneira irônica. Passamos vários minutos dentro de uma loja de souvenir que parecia não ter fim: eles vendiam de tudo, desde camisetas a brinquedos passando por brincos e mochilas. Nada, no entanto, atingiu um grau de agradabilidade suficiente para ser levado para casa. Íamos retornando ao hotel e decidimos por algo que já vinha sendo especulado: fazer massagem mais uma vez. Confirmada a credibilidade do estabelecimento de nome “Sa Bai”, pegamos um pacote de 90 minutos (350 baht, ± R$ 35) que incluía a tradicional massagem tailandesa mais massagem nos pés. Fomos encaminhados para as camas de massagem e nos colocaram uma máscara de olhos enquanto diziam: “Good night, see you tomorrow”, o que foi igualmente engraçado, maternal e amedrontador. Terminada a massagem (ainda não era tomorrow) nos foi oferecido um chá e saímos de lá muito satisfeitos com o resultado da sessão. No hotel logo dormimos: a internet não funcionava bem e o controle da TV sequer tinha pilha.
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Veja o vĂdeo Krabi em vimeo.com/album/3883522
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