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ARTIGO
Expectativa e realidade, após um ano da Nova Lei do Gás
Walfrido Avila
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A“nova lei do gás”, Lei 14.134/21, completou em abril o seu primeiro aniversário. O marco legal para o gás natural foi bem recebido pelos agentes econômicos, com elevadas expectativas quanto a um mercado realmente novo, caracterizado pela concorrência e competitividade, pela atração de novos investimentos e redução de custos em toda a cadeia produtiva, até alcançar o consumidor final. Vislumbrou-se, como consequência óbvia, o impulso na retomada do emprego, do crescimento e do desenvolvimento do País após a pandemia.
Um otimismo marcado, inclusive, pela previsão inicial da Confederação Nacional da Indústria (CNI) de que os investimentos no setor, até 2030, poderão chegar a R$ 150 bilhões. Enfim, teríamos, talvez, a reversão de uma situação histórica que chega a ser embaraçosa, que não foi resolvida durante as décadas de monopólio, e que persiste no mercado livre, seja porque alguns poucos não querem mudar, seja porque muitos não conseguem avançar com o promissor mercado livre. O fato é que, mesmo com maior porte geográfico e econômico, o Brasil ainda hoje consome 76 milhões m³/dia de gás natural, muito menos que os 117 milhões m³/ dia consumidos em nosso vizinho, a Argentina. Apesar de todo o nosso imenso potencial, o pouco que aqui se consome é uma gota de água no oceano, beirando ainda mais o ridículo na comparação com os grandes mercados mundiais.
Pioneira e com 24 anos de atuação no mercado livre de energia elétrica, a Tradener está sendo também pioneira no mercado livre do gás. Há quase dez anos, quando obtivemos, em janeiro de 2013, a autorização da ANP para comercializar gás natural, acompanhamos com muita atenção esse promissor “novo mercado do gás”. Já alcançamos resultados então inéditos, com esforço e determinação para enfrentar os muitos obstáculos no caminho. Celebramos agora em 2022 contrato com a YPFB para trazer da Bolívia até 2,0 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, para atendimento ao mercado livre brasileiro, e estamos progredindo nas negociações com os primeiros compradores desse volume. Igualmente, em escala menor, estamos prestes a iniciar a geração de energia elétrica com o gás de nosso poço de Barra Bonita, adquirido já há alguns anos.
É evidente, portanto, que também estamos otimistas com as novas oportunidades negociais que surgirão em curto e médio prazo com a efetiva abertura do mercado brasileiro de gás natural. Todavia, apesar dos avanços pontuais já obtidos no País, a realidade é que a abertura deste setor tem sido muito mais lenta do que se poderia esperar, em vista do potencial nacional. Na prática, algumas questões entravam sobremaneira a criação de um mercado de gás com verdadeira liquidez, inclusive devido à nítida falta de interesse do agente tradicional, cujo peso monopolista dificulta
alcançar o dinamismo necessário.
Cada questão tem o seu próprio grau de complexidade e, em conjunto, já merecem o empenho tanto dos agentes envolvidos quanto dos governos federal e estaduais, em busca de soluções urgentes. A começar pelo principal e maior entrave, que é estarmos restritos ao suprimento interruptível, em razão dos compromissos contratuais de entrega de gás firme pela Bolívia à Argentina e ao monopólio brasileiro. Como muitas indústrias necessitam fornecimento constante, esta característica restringe muito a gama de potenciais clientes livres e, sem clientes, não há mercado. Este é, de fato, um dos maiores prejuízos para o estabelecimento do mercado de gás livre, efetivo e concorrencial no Brasil.
O acesso ao sistema de transporte é outro bom exemplo da natureza desses entraves. Temos pontos de saída de gasoduto ociosos, e bem poderiam ser utilizados no novo mercado, em que há fornecedor com gás disponível e comprador interessado. Porém, o acesso a tais pontos não está disponível, pois também está totalmente, ou quase, contratado pelo agente dominante. No que resta, para acessar o mercado de Minas Gerais, por exemplo, o gás passa por dois transportadores, e, portanto, o importador deve pagar duas tarifas de entrada e duas tarifas de saída, o que, por si só, já inviabiliza não só a operação, como também a concorrência preconizada na lei.
A questão tributária é outra preocupação historicamente relevante. Cada estado tem a sua própria política e regulamento de ICMS quanto à importação e comercialização de gás natural. É uma profusão de regimes distintos, com ou sem diferimento, com ou sem substituição tributária, alíquotas e bases de cálculo diferentes em cada estado de origem, e até mesmo diferentes em um mesmo estado de destino, dependendo da natureza da atividade do comprador. A consequente complexidade e insegurança jurídica exige dos agentes, para cada compra e venda, análises específicas por assessoria tributária especializada, o que aumenta custos e riscos, e diminui a liquidez e a concorrência. Outros desafios operacionais ainda estão sendo estudados, tal como a equalização operacional dos horários diários de fornecimento entre Brasil e Bolívia, fato que adiciona custos e riscos na operação de compra-transporte-venda e, de novo, prejudica a liquidez do mercado.
Há soluções viáveis para cada um desses problemas. Mecanismos de liberação de capacidade mais ágeis, automáticos e padronizados, e a disponibilidade de contratos de transporte interruptível melhorariam muito o ambiente de negócios. A ANP tem um grande papel na viabilização dessas soluções, desde que tenha a colaboração constante de todos os demais agentes envolvidos, principalmente buscando a harmonização entre governo federal e estados. Produtos com base horária e que integrem as diferentes redes de transporte aumentariam a competição entre os agentes e a liquidez do mercado. Um entendimento tributário uniforme e nacional entre os estados representaria um grande avanço, assim como a observância de efetiva liberação de volumes firmes por ocasião da futura renovação do principal contrato firme com a Bolívia é um ponto que deveria estar exigindo extrema atenção do Governo, por ser fundamental para efetivamente viabilizar e fomentar esse novo mercado do gás.
Enquanto o mercado espera ansioso pela efetivação das condições estruturantes para o novo mercado de gás, vemos o volume de reinjeção de gás natural no pré-sal atingir a marca de 70 milhões de m³ por dia. Este é um volume que permitiria duplicar o tamanho do fornecimento atual. Diante da recente mudança no mercado internacional de gás, como consequência da guerra na Ucrânia, é primordial que produtores e agentes do setor conduzam esforços para viabilizar a entrada de novos volumes no mercado, através de investimentos em infraestrutura de recebimento e tratamento desta molécula. Não há como desenvolver o mercado sem novas ofertas e resolvermos a lacuna em nossa infraestrutura de transporte.
A complexidade no funcionamento de um mercado é o seu maior problema. Assim como temos feito em relação ao mercado livre no setor elétrico, é fundamental defendermos também que o mercado de gás natural seja simples, a começar pela desverticalização imediata, separando com clareza a produção do transporte e da comercialização. Simples, para ter a médio e longo prazos o horizonte de quantidades de gás brasileiro à disposição do mercado nacional. Simples, para viabilizar a construção de gasodutos desde os campos de produção até a distribuição, viabilizando o que há de mais básico em qualquer mercado: o acesso dos consumidores ao produto.
Por fim, a exemplo do setor elétrico, simplesmente ter uma rede de comercialização divorciada da rede física. Em resumo, os produtores que produzam e disponibilizem seu gás à rede de transporte; os transportadores que se entendam quanto aos volumes transportados; e os consumidores que paguem ao seu comercializador ou distribuidor o seu consumo. Tudo de forma simples, fácil e transparente. Estamos certos que, assim como outros investidores (interessados e com recursos disponíveis), poderemos fazer muito mais tão logo sejam resolvidos os entraves existentes. E, então, sim, verdadeiramente, teremos um “novo mercado de gás”, tornando realidade a promissora expectativa de sua grande contribuição para o desenvolvimento do Brasil.