PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa Cinema/Vídeo Carla Pinto
PRÓXIMA SESSÃO
01 NOV 2009 (Dom) / 16h00 GOD, CONSTRUCTION AND DESTRUCTION / Samira Makhmalbaf / m/12 DEZ / Abbas Kiarostami / m/12
Momento XVI
CICLO O SABOR DO CINEMA OUT-NOV 2009 Auditório
25 OUT (Dom), 16h00
A MÃO, Ângelo de Sousa O CÉU GIRA, Mercedes Álvarez
Informações: 808 200 543 Reserva Bilhetes: 226 156 584 Geral: 226 156 584 Rua D. João de Castro, 210 4150-417 Porto. Portugal www.serralves.pt | serralves@serralves.pt
APOIO INSTITUCIONAL
COM APOIO
m/12
A MÃO
O CÉU GIRA
Realização: Ângelo de Sousa Portugal, 1976
Título original: El Cielo Gira Realização: Mercedes Álvarez Argumento: Mercedes Álvarez e Arturo Redin Fotografia: Alberto Rodríguez Montagem: Laurent Dutreche, Guadalupe Garcia, Julia Juaniz, Sol López, Guadalupe Pérez Produtor: José Maria Lara Interpretação: Mercedes Álvarez (voz), Peio Azketa e os habitantes da aldeia de Aldealseñor Espanha, 2004
"Moro em minha própria casa Não imito ninguém Rio-me de todos os mestres Que nunca se riram de si" Nietzsche Mais de um quarto de século antes de Agnès Varda nos surpreender com a célebre sequência – de «Os Respigadores e a Respigadora» – em que uma mão filma a outra, Ângelo de Sousa já realizara, utilizando meios artesanais de que tirou partido com especial mestria, esta curta-metragem sobre o bicho mão, que nos parece ser uma boa introdução à sua importante obra fílmica. É sobejamente sabido que, no trabalho plástico de Ângelo, o less is more impera e prova ser uma postura particularmente fértil em termos de criação de sentido. Quem conhece o minimalismo sensual da sua pintura e dos seus desenhos, reconhecerá nesta MÃO a generosidade dessa máquina devoradora de mundos que ingere sensações para produzir lugares e lumes, paisagens e passagens equidistantes entre o pensamento e percepção. A MÃO – classificada no género experimental e, por isso talvez, condenada a uma certa invisibilidade – afigura-se-nos uma verdadeira lição de cinema (dentro da variante «gaia ciência») por motivos que vão desde a exploração peculiar do grande plano (contributo maior do cinema para o vocabulário plástico) até à utilização da câmara como instrumento de desvendar mundo (dar mundos ao mundo, se quisermos), passando pelo sofisticado trabalho de montagem que, em lugar de atenuar o corte, se envolve numa reflexão sobre o ritmo e sobre a geometria do tempo. São mudas as curtas-metragens de Ângelo, esta como outras realizadas nos anos 70. Mas o silêncio que aqui se joga nada tem a ver com silenciamento, pois tanto a grande proximidade relativamente ao objecto com o qual a câmara dialoga como o carácter abrupto das imagens daí resultantes e uma montagem paradoxalmente serena e ofegante geram uma respiração interna que faz as vezes de som concreto. A transfiguração do real é aqui discurso amoroso sobre a experiência – empolgante, ofuscante e visionária – do estar-se perto e, ainda assim, não ser possível transpor a barreira da pele e não haver, para o olhar, maneira de se perder definitivamente nos vários bosques, abismos e labirintos que despontam à vista «armada».
Montadora do aplaudido documentário EN CONSTRUCCIÓN de Luis Guerín, Mercedes Álvarez estreia-se na longa-metragem documental com um pessoalíssimo filme rodado na aldeia onde nasceu, um povoado outrora florescente da província de Soria que actualmente se encontra quase totalmente abandonado. Mercedes Álvarez recorda que Aldealseñor contava, no princípio do século, 400 habitantes. Cem anos mais tarde restam apenas 15 habitantes, dos quais o mais novo tem 48 de idade. Trata-se pois de um retrato de uma aldeia em vias de extinção e de uma reflexão sobre a decadência e a ruína de um colectivo humano, assunto assaz raramente abordado pelo cinema. A realizadora coloca em paralelo a aniquilação da aldeia, porventura votada a um rápido desaparecimento enquanto tal, com a experiência da perda da visão vivida pelo pintor Peio Azketa . Após mil anos de presença humana sem ruptura num determinado espaço natural, a sua terra natal corre o risco de, por assim dizer, desaparecer do mapa, motivo suficiente para que a precária existência dos que restam seja resgatada pelas imagens. Mercedes Álvarez terá rodado durante um ano em Aldealseñor. Pôde assim acompanhar o ciclo das estações, glosando, de certa forma, o tema clássico do contraste entre a perpétua morte e renascimento da natureza e a brutal finitude dos humanos e de suas obras. O filme aborda com particular acuidade a questão das escalas temporais, não apenas o desacerto dos tempos humanos (passagem de uma caravana de propaganda eleitoral num local esquecido pelos governantes; destruição/requalificação de um palácio destinado a transformar-se num hotel; implantação de enormes hélices modernas para produção de energia), mas também a questão da queda das civilizações (castros celtiberos, ruínas romanas, torre árabe...) cuja passagem se inscreve todavia na face da terra como uma espécie de ferida falante cuja língua petrificada as imagens podem ajudar a ouvir. Mas EL CIELO GIRA é também – e sobretudo – uma operação de salvação das imagens de uma parte da infância perdida/esquecida e da sua inserção numa genealogia, já que a cineasta deixou a aldeia com três anos de idade, após uma longa permanência dos seus pais e antepassados naquele torrão. Enquanto Mercedes Álvarez se encontra movida pelo apagamento das memórias relativas aos seus primeiros anos de vida, nos finais da década de sessenta, o pintor Peio Azketa conserva, a despeito da cegueira, uma memória visual quase intacta, o que lhe permite continuar a pintar. Não se trata de remar a contra corrente do tempo, mas sim de descobrir as formas de permanência que, a despeito da ruína, se nos apresentam como fragmentos de eternidade. De eternidade por definição incompleta....