076 sabor do cinema 01nov

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PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa Cinema/Vídeo Carla Pinto

próxima sessão

08 NOV 2009 (Dom) / 16h00 O que te quero / Jeanne Walz / m/12 peixe lua / José Álvaro Morais / m/12

Momento XVI

Ciclo O Sabor do Cinema OUT-NOV 2009 Auditório

01 NOV (Dom), 16h00 GOD, Construction and Destruction, Informações: 808 200 543 Reserva Bilhetes: 226 156 584 Geral: 226 156 584 Rua D. João de Castro, 210 4150-417 Porto. Portugal www.serralves.pt | serralves@serralves.pt

APOIO INSTITUCIONAL

COM APOIO

Samira Makhmalbaf Dez, Abbas Kiarostami m/12


God, Destruction and Construction

ten

Título original: 11’09’’01 – God, Destruction and Construction Argumento e Realização: Samira Makhmalbaf Fotografia: Ebrahim Ghafori Câmara: Samira Makhmalbaf Montagem: Mohsen Makhmalbaf Música: Mohammed Reza Darvishi Som: Hamid Naghibi Direcção artística e Produção: Alain Brigand Interpretação: Maryam Karimi França, 2002

Título original: TEN Título em português: Dez Argumento, Realização, Fotografia: Abbas Kiarostami Montagem: Vahid Ghazi, Abbas Kiarostami, Bahman Kiarostami Produção: Marin Karmitz, Abbas Kiarostami, Caley Thomas Interpretação: Mania Akbari, Amin Mahler, Kamran Adl, Roya Arabashi, Amene Moradi, Mandana Sharbaf, Katayoun Taleizade França / Irão / EUA, 2002

Integrado num filme composto de 11 curtas-metragens - de 11 minutos cada e da autoria de 11 realizadores diferentes - este trabalho de Samira Makhmalbaf destaca-se de todos os outros episódios pelo modo grave, rigoroso e sem rodeios como a jovem realizadora, filha do conhecido cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf, aborda a questão do 11 de Setembro e da queda das Torres Gémeas em Manhattan. Embora o Irão seja um país muito distante dos EUA, Samira Makhmalbaf mostra-nos que, de todas as nações envolvidas neste projecto fílmico, a iraniana é a que mais directamente teme as consequências do trágico evento, porque a ameaça de represálias por parte dos EUA se perspectiva como um gesto possível e previsível contra o qual a população é obrigada a precaver-se. Acerca das suas intenções, afirma a cineasta: «Eu queria mostrar de que maneira a destruição de duas torres no Ocidente podia provocar a destruição de várias cidades no Oriente. Queria mostrar que um povo sem qualquer responsabilidade na destruição dessas torres e que nem sequer sabia da sua existência, podia tornar-se, na sequência dos acontecimentos, privado de abrigo e desapossado de tudo.» O filme passa-se no cenário uma fábrica de tijolos, produzidos graças a grande e colectivo esforço artesanal. A população, em excepcional afã devido à situação de urgência, prepara-se para utilizar esses tijolos na construção de frágeis refúgios de terra cota. É bastante óbvio que essa população não somente se encontra a milhas de Nova Iorque como ignora totalmente os factos e o contexto em que eles sucederam. Uma professora esforça-se por explicar os ditos factos e os riscos deles decorrentes aos seus alunos crianças que, naturalmente, estão muito longe de poder entender concretamente a absurda razão pela qual se encontram implicados num episódio mortífero e fértil em consequências sangrentas com o qual o seu país nada deveria ter a ver. Se é verdade que esta curta-metragem, de muito feliz inspiração, se debruça sobre as preocupações de um povo também para nós longínquo, não é menos verdade que o pequeno filme de Samira Makhmalbaf põe o dedo em duas questões particularmente dolorosas e universais, resultantes do estado de guerra permanente: por um lado, a inaceitável banalização das ideias de guerra preventiva e punitiva, bem como o correlativo pagamento de elevada factura de perdas humanas e morais por comunidades que em nada concorreram para os eventos despoletadores da actuação beligerante; por outro, a inquietante realidade de estarmos, todos nós, envolvidos nessa guerra permanente, para cuja realização não somos tidos nem achados, justamente porque os conflitos armados são desencadeados em nome da defesa de valores e de formas de vida – e, no nosso caso específico, em nome dos nossos imensos privilégios…

Constituído por dez sequências que correspondem a dez conversas dentro do habitáculo de um carro – entre a protagonista-condutora e o seu filho, mas também entre ela e uma irmã, ela e uma prostituta, ela e uma mulher que se prepara para ir rezar, etc. – TEN é o contrário absoluto desse género bastante em voga a que se dá o nome de «road movie». Abbas Kiarostami fecha as suas personagens no espaço reduzido do interior do automóvel e também lá encerra o espectador, obrigando este último a um mergulho, íntimo e sem tréguas, num Irão confinado no feroz cárcere da infantilização – a ponto de um só rapazinho, filho da motorista, bastar para ilustrar o drama da masculinidade naquelas paragens. Apesar deste confinamento – ou, porventura, graças a ele – um turbilhão de paisagens humanas, oriundas de um vasto fora de campo, irrompem num espaço fílmico onde a escolha de enquadramentos é, obviamente, diminuta. É certo que, no lugar do morto, se senta e se exprime uma galeria de figuras femininas que abarca um leque muito abrangente de condições e situações, mas é sem dúvida graças ao facto de Kiarostami trabalhar com actores não profissionais – a desempenharem os seus próprios papéis (sendo a prostituta, de quem apenas conhecemos a voz, a única excepção…), num regime que assenta no princípio confessional da improvisação – que as conversas a que assistimos nos sacodem tão violentamente. Dizer que em TEN, Kiarostami filma o Irão por dentro é pouco mais do que uma evidência, embora não deixe de ser perturbante para quem conhece alguns outros filmes seus - repletos de paisagens amiúde muito belas, a mais das vezes rurais – achar-se perante um outro tipo de cartografia e face a um contexto decididamente urbano. Porém, o que talvez seja mais inolvidável neste dispositivo imaginado para confrontar o drama de uma mulher divorciada e mãe de um filho desrespeitador (que já transporta em si a semente germinada da intolerância sexista) com outras vidas postas em palavra é talvez o facto de esta figura feminina se encontrar diante de um terrível impasse e de um involuntário estreitamento do horizonte e, contudo, continuar a avançar, dentro da armadura do seu automóvel, tudo menos estanque, mas antes segunda pele e vertiginoso interface com o mundo. Eppur si muove !!! Convém acrescentar que as interpelações de que esta mulher é objecto – nomeadamente quando conversa com o seu «intransigente» filho – nos transportam frequentemente para conflitos que nos são bastante familiares. Quando a prostituta equipara determinadas situações de troca, no quadro do matrimónio, à relação mercantil da meretriz com o seu cliente, percebemos que o mundo é bem mais pequeno do que o pintam. E que o Irão, oprimido e enxovalhado, é aqui à beira…


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