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PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa Cinema/Vídeo Carla Pinto

PRÓXIMA SESSÃO

05 JUN 2011 UM BANDO DE PASSARINHOS Carlos Fernandes 2008, Portugal 20’, m/12 QUE FAREI EU COM ESTA ESPADA? João César Monteiro 1975, Portugal 66’, m/12

Momento XIX

CICLO O SABOR DO CINEMA MAR - JUN 2011

Auditório

15 MAI 2011 (Dom), 16h00

Apoio Institucional

Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584

ICEBERG Yannick Coutheron O MUNDO Jia Zhang-ke


ICEBERG

Realização e Montagem: Yannick Coutheron Fotografia: Philippe Aymé Som: Stéphane Gobaut Montagem som: Carole Verner Misturas: Emmanuel Croset Assistente de realização: Vincent Robillard Interpretação: Natacha Mendes FRANÇA 2010 Primeira ficção dirigida por um jovem cineasta (que anteriormente realizara dois trabalhos de foro documental e se dedica regularmente à prática profissional da montagem), ICEBERG é uma curta-metragem surpreendentemente económica e grave. Yannick Coutheron coloca o luto no âmago da sua reflexão. Nada sabemos de preciso sobre a história desse luto e a narrativa opta por caminhos desviantes em relação ao mainstream da «curta de ficção», habitualmente encarada como um mero cartão de visita com vista à aquisição de meios para «realizar à grande e à séria». Em ICEBERG, não há diálogos, não há submissão às formas de contar que o romanesco tornou dominantes, tudo passa pelo olhar, pela gestualidade e pelo peso do corpo da intérprete, que ora nos parece colada ao solo pelo sofrimento, ora demasiado leve para reencontrar o seu centro de gravidade, ora, por fim, feroz e sagazmente infantil. A protagonista transporta uma incómoda urna. Um

estorvo e, simbolicamente, uma grilheta, o chumbo de uma perda a que ela se encontra acorrentada. Um vaso impessoal, simultaneamente o contrário absoluto do mistério (e também do enigma da morte) e receptáculo de todo o mistério que projectivamente se atribui aos restos mortais de alguém que viveu, foi humano, foi único, etc. Essa urna, como todas as urnas, levanta a questão sem resposta das vias do luto, numa sociedade que, sensatamente (?), higienizou a morte e aboliu os rituais de despedida que passavam pela oferta de efémeras flores, pela prece e pelo louvor, pelo exercício do carpir, pela vigília, pela conversa, e até pelo comer e beber. Face ao vazio de sentido desta urna, decerto demasiado leve para não ser atrozmente pesada – e aqui a situação transforma-se numa espécie de universal –, a protagonista tem de inventar uma maneira de fazer os primeiros passos do seu luto e vai optar por «maquilhar-se» de cinzas (a última cena rima com o momento em que, dentro do autocarro, a vimos pintar os lábios). De súbito, dos ambientes urbanos, sempre filmados com a energia nervosa do «apontamento», saltamos para a imagem de um ancestral «cobrir-se de luto». E do frio vaso que mais não é do que a ponta do iceberg de todos os lutos e perdas impossíveis de carpir deste mundo, sairá, como o génio da lâmpada de Aladino, um riso de lavar a alma. Sem outro detergente que não as próprias cinzas, conforme um muito tradicional método de barrela.

Título original: Shijie Realização e Argumento: Jia Zhang-ke Fotografia: Nelson Yu Lik-wai Música: Giong Lim Montagem: Jing Lei Kong Som: Yang Zhang Interpretação: Tao Zhao, Taisheng Chen, Jue Jing, Zhong-wei Jiang, Yiqun Huang, Hongwei Wang, Jing Dong Liang, Shuai Ji, Wan Xiang CHINA 2004 Figura de proa da «sexta geração» do cinema chinês (dito independente ou mesmo underground), Jia Zhang-ke nasceu em 1970, numa obscura província da vastíssima e muito populosa China. Os seus primeiros filmes foram rodados na sua terra natal, longe de Pequim e sem apoios financeiros estatais. Em 2006, com apenas 36 anos, o cineasta vai surpreender tudo e todos, nomeadamente jurados e público do Festival de Veneza, com o seu seguríssimo STILL LIFE (Natureza Morta, duas histórias de solidão filmadas com uma câmara digital e eximiamente narradas em paralelo, sobre o pano de fundo duma cidade destinada a ser submersa pela construção de uma monumental barragem). Mais recentemente, o seu empolgante 24 CITY, voltou a arrebatar-nos com um mergulho na história de uma megafábrica do tamanho de uma cidade e da maneira como o poder político jogou com o destino dos milhares de trabalhadores a ela ligados. Anterior a STILL LIFE, mas distribuído só após o êxito deste último, O MUNDO é um filme totalmente fora do baralho. Tendo como décor um estonteante luna park, cuja especificidade é conter réplicas colossais dos mais emblemáticos monumentos do mundo, de Stonehenge à Torre Eiffel, passando por atracções como a ponte Brooklyn, a torre de Pisa ou o Kremlin, O MUNDO escolheu como

O Mundo/Jia Zhang-ke

O Mundo/Jia Zhang-ke Iceberg/Yannick Coutheron

O MUNDO

protagonistas imigrantes que, como o realizador, vieram de províncias distantes trabalhar para Pequim. À imagem do que acontece noutros filmes seus, Jia Zhang-ke interessa-se pelo desmantelamento das fachadas e pela revelação dos bastidores de uma China que nos é quase totalmente desconhecida. O modo como os muitos assalariados habitam o parque de atracções onde encontraram ganha-pão (inclusive a protagonista que lá trabalha como bailarina multi-estilos) é comparável ao modo como os egípcios nossos contemporâneos, muçulmanos na sua maioria, se movem nos espaços arquitectonicamente marcados pela civilização faraónica que lhes é, em absoluto, estranha. Na hipótese mais optimista, podemos ver os funcionários do Mundo como bizarros oficiantes dum longo ritual fúnebre consagrado a um mundo morto. A verdade é que tanto o velho mundo como os seus jovens funcionários se encontram aprisionados num parque, visitado por turistas cuja relação com o local e seus figurantes é comparável àquela que podemos observar num Jardim Zoológico. Inventar uma vida, sentimentos, relações, ambições, etc. num espaço desta «natureza» é missão impossível. Por isso, o filme de Jia Zhang-ke – que não se debruça unicamente sobre esta constelação temática, acrescente-se – é varrido por uma constante brisa de melancolia. Ora, só iludindo-nos muito poderíamos pensar que a «disneylandização» do mundo (como lhe chamam alguns sociólogos especialistas de urbanismo e urbanidade) e consequente transformação dos humanos em pobres figurantes (e já não actores da sua vida) é um fenómeno «para chinês ver». Porque – bom seria acordarmos para isso!!! – esta «disneylandização» vai tomando conta das nossas cidades formatadas, cujos centros, sujeitos a «reconversão», se metamorfoseiam em conglomerados de não-lugares e lugares-fake, boutiques de griffe, hóteis de charme, e quejandos. Não tarda muito, descobrir-nos-emos a morar em cidades parecidas a corredores de aeroporto. Não por excepção, mas por regra.


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