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PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa Cinema/Vídeo Carla Pinto

O ciclo “O Sabor do Cinema” regressa em Outubro de 2011, com o momento XX.

Momento XIX

CICLO O SABOR DO CINEMA MAR - JUN 2011

Auditório

05 JUN 2011 (Dom), 16h00

Apoio Institucional

Apoio

Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584

UM BANDO DE PASSARINHOS Zigud QUE FAREI EU COM ESTA ESPADA? João César Monteiro


Que Farei Eu Com Esta Espada?/João César Monteiro

Argumento, Realização e Montagem: Zigud Poemas: Américo Rodrigues Música original: César Prata Com a participação de: Américo Rodrigues, João Pina Morais, Maria dos Anjos Proença Vaz, José Nunes Morais, Maria do Céu Pina Morais, Maria da Graça de Jesus, José António dos Santos Sampaio e José dos Santos Martins Neto. Design tipográfico: Jorge dos Reis Pós produção vídeo: Rui Cavaco Pós produção áudio: Miguel Guia Assistente de produção: Mauro Rodrigues Produção: Zigud PORTUGAL 2008 Os filmes nascem, crescem e circulam de diferentes maneiras. Embora o espectador só tenha acesso a uma versão projectada, em regra geral (mas nem sempre) dada como acabada, não deixa de ser interessante, se possível graças ao acesso a fontes fidedignas, atentar na génese dos filmes e reflectir acerca do modo como a tensão entre origens e fins determina escolhas, maneiras, tons. Diz-nos Carlos Fernandes, aka Zigud, sobre o objecto cuja realização cometeu: Num sítio lindo, algures nas entranhas de uma montanha, vivia um homem que tinha medo do mundo. Dizem que lhe fora mal apresentado na primeira vez que de lá saíra. Depois, voltou a casa para sempre.(...) Fugia nas ceifas e nas matanças, mas gravava nas

pedras as suas datas. Não ia aos enterros, mas esculpia nas paredes os nomes e as datas dos defuntos. Não repartia, a alegria ou a tristeza das boas ou más colheitas, mas registava os seus resultados. Ninguém conhecia o que lhe ia na alma, mas ele escrevia-o — “Um bando de passarinhos” (…) Os poemas que o Américo [Rodrigues] escreveu, são na verdade a origem e o fio do filme “um bando de passarinhos”. Foram esses poemas que me anunciaram aquele homem tão especial, e que, ao longo do tempo, sem que o tivesse planeado, disciplinaram e clarearam o meu olhar. Depois, quis compor um filme de interpolações – onde a eloquência da palavra poética interrompe sucessivos relatos, que na verdade são memórias fragmentadas de uma realidade demasiado prosaica, mas sincera. Quem diz que uma imagem vale mais que mil palavras? Este é, na verdade, um filme entre escritas: uma escrita «primitiva» do mundo, de nomeação, de confiança mágica na palavra; uma outra escrita, reflexiva, que abraça as problemáticas da literatura contemporânea; e uma escrita fílmica que se derrama sobre paisagens sonoras. Este é também um filme entre paisagens, no sentido lato do termo: entre o «sítio lindo, algures nas entranhas de uma montanha» e a escrita como paisagem visual. Em busca de um cinema que se desimagina, a escrita deste filme passa ainda pela escuta dos relatos orais a partir dos quais se constrói a personagem espectral e central do fazedor de rastos. Todo o texto já era hipertexto. Avant la lettre.

Que Farei Eu Com Esta Espada?/João César Monteiro

Um bando de passarinhos/Zigud

UM BANDO DE PASSARINHOS

QUE FAREI EU COM ESTA ESPADA? Realização: João César Monteiro Argumento: João César Monteiro e Maria Velho da Costa Fotografia: Acácio de Almeida Assistentes de Realização: Margarida Gil e Vítor Silva Som: José Diogo Música: Richard Wagner, Puccini, cantos populares, etc. PORTUGAL 1975 A Revolução dos Cravos está ameaçada pela ingerência de potências estrangeiras que a consideram perigosamente inspiradora. No rio Tejo, avistam-se navios aliados da NATO, nomeadamente o porta-aviões norte-americano Saratoga. O filme inicia-se durante as manifestações operárias contra a presença de Portugal na NATO: como é possível lutar com uma simples espada (metáfora das forças revolucionárias «nacionais») contra um poderoso militar (o inimigo ao largo, bem «real»))? Esta oposição David contra Golias constitui o ponto de partida de um filme que, como todas as obras de João César Monteiro, assenta, também, numa rede de referências literárias e cinéfilas, entre as quais avulta o Nosferatu (de Murnau),

supostamente pronto a desembarcar com o seu exército de ratos, transportado por um navio que traz consigo a peste. A par de um envolvimento pessoal no PREC, João César Monteiro tinha em vista objectivos bastante claros: desformatar o cinema, inclusive o cinema dito de intervenção: reconhecendo que nem todos os cineastas podem ter a estatura de um Murnau, isso em nada os impedia, ainda assim, de fazer filmes cada vez «menos RTP». Mas, para além da «anedota» histórica – na verdade, ela é tudo menos anedota, consoante a história se tem encarregado de no-lo provar –, o que sobressai e brilha no filme de João César Monteiro é a mise en scène da tomada de palavra por aqueles a quem ela fora durante muito tempo confiscada. O QUE FAREI COM ESTA ESPADA? apresenta-se-nos, de facto, como um testemunho, de rara justeza, de um momento histórico caracterizado pelas línguas que se soltam, os gemidos que se transformam em gritos articulados. Por todos os meios (vejam-se as cenas referentes ao lumpen da prostituição lisboeta e as que o realizador consagra ao Alentejo) isso acontece. Mais afiada do que a espada, a língua parece apostada em assumir a vanguarda, graças à conquista da palavra, de um trabalho e resistência. O filme de João César Monteiro é tão profundamente sensível a essa vulcânica erupção que o seu cinema, futuro e mais «maduro», não mais cessaria de prosseguir o trabalho ferozmente alegre e doloroso de ruminar o país, com a sombra de Nosferatu a regressar no lugar de D. Sebastião. QUE FAREI EU POR ESTA ESPADA?, filme matricial sob alguns aspectos, aponta para uma faceta relativamente pouco comentada da obra do realizador: a sua aguda atenção ao aqui e agora, por vezes dissimulada sob o manto furta-cores da diarreia citacional, mas, não menos, uma postura quixotesca que oscila entre o barroco wellesiano e o seu contrário. Se a proposta de «marchar sobre Lisboa» nos faz rir amarelo no filme intitulado recordações da casa da mesma cor – e seria concebível vermos de novo um exército libertador marchar pacificamente sobre a capital para restituir a democracia à… «democracia»? –, não haverá de soar menos amarela (e negra) a sua visionária farpa acerca das «novas profissões» (elas representam, dois em um, as «novas oportunidades» e o triunfo das artes e ofícios da vigilância). No limite, César e João de Deus obrigam-nos a redefinir o papel do clown. É triste pensar que João César Monteiro não fará mais filmes. É exaltante pensar que os filmes que nos deixou são quase inesgotáveis.


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