092 folha de sala 09 out v2

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PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa

PRÓXIMA SESSÃO

23 OUT 2011 DI CAVALCANTI DI GLAUBER Glauber Rocha 1977, Brasil 18’, m/12 TERRA EM TRANSE Glauber Rocha 1967, Brasil 106’, m/12

Cinema/Vídeo Carla Pinto

Momento XX

CICLO O SABOR DO CINEMA OUT - NOV 2011 Auditório

09 OUT 2011 (Dom), 16h00

Apoio Institucional

Apoio

Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584

CHE COSA SONO LE NUVOLE PASSARINHOS E PASSARÕES Pier Paolo Pasolini


A UM PAPA

Título original: CHE COSA SONO LE NUVOLE? (4º episódio do filme CAPRICCIO ALL’ITALIANA) Realização e Argumento: Pier Paolo Pasolini Fotografia: Tonino Delli Colli Montagem: Nino Baragli Cenografia: Mario Garbuglia Produtor: Dino De Laurentiis Música: Domenico Modugno Intérpretes: Totó, Nineto Davoli, Franco Franchi, Laura Betti, Ciccio Ingrassia, Adriana Asti, Domenico Modugno ITÁLIA 1967

Poucos dias antes de morreres, a morte pousou os olhos em alguém da tua idade: aos vinte anos, tu estudavas, ele era pedreiro, tu, nobre, rico, ele, um rapazote plebeu: mas os mesmos dias douraram sobre vós a velha Roma, voltando a dar-lhe a sua juventude. Vi os seus despojos, pobre Zucchetto. Andava de noite, bêbado, à volta dos Mercados, e um eléctrico que vinha de San Paolo atropelou-o e arrastou-o por uns metros de carris no meio dos plátanos: durante umas horas ficou ali, sob o rodado: poucas pessoas se juntaram em redor, olhando-o, em silêncio: já era tarde, havia pouca gente. Um dos homens que existem para que tu existas, um velho polícia, desbocado como todos os patifes, gritava aos que se aproximavam mais: «Larguem-lhe os colhões!» Depois veio uma ambulância buscá-lo: as pessoas desapareceram, só ficaram uns grupos aqui e acolá, e, mais à frente, a dona de um cabaré, que o conhecia, disse a um recém-chegado que Zucchetto tinha ficado debaixo de um eléctrico, que estava morto. Poucos dias depois, morrias tu: Zucchetto era um dos do teu grande rebanho romano e humano, um pobre bêbado, sem família nem leito, que andava de noite, vivendo ao deus-dará. Tu ignoravas: como ignoravas outros milhares e milhares de cristos como ele. Talvez seja cruel ao perguntar por que razão a gente como Zucchetto é indigna do teu amor. Há lugares infames, onde mães e filhos vivem na poeira antiga, na lama de outras eras. Não muito longe de onde tu viveste, fica um desses lugares, o Gelsomino... Um monte cortado ao meio por uma pedreira, e no sopé, entre um charco e uma fileira de prédios novos, um montão de tugúrios miseráveis, não casas mas pocilgas. Bastava um gesto teu, uma palavra, para esses teus filhos terem uma casa: nunca fizeste um gesto, nunca disseste uma palavra. Ninguém te pedia que perdoasses Marx! Uma vaga imensa que irrompe sobre milénios de vida te separava dele, da sua religião: mas não se fala, na tua religião, de piedade? Milhares de homens sob o teu pontificado, diante dos teus olhos, viveram em estábulos e pocilgas. Tu sabias que pecar não é fazer o mal: não fazer o bem, isso sim, é que é pecar. Quanto bem podias tu ter feito! E não fizeste: não houve quem mais pecasse do que tu. Pier Paolo Pasolini

Título original: UCCELLACCI UCCELLINI Título em português: PASSARINHOS E PASSARÕES Realização e Argumento: Pier Paolo Pasolini Fotografia: Tonini Delli Colli, Mario Bernardo Montagem: Nino Baraglia Música: Ennio Morricone Som: Armando Bondari, Pietro Ortolari, Emidlio Rosa, Franca Silvi Produtor: Alfredo Bini Intérpretes: Totó, Nineto Davoli, Femi Benussi, Umberto Bevilacqua, Renato Capogna, Alfredo Leggi, Renato Montalbano, Vittorio Vittori, Giovanni Tarallo, Flaminia Siciliano ITÁLIA 1967 Dedicada a Pier Paolo Pasolini – cujo prematuro desaparecimento constituiu uma irreparável perda para a cultura italiana e para a cinematografia mundial – esta sessão dá a ver (ou rever) dois filmes charneira em que, despindo uma parte do vocabulário neo-realista, o poeta-realizador desnuda brilhantemente o seu propósito de enveredar por uma espécie de cinema sem retorno, em que o sagrado desmantela o edifício do profano, operando arriscados casamentos de imaginários díspares. Os filmes de Pasolini, celebrações despudoradas da

vida, contraditória e rica em vizinhanças paradoxais, são concebidos como novas formas de culto, não na acepção que habitualmente se atribui à expressão «filme-culto», mas no sentido que cada objecto fílmico é fabricado com o envolvimento, simultaneamente pessoal e distanciado, de quem orquestra rituais. COSE SONO LE NUVOLE e UCCELLACCI UCCELLINI são as últimas fitas de Totó e também, coincidentemente, dois momentos importantes de um projecto de ajuste de contas, protagonizado pelo cineasta, com as imagens que o puzzle heterogéneo da República Italiana alimenta de si mesmo, projecto que culminará com o seu derradeiro filme, o «insustentável» SALÒ. O profundo interesse de Pasolini pelo corpus da cultura popular – e pelos corpos concreto que ela molda – não apenas o leva à descoberta de cenários (caminhos, terrenos ermos, ruínas, tugúrios, antros, arrabaldes, cus de judas de toda a sorte…) que, à semelhança do que acontece em alguns dos melhores momentos do cinema neo-realista «puro e duro», emanam fantasmas muito carnais e são, não menos, o ecrã onde se inscrevem, espectralmente, pessoas em carne e osso, como lhe inspira o desejo de a resgatar operando a mistura de imaginários a que anteriormente aludimos. As suas fontes situam-se longe do campo do romanesco burguês, e vão da pintura sacra, dos evangelhos e da vida dos santos à tragédia ou a narrativas canónicas de outros tempos e lugares. A vida segundo Pasolini é uma magnífica torrente de pequenos e grandes falhanços necessários. Apoiando-se em actores carismáticos como o furacão Nineto ou a verruma Totó, Pasolini arrisca toda a sua fértil poética na afirmação de missões nobres como contemplar as nuvens ou converter pássaros.


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