PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa
próxima sessão
20 NOV 2011 A Pousada das Chagas Paulo Rocha 1972, Portugal, 20’, m/12 Máscara de Aço Contra Abismo Azul Paulo Rocha 1988, Portugal 61’, m/12
Cinema/Vídeo Carla Pinto
Momento XX
Ciclo O Sabor do Cinema OUT - NOV 2011 Auditório
06 NOV 2011 (Dom), 16h00
Apoio Institucional
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Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584
HakoP Hovnatanian AS SombraS dos Antepassados Esquecidos Sergei Paradjanov
Para Paradjanov, persona non grata no contexto artístico oficial soviético, os meados dos anos 60 são uma fase determinante no que diz respeito à metamorfose da sua linguagem. Ou não tivesse ele, com desassombro, afirmado, a dado momento da sua carreira, que todo o seu trabalho anterior a 1964 era puro lixo… A descoberta do cinema de Tarkovski, graças ao visionamento de A INFÂNCIA DE IVAN, terá sido para Paradjanov tão marcante que se traduziu pela escolha de um caminho sem retorno, rumo a um cinema primitivo e vanguardista, radicalmente simbólico e absolutamente pessoal. Recorde-se que, trocando galhardetes de resistência, Paradjanov considerava Tarkovski seu mestre e Tarkovski, que tomou a defesa veemente do colega junto (e contra) os cães do regime, chamava mestre a Paradjanov… O certo é que, com o seu «Romeu e Julieta dos Cárpatos», Paradjanov virou decididamente costas aos (importantes) ensinamentos de Dovjenko (sob cuja tutela trabalhara e em cujo estúdio este seu filme foi produzido) para se agarrar a processos de criação de imagens sem rede (muito embora TINI ZABUTYKH PREDKIV tenha sido relativamente bem aceite pela crítica e pela censura soviética, que apreciaram a transposição do texto para cinema e a linguagem «poética» utilizada, ao contrário do que aconteceria, em 1968, com SAYAT NOVA). Para melhor entendermos os antecedentes de um filme que leva emoções e acções a picos inauditos, há porventura que recordar alguns episódios dramáticos da biografia do autor, nomeadamente o seu primeiro encarceramento, em 1948, por «crime» de homossexualidade e, principalmente, o destino terrível da sua primeira esposa, uma jovem tártara muçulmana, assassinada (lançada de um comboio abaixo…) pela família, um ano após a celebração do matrimónio (1951), por se ter convertido ao rito cristão ortodoxo para casar com o realizador de má fama… A impossibilidade, por um lado de trair uma paixão primeira, por outro, de desviar o curso dos rios do sangue está, sem dúvida, na base do tratamento violento da fábula que Paradjanov nos propõe. Profundamente envolvido num combate em prol da criação e preservação da beleza, o cineasta afirmará posteriormente: «Amar não basta! É preciso adorar!» TINI ZABUTYKH PREDKIV teve uma recepção internacional fulgurante. A trintena de prémios obtidos, nos mais diversos certames internacionais, valeram-lhe uma menção no Guinness Book of Records. Tudo se passa como se, mais uma vez, inesperadamente, vindo do «lado do frio», surgisse uma nova gramática, uma nova estética, digna dos mestres fundadores do cinema soviético… E é bem verdade que os saltos cromáticos – não estamos a aludir
apenas ao poder hiper-expressionista da cor, mas, sobretudo, ao voo, planado, rasante, estonteante da câmara, à maneira como o ciné-olho participa do drama dos corpos… – que Paradjanov assume só podiam gerar estupefacção. O tratamento plástico dos vários elementos expressivos da imagem em movimento desfaz – e essa não é uma pequena vitória – qualquer equívoco quanto a um aparente enfeudamento num gosto folclorizante. Em Paradjanov, quando um actor veste um fato ou se relaciona com um objecto ou um ser, ele passa a envergar, literalmente, tudo quanto esse fato-fado carrega, ele passa a tocar o ilimite entre o humano e o que o rodeia. Então, tanto o corpo do actor quanto a corpórea aparência do mundo (seja ele «natural» ou «cultural») passam a ser terrenos extremos onde a ficção morde o freio. Até partir, desembestada. SAGUENAIL – Vejo no conjunto dos seus filmes algumas rupturas muito nítidas. Com os CAVALOS DE FOGO, abandono dos diálogos e passagem para o canto; esboço de recusa da continuidade da acção e passagem para uma concentração de sentido em cada plano (o plano não é elemento de cadeia). Com A COR DA ROMÃ, a vertigem do movimento é posta de parte. Fale-nos dessa ruptura. O seu cinema não é nada «naïf». Você dominou completamente uma gramática convencional e, de repente, rejeitou-a. PARADJANOV – Talvez seja assim. Mas nunca renunciei à imagem musical, a uma cadência musical, a uma sucessão musical que encontrei com os CAVALOS DE FOGO. S. – Claro. Para mim, a ruptura é entre A PEQUENA FLOR DA ROCHA e os CAVALOS DE FOGO. PAR. – Esse filme – A PEQUENA FLOR DA ROCHA – é um filme alheio. É uma coisa que não era do meu agrado. S. – Por que é que todo o som é pós-sincronizado, trabalhado por cima da imagem? PAR. – É mais fácil e mais útil para mim. Porque depois se pode pensar em fazer um objecto mais profundo. (…) S. – Não sei se na URSS houve um movimento surrealista, mas detecta-se, ao nível do funcionamento das imagens, alguma proximidade… PAR. – Não. Na URSS essa tendência para o surrealismo sempre existiu. E nunca foi perseguida. Tudo depende da visão de cada um, de como cada um entende uma ou outra coisa. De como cada um decifra uma imagem. De como a descodifica. S. – Na Europa Ocidental há uma grande dificuldade em fazer admitir que um filme possa apresentar-se como uma procura. Os exemplos desse funcionamento poético
Tini zabutykh predkiv
Sabe-se que Paradjanov recorreu às formas e paletas das artes visuais tradicionais, caucasianas e não só, que ouviu conselhos de velhos pintores, que coleccionou e estudou objectos produzidos por artistas populares como fontes de inspiração para o seu trabalho cinematográfico. Sabe-se que praticou, ele mesmo, com entusiasmo e brio, a arte da miniatura, da colagem e do desenho (em particularmente durante os seus vários encarceramentos e condenações aos trabalhos forçados). Sabe-se que investiu a sua generosidade em ensinar os seus companheiros de detenção a desenhar, a fim amenizar o seu martírio e de… enriquecer as cartas que eles enviavam aos familiares. Sabe-se que o cineasta apreciava o gesto artesanal no cinema e que executava ele mesmo as roupas exuberantes e os adereços, sempre relevantes ao nível simbólico, dos seus filmes. Sabe-se que o realizador pluri-étnico concebia, segundo as suas próprias palavras, cada enquadramento como uma tela pintada. Não é pois surpreendente que tenha dedicado uma curta-metragem a Hakop Hovnatanian (por alguns apelidado de «Rafael de Tbilissi»), um eminente retratista arménio, oriundo de uma família de pintores cuja actividade ininterrupta dominou o panorama das artes plásticas locais entre o século XVII e o século XIX. O pai de Hakop, primeiro dessa linhagem prestigiosa (Nagach Hovnatan, 1661-1722) foi pintor, poeta e cantor, sendo considerado o predecessor de Sayat Nova, a quem Paradjanov virá a dedicar, em 1968, a sua obra-prima. HAKOP Hovnatanian apresenta-se-nos como um quase rol matricial do vocabulário que Paradjanov virá a desenvolver nas suas obras seguintes. Estamos a falar, por exemplo, de tapetes, tecidos, rendas e jóias, postos em valor no preâmbulo, bem como da janela-moldura e da jarra florida (para a qual os olhares graves e intensos dos retratados, homens, mulheres, crianças e velhos, parecem convergir), ou ainda do plano do trote ou o plano das cabeças pousadas sobre o murete. Em ruptura já assumida com a escola do realismo socialista, o filme propõe-nos uma muito depurada e musical sequenciação de planos das pinturas do retratista, com escalas várias mas amiúde plein cadre, por vezes pontuada pelo surgimento de uma moldura sem tela (que marca porventura a ausência daqueles que o filme traz à nossa presença). No detalhe desses planos-pintura, descobrimos, em contexto, os elementos decorativos enumerados no preâmbulo. Do mesmo modo, os momentos finais do filme contextualizam as personagens retratadas num território preciso, que nos é revelado por pinceladas, apontamentos, sem qualquer intuito académico de exaustividade ou síntese. Estamos pois perante um filme que, com desarmante simplicidade, projecta para um plano alegórico uma galeria de retratos hieráticos, coisa que Paradjanov repetidamente fará noutros filmes de maior envergadura. As crianças desnudadas que brincam baloiçando-se nos portões de uma imponente propriedade ou escondendo-se atrás de uma não menos imponente urna de pedra são como que uma assinatura do autor, cuja segunda metade da vida foi consagrada à reivindicação do direito a criar tão livremente como uma criança brinca e a recuperar o sabor perdido das coisas, seres, lugares e histórias de uma infixável terra natal.
Título original: Tini zabutykh predkiv Realização: Serguei Paradjanov Argumento: Seguei Paradjanov, Ivan Chendej, a partir do texto de Mikhaylo Kotsyubinski Fotografia: Viktor Bestayev, Yuri Ilyenko Música original: Miroslav Skorik Montagem: M. Ponomarenko Cenografia: Mikhail Rakovski, Georgiy Yakuvitck Figurinos: Lidiya Bajkova Interpretação: Ivan Mikolajchuk, Larisa Kadochnikova, Tatyana Bestayeva, Spartak Bagashvili, Nikolai Grinko, Leonid Yengibarov, Nina Alisova, Aleksandr Gaj, Neonila Gnepovskaya, A. Raydanov, I. Dzyura, V. Glyanko URSS 1965
Hakop Hovnatanian
Título do filme: Hakop Hovnatanian Realização e argumento: Serguei Paradjanov Fotografia: Karen Mesvan Música original: Stepan Shakarvan Som: Yuri Savadyan URSS 1964
chegam-nos de um país que é mais conhecido pelo realismo, digamos, social… PAR. – Mas na URSS consideram-me um dos cineastas poéticos. Não sei porquê mas acho que você podia ir trabalhar para lá. REGINA GUIMARÃES – Acha que o cinema pode ter a mesma ambição que a poesia: inventar o mundo, transformá-lo… PAR. – Claro, evidentemente. (…) R. G. – OS CAVALOS DE FOGO e ASHIK KERIB são duas histórias de amor com um desenlace muito diferente. O facto de ter contado primeiro uma história infeliz e depois uma feliz, apesar de ambas serem aventurosas, quererá dizer que a felicidade e a infelicidade não são contraditórias? PAR. – Pode-se passar por tudo, pelas alegrias, pelas desgraças, pelas mágoas, mas no fim de contas é a vida que vence. R.G. – Escolheu fazer filmes pelo facto de o cinema poder se servir das outras artes, por exemplo, da pintura? PAR. – Eu acho que o realizador deve ser tudo. Deve ser mecânico, deve ser joalheiro, deve ser engenheiro. Deve saber de tudo. (…) S. – O folclore é decerto uma fonte de inspiração. Imagens como as portas do paraíso trancadas decorrem de uma visão pessoal… PAR. – O que seria um realizador e a arte de realizar se só mostrasse aquilo que já existe? Tudo é simples. R.G. – Nos seus filmes há um grande fascínio pelos corpos e pelas coisas… muitos grandes planos… como se corpos e coisas fossem objectos de prazer do realizador… PAR. – Isso tem muita importância para mim. O prazer é mostrar aos outros aquilo que é bonito. (…) S. – Com OS CAVALOS DE FOGO, Paradjanov parece ter ido até ao fim de uma certa estética barroca. Nos filmes seguintes observa-se um regresso a um cinema «primitivo», como se fosse preciso inventar tudo e de certo modo esquecer uma história do cinema que não levou a lado nenhum… PAR. – Mas o que é mais interessante? Tive razão. De certo modo também depende do operador. Tenho operadores de câmara com talento e sem talento. Gosto mais de trabalhar com um cameraman sem talento. S. – E os actores não-profissionais? PAR. – Eu não gosto dos actores profissionais. Entrevista com Serguei Paradjanov, publicada no nº10 da revista de cinema A GRANDE ILUSÃO, 1990