PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO
PRÓXIMA SESSÃO
Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde
11 MAR 2012 LUCEBERT, TEMPS ET ADIEUX, Johan van der Keuken, 50’, 1962, 1966, 1994, Países Baixos
Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa Cinema/Vídeo Carla Pinto
Momento XXI
CICLO O SABOR DO CINEMA FEV - ABR 2012 Auditório
26 FEV 2012 (Dom), 16h00 CLASSE DE LUTTE, Grupo Medvekine, Besançon, 37’, 1969, França ENTRE NOS MAINS, Mariana Otero, 88’, 2010, França Apoio Institucional
Apoio
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Título: CLASSE DE LUTTE (em português, literalmente, AULA DE LUTA e também CLASSE DE LUTA) Realização: Grupo Medvedkine de Besançon Producão: SLON (Société de Production pour le Lancement des Œuvres Nouvelles) FRANÇA 1968 CLASSE DE LUTTE traz no coração a marca de um Maio de 68 menos aureolado do que as imagens de culto da revolta estudantil parisiense. Com efeito, trata-se de pôr, na mesa e na tela, o percurso de uma mulher para quem a imersão no movimento grevista se traduziu por uma mudança radical de vida. De trabalhadora conformada ao modo de estar no mundo de quem aceitou a exploração capitalista como uma quase fatalidade atávica, Suzanne passa a militante sindical e revolucionária tão profundamente comprometida com a sua luta que o bem-estar material mínimo passa para segundo plano. O filme é, na verdade, retrato de um nascimento e de um crescimento acelerado, pois que nos deixa a impressão de podermos tocar de muito perto os sofrimentos e sobretudo as alegrias de Suzanne, cujo rosto, tocado por uma espécie de estranha graça, se ilumina e se abre à intensidade das relações humanas e à diversidade das coisas, através do envolvimento no combate contra um sistema que não apenas gera injustiça, mas também exclusão, nomeadamente de mundivivências libertadoras: a amizade entre companheiros de caminho, a fruição das obras de arte e a participação nas práticas culturais. Após um prólogo, ao estilo caleidoscópico de Marker, que nos situa num tempo, num espaço e num modo de fazer cinema, o filme arranca com um primeiro encontro, imensamente comovente, no qual sentimos que a protagonista, recém-arrancada aos limbos do silêncio, afirma tímida mas decididamente a sua escolha do militantismo, em presença de um marido que ternamente a tenta dissuadir de vestir essa camisola algo mágica, apresentando argumentos tão pertinentes quanto os dissabores e os entraves bem concretos com que a lutadora haverá de se confrontar. Antes de nos arrastar para um convívio privilegiado com Suzanne, o filme não deixa de nos informar acerca do contexto em que ela se move: a cidade de Besançon, o seu crescimento demográfico no pós-guerra e correlativa industrialização, a importância da indústria relojoeira e da mão-de-obra feminina, inferiormente paga, mas superiormente dócil e delicada no âmbito desse sector. Mas trata-se de atentar no caso Suzanne não como a de uma heroína do sentido clássico (embora ela enfrente escolhas difíceis) mas como caso
exemplar de convicta aprendizagem da luta e de alegre luta por outras aprendizagens, sendo que o motor da sua realização enquanto ser humano se deve a uma entrega ilimitada aos combates que trava. Chris Marker e os seus camaradas do grupo Medvedkine acreditavam na necessidade de levar a classe trabalhadora a fabricar o seu próprio cinema, na possibilidade de transformar o filme numa arma. Uma arma particularmente acutilante e não apenas mais uma, já que cada filme é reconstrução da realidade. Nesse sentido, CLASSE DE LUTTE espelha um ponto de cruzamento – Suzanne – entre a luta dos trabalhadores e as transformações que ela suscita antes e acima de tudo nos próprios trabalhadores. Pelo que, quaisquer que sejam os nossos actuais pontos de vista acerca das maneiras mais férteis de mexer no mundo, este filme militante, rigoroso na forma de resguardar a espontaneidade e sensível na maneira como espera e escuta, não perdeu nenhuma das suas qualidades intrínsecas.
Título: ENTRE NOS MAINS (em português, literalmente, NAS NOSSAS MÃOS) Realização e Imagem: Mariana Otero Montagem: Anny Danché Música: Frédéric Fresson Som: Benjamin Bober, Pierre Carrasco Produção: Denis Freyd para Archipel 33 FRANÇA 2010 A expectativa de participar na epopeia de libertação dos oprimidos e a vontade de partilhar com os oprimidos a construção das imagens da sua epopeia, patentes em CLASSE DE LUTTE, não poderiam, tendo em conta os tempos de desesperança que vivemos, ser o terreno subjacente ao filme de Mariana Otero. Ainda assim, quando a cineasta se lança no projecto de acompanhar, a par e passo, a luta das trabalhadoras da fábrica de lingerie Starissima em prol da salvação do seu ganha-pão, ela não encara cinicamente a elevada probabilidade de um fracasso. Nesta específica época, neste distinto enquadramento, a postura das protagonistas (e falo no feminino porque, lingerie oblige, a maioria das personagens envolvidas no filme são mulheres, apesar de, como é hábito na nossa sociedade patriarcal, encabeçadas pelo sexo dito forte) difere substancialmente da que Suzanne, à custa das suas aprendizagens militantes, conquistou. Porém, aquilo
que a observação participante perde em vulcânica urgência de mudar o mundo, em ENTRE NOS MAINS, é manifestamente contrabalançado por uma corrente de empatia e uma presença constante da realizadora no teatro da luta. Em CLASSE DE LUTTE, o «entrevistador» nunca é destituído desse estatuto, pese embora a solidariedade e o esforço no sentido de que as conversas se desenrolem de igual para igual e mesmo de subverter o esquema costumeiro que faz com que o cineasta-documentarista seja, em última instância, o dono da razão. Enquanto que, no filme de Otero, um feixe de estratégias – minimização exponencial da palavra da realizadora, tentativa de construção de um protagonismo colectivo das operárias, multiplicação das cenas em que o banal, o quotidiano, a relação do trabalhador com o que fabrica e o local onde fabrica, etc. – contribui para que as anti-heroínas da Starissima nos aproximem da sua luta particular, graças às suas incertezas e dúvidas (que não devido à sua teimosa defesa de ideais de mudança), graças, acima de tudo, à sua avassaladora humanidade. Para tanto contribui porventura o facto de a cineasta ser, também ela, mulher, e assim conseguir mover-se no universo feminino com acrescido à vontade. A escolha de um contexto fabril onde o que se fabrica são produtos de luxo – cujo consumo está muito provavelmente vedado às pessoas da classe social das trabalhadoras em causa – destinados a um uso íntimo – possivelmente formatado pelo impacto da publicidade – não apenas gera elementos simbólicos de tensão (que a cineasta tem o tacto de não explorar de maneira sensacionalista), como contribui, por outro lado, para que o filme se situe num patamar em que interesse privado e interesse público se cruzam, num palco em que as pequenas histórias e os segmentos de percurso dos indivíduos se tornam ricos de ecos de natureza socio-política. Não deixa de ser significativo que o processo auto-
gestionário que Mariana Otero se propôs acompanhar, separado por quase meio século de uma época em que a utopia estava na ordem do dia, se salde por um tremendo insucesso. O recurso às vias legais do capitalismo financeiro revela-se incompatível com os meios e os fins do processo auto-gestionário. Torna-se claro que não apenas o patrão tudo faz, disfarçadamente, para inviabilizar a salvação da empresa como, sobretudo, uma parte considerável da clientela desta última se desmarca, virando costas às lutadoras, e a banca põe fim ao sonho com um inequívoco golpe de misericórdia. Pelo que o filme de Mariana Otero se nos afigura repleto de ensinamentos: se é verdade que, nunca como actualmente se fala da necessidade de empreendorismo e se valoriza a autonomia dos cidadãos individuais enquanto produtores de riqueza, não é menos verdade que nada disso pode acontecer fora dos trâmites da sempiterna exploração do homem pelo homem. Ora, um dos aspectos mais terríveis de ENTRE NOS MAINS reside na maneira como as operárias aceitam transformar a sua intervenção no processo num investimento financeiro pessoal – e bem custoso lhes é esse investimento que dos bolsos vazios lhes sai…! De algum modo, poderíamos, grosseiramente, dizer que elas trocam as aprendizagens de luta de Suzanne por uma participação reificada (logo, alienada) nessa luta, e que a troca, no fim de contas, lhes sai cara. É evidente que, perante o insucesso da tentativa de conquista auto-gestionária que perseverantemente acompanhou, Mariana Otero se sente em posse de um material fílmico que escalda as mãos e as consciências. E aí a cineasta opta por um final coral em que se festeja, cantando, os valores da utopia. Um final claramente encenado, no mínimo polémico, não tanto por poder parecer assaz deslocado – isso seria eventualmente uma qualidade suplementar – mas porque, em certa medida, anula, pelo efeito de massa, a polifonia que o seu filme habilmente orquestrou, já que, à medida que nos familiarizamos com as trabalhadoras da Starissima, passamos a distinguir o grão, o timbre e a afinação de cada voz. Porém, há que reconhecer que Mariana Otero corre TODOS os riscos da proximidade e da solidariedade, inclusive os que decorrem do imperativo vital de fazer de uma derrota uma semente de coragem para combates futuros. Como seria ENTRE NOS MAINS se o modo menor, que atravessa este documentário em todos os sentidos, não desaguasse numa afirmação lírica ad hoc, à revelia da anterior contenção? Outro filme seria, indubitavelmente. Mas deveras menos propiciador de discussão…