PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO
próxima sessão
Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa
25 MAR 2012 O Dia do Pão, Sergei Dvortsvoy, 55’, 1999, Cazaquistão V Temnote (In the dark), Sergei Dvortsvoy, 41’, 2004, Cazaquistão
Cinema/Vídeo Carla Pinto
Momento XXI
Ciclo O Sabor do Cinema fev - abr 2012 Auditório
11 MAR 2012 (Dom), 16h00 Lucebert, tempos e adeus Johan van der Keuken, 50’, 1962, 1966, 1994, Países Baixos Apoio Institucional
Apoio
Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584
Título do filme: Lucebert, tijd en afscheid (Lucebert, tempos e adeus) Realização, Câmara e Montagem: Johan van der Keuken Som: Noshka Van der Ley Produção: Piter van Huystee para Belbo Film Productions PAÍSES BAIXOS 1962 / 1967 / 1994
Lucebert é o nome artístico de um importante poeta, pintor e desenhador holandês, uma espécie de contracção do seu nome de registo Lubertus Jacobus Swaanswijk (Amsterdão 1924 – Alkmaar 1994). Membro do movimento CoBrA (CopenhagaBruxelas-Amesterdão) também conhecido como Internacional dos Artistas Experimentais (a que pertenceram personagens como Pierre Alechinsky, Karel Appel, Christian Dotremont, Corneille ou Asger Jorn), o criador, sobre cuja pessoa e obra incide(m) os filmes/o filme de Johan van der Keuken desta sessão, é frequentemente conotado com a postura configurada pela sua célebre frase Alles van waarde is weerloos (« Tudo o que tem valor é indefeso»). Influenciado pelo pensamento de Gaston Bachelard, nascido em reacção contra o centralismo parisiense e como resposta pró-activa
à estéril querela entre arte abstracta e arte figurativa, devedor da aventura mental surrealista, mas também da estética expressionista, o movimento CoBrA revisita as artes populares nórdicas, valoriza o trabalho dos artistas naïf e a atitude da arte bruta, inspira-se nos desenhos e objectos produzidos pelas crianças e pelos loucos. O interesse pelo primitivismo dos CoBrA tem como corolário o ressuscitar da ideia de que arte pode e deveria ser feita por todos. Embora algumas destas preocupações perpassem ou estejam bem patentes no tríptico de Van der Keuken – nomeadamente a tónica posta na vitalidade e na espontaneidade ou a proximidade relativamente às crianças – não se trata para o cineasta de realizar um filme sobre questões internas à pintura, mas antes, tirando partido da posição privilegiada que a amizade de Lucebert lhe outorga, de partilhar com o pintor, a partir das imagens que ele cria (e nelas se incluem as que fluem dos poemas recitados) uma interrogação sobre as fontes do olhar e o caudal do ver. Ao contrário do que se poderia pensar – tendo em conta que o cinema, enquanto arte da imagem, terá sido, sucessivas vezes e desde os seus primórdios, levado a confrontar-se e a defrontar-se com os territórios da pintura –, a história do cinema não conta muito exemplos relevantes de filmes com ou sobre pintura e pintores. Se excluirmos os biopics, mais ou menos felizes e quase invariavelmente formatados pelos modelos estadunienses, os filmes que reflectem as relações entre cinema e pintura contam-se pelo dedos de poucas mãos. Dentro deste panorama, há que sublinhar que a bem afortunada cinematografia portuguesa compreende filmes sobre artes plásticas de elevado interesse – de JAIME de António Reis ao recente trabalho de Oliveira sobre os painéis de S. Vicente, passando por MA FEMME CHAMADA BICHO de José Álvaro de Morais –, e o espectador conhecedor da obra do nosso cineasta maior não deixará de notar
alguns pontos comuns entre momentos de LUCEBERT e AS PINTURAS DO MEU IRMÃO JÚLIO ou O PINTOR E A CIDADE. Por outro lado, pese embora a abissal diferença entre a postura do cineasta em LE MYSTÈRE PICASSO e a de Van der Keuken nesta trilogia, o andamento central de TEMPOS E ADEUS contém uma sequência que retoma a inspiração e, em parte, o protocolo de Clouzot. Na trilogia TEMPOS E ADEUS é particularmente fértil a ideia de revisitação, de consagração de um elo entre dois artistas, e até de festa, mesmo que no último filme a ausência de Lucebert, já falecido, seja a todos os títulos gritante. Quando no segundo filme – que é a cores, ao contrário do primeiro – Van der Keuken se lança na busca de objectos, por si filmados, que entrem em diálogo com as figuras que habitam as telas e os desenhos de Lucebert, trata-se deveras de uma tentativa de aproximação que lhe permita uma intimidade com esse outro mundo neste mesmo que o pintor constrói e desvenda. «Tentei abordar melhor a ideia de que existem visões e estruturas do real completamente diferentes, uma experiência da realidade totalmente outra. É importante para mim apropriar-me assim de qualquer coisa desse outro mundo. Quero apropriar-me dele sem o roubar.» declara Van der Keuken sobre esta sua obra. E, nesse sentido, a possibilidade de voltar à carga, após intervalos de vários anos, significa, para o cineasta, uma efectiva afinação do instrumento, ou seja, a beckettiana esperança de falhar melhor. No momento primeiro, a voz off (mas tão in…) de Lucebert exclama-se: «Os SS invadiram a poesia. A revolução pertence ao passado.» Volvidos cinco anos, Johan van der Keuken abre a sua segunda «tentativa de apropriação» com o gesto de alicerçar a obra de Lucebert num segmento traumático da vida do pintor: «Suponhamos que isto é o início do nosso filme: Junho de 1934. Motins em Amesterdão quando o governo
baixou o subsídio de desemprego. Foram erguidas barricadas com móveis. Tinhas dez anos quando os soldados invadiram a tua rua.» Não somente esta apresentação nos convida a uma leitura política de tudo quanto em Lucebert é convulsivo (antes e aquém de ser «belo»), como nos alerta para várias peculiaridades: a relevância do olhar da criança, a experiência da expropriação, a transformação dos objectos em lugares de legítima defesa… O que significa que o cineasta parte para o segundo filme com acrescidas ambições e acrescidos meios de intimidade com a obra. Só assim se justifica que, 27 anos mais tarde, a morte do pintor não impeça Van der Keuken de levar a cabo o projecto acarinhado por ambos: « Em Abril, eu e Lucebert decidimos que íamos fazer mais um filme. Mas ele morreu em Maio. Vamos ter de passar sem ele.» (…) «SE SABES ONDE ESTOU PROCURA-ME». Na verdade, Van der Keuken revisita uma derradeira vez o atelier do amigo com a desenvoltura de um peregrino impenitente que percorre a grande casa do mundo, sendo esse seu modo de presença e movimento encarnado, a dada altura, pelas crianças que invadem o templo do criador – essas mesmas que, já o sabíamos, sempre lá foram bem vindas. «Bela é a mão que saúda sem exalar um cheiro a lixo. E poderosa é a mão que segura o coração sem endurecer. A confusão dança diante das janelas. A confusão grita na rua. Aquele que conhece o caminho da palavra segue o da semente que germina. Vê crescer a lua num sol de ternura. acariciando o vento ao de leve. Brinca com os elementos e os elementos brincam com ele. Seus olhos em voz coagulados viram frutos sem limite. Ele dança e desaparece e canta até nós sermos translúcidos.» Pode pois o «visitante» experimentar sem peias a indistinção entre visitar e ser visitado.