PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO
PRÓXIMA SESSÃO
Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa
01 ABR 2012 EX-VOTOS PORTUGUESES, António Campos, 36’, 1976, Portugal A ALMADRABA ATUNEIRA, António Campos, 26’, 1961, Portugal FALAMOS DE RIO DE ONOR, António Campos, 62’, 1973-74, Portugal
Cinema/Vídeo Carla Pinto
Momento XXI
CICLO O SABOR DO CINEMA FEV - ABR 2012 Auditório
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25 MAR 2012 (Dom), 16h00 No Escuro Sergey Dvortsevoy, 41’, 2004, Cazaquistão O Dia do Pão Sergey Dvortsevoy, 55’, 1999, Cazaquistão
Título do filme: V TEMNOTE («No Escuro») Realização: Sergey Dvortsevoy Imagem: Alisher Khamidkhodjaev Anatoli Petriga Som: Sergey Dvortsevoy, Tuomas Järnefelt, Peter Nordström RÚSSIA 2004
Título do filme: CHLEBNYY DEN («O Dia do Pão») Realização: Sergey Dvortsevoy Realização Produção e Montagem: Sergey Dvortsevoy Imagem: Alisher Khamidkhodjaev RÚSSIA 1999
Há nestas duas curtas/longas de Sergey Dvortsevoy algo de dificilmente definível que as aparenta às ficções de Abbas Kiarostami, algo que não tem apenas a ver com a surpresa que sempre nos causam as obras cinematográficas não enfeudadas nas escolas, cânones e padrões do cinema ocidental dominante. Arriscar-nos-íamos a dizer que se trata de uma poética da insistência no prolongamento do presente e da presença. Como em muitos momentos de O SABOR DA CEREJA, ATRAVÉS DAS OLIVEIRAS ou O VENTO LEVAR-NOS-Á, quando se trata de aprofundar uma cena, o realizador não opta por um deus ex machina dramatúrgico artificialmente intensificador de tensões, por recursos ornamentais ad hoc, por uma retórica violentamente redutora do tempo das acções, ainda que (porventura A FIM DE QUE) isso possa denunciar os instrumentos de registo: a cena no posto de venda do pão, após a saída dos fregueses (CHLEBNYY DEN), e a sequência dos papéis espalhados pelo «monstro» felino branco e apanhados pelo realizador-engenheiro de som (V TEMNOTE) são dois bons exemplos dessa ocorrência, mas também as cabras curiosas relativamente ao bicho câmara, ou a câmara que procura, em lugar de e à cadência de Vania, a direcção donde vêm os transeuntes passíveis de aceitar um saco confeccionado pelo cego. É, aliás, a estética da presença insistente, do carregar o fardo criativo de uma cena com o mesmo «esforço de ser e de estar» que aqueles que são filmados (e não apenas a excepcionalidade das situações ou personagens) que faz a grandiosidade de sequências como o grupo de velhos empurrando o vagão semi-atolado na neve ou como a da distribuição de artefactos, pacientemente fabricados ao longo do Inverno, numa artéria suburbana onde circulam gentes já munidas de sacos de plástico e, portanto, totalmente avessas à hipótese de voltarem a fazer uso de um objecto em desuso (muito provavelmente conotado com modos de vida menos consumistas…), quanto mais não fosse por «compaixão». As personagens de Dvortsevoy, imersas em contextos pouco amenos – a cinza manchada de neve suja da Primavera do bairro suburbano, a frígida mortalha de neve na aldeia operária nº3 –, são elas mesmas de uma extrema dureza, a ponto
de cabras e gatos poderem, por vezes, parecer-nos mais amáveis, amigáveis e dignos de espontânea simpatia do que os humanos. O cineasta debruça-se sobre a banalidade; porém o quotidiano dos marginalizados (tão próximos de centros urbanos: Moscovo, Leninegrado…) que ele nos faz descobrir roça as raias do impensável: um punhado de idosos obrigados a empurrar um pesado vagão para que o pão chegue à aldeia desertada pelos jovens; um cego que se dedica a urdir sacos de compras, não para os vender mas para os oferecer aos seus conterrâneos que despudoradamente os rejeitam. Na verdade, não estamos num soap opera, nem num avatar de tranche de vie folhetinesca: ninguém é suposto identificar-se ou reconhecer-se. Apesar de, obviamente, não deixarmos de distinguir a plena humanidade das figuras em causa – sendo que ela até contamina o nosso olhar sobre os animais –, damos todavia connosco a pensar que o elo que nos liga às personagens, individuais ou colectivas de Dvortsevoy se caracteriza pela incomunidade e pela incomodidade. E, no entanto, no cinema de Dvortsevoy não detectamos um certo fascínio pelo hierático que atravessa os de Kiarostami. Estamos tanto mais distantes quanto o cineasta nos aproxima e a perturbação nasce de não termos desenvolvido uma arte vivencial que permita colmatar o fosso. Porque, last but not least, não é fazível ver «filmes assim» a correr como amiúde se faz perante quadros de uma exposição. A condição da duração, o exercício do escuro, a partilha de um espaço com desconhecidos que, para muitos, são traços específicos do cinema, adquirem no trabalho artístico de Dvortsevoy, a força renovada de uma necessidade. Mais ainda: quando um cineasta se coloca a questão do seu lugar, que não apenas o da câmara, de maneira persistente e consistente, o público (ou seja: cada espectador) passa a possuir acrescidos meios de se interrogar acerca da sua própria situação enquanto participante na construção do sentido. Ora, sem cinicamente jogar ao gato e ao rato com a paciência do público, optando por uma máxima exigência orgânica no modo de filmar (veja-se o milagre de inventividade nas filmagens do apartamento do cego), Dvortsevoy oferece realmente ao espectador o tempo de que ele precisa para pensar enquanto vê.