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PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão Luz Rui Barbosa

próxima sessão

02 DEZ 2012 REPÚBLICA POPULAR DA CHINA COMMENT YUKONG DÉPLAÇA LES MONTAGNES, episódio nº1, UNE HISTOIRE DE BALLON, LYCÉE Nº13, Joris Ivens e Marceline Loridan-Ivens, 19’, 1976 24 CITY, Jia Zhang Ke, 107’, 2008

Cinema/Vídeo Carla Pinto

Momento XXII

Ciclo O Sabor do Cinema 21 OUT-02 DEZ 2012 Auditório

25 NOV 2012 (Dom), 16h00 Apoio Institucional

Apoio

FRANÇA L’AMBASSADE, Chris Marker, 20’, 1973 TOUT VA BIEN, Jean-Luc Godard e Jean-Pierre Gorin, 95’, 1972 Os filmes em língua estrangeira são legendados em português.

Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584


L’AMBASSADE Argumento Montagem e Realização: Chris Marker FRANÇA 1973 Este pequeno grande filme-embuste do «documentarista» Chris Marker é talvez um dos mais significativos exemplos cinematográficos da maneira como a sétima arte pode dizer a verdade através da «mentira» e até colocando a mentira no coração do questionamento subjacente ao trabalho de construção fílmica. Com efeito, Chris Marker roda em formato super 8 (película cuja utilização à época denotava amadorismo) tomadas de vista variadas de uma reunião de pessoas num vasto e chique apartamento da cidade de Paris e, montando essas imagens (à partida não tão neutras assim…) sob um comentário off que nos obriga a uma leitura totalmente divergente da respetiva matéria fílmica, fabrica uma curta-metragem de ficção, com ares de documentário produzido na urgência, acerca das horas e dos dias angustiantes vividos por um grupo de refugiados em Santiago do Chile, imediatamente após o golpe de Pinochet. Ora, esse desvio de sentido infligido às imagens – perfeitamente assumido pelo realizador, embora nunca explicitado no filme – em nada impede que a narrativa costurada pela voz off, pausada e diarística, sobre o alicerce das imagens super 8, adquira uma densidade dramática e uma verosimilhança exponenciais. Da chegada de um bando de derrotados passamos para a expressão progressiva do sentimento de perda, a seguir para o drama da confrontação entre muito opostas fações da esquerda vencida e, por fim – apontamento que decorre porventura de um wishful thinking de Marker –, para as despedidas dos refugiados, dominadas pela comoção e pela solidariedade. No início de L’AMBASSADE, o espetador é advertido de que vai assistir a uma experiência acerca das possibilidades do super 8 (lamentando-se que ela se opere à custa de circunstâncias tão cruéis…). Também aí Marker nos diz a verdade embora nos engane, posto que a sua curta-metragem é efectivamente uma experiência que não apenas prova à saciedade as potencialidades estéticas do super 8 como… nos coloca no lugar das cobaias. Porém a experiência não se limita a isso, ela incide também sobre: - uma tradução da vivência do «huis clos» por um grupo de pessoas em estado de choque;

- uma reflexão sobre a eficácia estratégica da retenção da informação por parte do poder opressor; - uma chamada de atenção para a ambivalência da linguagem corporal e gestual que conduz à evocação da sua muito verdadeira fragilidade… etc. No entanto, ao contrário do que se poderia pensar, Chris Marker OLHA muito aos meios para atingir os seus fins. Se quisermos avaliar a que ponto isso o preocupa, basta atentarmos na escolha da embaixada para nos dar a perceber que o mesmo processo capaz de enfatizar a facilidade com a qual se manipula o espetador também nos força a refletir sobre o funcionamento dos lugares neutrais, feitos para permanecer no seio dos mais sanguinários regimes, dispostos a gerir com escoteira disciplina as mais insuportáveis situações de opressão. Claro que, para o cineasta militante, para os espetadores dos anos 70 chocados com a violência da repressão no Chile, e até para nós público separado dos eventos em causa por 4 décadas, o mais marcante nesta narrativa é obviamente o relato do pós-golpe real, através das emoções e reações dos refugiados (fictícias, mas habilmente articuladas com a realidade). E é como se o grito de compaixão pelo Chile – que trespassou o final dos anos 70 – pudesse ecoar em lugares tão distantes da sua fonte quanto um andar de luxo da cidade-luz e uma confortável residência diplomática algures na América Latina. E sim, como em inúmeras outras ocasiões ao longo do século XX, aconteceu o inacreditável. O que até parecia mentira. O que foi preciso ver para crer?

TOUT VA BIEN Realização e Argumento: Jean-Luc Godard, Jean-Pierre Gorin Fotografia: Armand Marco Montagem: Claudine Merlin, Kenout Peltier Som: Antoine Bonfanti Música: Jean-Michel Rivat Produção: Jean-Pierre Rassam Interpretação: Yves Montand, Jane Fonda, Vittorio Caprioli, Elizabeth Chauvin, Castel Casti, Éric Chartier, Louis Bugette, Yves Gabrielli, Pierre Oudrey, Jean Pignol. Anne Wiazemsky, Marcel Gassouk, Didier Gaudron, Michel Marot, Hugette Mieville, Luce Marneux, Natalie Simon, Cristiana Tullio-Altan, Ibrahim Seck FRANÇA 1972 TOUT VA BIEN constrói-se em torno da ocorrência de uma greve selvagem cuja iniciativa, contrária às diretivas sindicais, emana dos trabalhadores de uma fábrica de charcutaria e inclui o sequestro do patrão da dita. Donde logo se percebe que as coisas não estão tão bem como o título ironicamente apregoa. O pós Maio de 68 em França é um período muito duro para todas as consciências, para todos os lutadores e para as consciências dos lutadores. O «regresso à normalidade» terá sido vivido como um trauma e não como um alívio por uma boa parte da população recém-saída de um mega-psicodrama social. Utilizando o seu já confirmado sistema de descontinuidade narrativa, acrescentando-lhe uns pozinhos de distanciação brechtiana, jogando com a convivência, dentro do mesmo filme, de várias escolas de representação dramática, alternando cenas em que as personagens se envolvem, por vezes violentamente, nos conflitos políticos e pessoais internos à narrativa, com cenas em que essas mesmas personagens se dirigem directamente à câmara para romper o pacto de ficção, misturando longos planos sequência (nomeadamente inúmeros travellings sobre o cenário sem quarta parede da fábrica que lembram o trabalho dramatúrgico em THE LADIE’S MAN de Jerry Lewis) com momentos mais íntimos, mais colados ao corpo dos atores e à sua escala de relação com o mundo diegético, a dupla Godard-Gorin, que anteriormente se envolvera nas produções militantes do grupo Dziga Vertov, regressa ao cinema «clássico» com uma bagagem de vocabulário blindada e uma parelha de atores cúmplices das suas interrogações «post-soixante-huitardes». Alguma apetência por uma grosseria lúdica impera no

filme – vejam-se os maus tratos, em jeito de retaliação, infligidos ao patrão que precisa de urinar, por exemplo. Mas, sobretudo, a greve selvagem acontece numa fábrica de charcutaria e, da mesma maneira que o coletivo de operários se cansou de lidar com o cheiro e a matéria dos enchidos, a personagem do cineasta, representada por Yves Montand, cansou-se de encher os chouriços do cinema tradicional e passou a fazê-lo, de forma mais trágica e assumida, no âmbito da produção de spots publicitários. Porque, pese embora o longo gesto de saudar a greve selvagem, as vontades auto-gestionárias dos trabalhadores e o seu caótico rebentar pelas costuras, TOUT VA BIEN debruça-se principalmente sobre o papel que os intelectuais podem desempenhar no processo revolucionário, sobre a necessidade de questionar as práticas artísticas para as revolucionar. Note-se que a tomada de consciência da jornalista (Jane Fonda) é mais tardia do que a dos trabalhadores: só confrontando-se com a censura, ela compreende a natureza da luta de classes, aquilo que, intuitivamente, os operários em luta deslindaram sem a menor dificuldade. Ora, o dispositivo que Godard-Gorin escolhem para descrever a irrupção da historicidade na vida do casal cineasta francês-jornalista americana é precisamente a imersão – chegados à fábrica no momento em que o patrão está a ser enclausurado no seu escritório, eles também acabam por partilhar o mesmo cativeiro e daí observam a dialética entre as reacções do patrão e a evolução da greve-ocupação. Godard-Gorin parecem querer dizer-nos que, a despeito das suas simpatias esquerdistas, este casal nunca teria podido vivenciar uma plena tomada de consciência se não tivesse, um pouco por acaso, caído no caldo e no caldeirão da luta anti-capitalista… Acresce que, se por um lado o conflito laboral que despoleta a necessidade de «aprender a amar historicamente» tem características muito precisas que o aparentam às lutas auto-gestionárias, por outro, Gorin-Godard não querem confinar-se ao mundo da produção e fazem questão de alargar a sua reflexão ao universo mais lato da distribuição/consumo. Donde a importância da figura do supermercado e a relevância das taras que o consumo burguês insidiosamente introduz na relação amorosa: quer seja à mesa, quer seja na cama, a jornalista confessa sentir-se reificada. Haverá porventura quem julgue TOUT VA BIEN demasiado coincidente com as teorias do seu autor acerca da gramática cinematográfica para ser um godard-vintage… Ora, na verdade, a justeza das digressões acerca da incidência da descoberta da luta politica no foro da vida pessoal criam um vaivém rico de sentidos entre os vários lugares públicos e o lugar, infixável, da intimidade…


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