PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção Cristina Grande Pedro Rocha Ana Conde Coordenação Técnica e Som Nuno Aragão
Momento XXII
CICLO O SABOR DO CINEMA 21 OUT-02 DEZ 2012
Luz Rui Barbosa
Auditório
Cinema/Vídeo Carla Pinto
02 DEZ 2012 (Dom), 16h00 Apoio Institucional
Apoio
REPÚBLICA POPULAR DA CHINA UNE HISTOIRE DE BALLON, Joris Ivens e Marceline Loridan-Ivens, 1976 24 CITY, Jia Zhang Ke, 2008 Os filmes em língua estrangeira são legendados em português.
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UNE HISTOIRE DE BALLON, Lycée nº31, Pékin, COMMENT YUKONG DÉPLAÇA LES MONTAGNES, Épisode nº1 Realização: Joris Ivens e Marceline Loridan-Ivens Produção: Capi Films, INA FRANÇA 1976 (...) Na China Antiga, havia uma fábula intitulada «Como é que o Yukong deslocou as montanhas». Rezava assim: Era uma vez um velhote chamado Yukong (…) que decidiu deslocar, com a ajuda dos filhos e de simples picaretas, duas grandes montanhas que impediam o acesso a sua casa. Um outro velhote desatou a rir e disse: «Nunca haveis de conseguir, sozinhos, arredar essas duas montanhas». O Yukong respondeu-lhe: «Quando eu morrer, ficarão os meus filhos (…) e as gerações suceder-se-ão sem fim (…). Cada vez que a picareta escavar, elas diminuirão um pouco. Por isso havemos de conseguir aplaná-las (…) O céu comoveu-se e enviou para a terra dois génios celestes que levaram as montanhas às costas. O nosso céu é, nem mais nem menos, a massa do povo chinês (…). Mao Tsé Toung Esta HISTÓRIA DE BOLA, pequena mas autónoma parte de um monumental fresco cinematográfico que Joris Ivens e Marceline Loridan consagraram à China Popular, é um objecto fílmico no qual se entra de rompante. Coisa que, sendo esta curta-metragem a porta pela qual se entra na vasta obra, não deixa de constituir um indício importante no que diz respeito à energia positiva e à postura de familiaridade adoptada pelos realizadores. Embora obrigados a socorrer-se de um intérprete, o casal de cineastas introduz-se e move-se no animado recreio do liceu nº31 de Pequim com uma desenvoltura que, por si só, parece querer traduzir total liberdade de movimentos e de expressão. Os jovens interrogados no preâmbulo, também eles afoitos, respondem sem papas na língua às perguntas lançadas à queima-roupa pelos visitantes… O tema em torno do qual se constrói a trama do filme revela uma vontade de descrever a realidade da China transformada pela «revolução cultural» através de vivências inscritas no quotidiano: um grupo de adolescentes continua a jogar à bola no recreio do liceu quando a campainha já tocou; o professor pede-lhes que parem a
brincadeira; um aluno, irritado, dá um chuto na bola que quase atinge o professor; numa reunião alargada, o professor em questão, a directora e a turma inteira discutem o grave incidente sob vários ângulos: o jogo e a paixão do jogo, a responsabilidade dos alunos enquanto guardas vermelhos, as implicações ideológicas e políticas dos gestos e atitudes dos alunos e do professor em confronto. O enfoque sobre este microscópico acontecimento, entre livre troca de impressões no espaço do recreio e objectivação das razões no espaço da reunião, encerra, desde logo, um evidente conteúdo programático: trata-se de mostrar que a tomada de consciência política começa nos bancos da escola – de pequenino se torce o pepino – e não menos que esse processo de consciencialização, pela palavra em fogo cruzado, produz cidadãos exemplarmente disciplinados e potencialmente dotados de total auto-controlo sobre os seus comportamentos. O caso é que a perfeita mestria do cinema directo produz aqui um objeto cujas facetas e cujos sentidos transcendem amplamente os parâmetros de leitura que o casal Loridan Ivens, entusiastas apoiantes dos métodos educativos então em voga na China, pretenderam porventura estabelecer. Na verdade, é impossível não pensar nas semelhanças entre a reunião em causa e a medieval prática da confissão pública. Se por um lado é certo que os jovens tomam a palavra democraticamente e utilizam a palavra “camaradas” quando se dirigem aos professores, não é menos óbvio que o ascendente dos adultos é tanto mais esmagador quanto eles se servem da retórica da democracia para levarem a água ao seu moinho formatador de mentes, com alguns alunos lambe-botas a ajudar à festa e, cereja no bolo, a auto-crítica por parte dos docentes como artifício para reforçar a impressão de democraticidade e uma universal obrigação de auto-vigilância. Esta última forma de «exame de consciência» denuncia ainda um aterrador consenso: a subjetividade seria, por essência, contra-revolucionária. Perante UMA HISTÓRIA DE BOLA, pequeno filme maravilhosamente lapidado pela câmara exímia e pela justeza dos cortes de Loridan-Ivens, todos os que se rebelaram contra os bajuladores, todos os que desprezam os delatores podem acrescentar um ponto de primeira importância à «agenda» da transformação do mundo: da mesma maneira que não haverá revolução se o capitalismo for apenas substituído por outros modos de acumulação do capital, não haverá mudança libertadora se forem desviados para «louváveis fins» os «infames meios» do obscurantismo.
24 CITY Realização: Jia Zhang Ke Argumento: Jia Zhang Ke, Yongming Zhai Música original: Yoshihiro Hanno, Giong Lim Fotografia: Yu wang, Nelson Yu Lik-wai Som: Yang Zhang Montagem: Jing Lei Kong, Xudong Lin Cenografia: Qiang Liu Produção: Keung Chow, Zhong-lun ren, Yong Tang, Shozo Ichiyama, Hong Wang e Jia Zhang Ke Interpretação: Jianbin Chen, Joan Chen, Liping Lü, Tao Zhao REPÚBLICA POPULAR DA CHINA 2008
Fecha-se um enorme complexo industrial sobre cujos destroços será erguido um luxuoso condomínio fechado. Poderíamos estar a falar de uma requalificação urbana ou de um processo de gentrificação ocorrido na vizinha cidade de Matosinhos. Porém não, a coisa passa-se na longínqua China Popular, o país mais populoso e a economia mais próspera do mundo. A unidade fabril em requalificação não produzia latas de sardinha mas aviões de guerra; o complexo habitacional que assenta nas suas ruínas não é um pequeno conjunto de apartamentos mas um empreendimento cuja escala justifica a designação 24 CITY. Jia Zhang Ke faz jus à escala. Embora através dos seus encontros-retratos com gente de todas as gerações se debruce sobre o particular, o cineasta observa as colossais mutações do seu país, sejam elas socio-políticas ou geográficas, de valores ou de mentalidades, descreve demoradamente, entre narrativas, o desmantelamento da fábrica e do que à volta dela gira, e acompanha o crescimento do gigantesco estaleiro. Comovente estertor da era maoísta na era da mundialização, o desdobrar dos depoimentos dos membros da
antiga «aristocracia proletária» evocam o inequívoco orgulho dos trabalhadores, mas fazem emergir não menos sacrifícios e sofrimentos, deslocações de população e até o horror da perda abrupta de referências e de entes queridos na voragem das batalhas de produção. Porém, não contente com a exigência deste multifacetado exercício, Jia Zhang Ke aposta, como em STILL LIFE, num artifício de alto risco: misturar os elementos de natureza documental com matérias habilmente encenadas: uma ex-operária que pretende abrir um instituto de beleza recorda que, quando jovem e bela, seduzia todos os homens graças à sua semelhança com a star Joan Chen; ora, o visionamento de um excerto de um melodrama com a famosa Joan Chen, confirma a sua parecença com a actriz e, ao mesmo tempo, denuncia ser a própria Joan Chen quem representa o papel da ex-operária. Pelo que a ficção se funde duplamente com a realidade.
O final de 24 CITY, com o «depoimento» da figura da «moderna lutadora» desempenhada por Tao Zhao (que ambiciona ganhar dinheiro suficiente para oferecer a seus pais, ex-trabalhadores da antiga fábrica, um confortável apartamento no novo condomínio), sugere algo que funciona talvez como um irracional desejo de resgate à dimensão de um país inteiro. Algo que talvez explique os motivos profundos de um furioso crescimento económico aparentemente compatível com a permanência de um regime pseudo-comunista de pedra e cal e com a descarada exploração do homem pelo homem.