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A ILHA DOS AMORES Realização: Paulo Rocha Argumento: Paulo Rocha, Luíza Neto Jorge, Sumiko Haneda (diálogos) Wenceslau de Moraes (textos) Fotografia: Acácio de Almedia, Elso Roque, Kôzô Okazaki Música: Paulo Brandão Som: Maria Paola Porru, Pedro Caldas Cenografia: Cristina Reis Guarda-roupa: Batica, Cristina Reis, Takeharu Sakaguchi Montagem: Yoshio Sugano Produção: Paulo Rocha / Suma Filmes Direção de produção: Manuel Guanilho, Toru Aisawa Intérpretes: Luís Miguel Cintra, Clara Joana, Zita Duarte, Jorge Silva Melo, Paulo Rocha, Yoskiko Mita, Atsuko Murakumo, Jun Totokawa, Erl Tenni, Lai Wang PORTUGAL / JAPÃO 1982

Momento XXIII

CICLO O SABOR DO CINEMA 27 JAN – 21 ABR 2013 Auditório

PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção: Cristina Grande, Pedro Rocha, Ana Conde Coordenação Técnica e Som: Nuno Aragão Luz: Rui Barbosa Cinema/Vídeo: Carla Pinto Colaboração: Márcia Bernardo

21 ABR 2013 (Dom), 16h00 A ILHA DOS AMORES Paulo Rocha, 170’, 1982, Portugal

Apresentação do filme pela Associação Filhos do Lumière. Apoio Institucional

Apoio

Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584


Deixar-se envolver numa história de amor, antiga e alheia, a ponto de lhe consagrar dez anos de experiências e esforços no terreno da criação, eis o quadro biográfico que não podemos deixar de evocar antes de tecer considerações – forçosamente paupérrimas se comparadas à complexidade da obra –, sobre o filme a que Paulo Rocha deu o título de «A Ilha dos Amores», misturando desde logo a sua aventura oriental (não como Provedor-mor dos Defuntos e Ausentes mas enquanto Adido Cultural da Embaixada de Portugal) com a errância de Luís de Camões em terras do Levante.

Paulo Rocha e a sua equipa na estreia da «Ilha dos Amores» em Cannes

Ó que famintos beijos na floresta, E que mimoso choro que soava! Que afagos tão suaves, que ira honesta, Que em risinhos alegres se tornava! O que mais passam na manhã, e na sesta, Que Vénus com prazeres inflamava, Melhor é experimentá-lo que julgá-lo, Mas julgue-o quem não pode experimentá-lo. Luís de Camões OS LUSÍADAS, Canto IX, estrofe 83

Ora, sendo a «Ilha» (como o seu autor meigamente lhe chamava) um objeto de indizível fulgor que desafia qualquer tentativa de classificação, um exemplo sui generis de fusão da arte com a vida, uma espécie de monumento compósito que cruza a trama do imaginário romântico ocidental com a urdidura da imagética oriental, a grande poesia japonesa com o melhor do renascimento português, o gosto modernista pelo abrupto e a collage com as dinâmicas sensuais do barroco, não será inútil agarrar o fio que o cineasta desde logo nos propõe e percorrer o texto fílmico à luz dessa primeira pista. Na verdade, o filme de Paulo Rocha, construído em nove cantos – que são outros tantos andamentos e outros tantos filmes dentro do filme – narra-nos a história de um soldado letrado – Wenceslau de Moraes (1854-1929), oficial da marinha portuguesa – que a carreira militar leva primeiro até Macau e depois a Kobé; após a peripécia de um enlace com uma senhora chinesa que lhe dá dois filhos, WM foge para o Japão a cujos encantos literalmente sucumbiu, abandonando a família macaense para se dedicar ao ofício de cônsul, à atividade literária e jornalística e, sobretudo, às intensas relações amorosas com duas mulheres japonesas (Oyoné Fukumoto e Ko-Haru); porque a morte ceifa prematuramente a sua bem amada Oyoné, WM renuncia ao seu cargo consular e vai instalar-se com Ko-Haru (jovem sobrinha e dama de companhia da Sra. Fukumoto, suposta criada do Sr. Portugal…) na Ilha de Tokushima, terra natal da falecida; crescentemente japonizado, WM vê morrer Ko-Haru, de tuberculose, em Tokushima e passa o fim da vida na Ilha dos Seus Amores, prestando quotidiano culto às duas mulheres da sua vida. Duas mortas de quem Paulo Rocha dizia que, para WM como para ele mesmo, estavam mais absoluta e densamente vivas do que a humanidade inteira. Sabe-se que

na epopeia camoniana, para além dos divinais prazeres dos sentidos, Vasco da Gama e a sua tripulação aportaram à Ilha alegórico-mítica para ascender ao conhecimento da «máquina do mundo»: as esferas celestes de Ptolomeu, transparentes, luminosas, todas elas simultaneamente visíveis. Em homenagem ao gosto pelo concreto que caracterizava Paulo Rocha, ser-nos-á porventura pertinente ver na osmose entre a Ilha dos Lusíadas e a Ilha de Wenceslau de Moraes – donde a omnipresença da figura de Vénus, deusa favorável aos portugueses segundo reza a gesta épica… –, uma vontade de assimilar o «conhecimento» à bíblica aceção do encontro amoroso, à descoberta de uma brutal sobreposição Amor / Morte e à anulação das fronteiras entre essas duas esferas que, na Ilha, se revelam concêntricas. Claro que, ao contrário dos monumentos monolíticos, A ILHA DOS AMORES rochiana pode ser narrada de múltiplas maneiras: a história de um «vencido da vida» que põe em prática o sonho romântico de exílio até à invenção de uma pátria outra; as deambulações de um altivo militar que, dececionado com a submissão da monarquia portuguesa ao ultimatum da pérfida Álbion, se desterra e acaba por enterrar-se num território onde acaba os seus dias como um pobre pária de quem os indígenas desconfiam e troçam; a história de um homem que abandona primeiro a lusa amante, depois a esposa chinesa, para se entregar nos braços de duas companheiras fantasmáticas que o enfeitiçam de modo a cumprir a sua missão de lhe ensinar os caminhos da morte; a transformação de um soldado sem guerra que abraça o ofício da escrita para empreender a imóvel viagem de descoberta do Extremo Oriente; o grande voo de um cineasta e do seu ator dileto que, através do subtexto constituído pela época, a obra, os amores, a vida e a morte de Wenceslau de Moraes, escrevem uma contra-narrativa da aventura colonial, colocando a tónica na aprendizagem da dança e da conversa com os mortos; a génese, o desenvolvimento e o apocalipse de uma partitura musical e visual que, a partir de um casamento contra-natura(lismo) da traça clássica, do élan barroco, do húmus romântico e do golpe de asa modernista, evolui para propostas estéticas neo-orientalistas, a um tempo despojadas de território e profundamente inscritas na carne da portugalidade. Mais frequentemente saudado pelos seus inesperáveis VERDES ANOS e pelo seu profético MUDAR DE VIDA, Paulo Rocha será, no rescaldo

da «Sua Ilha», um artista muitíssimo só, tão fascinado pelos primeiros passos dos mais jovens cineastas como a personagem de Wenceslau de Moraes se mostra enternecida pelas marotices e infidelidades de Ko-Haru. Os seus filmes posteriores não se cansaram de glosar o motivo do homem letalmente dividido entre duas mulheres tutelares, o tema da festa enquanto canal de comunicação com os mortos e o além. O conjunto da sua obra oferece-se-nos como um continente bem mais ignoto e imerso do que se imagina. Cabe-nos a nós, espectadores, fazer viver as suas opacidades transparentes e deixar-nos arrebatar pelo seu indefectível rasgo. “Na história da arte portuguesa, há algumas (não muitas) obras assim. Se, como acontece com os Painéis das Janelas Verdes, se viessem a perder no futuro sinais claramente identificadores duma nacionalidade (nome do autor, língua, etc.), admito que um historiador vindouro se pudesse situar frente a esta obra, com a mesma perplexidade com que muitos olharão os Painéis. É uma obra portuguesa? Se sim, quais os seus antecedentes e consequentes? De que escola é o traço? Não lhe serviriam de auxílio os filmes anteriores de Paulo Rocha nem as obras coevas de outros cineastas portugueses (embora Oliveira, evidentemente, por aqui perpasse). A Ilha dos Amores é cinematograficamente um filme sem precursores e talvez seja um filme sem continuidade, não no sentido da originalidade absoluta, mas precisamente no contrário dela: tanta coisa é eco de tanta coisa que, no labirinto de referências, nenhum fio conduzirá à saída.” João Bénard da Costa


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