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Título original: BARRES Realização e Argumento: Luc Moullet Fotografia: Richard Copans Montafem: Daniel Abadi Som: Patrick Frédérich Decoração: Marie-Josèphe Médan Produção: Les Films d’Ici Interpretação: Jean Abeillé, Jean-Pierre Bonneau, André Chauchat, Odette Duval, René Gilson, Jacques Robiolles, Ruta Sadoul FRANÇA 1984

próxima sessão

24 NOV 2013

THE IDLE CLASS (Charlot, amador de golfe), 32’, 1921, EUA L’ARGENT (O Dinheiro) Robert Bresson, 85’, 1983, França

Título do filme: RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA Realização e Argumento: João César Monteiro Fotografia: José António Loureiro Som: Vasco Pimentel, Stephan Konken, Francisco Veloso Montagem: Helena Alves, Claudio Martinez Cenografia: Luís Monteiro Música: F. Schubert, W. A. Mozart, A. Vivaldi, R. Wagner Produção: João pedro, Bénard, Joaquim Pinto Assistente de produção: Inês de Medeiros Interpretação: João César Monteiro, Manuela de Freitas, Luís Miguel Cintra, Ruy Furtado, Teresa Calado, Antónia Terrinha, Violeta Sarzedas, Madalena Lua, João Bénard da Costa, Sabina Sacchi, Inês de Medeiros, Manuel Gomes, Maria Ângela de Oliveira, Maria da Luz Fernandes, Vasco Sequeira, José Nunes, Maria Ester Caldeira, Amélia Banha, Dona Gina, Helena Ribas, Henrique Viana, Adamastor Duarte, PORTUGAL 1989

Momento XXIV

Ciclo O Sabor do Cinema 03 nov – 08 dez 2013 Auditório

PROGRAMAÇÃO ASSOCIAÇÃO “OS FILHOS DE LUMIÈRE” AUDITÓRIO Organização e Produção: Cristina Grande, Pedro Rocha, Ana Conde Coordenação Técnica e Som: Nuno Aragão Luz: Rui Barbosa Cinema/Vídeo: Carla Pinto

Apoio Institucional

Apoio

Fundação de Serralves / Rua D. João de Castro, 210 / 4150-417 Porto / www.serralves.pt / www.facebook.com/fundacaoserralves Informações: 808 200 543 / Reserva Bilhetes: 226 156 584 / Geral: 226 156 584

03 NOV 2013 (Dom), 16h00

BARRES, Luc Moullet, 14’, 1984, França RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA, João César Monteiro, 122’, 1989 , Portugal Apresentação dos filmes pela Associação “Os Filhos do Lumière”.


BARRES A programação do presente momento XXIV, em torno da esfera do dinheiro, pretende obedecer a uma espécie de crescendo, na ordem da gravidade. É com antecipado prazer que abrimos o jogo de ver e pensar com um filme hilariante, BARRES, produzido na primeira metade da década de oitenta do século passado por um cineasta irreverente, Luc Moullet, que tendo começado como crítico nos Cahiers du Cinéma, realizou uma extensa obra, eivada de primitivismo, sempre à margem dos circuitos comerciais. Uma obra que se debruça sobre o mundo fossilizado, numa postura que alia o cómico ao clínico. Dele Jean-Marie Straub terá dito que é o único verdadeiro herdeiro de Buñuel e de Tati ao mesmo tempo. BARRES parte, como não quer a coisa, de uma questão na verdade muito séria: a nãogratuidade dos transportes públicos. Por que razão intangível devem as pessoas pagar para se deslocarem as mais das vezes até aos locais de trabalho ou a sítios onde são chamadas por obrigação? (Curiosamente, os abatimentos de preços e as isenções de pagamento contemplam, em regra geral, cidadãos que já não contribuem com a sua força de trabalho para a formação da riqueza). No início de uma década que marca o abandono dos ideais revolucionários, «soixante-huitards» ou outros, e a correlativa expansão da ideologia neo-liberal dos tubarões ganhadores, Moullet dedica-se a fazer um filme pobre que dá razão aos pobres. Um filme virado para a desobediência civil – inventário dos achados dos utentes do metro parisiense que se recusam a pagar bilhete. Claro está que esse inventário abarca práticas observadas e observáveis nos locais do delito – esgueirar-se entre barreiras ou saltá-las, colar-se atrás de um viajante legal ou desativar

sistemas de segurança – mas não fica por aí. Ao levar até ao excesso a coleção de infrações, Moullet vai criticando, en passant, o patriotismo balofo dos gauleses, a política de policiamento do governo Mitterrand, etc. Por outro lado, o cineasta não se coíbe de elogiar a criatividade dos fora-da-lei e o espírito de solidariedade que une utentes e trabalhadores do serviço público: em nenhuma circunstância, o operário que repara as barreiras de proteção ou a funcionária da bilheteira participam, denunciando, na caça aos que circulam fraudulentamente. De resto, não é esse o trabalho deles como o realizador repetidas vezes explicita, utilizando, com humor e ironia, inter-títulos à maneira do cinema mudo. No final do fogo cruzado de artimanhas, uma questão se coloca fatalmente ao espectador: se o dinheiro investido em dispositivos de segurança fosse canalizado para tornar o serviço público tendencialmente gratuito, não estariam os que nos governam a juntar o útil ao possível e o possível ao agradável?

RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA Tão importante para a vida da cultura portuguesa como os ecos da queda do muro de Berlim, em finais da década de oitenta, RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA é o emblema tortuoso da pátria caída sob a alçada do cavaquismo e sob o jugo da Europa. Jamais em Portugal um filme funcionara precisamente assim, em jeito de melancólico sismógrafo e empenhando-se simultaneamente na árdua tarefa de colocar crenças, credos e valores em perspetiva, à escala da história portuguesa, europeia e do século XX. E o feito é tanto mais notável quanto se consuma no patamar da mais alta subjetividade – o protagonista é um avatar do realizador, por ele próprio encarnado – sem que isso lhe retire um pintelho de capacidade de objetivação. Sobre RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA – que marcou o início da carreira internacional de João de Deus e também de uma maré de simpatia pelo homem e pela obra em luso solo – correram já rios de tinta. A complexidade da cozinha de Monteiro desencoraja qualquer tentativa de dar exaustivamente conta dos seus ingredientes: de «Morte a crédito» de LouisFerdinand Céline à «Sombra do Caçador» de Charles Laughton, passando pela identificação com as figuras de Eric von Stroheim (cineasta genial e maldito de origem austro-húngara), de João de Deus (na verdade dois em um, visto que o nome remete para um poeta lírico português do séc. XIX e para o santo padroeiro dos enfermos e dos hospitais), do senil General Spínola (pronto a marchar sobre a cidade), de Nosferatu de Murnau (ressuscitado para espalhar a peste do assombro) e, entre junqueiradas de vária sorte, pelo... «Bacalhau à Portuguesa» do Quim Barreiros. Trata-se de futurar e (a)presentar os modos pícaros que regem o casamento (ou antes:

o rocambolesco ménage à trois) entre a pelintrice insolente (a César o que é de César...), o desbocado Portugal dos pequeninos (na linhagem a comédia dita «à portuguesa») e o maravilhoso mundo da cê-é-é (de que a mulher-polícia e as «novas profissões» são rimas fortes). O dinheiro, fruto explícito do crime e da impotência, é, ao mesmo tempo, o secreto e descarado regulador do país segundo Monteiro (reduzido que se encontra ao capital da capital do ex-império) e o símbolo da reificação das relações entre os humanos – repare-se na acuidade, potenciada pelo recuo com que vemos hoje o filme, da escolha da injunção «deixe-se de pieguices», na soberba cena em que o protagonista esvazia, com o cristão consentimento da vítima, o porta-moedas da velha mãe, obrigada a esfregar uma escadaria de pedra. Acerca desta obra-prima de João César Monteiro não terão faltado textos laudatórios. Porém não será excessivo voltar a sublinhar o rigor do tom, a vivacidade da mise en scène / mise en cadre sob a luz dolorosa de Lisboa, a pertinência da esdrúxula figura do protagonista, cinéfilo e trafulha, dependente de expedientes e biscates. Portugal re/tratado como antro carente de desparasitação e o voyeurismo elevado a condição da portugalidade, eis dois sapos que os espectadores portugueses tiveram de engolir vivos (que corda sensível fará esta «comédia lusitana» vibrar aos olhos e ouvidos de um público estrangeiro?), mas não sem se babarem de prazer, à porta do delito. À imagem da leitura metafílmica que o feliz trailer de RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA nos propunha: o melómano João César Monteiro, aliás, João de Deus, comentando acerca do concerto da banda filarmónica da polícia a que assistiu nas ruínas do Convento do Carmo: «Adorei! Adorei! Adorei!».


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