ÓPERA DOS CINCO EUROS trans-europa-expresso trans-europa-abcesso trans-europa-expresso trans-europa-abcesso trans-europa-expresso trans-europa-abcesso trans-europa-expresso trans-europa-abcesso construção do continente-fortaleza concentração dos bens e da riqueza trans-europa-burguesa trans-europa-empresa vinte e sete pátrias da cepa torta e os migrantes vão morrendo à nossa porta trans-europa-mátria trans-europa-mafia videovigilantes por todos os cantos auto-vigiados por todos os lados trans-europa-bófia trans-europa-cópia trans-europa-expresso trans-europa-abcesso trans-europa-expresso trans-europa-abcesso trans-europa-expresso trans-europa-abcesso trans-europa-expresso trans-europa-abcesso europa sem fim europa sem fim sem fim sem mim sem fim sem mim europa assim assim-assim, assim-assim parques de estacionamento quinto império do cimento europa sem fim cenas da vida real capitais do capital europa sem fim mini maxi super hiper neo-normas do mercado
europa sem fim europa sem fim elegância decadência sete quintas quintessência europa do norte europa da morte europa do norte europa da morte europa do norte europa da morte LENGALENGA DO LOUCO SEM PAPEL eu sou da rede do frio eu fui des-lo-ca-li-za-do sou do radar enrabado sem violino no telhado sem papel e sem papão quase pã quase pagão e sou ministro sem pasta subo ao mastro de maastricht sou a granel sem graveto sem terra natal sem tecto sem texto que me pertença sem género número ou crença sou tão sem que até sou com co-munista co-marada come aqui já almoçaste nem apanhas nem levaste comunico com munique não pareço compareço comité do pé de dança comissão anti-criança comando do boca-a-boca mosca caída na sopa dono de banco em jardim mas nunca dono de mim
PREGÃO DO AFRICANO VENDEDOR DE MÁSCARAS Compr'ó preto, meu, compr'ó preto Tudo ao mesmo pressa, tudo à mesma preço! IN-celênciaze e EX-celênciaze: A muralhia tá vaza e fria... A armária tem portos de vidra. Tá muita trista a tua entrádia E o saída bera bera olhassó. Directivamente do meu África minhá para o vóssio prateleiro para o vóssio paredo, leva as mascas da macaque levas as bichas da savánia os animázios da sélvia os réstios da feitiçária da curandéria da colonária da missionéria da financidária dos caçadeiros dos espinganardários dos dotor sem fronteiros dos cacíquios da exercitária dos kalachnicoveiros. Leva aqui ó meu, as restas da África minhá...
À SOMBRA DO EMBONDEIRO 1 A - Vendivei cinca vionete. Cinco erói já ki kantava!!! B - Doi supinha, seci cafeta, diza panina, dózia biscaita, vanti cinca cigarrota. Uchim... maigot!!! A - Cinca erói ná incha bólsia. B - Cinca erói ná xiga sar dinera. A - Cinca erói ná kupa lagara. B - Cinca erói ná pagó tóbus diranta sitamana. A - Cinca erói ná pagó moço completada. B - Cinca erói já ká kantava. Cinca. A - Ná pudeva falassar ki ná tenera dineri. B - Tam-tam ná pudeva falassar ki tenera dineri...
À SOMBRA DO EMBONDEIRO 2 A - Infa. B - Infa. A - Tá escaldo. B - Egón, tá escaldo. Tilivisia prevaja soibidia. Uchim... maigote! A - Tá escaldo-escaldo super. B - Engarrafinamento glebal ná pardónia. A - Dirretição du aicebergo, carimba! B - Crachnocimento completadomento disnortificado! A - Cratéria na comédia da ozónia... B - Falassa si ná. Migação rifece. Falassa buniteza i lindária i bélézária. A - Migajo asi diritas audi sola có uni orilha. (Pausa.) Tá escaldo. B - Tá escaldo-escaldo. A - Culpadice polutição. B - Culpadice patronação. A - Culpadice gananciação. B - Culpadice capitavismo. A - Culpadice laranjina ocular. B - Falassa si ná. Falassa buniteza i lindária e bélézária.
À SOMBRA DO EMBONDEIRO 3 - Tu kasa ná kasa? - Namorá dibaixo solero. Namorá dibaixo chuvado. - Tu kasa i tu já namorá? - Namorá dibaixo ponto velho. Namorá dibaixo viaduta nová. - Tu kasa dibaixo? Kasa manhaná. Kasa dipois di kasa antis... Tu nunka kasa antis? - Antis kasa dipois. Dipois kasa dipois. Dipois kasa nunka. Nunka kasa antis... - Tá bom sim? - Tá bom ná. Dipois sim. Gota dibaixo. Dipois si vê nunka...! - Uchim maigote...
CÊ VOLTA Cê vai solta ma volta tou cansado. Cê fui preso ma voltar e tou bertado. Cê viu bixa ma voltou e tou umana. Cê lia jorna ma voltou e tou trocada. Cê fache conta ma voltou e tou catada. Cê sou orfinha ma voltou e tou filhada. Cê foi pomba ma voltou e tou fera. Cê vá con dona ma voltou e tou putana. Cê vá con dama ma voltou e tou velha. Cê vá di fora ma di dentra tou di falta.
LENGALENGA EU SOU ARTISTA DE RUA INÚMERO NA FACHADA SEDENTÁRIO NA CEDÊNCIA SEDENTO SEM INOCÊNCIA. EU SOU ARTISTA DE RUA. E MINHA RUA CORRE DENTRO DE MIM AQUI PARA JÁ DENTRO DE TI E TODOS OS NÚMEROS SÃO DESCENDENTES DE NÓS AMBOS. EU SOU UM ARTISTA SEM REDE, SEM ABRIGO, SEM AMIGO... A CABEÇA JÁ A PREÇO O PINO CONTRA A PAREDE A ESPARGATA NA CALÇADA. E EM TRAJO DE PASSEIO FAÇO A GALA O GALO O PINTO, NEGRO É, PRETO RETINTO. MAS TENHO SEMPRE RECEIO DE TEMER O QUE RECEIAS QUANDO EM ME AMANDO ME ODEIAS DIVIDINDO O MEDO A MEIAS. INVEJAS O FAZ DE CONTA QUE EU VOU PAGANDO TÃO CARO. NÃO TENHO GÉNIO NEM FARO SÓ VOU ROUBANDO UNS BOCADOS DE LIBERDADE SEM DONO QUE NÃO SE DÁ MAS SE TIRA LIBERDADE AO ABANDONO QUE NÃO HÁ MAS QUE SE FAZ APENAS SE EU FOR CAPAZ... APENAS SE EU FOR CAPAZ... APENAS SE EU FOR CAPAZ... APENAS SE EU FOR CAPAZ... APENAS SE EU FOR CAPAZ... APENAS SE EU FOR CAPAZ... APENAS SE EU FOR CAPAZ... Senhoras e senhores, meninos e meninas, gays, lésbicas e transgender, terceira idade, quarta idade e idade média, não esquecendo a do armário, estimado público, estimado grande público, estimado público-alvo, estimado público em geral, estimado público especializado, estimados especialistas, estimados animais de estimação, estimados convidados, borlas e penetras, aproveitamos este compasso de espera, esta pausa artística, este momento em que o espectáculo respira e o espectador muda de posição para as pernas não ficarem dormentes, aproveitamos este momento que antecede a grande transpiração, a grande inspiração, a grande suspiração, para agradecer, de alma e coração, à respeitável Comissão de Festas, a toda a organização em geral e a cada mordomo em particular. Aproveitamos o clímax à vista, durante o qual teremos o prazer e a honra de vos apresentar, pela primeira vez em Portugal e no mundo civilizado, uma novidade tecnológica que irá revolucionar todos os palcos da política e do espectáculo, para agradecer à Comissão de Festas, à Câmara
Municipal, ao Senhor Presidente, Vereadores, Funcionários e Varredores, aos estabelecimentos hoteleiros que nos têm acolhido, ó-ós, nanas, papas, paparocas e companhia, à Santa Madre ASAI, à Comissão Europeia na pessoa grata do seu comissário, à PSP, ao ENP, ao MC, ao FMI, à NATO, à ONU, e a todas as siglas que contribuem para que este lugar seja ESTE lugar em estado de sítio, em estado de permanente excepção... E agora, das mãos da inocência para as mãos dos artistas em cartaz, Senhoras e Senhores, vamos ter a oportunidade de descobrir as BOCAS ANIMATRÓNICAS. Não são brinquedos, embora façam sorrir. Não são armas, embora imponham respeito. Não dizem nada que não se saiba, embora falem pelos cotovelos. Elas dão o lamiré do maravilhoso mundo novo da comunicação. Elas são o diapasão de um mundo em que o peixe já não morre pela boca. Elas são o contrário do come e cala porque espera aí que já almoçaste. BOCAS ANI-MA-TRÓ-NI-CAS à boca de cena. Porque a alma não é pequena. Porque o coração não cabe na boca. Porque o sexo não cabe na toca. Etc. etc. etc.
canção mulher si tem perna i pé di cabra si tem piscoço girafa si é di zebra no cachaço si é di coxa di gazela si lifanta di cintura si dentuça di liona cu di cobra e cá di lua não queixa não nem si discaia tá vendo tá vendo qui vendo vento e mi colho tempistá do pinsamento tá vendo tá vendo qui vendo nada e colho tempo di sobra i tempo di água parada
OS NÓMADAS 1 Eles são assim. Quando está um, parece que estão muitos. São assim como que assado. Cheiram a ser muitos. Cheiram a ser. Quando vem um, sente-se que podem vir muitos atrás desse. Ou, pelo menos, que podem, poderão, poderiam vir. E isso pesa. É uma leveza que pesa. Deslocam-se, por isso não ocupam lugar. Não param quietos, por isso o mundo inteiro é deles.
E isso pesa como uma afronta. Eles são assim. Parece que atravessam paredes. Parece que nem paredes, nem barreiras, nem muralhas, nem fronteiras os detêm. Os poderes não têm mão neles. São tratados como reles bichos e coisa ruim mas não se deixam domar. São os dominados indomáveis. E caminham. São muros em andamento. São a quarta parede que avança. Serenamente, avança. Vinda da noite dos tempos. Passam. Passam. São passageiros. Se param, passam ainda. E pesam porque não pesam.
OS NÓMADAS 2 Eles trazem coisas. Mantas, navalhas, violinos, chapéus. E berimbau galheta. Eles trazem bichos. Papagaios e macacos. Pulgas e cães. Burros de carga sem carga. E são muito mulas nisso de haver sempre lugar para um bicho ao lado de um humano. Eles trazem coisas. Nos bolsos, nas bolsas. Às costas e à volta da cintura. Trazem tudo e um par de botas. E uma galinha de ovos de chumbo. Eles trazem coisas e casas às costas. Mas viajam leves. E isso é uma afronta. Eles trazem vestida toda a roupa que têm. A de dentro e a de fora. A de dormir e a de domingo. Eles trazem camisas e lenços e saias e faixas. E outras peças de alto coturno. Sem esquecer um dente de ouro que já abana. Eles trazem tudo vestido. Mas vêm nus. E isso é uma afronta. Um atentado contra a norma e a moral. Eles trazem canções. Pregões, orações, imprecações. Cantigas de embalar. Cantigas de abalar. Cantigas de enterrar. Eles trazem silêncios.
Silêncios de selva e de savana. De planura e de altura. Silêncios de dança sobre a pança do mundo. Eles trazem mundos e fundos. Vêm de boca cheia e de mão cheia. Mas de bolsa vazia. Não têm onde cair mortos e estão mortos de cansaço. Porém caminham debaixo das nossas janelas e chegam até às nossas portas. E isso é uma afronta grave. Eles são as mãos nuas e as mãos sujas e as mãos que se dão. As que se dão no aperto. As que daí não se lavam. E isso é uma provocação.
OS NÓMADAS 3 Eles vendem. Vendem guarda-chuvas e avionetes. Corta-unhas e cotonetes. Pensos rápidos e canivetes. Barbies e lâminas da barba. Cócó chaneis e portáteis. Eles vendem a sina e baralhos de cartas com cus e mamas em lugar de reis e damas. Eles vendem t-shirts e fatos de treino, sapatilhas e écharpes, tudo faz de conta das melhores marcas. Com eles fica tudo muito em conta. E isso é uma afronta. Eles vendem cêdês e dêvêdês de artistas que só deus e eles sabem donde vêm. Eles vendem chiclas, caramelos e gomas. E camisas de Vénus fabricadas no planeta Marte. Eles vendem força de trabalho. Eles vendem desejo de ócio. Eles são a alma do negócio e o seu exacto contrário. E isso é uma afronta para todos. Até o proletário se sente ofendido pelos seus irmãos errantes, migrantes, ambulantes. Diz-se que venderam a alma ao diabo e que venderiam a mãe se encontrassem comprador. Mas não. A mãe não. Nem a mãe, nem a mão. Nem a burra, nem o cão, nem a camisa de homem feliz. Eles vendem o que pode, sem grande perda ou ganho, passar de mão em mão. Eles vendem o que compraram por tuta e meia. Eles vendem tudo o que há para dar a perder. Eles vendem o seu lugar na esquina que é o lugar à sombra e não o lugar ao sol. Eles vendem o seu lugar debaixo da ponte. Eles vendem quase tudo. Mas não se vendem. Não se rendem. E isso é a maior das afrontas.
OS NÓMADAS 4 Eles fogem. Pintam e logo se piram. Cavam. Dão à sola e gastam sapatos. Eles põem-se a andar. Fogem antes que a terra lhes fuja debaixo dos pés. Eles têm asas nos pés. Já vêm fugidos e lá vão a fugir. Passam de fugida e põem-se nas putas. Antes que a noite caia. Antes que o dia nasça. Eles fogem. Se falam, foge-lhes o pé para o chinelo. Se calam, foge-lhes a boca para a verdade. Eles fogem e vêem desfilar silêncios à velocidade da luz. Silêncios imperceptíveis. Silêncios de gelo. Silêncios inquebráveis. Silêncios de cortar à faca. Eles são sala de espera e fronteiras em trânsito. Eles são pedaços de terra em trânsito. Terra em transe. Eles são eterno retorno. Eles dão o fora. Eles dão o salto. Por vezes, acabam dentro. E levam um pontapé no cu. São recambiados. Como se fosse possível devolvê-los à procedência. Como se pudessem voltar ao rumor das origens. Eles são rumor, rumores. Eles são rumores de Primavera. Eles são quatro vezes estio na sala de espera.