A CASA QUE EU QUERO, incursão desenvolta em espaços de habitação sonhados e construídos por migrantes numa aldeia vizinha de Paredes de Coura, é um filme em registo documental cujo programa narrativo começa por se configurar como um gesto onde a força da sucessão - a estruturação por acrescento de um novo objecto aos objectos já visitados e conversados pelos seus erráticos habitantes - faz as vezes de discurso. Porventura graças a uma familiaridade não destituída de um certo formalismo com que as cineastas abordam as suas personagens (amiúde colectivas: a «família» A ou B ou C...), o filme derrapa com felicidade para um outro plano, menos «monstrativo e demonstrativo», mais emotivo e misterioso - logo mais escorregadio e sugestivo - onde o silêncio, o rosário de silêncios, diz mais do que imagens e palavras. Esses silêncios marcam, de forma bastante conseguida, o entre - e o entre é um abismo, uma sucessão de abismos. Entre as imagens, entre as palavras, entre os gestos: entre a abertura e o fecho de uma porta, entre o sonho sonhado e o sonho realizado e reificado, entre o fora e o dentro dos planos, etc. Daí resulta que A CASA QUE EU QUERO seja mais uma reflexão sobre o lugar do imaginário no real e do real no imaginário, uma meditação sobre a fricção indizível entre os projectos de vida e os objectos de vida, uma exposição do atrito entre um olhar que tenta registar e o olhar de quem é filmado na situação de «encenar» o seu espaço de vida do que propriamente um estudo do habitat introduzido por emigrantes numa aldeia do Alto Minho. E o filme ganha (fôlego) com isso. Por obrigar o espectador a rever algumas ideias preconceituosas (mas muito difundidas) acerca dessas casas de sonho e dos seus sonhadores... Regina Guimarães