a crianรงa dentro da crianรงa
um caderno de Regina Guimarรฃes
Perguntam à criança silenciosa: — Então, perdeste a língua? Roubaram-ta? E a criança duvida por instantes que a sua língua literal ainda repouse desnuda entre marfins na pequena gruta escarlate.
Mas não. Já a sentiu molhada e levou furtivamente o indicador à boca.
A criança entende que a falsa ameaça não é menos verdadeira do que a verdadeira. Sofre porque vai descobrindo que não pode defender todas as coisas colocadas à sua guarda mesmo sem ela saber.
De que lhe servem pois unhas e dentes? Imagina-se castigada por grandes aves que lhe arrancam os olhos à cara e a perseguem até ao último reduto dos seus mais redondos pensamentos. 2
A criança foi então abocanhada pela invenção da fotografia onde a luz da miopia de azul profundo a fardara
Pregou estrelas aos milhões nos ombros no colarinho até ficar pequenino o seu corpo de infinito
E esse corpo de escuta como hera se enrolou nas pernas da noite adulta onde o dia se afundava
A criança confiou na invenção da fotografia e contou-lhe alguns segredos que a tornam obsoleta
Por sua obra discreta a imagem se desvanece e o que resta do que foi é já só o que não era
3
( a mãe entala a roupa da cama para proteger o filho da visita das serpentes a do frio certamente mas também a do paraíso
se contudo ao despertar há vestígios de visita nem por isso muda a regra de cobrir quem se descobre e de esconder quem acolhe
4
)
MAIS SAGRADO E MAIS PROFANO a mão que acende o fogo deve mantê-lo crepitante ainda que tenha de ser seus cinco pavios ardendo.
(
) 5
O RUÍDO DAS PAREDES A RUIR
A criança cai da cama quando apenas se abeirava de uma imagem de ravina. Enquanto deste meu lado fito o futuro inimigo e as imagens do passado resvalam sempre comigo ao tempo que o precipício se transformou num abrigo.
Com que palavras direi usadas como as usei o meu príncipe contando meias horas na barriga e segundos na cabeça? O dia nele começa em contagem decrescente até o sol estar ardente na sua cama de parto.
A criança cai da cama mas se acamada não fica tudo no corpo lhe grita a cova que nele abriu mais uma imagem maldita que abraçou e lhe fugiu. E se acorda a casa inteira é porque o sonho já não basta para atravessar paredes. 6
Assim mudamente peço que me despertes e leves até à grande clareira onde as imagens não correm e o sol nasce por dentro sem vénias de horizonte. E mudamente te conto o que não passa por mim.
Se o meu amor afugento posso voltar a contar a partir de cada fim?
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CONTOS DESENCANTADOS
1 A amendoeira fala com a sua princesa mas fá-lo numa língua que a princesa não admite conhecer. A princesa derrete-se em suor e lágrimas cada vez que é pomar cada vez que é copa ou carne ou caroço.
2 Famílias inteiras de animais famintos vêm ao cheiro da carne.
Mas a palavra não alimenta. Apenas enche a barriga de quem a profere a prefere. Só lhes resta pois farejar quem fala devorar quem diz.
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3 A criança desenha os seus sete Anões a neve caindo e Branca em ausente.
No desenho lê-se a dificuldade de ser até ser e o mal de estar o peso de ter.
Branca diminui até só ser floco foco de doença em quem nela pensa.
É jóia de gelo a luz que já brilha como um epicentro do que foi tornado achada em achado. Coração de corça…
9
(
Insolência reduzida a nota falsa ou à mudança de idade Criança escarrando o lume que incendeia a cidade
Dragão cuspindo criança em água nada e afogada… Insolência reduzida a nota falsa – solidão a si mesma comparada
Mas o que é a solidão a não ser a companhia apressada e fugidia da multidão na cabeça?
10
)
PÉ ANTE PÉ ANTE PÉ
Infames os que ofuscaram com a luz do seu lugar ao sol os olhos reduzidos ao número da penumbra.
Ver é sofrer − é esse o motivo do grito da criança ao tempo que inspira a primeira golfada de ar e percebe a relação dificilmente obrigatória entre olhar e respirar.
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INFÂNCIA
alice avistou um fantasma e chamou-lhe coelho
se tivesse avistado um coelho é de crer que não o confundiria com um fantasma
se um fantasma tivesse avistado alice prestes a adormecer – ou seja: apressada à sua maneira – não é de crer que lhe chamasse coelho não é de crer que a convidasse a persegui-lo
se um coelho tivesse avistado alice ou o fantasma de alice ou um fantasma de si é de crer que não acreditasse no que os seus olhos queriam ver ou viam sem querer
entardece anoitece amanhece e sobre o mundo como sobre uma almofada dura a cabeça dividida subtraída ao plano do abstracto descobre que nada é comutativo na imaginação pois qualquer desordem altera os resultados 12
também o pensamento desconhece a capacidade de somar e a fúria da multiplicação
ele divide para reinar subtrai a ideia da ideia mas nem adiciona noções nem cresce quando cria os seus fantasmas
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OS CONTORNOS DO CRIME
lembro-me de nascer num lugar de passagem mas também de que cedo me disseram que há paisagens eruditas com ninfas banhando-se nuas nas palmas das mãos imensas ou à tona de olhos raros e ainda que elas riem muito alto como janelas em sítios onde nem casas há quanto mais dantes
lembro-me de correr um sangue escuro bastante indistinto de mim de lamber a contra-gosto as beiças julgando que eram facas de repousar num espaço muito claro qual recado deixado à pressa e quem quiser que se ou me entenda
na verdade lembro-me de ser deitada e não ter sono de ser despertada e de dormir em pé nascer era ser assim a toda a prova arrastada por caminhos que só a carne rastejante pode abrir
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lembro-me de ir depressa até à porta de não ver ninguém e de pensar que mais uma vez sonhara aquela música de campainhas e de madeira a ofegar lembro-me de cismar e de ser esse o meu brinquedo − a luz meu guizo a sombra dançante minha boneca tão bela e esfarrapada
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COMPETÊNCIAS
O estilo conclusivo ou simplesmente o estilo ou somente as conclusões enojam-me e enjoam-me.
Porém como quase todas as crianças desejei desnortear-me e chamar a náusea girando sobre mim mesma e depois parando sem poder estacar mas parando ainda assim exercitando a vontade contra o desejo talvez a ponto de os confundir no momento de testar o sentido dos ponteiros do relógio ou o seu inexacto contrário.
Donde vem isso que é parar para não pensar para não continuar para não continuar a pensar e sentir já não sentindo a terra que foge debaixo dos pés?
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Pergunto ao anjo se o embaraço das asas lhe permite fazer ou imaginar gestos singelos − coçar o sovaco abraçar o ar com as mãos traçar no céu inconfidências e inconfissões.
O anjo não está habituado a responder por isso sorri estupidamente em estilo conclusivo sugerindo que se nada tudo fosse ainda assim tudo estaria à sua guarda logo ao seu alcance.
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PÁLPEBRA
as ruas sorvem os saberes da noite como se agora e se não o seu travo a bons conselhos pudesse ser engolido
e abrem-se ruas no peito nas costas nos rins nos ombros por onde passam saberes que escapam à ingestão
quem chama insónia ao prazer de estar acordado quando nos vai a noite levando até onde se não sabe
quem chama prazo ao prazer de estar dormindo apesar de olhos nos olhos nos olhos até a vista falhar
não conhece esse mistério de porta semi-cerrada uma criança espreitando uma criança espreitada
e a carne descoberta imprudente como ave pousada no precipício da tua imensa presença 18
LOVE IT AND LIVE IT OR ELSE
Mas como sem engano nem má fé fazer apropriada distinção entre palavras chave e paredes mestras entre o cheiro das mansardas e as estrelas em arcas desde nunca sempre abertas?
Subi por uma escada quase estreita onde quase não cabia a minha sombra por pouco não me via desejar que levasse ao sítio exacto donde vinha.
Para ser ou vir a ser a criança curva a espinha: rosas de papel primavera de parede. Oh dar de beber ainda a quem não tem sede a quem não pede…
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ANTIFOTOGRAFISMO (1) pois sim cada vez outrora doravante ainda e nunca então até logo até mas não amanhã adeus tarde de mais será já
fadiga eis o que descansa repouso eis o que derreia para o mal bondade e meia e para o bem incerteza se de tanto amor se alcança cada fruto que se minto mito nos muito semeia
eu conto de dois em três saltando esses números fixos como a criança que fui brincou com sombras e sombras para se habituar à luz
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FOTOGRAFISMO (4)
Levantou-se de noite a criança para derrubar palavras e falar com fantasmas.
Era noite no mundo − toda a metralha das manhãs metálicas estava em lugar inseguro.
Era noite e a criança pisava a tua pele de opala friorenta para se e te aquecer à luz da sua imagem anterior.
Era noite de outra noite. Em seu grande bolso vazio negro uivava-nos até à afasia e às luas ininterruptamente novas.
Levantou-se de noite a manhã para faltar aos seus encontros e ficar mais tempo connosco.
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ACASO SUBJECTIVO
1 a minha mãe ensinou-me a escolher a fruta consoante o peso e o cheiro a minha mãe ensinou-me a fazer arroz solto nem que seja embrulhando o tacho num jornal a minha mãe ensinou-me a escolher uma linha no cimento do passeio para caminhar bem a direito a minha mãe ensinou-me a ter vergonha de esbanjar quando se pode poupar a minha mãe ensinou-me a empurrar a comida com um bocado de pão coisa que raramente faço embora seja tão bom a minha mãe ensinou-me a andar com um lencinho enfiado na manga mas eu detesto mangas apertadas a minha mãe ensinou-me a não chorar quando não é preciso o meu pai ensinou-me a chorar quando não é preciso.
2 frente ao prato quase cheio a criança pensa: se eu deixar o melhor para o fim posso já não ter fome nem sequer apetite quando lá chegar. 22
3 no meio dos vinhedos em brasa sob um céu impiedosamente azul um bando de trabalhadores magrebinos podando os ramos ladrões das videiras recém-plantadas
enquanto de um rádio portátil jorram cânticos religiosos não se entende se alegres ou apenas alegremente laboriosos.
irmanados por gavinhas que os ligam ao Islão daquele futuro vinho eles não beberão.
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LIÇÃO DE BOAS MANEIRAS À MESA Não digas mais cabelo diz mais vinho Não digas mais joelhos diz mais cobra Não digas mais pestana diz mais treva
Não digas mais nascente diz mais língua Não digas mais caminho diz mais nuca Não digas mais montanha diz mais ombro
Não digas só pulmão ainda praça Não digas só barriga ainda água Não digas só pescoço ainda mastro
Não digas só cometa ainda anca Não digas só faísca ainda rim Não digas só tisana ainda braço
Não peças o sovaco pede a ostra Não peças a garganta pede o beco Não peças a bexiga pede o sol
Não peças o rochedo pede o queixo Não peças a falena pede a boca Não peças o relógio pede o poro
Não deixes a orelha deixa a nata Não deixes a narina deixa a lua Não deixes a medula deixa o gume
Não deixes o vestido deixa o olho Não deixes a floresta deixa o sexo Não deixes o veludo deixa a veia 24
Não digas mais umbigo diz o figo Não digas mais aorta diz a casa Não digas mais virilha diz o remo
Não digas mais planura diz a teta Não digas mais açúcar diz o ânus Não digas mais criança diz o osso
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Ao tempo que aqui ando às voltas com as quebras de linha as quebras de contacto sem me atrever a perguntar o que pode contra mim um verso?
E espantam-se de me ver absorta inquieta e indignada com atalhos e detalhes…
Talvez eu seja ainda ou quase na íntegra a criança repreendida a quem se ralha gritando a quem se promete e falta a quem se faz falta e sobretudo demasia
Dizem que um dia não são dias porém essa criança esbanja tempo e não se poupa a espaços
Apenas com os abraços ela julga dar a volta ao mundo
Mas os seus braços caem como galhos mortos ou são arrancados porque sobejam 26
( Diz Mãe se quem transporta transforma ou se transforma?
Diz-me se nas claras profundezas acharei a tua voz já que ela apenas se ouve quando alguém me surpreende falando a sós.
) 27
Certo dia descobri que nunca teria jeito para ser esta pessoa. Porém sou-a desde então.
Tudo o que é preciso ou não para ser o que não é e não ser o que se é passa ao lado da questão.
Abrindo os braços ao escuro logo sinto o sol na nuca talvez meu amor me escute quando já não estou falando.
E esse pressentimento de uma presença que ausenta ajuda-me a carregar o peso da inexistência.
À escrita de ser me incita decapitando a cabeça das frases mais apressadas vindas em tom de conversa.
À escrita me desobriga se com ela em pé de guerra ofendo a mão que promete e beijo a boca que trai. 28
Ó criança baloiçando até saber-se capaz de ganhar lance e altura e por um triz catrapaz
que é feito de ti na sombra recortada letra a letra que é feito de ti na luz ofuscando o que em mim lê?
Ó criança parecida à ferida que criou e de tanto supurar sarou quando esvaziada
o que desde então rabiscas enchendo pele e papel será horror ao vazio ou fim de convalescença?
()
Assim pensa porventura quem de mim deplora agora excesso e inconsistência em vez de estrela na testa.
29
língua materna caserna se chuva civil não molha militar onde ele hiberna arrancando folha a folha ao seu livro de vergonha algumas rimas à guerra
língua materna dos órfãos contra o calão revoltada corpo comido por órgãos valendo tudo por tudo até não significar nada a não ser seu vão estudo
língua veludo dialecto por distracção desviante soalho subindo ao tecto até o ser rastejante se aceitar enquanto insecto que não solo de falante
língua cortina de ferro cortando o palco vazio da plateia esvaziada língua errante em seu desterro e em sua terra errada mais gentia que o gentio 30
lĂngua sotaque se tique despique em cidade a saque onde abutre piquenique com fartura de banquete atĂŠ a vir a noite escura e um luar de almanaque
dialecto da ternura crioulo todo o terreno entre a boca a cintura palavras sem armadura velozes lentas velozes como se julga o veneno
(
)
31
MATER
fazer arrefecer soprando sobre a superfície delicadamente como a mãe bufa e ri para encorajar a ferida a sarar
mas distraída a mãe nem sempre vigia a cicatriz que separa o que é de sofrer do que é de comer
e dividida entre tarefas opostas – o olhar que desce e acende o olhar que ascende e apaga – ela vai desperdiçando o seu calor e também o grande frio que a conserva
( 32
LE NON-ARRÊT SUR IMAGE
digo mais uma vez que cada estrela busca o pó do chão
sonho mais uma vez que deixo morrer um filho à fome
escondo talvez o meu orgulho porque ferido desde sempre
33
LEI
1 sinto que o leite me sobe no pergaminho já seco dos seios ao abandono
para toda a parte levo estes dois odres tão cheios de uma bebida adiada
sei de um bebedor fantasma e do leite que se alastra porém o leite não basta
2 as crianças choram gritam moram numa língua definitivamente estrangeira
3 debaixo das pedras dormem ideias
as que mudaram o mundo à sua imagem e semelhança como se diferença fosse e essa o fosse 34
MINIMAL
era a breve história de uma menina que só falava com a sua sombra
ela sabia que por vezes a sombra a perseguiria ou precederia mas outras se deixava espezinhar para mais tarde lhe servir de guia
o que a sombra lhe dizia era apenas o crescer e o diminuir além do jogo das posições − o que não é de somenos importância
aliás que mais havia a dizer a não ser que em dias sem sol as conversas são monólogos interiormente exteriores ou exteriormente interiores
35
OS LAÇOS DE FAMÍLIA
1 lambendo a cria fazendo durar ainda a hora dura e bela do afago beijando a mão que treme avidamente imaginando comê-la dum só trago mas lambendo a cria como se o mundo ainda por criar antes de vir outra mão − aquela que vê crescer 2 também a pedra tremeu quando soprou sem aviso o vento do sacrifício
3 paro para pensar no nariz esmurrado das estátuas
e logo a boca me foge para o destino
e logo a língua escorrega de sua cama
penso que sou criança se acaso não chego ao chão 36
ÍMPIA
nasces por vezes de ardência de cara e corpo arranhados pelas garras da beleza mas ninguém se surpreende que venhas desfigurada de virtude curativa mais que nunca precisada
do sem remédio se nasce e sem outra convicção que não essa de adiar o que está por vir e ver
nasces pois como ladrão pela calada da noite cara tapada por mão e mão tapada por luva
chamam medo ao teu pudor à tua dor nada chamam embora só queiras ser menos que sol entre lamas vagarosa tal o sangue imediata tal o nervo descarada tal o cheiro
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comendo do mesmo prato soubemos outros sabores além do prazer inato de saber o que sabemos e o que não
mas o que soube de nós aquilo que bem nos soube? − saber é voltar atrás olhando para diante
no entanto só o instante se faz do que satisfaz
ó amor não me recuses o prato de resistência feito de mim após mim e de mim antes de ser pau para toda a colher
de olhos até à boca de boca até a barriga antiga menina antiga
38
)
( A CRIANÇA SUPERLATIVA ela desce de seu sono tão leve que parece disfarçada para com seus olhos ver se não foi abandonada
depois volta a adormecer pesando quanto é capaz e de olhos fechados verifica se não foi deixada para trás
assim também nós entre dois fogos tomados precisamos de saber que ainda somos amados e onde se
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que faço além de amar desencontradamente? apenas sei que de há muito falto à escola e vou por caminhos onde ladram cães – nem sempre amistosos, os cães, e nunca principais, os caminhos – para ir ver com os meus próprios olhos, mastigando luzes e cuspindo sombras, as infâncias do infinito.
apenas sei que perdi os livros e só me restam os cadernos.
serei por isso castigada ao que me anunciaram. mas de que maneira?
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Sonho de 30 de Março a 1 de Abril
Recordo desse sonho um pintor cuja missão era multiplicar e estudar os matizes das cores. Mas eram tão infinitos os matizes que o pintor não conseguia colorir umas tiras de papel velho que, imundas, alteravam as nuances criando novas colorações, sempre intermédias, novos problemas, caminhos inúmeros. Era crença do pintor que só uma criança podia poderia fabricar um «mapa das cores» o que quer que isso seja.
(o mapa só podia ser confiado a uma criança em quem ninguém tivesse confiança)
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Nunca tive juventude apenas vagamente adolescência a descair para a infância como peso de cabelo longo e feio
Era grato apertar nos meus braços mulheres que tresandavam a suor e lenha – vários dias de labuta vários lumes sucessivos abraços
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DA OUTRA OPACIDADE voam rasantes os anjos ferindo caras fachadas até os olhos incautos de quem se perde por altos e actos de contrição
anunciam ou exterminam estes anjos tão rasteiros a quem mulheres inquietas escorraçam brutalmente como se fossem rafeiros?
e eu sem dó nem leveza prontamente em mim descubro velhas lembranças de dança dando baile de barriga a quem lhes der confiança
mas a desova dos anjos não deixa tempo ao lugar nem admite comparência a quem se julga julgado por asas à transparência
voam rasantes os anjos obrigando quem caminha a súbitas interrupções pausas parentes de versos paragens de corações 43
A DANÇA DOS SENTIDOS CONTRÁRIOS esse amor curioso da criança que junta pedras voadoras e borboletas paralisadas velhos pregos e conchas sem morador no mesmo saco jamais o perdi mas nunca me foi levado à letra
esse desejo de santuários e de multiplicação dos santos
essa colecção de passos em redor das coisas
esse vigor das coisas quietas esse rigor das coisas inábeis
essa opacidade que é condição do espelho que farei dela se o tempo ordenar abundância e privação no mesmo lugar?
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a criança empurra a lata ruidosa sabendo já que não move a bola do mundo
com seu pé desenferruja a indolência das formas que não rolam nem giram nem se apressam
na verdade a criança não tem pressa mas as coisas anseiam pelo desarrumo pela deslocação e até pelo atrito
a criança tem a beleza das velhas notícias lidas à luz trémula de uma chama de um pequeno nada que de súbito pega fogo
a criança abandona demasiado cedo o jogo de empurrar o futuro
ora não se sabe ela mesma não sabe se olha perdidamente para trás
ou indefinidamente para a frente
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MEDITAÇÃO PERMANENTE SOBRE A JUVENTUDE DAS RUÍNAS
os homens tiravam os chapéus as mulheres cobriam-se com véus as crianças calçavam os sapatos apertados e logo um fosso lírico se abria entre céu e terra a que se dava a título de exemplo o nome de templo
as crianças descalçavam os sapatos as mulheres destapavam os cabelos os homens transformavam-se em chapéus e logo uma escada interminável mente aguda partia ao mesmo tempo do firmamento e do chão e éramos livres de lhe chamar tempo
(((((((((((( 46
é pesada a mão que abre as portas atrás das quais as palavras foram tomando o lugar de outras tantas mulheres mortas ou apenas olvidadas
é culpada a mão que entreabre e atrás do texto batente vigia a necessidade de responder claramente às dores, temores, clamores que anunciam mortandade
é tímida a mão que fecha e dá por cega a visão da frase que jaz no chão do verso a servir de tecto e do verbo sem sujeito
mas é sempre de criança a mão que pode afagar a maçaneta das portas cujo trinco já não abre cuja madeira já range
ó corpo pobre instrumento que ninguém ouve nem tange...
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AS FALAS DAS MUDAS FADAS
a cada recanto a criança atribui uma mágoa própria do encantamento que não se confunde com a vida bem pelo contrário
e se ela consente em deixar as coisas no ponto onde se encontram a custo de berros e birras de amuos e má criação não quer isso dizer que não oiça esse apelo que a divide entre a casa grande e a pequena coisa
eis a razão pela qual precisamos de acreditar piamente e de desconfiar friamente do valor que concedemos a tudo quanto é
não nos foi o valor e o valer dado na lição a cada hora recebida ao sair e ao entrar ao dobrar a esquina ao mudar de rua ou de rumo ou regressar contando os passos quanto ou quando mais pesados?
não fomos nós capazes de inventar o peso do encantamento 48
o prĂncipe frouxo sob o ĂĄgil sapo a princesa ociosa sob a pastora competente e o mundo inteiro debaixo de uma pedra impossĂvel de levantar?
49
A MÁ ALUNA
havia os bancos de trás e os dos bancos da frente mas a aula decorrendo nessa terra de ninguém entre o fecho de uma porta e o mundo que se lança do mais alto da janela e chega intacto ao chão em quem deixaria rasto?
apenas um arranhão e seu sangue tracejado me serviu de linha curva – a mão de mata borrão e o braço de almofada
se busco infinitamente saltar a margem e a borda deixar cair uma frase fora da página estreita onde mora a comoção é que esta dor me castiga traindo por distração o que escrevo no teu ombro o que apago à tua sombra
tão-só meu dito e meu feito em lugar do mau bocado te servirão de preceito... – porque rejeitas o modo que de nós não faz sujeito? 50
cada dia mais calado e dado a simplicidades fitas-me como se eu fora incapaz de transmitir o mais singelo recado...
51
ABAIXO DO NÍVEL DAS ÁGUAS pode a criança ignorar esse engenho tão interno que a faz quase voar e não apenas correr quase corar e não apenas sorrir quase matar e não apenas morrer
quando ela faz uso errado do que lhe foi proibido e ajusta meios e fins do que lhe foi inculcado é seu destino evadir-se corar até à raiz morrer de uma vergonha que só aos deuses confessa
contra o mais fraco levanta o peso da sua mão em jeito de submissão e faz sorrir as feridas até à última gota
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FICHA TÉCNICA
tomar o pulso às mentiras como se dessem o braço a torcer
e fazer do que não muda motivo de outra mudança imitando se preciso a mentira da criança que faz existir irmão onde apenas há silêncio que faz existir amigo onde apenas há rumor
tirar medidas exactas ao desastre que não mata mas dói
e fazer do que não fica razão de outra permanência imitando se preciso a verdade da criança que faz existir traição onde havia distracção que faz existir destino onde sorria o acaso
lembrar as regras do jogo quando o jogo é esquecimento 53
FÉRIAS GRANDES 4
As palavras esquecidas nos bolsos do casaco As risadas da melancia As garrafas que fugiram da barriga do barco As pétalas caindo em si Os erres rolando para fora do prato Os brinquedos irreconhecíveis As asas já arrancadas e as confissões devolvidas As sombras soluçantes As pás e os ancinhos encostados ao silêncio Os ninhos vazios estremecendo As mãos, à custa de amor, maiores que os pés As figueiras cada vez mais circulares As migalhas e a reforma agrária explicada às formigas Todas as flores mal empregadas O suor abrindo feridas as feridas abrindo os olhos O livro desde sempre deixado a meio O corpo rasgado na penumbra azul do vestido A panela da noite sem testo nem tripé A fúria rotativa do girassol só a si mesma comparável 54
As perguntas quase indiscretas As bocas esmagadas pela marcha do gigante As manchas gritando mapas As doenças curadas nas camas onde não se dorme Os insectos bordando nuvens A conversa integralmente tida com quem estava ausente O caminho dobrado e metido na gaveta A mesa posta que provoca um vendaval
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VOX & NOX
soam as vozes da noite na noite caindo dentro já quase fora de mim e por muito que eu aguce ouvido ou sexto sentido nem decifro nem transcrevo o que parece contudo ser-me ainda destinado
quem se dá a conhecer atravessando paredes fá-lo-á com outro fim que não a perplexidade?
e será isso diverso de tudo quanto conheço atravessando as paredes por detrás das quais me calo?
caem às vezes as vozes em erro de afinação como numa tentação e por muito que as rodeie de silêncios matinais elas agarram-se ao escuro onde tudo é travessia
56
( ( ( (
vozes que eu não ouviria sem o gesto que é redondo da mãe sobre isto curvada do pai sobre pai chorando com dedos contando dedos conferindo a soma errada da qual se diz com razão que já nasceu mutilada
57
CARTÃO DE VISITA ao que me dizem fui tirada a ferros
de facto cada vez que nasço sinto um acto quase cirúrgico um travo a sangue e ferrugem no fundo da boca e um latejar entre têmporas
nunca soube entrar a não ser pela pequena porta pelo poço ou pela garganta
todas as minhas falas nasceram estranguladas − fervidas em pouca água em escasso sangue afogadas
feitas tão-só para prova e jamais saboreadas
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OTHERNESS AND SAMENESS
numa segunda vida anterior e interior ao que me contam fui criada por um bicho que dentro de mim morava e me ditava fomes e sedes capazes de salvar exércitos
o animal de mim cresceu até me ocupar por inteiro lavrando hortas para logo as devastar plantando pomares para lhes deitar fogo erguendo aldeias para as pilhar abrindo estradas para que fossem desertas
e toda as minhas forças se concentraram em guardar esta história em transformar-me num segredo
porque ninguém haveria de crer no que eu mesma não via
) 59
REGRESSOS AO FUTURO O meu pai está de volta.
Eu sabia que ele não me partiria para sempre e que se me fosse ele embora de mim eu teria medo dele como nunca tive.
Porém, o meu pai que nunca fora íngreme o meu pai de quem os ensinamentos eram escadaria de carne trepando até à cabeça o meu pai a quem eu falava como face a um castelo desmoronado à nascença regressava tão-só para falar contigo e deixava-me à porta.
Porque as tuas viagens pareciam tais e tamanhas que nunca deixavas de viajar mesmo quando parado mesmo quando fechado em tuas obras.
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A SETE PÉS
A criança acredita que uma vez lida a história bem mais do que a vida verdadeira a mãe passará a noite desperta à sua cabeceira. Contudo a criança sabe que tal não acontecerá e que a história foi aprendida de cor à revelia da desmemória.
Assim se constrói o conhecimento entre certezas relativamente absolutas e duvidosas incertezas. À tensão entre umas e outras devemos a noção das fontes e a percepção dos fins com o rio das palavras a correr como se fosse possível e até previsível regressar à nascente.
Ó pés grandes ó pés nus dizei-me se do que existe algo há que não seja fruto maduro mas duro da memória?
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O QUE SERÁ DE MIM
ai como é difícil entre braços ai como é difícil de braços abertos
ai como é difícil quando os braços esticados acima da cabeça tocam assim mesmo o chão quando os braços pendem e logo roçam o céu
ai como é difícil pai ter aprendido a andar agora que ando escrevendo ter aprendido a falar agora que sou silêncio comprometido
ai como foi fácil este meu ser difícil e não sair a ninguém que me queira parecida
não me dizias tu de pragas antigas de adivinhas retorcidas dentro de lenços onde se chorou de presságios luminosos em lençóis manchados de sangue sem culpa que os desculpasse de tão pintados? 62
nĂŁo me dizias tu do lugar de cada livro dos livros lado a lado magros ou gordos em seus corpos de soldado perdido de alguma guerra perdida tambĂŠm ela?
nĂŁo me dizias tu que de nada valem os avisos e os risos?
nĂŁo me dizias tu que o pensamento corre entre fontes?
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ERAM CASAS
1 era tão corpulento o pássaro que arrombou o telhado tão pesado que atravessou o soalho e só parou nas profundezas
2 eram janelas que só abriam para dentro
3 não tinha nada que enganar: entrava-se e saía-se pela mesma porta
4 a campainha não se ouvia mas o batente esse em forma de batente já se sabe quase deitava a casa abaixo
5 à casa acrescentava-se outra casa tanto uma como outra encolhiam para caber à larga numa só 64
6 a criança imaginava uma casa cujo telhado vermelho era uma pirâmide de base quadrangular
virava o desenha ao contrário e verificava que assente no vértice a casa conseguia equilibrar-se
7 era uma casa recentemente velha e que novidade acrescentar-lhe a não ser que tudo o resto condizia?
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XÁCARA
Diz ela que longa mãe E quase infinito pai Diz ela tiro no escuro Também tiro no sapato Diz ela que não foi vista Pois musa velha buscava Diz ela que resvalava Para cheiro a sementeira Diz ela que com ideias Por vezes se enfeitava Diz ela que viajou Onde outros já apeados Diz ela que fez de conta Se pelos dedos contava
Diz ela à beira do choro O contorno variável Da tua cara arrombada Quinta parede da casa Para o céu sempre virada Constelada de animais Sorriso de pituitária Na primeira noite quente Onde se é geometria O corpo do corpo ausente E a pele abandonada Na berma de sua estrada Diz ela que sim a sim Preferindo o gergelim À porta aberta ou fechada. 66
PÉROLA ROLANDO
o vento já descolara a pele das mãos e da cara devolvendo em revoada as perguntas de algibeira a quem foi mau pagador e pior perguntador
agora que destapada a face sem rosto fita qual a pergunta que evita resposta precipitada? qual o vento que arremessa a resposta mais pesada?
desejo com estas mãos afagar uma cabeça com a doçura impensada e a meiguice gratuita que a criança solicita depois de ser castigada
desejo com esta cara encarar o que se oculta mostrar onde não se mostra fechando dentro da ostra a força lisa e redonda do olho enfrentando o mundo
que cabe dentro de um cisco
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NARRADO SEM MÚSICA
a criança pede para levar a luz na mão e a luz indefesa na mão indefesa podem levá-la até onde o céu toca de novo o chão
chega sem saber onde pôs os pés e os próprios pés não poderiam voltar atrás – digamos para simplificar que apagaram o caminho em vez de o traçar
a criança evita olhar para donde veio mesmo quando os olhos rolam até à boca aberta do bueiro para onde convergem soldados de chumbo em busca de bailarinas pernetas
a criança pergunta a quem não sabe responder como pode um tapete rastejante tornar-se esvoaçante ou mesmo voador
alguém decide que a criança não merece respostas embora todos reconheçam que as perguntas não merecem a criança seja qual for a ordem pela qual são ignoradas 68
OUTRAS HORAS
a criança não fala sozinha quando conversa com as coisas que lhe saem das mãos com as coisas que lhe caem das mãos
ela espalha os brinquedos ou o que deles resta como se fossem esperanças sem finalidade ou pelo contrário apenas meio caminho
a criança colhe sem pressa as pálidas sombras do que foi as imagens saturadas do que será
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OS ROSTOS TRABALHADOS
crianças e bichos em cativeiro avançam até à margem do lago para matarem a sede de águas fundas mas só quando a noite cai compreendem a que ponto estão perdidas logo livres
crianças e bichos desnorteados caminham sob a alta vigilância dos pássaros mais cegos e pré-históricos mas só ao nascer do dia reparam que andaram em círculos em busca de palavras uma vez ditas uma só vez
crianças e bichos envelhecendo em número e em género se vão reconhecendo mas só as flores podem abusar de certas cores delicadamente gritantes de alguns perfumes inebriantes e sobretudo da fixidez quem sabe se escandalosa
crianças e bichos desconhecem o respeito recíproco o respeito pelo respeito e todos os ardis que permitem fabular a ubiquidade e o zelo dos ângulos mortos 70
crianças e bichos ignoram porquê e para onde se deslocam pois a essência do tumulto mais não é do que esse torpor em marcha
POSSES E POSSIBILIDADES espero pela irmã mais nova toda ela não nascida...
de que caduca barriga ou caverna cor de rosa
de que cidade submersa poderá ela chegar?
e antes de ser chegada em quem fraterna me fio?
a que fogo me encostar em tempos de frio e cio?
dela se dirá então que nos traz sinais de vida sinais de sexo e aflição e agonia de alfabeto
gesto de feto e de afecto incógnita lancinante
talvez cordão de algarismos mas equação elegante... 71
TRAFICÂNCIA
a criança aprende a adormecer-se a si própria a pousar a cabeça no ouvido inodoro das orquídeas a empurrar a memória do presente para o passado em sua cama sanguinária
a criança entende o vazio de poder a aridez embriagante o uso da dor como espada
a criança apalpa as mamas do impalpável e à maneira dos velhos rios busca incessantemente novas nascentes
a criança sabe que todas as águas são bárbaras e que embora o choro não custe as lágrimas desterram
) 72
AS BONECAS JÁ NÃO BRINCAM COMIGO quando os pés aflitos querem ser mãos quando as mãos aflitas querem ser asas quando o céu se entorna nos ouvidos e certas palavras juntam solidões
fica sabendo que assustar-me ou mesmo afligir-me é fácil só de o saber e de tu o saberes já fico assustada
FALSO E VERDADEIRO ‒ quatro poemas despropositados ‒
1 atravessas a rua e deixas de existir
passas na rua onde já passaste e algo pára de existir em ti
o teu corpo é pão bicado pelos pássaros duro mas molhado infinitamente informe
73
2 foste separada à nascença como se diz não se diz por ti mesma bem trocada e queres fazer sentido fazer amor sentido custe o que custar
a tua família de fantasmas adoptiva e adoptada obriga-te a confessar quanto deves quanto pagas
3 falas sozinha e ainda mais sozinha quando as mãos estão quase vazias e pesam como nem a cabeça ousaria pesar
és uma peça de fruta feia isto é destoas
4 considerando o tampo da mesa o que dói e se constrói por cima o que come e onde nos come 74
por baixo considerando o tampo dando tempo ao tempo e tendo medo de deixar de ter medo
considerando a mesa que ficou por levantar e nós mesmos a que preço nos levantámos depois de cortarmos a palavra faminta um ao outro
considerando o tempo e talvez a falta que nos faz e como se mostra capaz de faltar ao que promete considerando a corrida contra a pedra o papel a tesoura a mão
considerando em vão o tempo vão e este vão de escada onde imagino que se inflama cada casa cada cama pois a minha pele, acredita ou não, é roupa muito lavada
75
OS POEMAS AUTO-DESTRUTIVOS 1 Acreditas no papão? Acreditas no homem do saco? Acreditas no João Pestana? Acreditas no Mafarrico? Sim, em todos eles acredito por vezes mesmo imagino que só eles na verdade em mim vão acreditando.
Desastrada, quebro copos entorno vinho nas mesas quebro o corpo onde não devo entorno choro mal chego obedecendo a sinais que embora não decifráveis me põem fora de mim. Sabes, sou aquele cântaro que de asa quebrada canta e não mais regressa à fonte.
2 Abrindo um olho e depois outro como os bichos no cativeiro que dormem muito mais tempo ou quase o tempo todo, preparo-me para voltar a existir. 76
Visto o jardim que agora me fica largo e saio à rua com todo o peso da beleza nos ombros. Esperava porventura ser cheirada ou beijada até colhida. Porém toda a gente diz que aquele jardim é bem mal empregue em mim.
3 A criança foi vestida para sair mas nem de longe supõe que a conduzem ao mercado onde será entregue já criada a quem fizer a melhor oferta. A criança saltita adiantada um pouco à frente de quem já só a vigia. Está alegre a criatura destituída que foi de instinto de sobrevida de pavor de sobremorte. Mais depressa chega à praça do que os seus proprietários. Deslumbra-se com as flores rouba fruta de candura dura e verde verde e dura de verdade.
77
SAMOVAR
1 Construo a minha casa com ossos e tendões. Chamas ruína à minha casa e a carne retira-se para as traseiras envergonhada.
2 Os nossos sonhos mais inquebráveis do que as promessas
e os pensamentos enforcados nos ramos mais baixos beijando longamente o solo.
3 Havia mães deambulando em praças quadradas. Havia filhos regressando tarde às redondezas da barriga. Havia por ali perto um acto de invisível contrição. Havia os incapazes de guardar um segredo e sobretudo os menos capazes de o partilhar. Havia dominantes azuis e dominados empalidecendo. 78
4 Como se a brevidade nos protegesse do que dura para além de nós e vai à boleia do nosso cansaço
Como se a eternidade nos protegesse dos mais negros presságios ou das mais douradas estações
Como se o nome protegesse do desejo de anonimato e do desejo de renome
Como se aqui a boca fugisse para a verdade e a verdade para a mentira
Como se esta mão voltasse a tocar o chão e quatro patas não me chegassem...
79
RETINAS
olha-me bem e descobre a filha agora tão velha do jovem rei dos espasmos
olha-me bem se puderes como se ouvisses apenas as coisas ditas nas costas
olha esta minha emoção de ver nas coisas que estão o desejo de partir e o de ficar
aquelas que antes de nós já estavam a ser olhadas e olhadas depois serão
olha-me bem e descobre a filha de um rei tão pobre que ninguém lhe sucedeu
olha-me bem se puderes depois de já desfolhada mal querida pouco ou nada
olha esta minha impressão de ver na coisa que falta o destino de ser escassa 80
e nĂŁo digas que tudo passa pois passa infinitamente aquilo que por mim passa
olha-me bem e descobre o que julgas conhecer e julgas desconhecendo
()
olha-me bem se puderes e assim eu possa tambĂŠm olhar mesmo sem poder
)( 81
DESREGRAMENTO
falo de um tempo em que as crianças corriam entre pernas e inclusive escorriam pelas pernas abaixo
falo de entranhas estranhas sempre a darem sinal de si e de um mar que ia morrer junto aos pés alheios
depois não tardaram a chegar os coleccionadores de lágrimas e eu bati em mim própria para sentir que estava quase viva
as imagens apagam-se mas o tempo possui um avesso em que elas têm cores mais berrantes e contornos mais nítidos
é nesse avesso que o amor fez a sua cama e nela dormimos sobretudo quando estamos despertos e já devedores da insónia
é nesse antónimo de inverno 82
e antípoda de meia estação que talvez possas dar-me colo e escuta até eu me tornar musa e música
a título de excepção
83
IRMÃ OU IRMÃE
eis-nos no coração da diáspora acusando todos os outros corações de serem menos flutuantes menos andantes
entre o ocidente extremo e o acidente interno eu mulher ou muralha simultânea ou sucessivamente me despeço de cada uma de mim posto que todas partem para a escola e regressam nuas
entre a desistência activa e a resistência passiva arranjo ainda tempo para turvar a água e quebrar o espelho explicando aos quase novos o sentido desses pequenos espectáculos arcaicos 84
sou embora mo não permitam curva de nível e toda a manha da montanha me mantém deitada e de pé ao mesmo tempo
85
VIVEIRO E CATIVEIRO
sim, é certo, vista de muito perto até a ausência serve de companhia
sim, assim se espanta o passarinho e se caça o sorriso da criança que aprende o susto de estar viva
sim, alguém a meu lado que não eu mas mais intenso e inteiro em mim do que alguma vez sonhei
sim porque o reverso da medalha é ainda essa medalha
e o pensamento falha onde se prevê que o faça de maneira eloquente
e o amor sempre triunfa antes de cortar as asas e até mesmo as palavras
sim, a presença risca de sua comprida lista o que temos pela frente
como se do esquecimento dependesse o esquecimento e logo a memória viva 86
A HIPÓTESE DE PRÓTESE
não me nasceram guelras nem escamas, nem barbatanas neste prazo debaixo de água em que deixei de falar com a minha voz e de respirar com a minha velha pele
não me nasceram ponteiros no relógio adiantado da barriga no relógio atrasado de praceta
mas o tempo de respirar está-me na mesma contado exceptuando o que se poupa na roupa e no guarda-roupa
não me nasceram antenas nem instintos de sobrevivência nem desejos de recuar e recusar
até a mãe da minha mãe me disse um dia que a mim mesma haveria de parir numa noite sem disfarce de alegria
pudera ainda assim quem por mim passa dar-me o braço além da mão que me devassa e também a sombra do ombro e talvez a suspeita além do peito
pudera eu fazer-me tarde e cedo erguer-me ao contrário desta mãe que me abandona ao contrário deste cheiro de amazona e de todos os meus cheiros já sem dona
87
A LÍNGUA DO AMOR PROFANO descubro que tenho mais um dedo na mão mais uma boca na cara mais um buraco no coração
como pudeste, ó minha mãe não reparar em tudo isto quando me olhaste tão intensamente que julgaste refazer-me à tua imagem e desconfiança? sim, o corpo é fanfarrão embora escondido em sua caixa como um presente dado ou não dado mas nunca desembrulhado
que farei eu dele agora que sei do teu abandono e do abandono do mundo prévio a todo o nascimento?
sim, o corpo não cabe em si de contente de descontente – dizem que chama pela doença para melhor fruir da cura
para todo lado decidi levá-lo 88
porĂŠm o ingrato nunca respondeu por mim
talvez porque o fim absorve para si todos os meios e todos os princĂpios
((((((( (((((((
(((((((
89
THE WITHOUTS
o silêncio da criança comenta eloquentemente o esplendor do dia de sol e chuva
na barca das palavras leva rede e companhia e força para remar contra a maré de amor todas as fachadas todos os andaimes todas as ruínas todos os tapumes lhe falam da impossível travessia
mas a criança imaginara que as esquinas são feitas para beijar e as sarjetas para guardar tesouros
que as soleiras são feitas para abandonar bebés as paredes são feitas para fuzilar mulheres e os cruzamentos são feitos para enlouquecer os homens
por isso queira ou não queira a criança terá de crescer
e ao perder a elegância do mutismo e as palavras capazes de navegar à vista julgará estar mais perto de uma verdade escaldante 90
ora o que lhe acontece ĂŠ que tudo lhe aconteceu quando ele nada esperava
desde entĂŁo caminha em frente arrastando a rede e a barca desejando que lhe tirem o tapete ardentemente
91
ABOVENESS & JUNK FOOD
a orfandade começa, se queres saber, bem antes de eu me nascer noutro ser que seja até tu já eu noutro corpo que não seja irremediável mente meu ou teu
a orfandade exclui quem se propõe sanar a situação com soluções à vista pai e mãe trocados no berçário madrinha para fadar a forma entre todas elegante do ovário
a orfandade implica, caso não saibas, a passagem pelo estado gasoso em jeito de longa despedida e o mergulho no texto amniótico em suas líquidas letras
a orfandade fica por ser vivida porque desperta o desejo de vingança e lança a cicatriz contra a ferida
a orfandade, se queres acreditar, começa com o mundo a começar é seu quase natural prolongamento
a orfandade gera mais conhecimento do que as fracturas expostas da linhagem 92
o órfão vem à luz ao longo de uma viagem
o órfão só fala quando abraçado a seu irmão nado morto...
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A IMPLORAÇÃO
Não vês que me escorrem pelas pernas abaixo os filhos que de mim não nasceram entre lábios e sorrisos incompletos? Não vês as palavras que me escorrem tão agudas e argutas pelas faces abaixo rasgando rugas em lugar de frases? Não vês que eu olhei as estrelas demasiado tempo e julguei ver na sua combustão nervosa na sua intermitência cintilante um chamamento, uma ordem, um rumo um caminho para a casa desabitada mas desde sempre habitada pela luz? Não vês que se me olhares assim eu terei de procurar os meus olhos debaixo da mesa de rolar até à rampa onde a vista se perde de vista talvez roubando esse grão que é moinho da voz para não morrer? Para não cantar todas as ruas a sós.
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FILHOS DE BOAS FAMÍLIAS
entre isso que suspeitas de fraqueza e aquilo a que chamas franqueza poderia haver um caos de carícias um precipitado de azul noite um matiz de rosa carne
mas tomaste o partido de quem talvez boceje quando um beijo passa ao lado da boca quando uma boca passa ao largo de uma palavra
e um não-lugar dirias decerto vale mais ainda assim do que lugar nenhum
às crianças não chegaste a ensinar que não está bem fazer queixa que não se queixa quem está bem e que o sexo não sabe onde se meter
quando a floresta de corpo acaba de arder
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INCUMPRIMENTO
Quando a própria mãe descobre que é um lugar inabitável Quando ela conta a sua história ao ouvido de quem não mais a ouvirá e aos olhos de quem jamais a viu Quando ela vive sem o saber sob o signo da dúvida absoluta e pensa com repetido motivo que mesmo o homem mais só e até abandonado ainda é capaz de cínica altivez Quando o seu mundo é talvez um tecido de contra-luzes, Ela diz: «Levas pão para o caminho mas o caminho será o teu pão e o teu ofício será matar a fome.» Quando fala como se lançasse pontes sobre o rio caudaloso dos corpos e à maneira do viajante que olha através da janela do comboio ela julga que também já partiu ou antes ela imagina que partiu primeiro.
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SEM LUVAS
a criança pilha o seu próprio galinheiro pela calada da noite
faz-se raposa e vai buscar os ovos ainda quentes do cu da galinha a criança é juíza em causa própria e de bom grado perde em favor de quem lhe faz companhia
a criança encolhe-se para caber na cama e cresce para deixar de caber na camisola
com a boca colada à terra experimenta outras línguas, histórias vergonhosas e envergonhadas questões de vida ou de morte que só ela saberia resolver se já gostasse do caminho mais curto
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DESARRANJO FLORAL
No desafogo relativo das famílias onde a infância se extingue em despensas fechadas à chave na companhia de ratos No desaforo absoluto das famílias onde a infância se esgota nas ofertas de coices e socos, de injúrias e beijos e o arrependimento faz as vezes as mais das vezes de regra ou de amor Na descrição já em tom de vaticínio moldando a sagração de outras famílias compostas de escravos e cavalgaduras que dão pelos nomes escandalosos de irmãos e pais e filhos e esposos
eu tomei como que conhecimento eu tomei como que velho veneno e como das entradas tomei conta terei de responder por essa afronta de invadir a propriedade enquanto ideia alheia
Bateste com a porta – disseram-me – e deixaste o mundo às escuras
Mas vejo ou antevejo que a madeira 98
desse trono abandonado a cada esquina cujo estofo eram veludos de vazio voltará a deitar ramos e raízes e de novo espalhará o cheiro a folha suspirando sob o fardo de haver fruta
ASSINATURA
a criança sonha que trepa aos prédios mais altos e que voa entre telhados a ruir
é o próprio medo das alturas que a faz subir e só a própria queda pode ampará-la
a criança quer magoar-se mas não consegue e acorda lavada em lágrimas enquanto na lonjura ecoam risos gordurosos
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ARIDEZ
esqueci-me de esquecer e lembrei-me de lembrar porém tudo redundou num jardim cerebral onde as plantas nasciam e morriam demasiado depressa para serem memorizadas
se eu tivesse imaginação para menos ver-me-ia num pátio cinzento a rosnar a quem assomasse à janela e a iniciar-me na difícil arte de escrever no cimento no fresco e também no duro
a minha mãe chamou um ror de vezes por mim mas ainda não me dignei sentar-me à mesma mesa que eu mesma
o meu pai gritou para que eu comparecesse mas eu mandei dizer por voz alheia que só podia ter-me confundido com outra pessoa
vede que não é criminoso ter menos amor próprio do que a média e não é verdade que não ama quem não se ama apenas ama menos bem ou até mal demasiado em todo caso ridiculamente porventura 100
e a paixão dura na desmedida exacta do que a sustenta a suspende e dela faz poeira a sustém acima do abaixo
RELÓGIO
tragam à minha presença a mulher estranha que se despe em frente à cria a mulher tamanha que lambe e crepita como a chama a mulher estrangeira que se desfaz em água de alegria a mulher inteira que vimos cortada aos pedaços numa cama ao alto
tragam à minha presença a ausência que me faz sangrar a pertença que me faz temer a prudência que ajuda a esquecer a audácia que obriga a lembrar a agulha perdida de seu mostrador
assim falaria o meu devir se acaso eu me antepassasse
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SPOILER
A criança leva para o cativeiro do quarto todas as sombras que se deixaram capturar menos eu.
Sabe-se, pensa ela, que vemos algumas estrelas, muito longínquas, cintilar, embora estejam já mortas quando as vemos embora as vejamos realmente o que quer que caiba nesse advérbio nessa visão nessa ilusão sem engano.
E não é certo que tudo quanto brilha aqui mais perto esteja vivo.
Ao cair da noite os meninos de ouro trocam o brilho por aquilo que lhes parece ser lucidez.
102
Os pesadelos que dão forma humana a esses descendentes de descendentes sombra após sombra são obra das suas mãos escondidas são obra escondida e até talvez esconderijo.
A criança disse-me: acordaram-me de mansinho e é como se me tivessem espancado. A PUBLICIDADE DEFENSIVA
a criança persiste em gostar do boneco mais velho e continua a mutilá-lo a desfigurá-lo não vá alguém tomar-se de amores e cobiçar o que a ninguém a um grande ninguém pertence
mas se a criança for velha todos os bonecos estão protegidos por lei todos os bonecos se chamam bonecas e ninguém cada dia mais pequeno acha graça a crianças velhas
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CURA DE ESCURECIMENTO
sinto que partem sem olhar para trás esses meus irmãos que não vi nascer e também irmãs mais novas mas já velhas espalhando notícias por mim inventadas
em lenços de seda que julgo saídos da manga infinita talvez do chapéu de quem prestidigita eu leio destinos
e até me sinto mais que noutros dias predestinada
acredita se puderes tu que só podes crer para ver que tenho de escolher entre fechar olhos como se fossem portas e fechar as portas como se os olhos incapazes de medir forças com o fim quisessem separar-se de mim
sinto que partem sem olhar para trás muitos seres muito mais livres que eu fui sendo até não poder ser e que usei quiçá demasiado por gostar de usar o que foi frequentemente usado 104
sinto que partem sem olhar para trás promessas de perna às costas e juras de braço dado horas saltando a pés juntos e ombros formando o biombo do amor não vigiado
sinto que partem que quebram porque não olho para trás se acaso me descubro perseguida nem vejo o que vai à minha frente quando o corpo do meu corpo ainda se imagina acompanhado
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A CRIANÇA QUE RESPONDE EM LUGAR DE
com a ponta do dedo consigo desenhar um silêncio de interrogatório onde a lenha arde lacrimejante e os olhos em posse do dom da palavra brilham neste escuro que lhes é preciso
eu trazia para esta conversa pouco mais que tímida algum desejo de troça de mim mesma ‒ se achamos que nada está à nossa altura é porque a baixeza nela se prolonga fugindo da pátria alusiva
ou efusiva
eu punha em cima da mesa e na mesma travessa bem servida a dor da predadora e a dor da perdedora sabendo que o fundo do meu poço só chora lágrimas alheias e que este fogo quer ser fábrica do caos
mas tão linda era voz que me respondia que continuei perguntando só pelo prazer de a ouvir
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O VOO NUPCIAL DOS MARES
sauge anil ail nuages
lembro-me dessa letra cheia de pressa correndo esbaforida por bosques de página em busca da morada de outro texto outro desfile de sombras filiformes
lembro-me de que a criança muito crescida para a idade a si mesma perguntava quem podia imitar quem
e também se lhe cabia imitar as imagens das origens fosse o parto doloroso da montanha ou a alegre desova do céu
lembro-me de que a criança já a decrescer enquanto era tempo perguntava as horas ao primeiro que passasse dispondo-se a esperá-lo até as horas serem
e a ordem de passagem neste caso de acerto de horas e de acerto de contas contava mais do que qualquer outro lugar comum
lembro-me de que a criança tendo parado de crescer e decrescer conseguira tornar o seu mundo indescritível ‒ logo pronto a ser habitado
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ÓBITO
Ontem morreu David Bowie levado por uma tempestade de poeira sem estrelas suspensas. Três baleias deram à costa das quais uma anã. O aquecimento global não poupa os monstros sagrados.
Mas da carruagem de metro que me levou para a outra banda avistei encostado à muralha fernandina um laranjal carregados de frutos que ninguém colhe e poucos olham.
Uma mulher de meia-idade abria olhos enormes gritando ao telemóvel «Mãe estás aí?» Apeteceu-me responder-lhe mas fiquei presa a mim.
Naquele instante foi como se eu até fosse outra pessoa foi como se até eu fosse outra pessoa. 108
no meu sonho, sabes bem, sou pesadelo chamada para dentro, Julieta das varandas enganada pelas noites pelos dias por veneno de promessas sem palavras
mas sou contra verdade e contra mim predadora brincando com a presa ensanguentada enchendo de lama a carne que não vai comer sendo eu esconderijo toda eu escura
neste sonho que me obriga à realidade de joelhos te peço um chapéu imaginando que nunca mo darás e que jamais poderia usá-lo ousá-lo peço-te um baile também desejando ser expulsa da pista de dança como uma criança inconveniente ou simplesmente como uma criança
109
ÍNDICE
Perguntam à criança silenciosa ..........................................................................2 A criança foi então abocanhada ..........................................................................3 a mãe entala a roupa da cama ............................................................................4 MAIS SAGRADO E MAIS PROFANO ..........................................................5 O RUÍDO DAS PAREDES A RUIR ...............................................................6 CONTOS DESENCANTADOS .......................................................................8 Insolência reduzida a nota falsa .......................................................................10 PÉ ANTE PÉ ANTE PÉ .................................................................................11 INFÂNCIA ........................................................................................................12 OS CONTORNOS DO CRIME .....................................................................14 COMPETÊNCIAS ...........................................................................................16 PÁLPEBRA ......................................................................................................18 LOVE IT AND LIVE IT OR ELSE ...............................................................19 ANTIFOTOGRAFISMO (1) ..........................................................................20 FOTOGRAFISMO (4) ....................................................................................21 ACASO SUBJECTIVO ...................................................................................22 LIÇÃO DE BOAS MANEIRAS À MESA .....................................................24 Ao tempo que aqui ando ....................................................................................26 Diz Mãe ..............................................................................................................27 Certo dia descobri ..............................................................................................28 língua materna caserna ....................................................................................30 MATER .............................................................................................................32 LE NON-ARRÊT SUR IMAGE .....................................................................33 LEI .....................................................................................................................34 MINIMAL .........................................................................................................35 OS LAÇOS DE FAMÍLIA ..............................................................................36 ÍMPIA ................................................................................................................37 comendo do mesmo prato ..................................................................................38 A CRIANÇA SUPERLATIVA .......................................................................39 que faço além de amar .......................................................................................40 Sonho de 30 de Março a 1 de Abril ...................................................................41 Nunca tive juventude ........................................................................................42 DA OUTRA OPACIDADE .............................................................................43 A DANÇA DOS SENTIDOS CONTRÁRIOS ..............................................44 a criança empurra a lata ruidosa .....................................................................45 MEDITAÇÃO PERMANENTE SOBRE A JUVENTUDE DAS RUÍNAS .......46 é pesada a mão que abre as portas ...................................................................47 AS FALAS DAS MUDAS FADAS .................................................................48 A MÁ ALUNA ...................................................................................................50 ABAIXO DO NÍVEL DAS ÁGUAS ...............................................................52 FICHA TÉCNICA ...........................................................................................53
FÉRIAS GRANDES ................................................................................54 VOX & NOX ..............................................................................................56 CARTÃO DE VISITA .............................................................................58 OTHERNESS AND SAMENESS .........................................................59 REGRESSOS AO FUTURO ..................................................................60 A SETE PÉS .............................................................................................61 O QUE SERÁ DE MIM ...........................................................................62 ERAM CASAS ..........................................................................................64 XÁCARA ...................................................................................................66 PÉROLA ROLANDO .............................................................................67 NARRADO SEM MÚSICA ....................................................................68 OUTRAS HORAS ....................................................................................69 OS ROSTOS TRABALHADOS .............................................................70 POSSES E POSSIBILIDADES ............................................................71 TRAFICÂNCIA .......................................................................................72 AS BONECAS JÁ NÃO BRINCAM COMIGO ...................................73 FALSO E VERDADEIRO ‒ quatro poemas despropositados ‒ ...........73 OS POEMAS AUTO-DESTRUTIVOS .................................................76 SAMOVAR ................................................................................................78 RETINAS ..................................................................................................80 DESREGRAMENTO ..............................................................................82 IRMÃ OU IRMÃE ...................................................................................84 VIVEIRO E CATIVEIRO .......................................................................86 A HIPÓTESE DE PRÓTESE ................................................................87 A LÍNGUA DO AMOR PROFANO.......................................................88 THE WITHOUTS ....................................................................................90 ABOVENESS & JUNK FOOD ..............................................................92 A IMPLORAÇÃO ....................................................................................94 FILHOS DE BOAS FAMÍLIAS ............................................................95 INCUMPRIMENTO ...............................................................................96 SEM LUVAS .............................................................................................97 DESARRANJO FLORAL ......................................................................98 ASSINATURA .........................................................................................99 ARIDEZ ..................................................................................................100 RELÓGIO ...............................................................................................101 SPOILER ................................................................................................102 A PUBLICIDADE DEFENSIVA ........................................................103 CURA DE ESCURECIMENTO ..........................................................104 A CRIANÇA QUE RESPONDE EM LUGAR DE ............................106 O VOO NUPCIAL DOS MARES .......................................................107 ÓBITO .....................................................................................................108 no meu sonho, sabes bem, sou pesadelo .................................................109
Estes poemas foram escritos em muitos sítios... Estes desenhos foram pintados em muita folha branca, principalmente desde que mudei de anca. Estas páginas foram compostas na Casa da Achada-Centro Mário Dionísio pelo Saguenail e pela Eduarda Dionísio.