A determinação do enquadramento

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A DETERMINAÇÃO DO ENQUADRAMENTO 1. O FORA DE CAMPO NÃO EXISTE 1.1. A unidade do filme, o fotograma, corresponde a um enquadramento. O campo, no caso de um objecto fixo, pode limitar-se a esse objecto — dito «em pleno quadro» (plein cadre), embora de facto muito raro —, captar o que rodeia o objecto — nesse caso, o verdadeiro objecto enquadrado corresponde a mais do que um objecto real e intervêm no enquadramento relações de hierarquia entre os vários objectos reais; o humano goza, em regra geral, de preponderância sobre o cenário, mas o plano de conjunto pode, ao contrário, mostrar a força de uma paisagem... — ou então abranger apenas uma parte do objecto. 1.2. Neste último caso, o enquadramento, graças ao seu recorte, cria um novo objecto, o qual pode representar o objecto real na sua totalidade por sinédoque — é esse o princípio da estética «realista» que deixa o espectador reconstituir um «real» a partir de indícios cuja univocidade é condicionada; por uma questão de segurança, esta estética elaborou uma «gramática» de aproximações sucessivas do objecto, que determina que o enquadramento parcial não o seja unicamente em relação ao objecto real mas também em relação a um enquadramento anterior — embora possa, pelo contrário, assumir a deformação do real, a sua fragmentação. 1.3. Assim, o «fora de campo» não passa de um «campo» anterior mais largo que foi reduzido, ou de uma metonímia convencional. O caso de um objecto em movimento não é fundamentalmente diferente, mas permite definir os critérios de determinação do enquadramento, na medida em que, conforme a latitude do movimento enquadrado, o próprio sentido deste variará. Por exemplo, se uma personagem subir para um veículo e este se afastar, o movimento será de afastamento, enquanto se a acção for dividida em dois planos e dois enquadramentos, haverá dois movimentos: arranque e trajecto. As próprias «entradas» e «saídas» de campo são a bem dizer vestígios do enquadramento primitivo que se confundia com o palco teatral e constituem de facto «entradas» e «saídas de palco». Ora não existe «fora de cena» mas tão-somente bastidores. 1.4. A ilusão de realidade tanto pode significar consistência do mundo diegético como interpretação projectiva dos indícios reduzidos convencionalmente à ilusão extra-diegética do universo quotidiano. Esta interpretação é empobrecedora, visto que, não só leva forçosamente à projecção do lugar-comum, como implica a negação duma diegese enquadrada que consiste justamente na eliminação do «fora de campo». Na penúltima cena de LA MAMAN ET LA PUTA1N de Eustache, F. Lebrun não se dirige à J. P. Léaud fora de campo mas ao espectador.


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A determinação do enquadramento by Helastre - Issuu