A grande ária da humilhação

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A GRANDE ÁRIA DA HUMILHAÇÃO Luchino Visconti, ao longo da sua obra, tratou sempre um único assunto: a degradação humana, fruto de uma relação passional — logo doentia — com o objecto desejado pelos protagonistas — sobre o qual estes últimos projectam a sua improvável redenção, a contracorrente de toda a espécie de opiniões, hábitos, convenções, etc. Embora este desenho estivesse já perfeitamente delineado em Ossessione, La Terra Trema foi recebido na época — por contaminação contextual diante de escolhas estéticas secundárias e independentemente do resultado — como pertencente ao movimento "neo-realista"... e não agradou. Falo de escolhas secundárias na medida em que a opção principal era a da ópera: presos numa rede de intrigas (e de personagens) múltiplas, as figuras nunca são — como acontecia em Ossessione — filmadas em grande plano, mas sim integradas num décor, i. e. num coro, que, ausente ou presente, dirige toda a acção. Esta estrutura operática — que Visconti retomará quase sistematicamente a partir de Senso — ganha justamente no cinema uma multiplicidade de modos de presença (através do som off, através do vazio numa imagem anteriormente habitada pelo coro) que o palco não permite. Logo, na perspectiva de uma escolha primordial, a de trabalhar em cenários naturais com actores não profissionais é por assim dizer corolário da passagem do palco ao cinema, introdução da "impressão de realidade" no drama operático — conhece-se a preocupação maníaca a que este parti-pris "realista" levará Visconti, tanto ao nível das maquilhagens como no que diz respeito aos décors. Ao filmar verdadeiros pescadores entregues ao seu ofício, Visconti não se interessa pela especificidade da sua gestualidade; obriga-os, bem pelo contrário, a tomarem "poses". Porque o olhar de Visconti nada tem de documental: os pescadores trazem a sua verdade ao drama operático, porém é este que comanda as suas acções. Donde um jogo único no qual, dentro de uma mesma imagem, tudo é simultaneamente verdadeiro e falso: verdadeiros os rostos, os objectos, as matérias, a língua; falsas as palavras, os gestos, as posturas, os risos... Enquanto filme "neo-realista", La Terra Trema só podia desagradar; enquanto ópera moderna, Visconti soube fazer concorrer paisagens, pessoas vozes e habitus para um mesmo lirismo. Último filme em que o autor ainda se interessa pela plebe, pelos anónimos — a partir de Senso, Visconti só encenará vidas patrícias —, trata-se também da obra de um cineasta ateu — mais um aspecto que na essência o diferenciava dos outros realizadores neo-realistas —; La Terra Trema não mostra o drama da degradação como uma "Paixão" — à imagem do que Rossellini ou De Sica porventura teriam feito —, antes propõe uma reflexão sobre a humildade. A humildade não como virtude, traço de carácter ou qualidade do coração, mas como condicionamento, produto de séculos de humilhação. Ao longo de todo o filme, ela aparece associada à maldade e à falta de solidariedade. Esta leitura "histórica" de um comportamento transcende, inequivocamente, o olhar documental, tornando todavia a situação de Visconti espinhosa: exceptuando os Valastro, todas as personagens — tirando uma menina — são representantes de uma atitude que o autor condena e rejeita; por conseguinte, o conjunto do "real" assume contornos ameaçadores. Embora a Igreja se encontre ao fundo da praça onde o coro se junta e se bem que a câmara nunca nela penetre, a ideia de salvação está eliminada por definição: "a vontade de Deus é amarga", diz a irmã Valastro que doravante sabe já não ser "moça para casar" e essa vontade de Deus entra aí em paradigma com o mar: "o mar é amargo" afirmara seu irmão António no início do filme — declaração repetida pelo comentador off. A amargura sintetiza o negativismo de Visconti, caminho sem saída na medida em que a integração final dos Valastro na comunidade dos pescadores corresponde à sua suprema degradação. La Terra Trema, obra em que o real se revela operático, de um tempo em que Visconti era verdadeiramente escandaloso. Saguenail


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