Abóboras

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LENGALENGA (cantiga de mastigar palavras) Abóbora, obra boba Obra baba, anho e loba Abóbora, abre-me e rouba Fecho a boca, foca e bola Ovário, tambor de carne Sementes, barriga enorme Cresce para dividir Morre depois de parir Chila cabaça chuchu Feitiço de jerimu Menina porqueira abobra Rastejante como a cobra Cabeça rola em cabaça Dizendo o sol a quem passa Se cai quebra como louça Vira sopa vira moça FILHAS DA MÃE Para produzir filhas tão perfeitas e tão perfeitamente ligadas entre si teve a flor pequeno grande sol sobre o solo pousado que as embrulhar numa bola de carne fresca rija húmida embora da cor do fogo cujo tamanho nos derrota nos desarma. Mas também num casulo filandroso inextricável mil cordões umbilicais emaranhados donde só por violação de domicílio as jovens frutas podem sair para serem postas à prova da boca à prova do mundo. A abóbora é um bunker um cofre-forte uma mãe galinha.


DENTRO E FORA Abóbora sou menina Senhora não serei não Dama e dona ainda menos Sou chã estou colada ao chão. Quando me cresce a barriga Sou a bola de mim mesma - Jogadora e seu rival Jogam no campo da lesma. E a minha grande pança É cabeça e é cabaça É braço que tudo abraça É dentro e fora de casa. Foi flor mas agora é Fadiga de perna inchada Foi sol mas agora é Janela aberta e fechada. Abóbora sou porqueira De pevides guardadora E de fios tecelã Sou menina e não senhora. SOPA ASSIM EU POSSA Para saber o segredo Que trago dentro mim Lança-me ao chão com ternura Com a força da meiguice E a firmeza da doçura. Em pedaços me verás Minha casca não resiste Polpa pevides e fios Não me faltam atavios Sou tudo o que em mim existe. Serei a primeira papa De alguns meninos de mama Serei o último caldo Do velhinho e da velhota Sem dentes se come sopa. Sopa de sol e de terra Papa do melhor torrão Caldo de raio dourado Poente em belo repasto Vivi mas não deixo rasto.


Era uma vez uma velhinha que vivia sozinha numa pequena casa junto a um bosque onde ela gostava muito de passear. Um dia quando ia para o casamento da sua filha teve que atravessar todo o bosque a pé. Ia ela a apreciar o passeio quando encontrou uma raposa, que lhe disse: – Vou-te comer velhinha – Não faças isso agora – respondeu a velhinha – é que eu vou ao casamento da minha filha, quando voltar venho mais gordinha. E a raposa deixou-a continuar o seu caminho. Um pouco mais à frente encontrou um grande lobo. – Não passas aqui sem que eu te coma – disse o lobo. A velhinha respondeu: – Agora não, eu vou ao casamento da minha filha e vou voltar mais gordinha. E o lobo também a deixou ir embora. No casamento da filha a velhinha divertiu-se muito e comeu muito também. Quando já estava para ir embora e voltar para casa, lembrou-se do lobo e da raposa que estavam à espera dela. Então contou a história à filha e ficaram as duas a pensar numa forma para a velhinha voltar para casa sem ser vista. Foram então à procura de alguma coisa onde a velhinha se pudesse esconder, experimentaram vários objectos, panelas, barris, e então encontraram uma grande cabaça onde ela cabia e conseguia espreitar para poder ver. No caminho de volta para casa a velhinha ia rodando a cabaça. Quando passou pelo lobo, perguntou: – Viste por aí uma velhinha? – Nem velhinha nem velhão, roda cabacinha, roda cabação – respondeu-lhe a velhinha. E continuo o seu caminho escondida dentro da cabaça. Já ia um pouco mais descansada por ter conseguido enganar o lobo, quando a raposa se pôs no seu caminho. – Viste por aí uma velhinha? – perguntou-lhe a raposa. A velhinha respondeu: – Nem velhinha nem velhão, roda cabacinha, roda cabação Pouco depois chegou a casa em segurança, bateu com a cabaça numa grande pedra que estava perto da porta e saiu de lá de dentro. A velhinha continuou a dar os seus passeios, mas noutro sítio do bosque para não se cruzar novamente com o lobo e a raposa e eles ainda hoje continuam à espera que a velhinha volte do casamento da filha.


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