Batalha work (a ronda da noite)

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BATALHA ELA o trunfo é espadas e tudo sendo excepção à regra de haver naipe possa a noite enterrar-se lentamente no lugar exíguo onde se juntam transeuntes e se separam amantes pois que tanto a noite quanto a tarde sabem ambas cair na sua fissura como esmola inesperada ao contrário da manhã que nasce ou rompe ou desponta ou corrompe ou desaponta sobre a vastidão dos destroços e a exactidão irónica das ruínas ELE o trunfo é ouros e por entre a demasia de gemas e claras possa a tarde envolver-se em cenas gagas e roupas de gala que só a noite haverá de esfarrapar desta concreta maneira mantendo o culto das jóias ocultas e expondo a quem acaso passa desejos de fancaria de fantasia ELA doctor no from russia with love goldfinger thunderball you only live twice on her majesty's secret service diamonds are forever live and let die the man with the golden gun the spy who loved me moonraker for your eyes only octopussy never say never again a view to a kill the living daylights licence to kill goldeneye tomorrow never dies


the world is not enough die another day casino royale quantum of solace skyfall … ELE esta casa que uma praça abraça esta máquina de dobrar esquinas toda ela sonho de abrir o flanco e até de expor ao reflexo veloz do atirador os seus telhados de vidro ELA se houvesse um mundo aos pés do mundo um mundo que não chegasse aos calcanhares da casa mais distante da cabeça do que as palavras da boca seria o xadrez da praça com os seus peões sem parança os seus bispos desabrigados as suas tonturas teatrais de torre e o seu rei a cavalo duplamente exilado no pedestal donde o bronze das rainhas não se enxerga ELE persistência retiniana e preguiça neuronal persistência da luz e preguiça do negro persistência do sonho para além do despertar e preguiça incorrigível da realidade ELA o cinema cedia aos caprichos de continuidade do olhar o cinema amortecia os gritos e os ecos da ruptura o cinema nesta grande casa navio encorajava a ver navios se bem que para os que ainda se lembram uma memorável sessão do couraçado potemkine e o mundo inteiro desdobrando-se e soçobrando então na escadaria de odessa ELE sim, as estrelas super-novas


com caras de planeta aturdido maquilhados de lua cheia mas também a fervura das velhas cópias e a estridência do século a dividir por 24 a duração dos segundo ELE AINDA todo o transeunte é um errante que se ignora toda a transeunte é uma mostradora de montras e monstros toda a praça um circo preparado para a chegada do ursos e do tigre do elefantes e do leão e do caniche amestrado e do cristo sem Simão envolto em léguas de lenços e lençóis frente à sinalética do espírito santo uma impossibilidade de sombra e essa contra-verdade que apregoa «para a frente é que é o caminho» ELA o cinema devorava-se por dentro com as células e os polvos das profundezas a absorver densidades deveras inimagináveis mas nessa ingestão-digestão interna mais do que a pessoa pública e o ecrã privado importava a qualidade do entre-as-imagens e as margens mínimas do fora de campo assim talvez faça sentido dizer-se com sábia gaguez que onde há cinema há montagem fissura lacuna e impossibilidade de praça impossibilidade de aprisionar o tempo que passa ELE porém o espectador da vida própria não anuncia nascimento nem cimento


e sendo ele cada vez mais eu à medida que se constrói fora do tempo vai endurecendo calejando braço de estrada e pé de rua rumor de evaporação difícil o seu pensamento descalça as sandálias da caridade e atravessa a praça a correr como se ela fosse gueto e deserto duma só assentada ELA David Wark Griffith pioneiro e inventor do cinema disse: «em 2024, o cinema terá contribuído para eliminar todo e qualquer conflito armado no mundo civilizado» enganava-se redondamente Robert Desnos, poeta surrealista militante comunista praticante impenitente da hipnose judeu liquidado pelos nazis em Theresienstadt declarava em 1927: «aquilo que pedimos ao cinema é o que o amor e a vida nos recusam, é o mistério, é o milagre» enganava-se quadradamente Eric Rohmer crítico dos Cahiers du Cinéma cineasta singular e distinto nos mares da Nova Vaga terá afirmado: «o cinema não diz as coisas de outra maneira o cinema diz outras coisas» enganava-se triangularmente Jean-Luc Godard, teórico e praticante suíço de cinema todo o terreno invectivou a posteridade imediata com a célebre máxima:


«a fotografia é a verdade e o cinema é vinte e quatro vezes a verdade por segundo» ELE a geometria variável do erro de Godard decorre porventura da sua inscrição numa estética protestante mas arrependida de o ser quando o cinema se revelou o expoente máximo da exuberância criativa do catolicismo ELA existe um silêncio dos amantes – ele trepa paredes com as suas oito aracnídeas patas e logo se estatela com confiança de criança no duro chão existe uma coragem dos amantes – ela toma assombrosas dianteiras para que o corpo não seja espezinhado pelos perseguidores mentais e regressa chamuscada como uma besta quase patusca escapada por um triz ao sacrifício ELE existe uma cobardia dos amantes que os convida à clandestinidade quando os seus segredos são gritados ou levados à hasta pública mas tudo isso não passa de um fazer de conta a mando do amor próprio com regras de torneio astúcias de pajem e prémios para o melhor atleta existe uma palavra dos amantes sempre preferida a todas as últimas sempre ferida na sílaba átona sempre capaz de fazer voltar o mundo um pouco atrás e de saltar para frases futuras a partir daí


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