Conversa com antoine bonfanti

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CONVERSA COM ANTOINE BONFANTI Regina Guimarães — Fala-nos do teu percurso... tal como o vês, claro... Antoine Bonfanti — Haveria várias maneiras de o reconstituir. Mas talvez comece pelos meus 16 anos, idade em que entro para a resistência; aos 20 anos, estou na guerra de libertação, na guerra contra os fascistas. Dois anos de guerra, sou desmobilizado em 1945. Propõem-me um estágio de cinema. Porque não? Eis-me responsável pela «perche» em LA BELLE ET LA BÊTE. Já nessa época o cinema era um mito. Entrar no mito, descobrir a magia de uma rodagem, poder passear por todo o estúdio, ir assistir às misturas de LA BATAILLE DU RAIL e às filmagens de MONSIEUR VINCENT, de LES PORTES DE A NUIT... foi um verdadeiro sonho. Mas o sonho acaba em 1948 por causa dos acordos Bloom Burns que prefiguravam o plano Marshall. Os estúdios despedem o pessoal todo porque pretendiam adoptar o modelo de funcionamento das Majors. Vou então trabalhar para a rádio, de Julho de 1948 a Janeiro de 1950. Em 1950, um dos amigos diz-me que encontrou um emprego, que vai trabalhar para o Auditório da Éclair (que na altura era um grande complexo com laboratório e estúdios com «plateaux» de rodagem), e pergunta-me se o quero substituir na M. G. M. França. Lá vou eu para a Metro Goldwyn Meyer francesa onde conheço um homem importante, Jean Nenny, com quem simpatizo. Um engenheiro de som que encontrei por acaso convida-me posteriormente para ir dirigir o Auditório da SIMO. Ainda não me sentia preparado mas, em contrapartida, sabia que o Nenny estava perfeitamente à altura. O Nenny deixa a Metro e lança as bases da SIMO. Um ano depois, o Nenny chama-me para eu ir colaborar com ele. De 1956 a 1961, trabalho pois na SIMO. O Nenny está na origem de todo o som moderno. Foi ele que inventou tudo. O som moderno é obra do Nenny, nunca será suficientemente repetido. E o Nenny ensinou-me tudo. À partida ensinou-me a montar uma máquina, a saber servir-me das mãos como da cabeça. Não tínhamos direito à avaria, a priori. E se calhasse termos uma avaria, era preciso descobrir rapidamente «porquê» e encontrar logo o «como» para tudo voltar a funcionar. Em caso de pânico, de não encontrarmos a causa da avaria, telefonávamos-lhe imediatamente, a qualquer hora do dia e da noite. Nesta fase, conheci imensas pessoas, convivi muito. O Alain Resnais com NUIT ET BROUILLARD, o Marcel Camus na época de ORFEU NEGRO, o Clouzot durante a produção de LE MYSTÈRE PICASSO. Conheci as duas versões da LOLA MONTÈS do Max Ophüls — a versão do autor e a versão do produtor. Aliás, a versão do produtor nunca saiu. O produtor estava convencido de que o público era demasiado estúpido para perceber a LOLA MONTÊS do Max Ophüls. Então pretendiam montar primeiro o circo e depois a vida da Lola Montès. Hoje, toda a gente já compreendeu que a versão do Ophüls é uma obra-prima... O Nenny também me ensinou as misturas e a pós-produção. Quando um amigo me desafiava para uma rodagem, dispensava-me dos meus «deveres» e deixava-me ir. Foi assim que assisti a imensas filmagens e nelas participei. Comecei a assumir trabalhos de mistura de grande responsabilidade. Fiz a pós-produção de OS BANDEIRANTES do Marcel Camus e também de outro filme que me marcou muito, para o qual tive de dirigir as dobragens, os «bruitages» e as misturas: RASPOUTINE do Pierre Chenal. Saguenail — Nessa época, não havia som directo no cinema... A. B. — Era raro, principalmente fora do estúdio. E, muitas vezes, quando não havia dinheiro para alugar um estúdio caro, íamos para um estúdio «barulhento» e éramos obrigados a pós-sincronizar. Os profissionais da dobragem que tratavam da versão francesa — a versão original mas póssincronizada — do filme eram obrigados a pagar de novo os direitos para a versão inglesa. No RASPOUTINE também fiz a versão inglesa; fiz a mistura da versão francesa, fiz a mistura da versão inglesa e aí apercebi-me de que tinha utilizado umas cinco vezes a música do genérico porque eles achavam que não havia música suficiente no filme. Não se passava nada na fita então lá se voltava a pôr a música do genérico. Nessa altura disse para comigo que, no dia em que viesse a ser responsável por um trabalho desse tipo, não havia de consentir que mudassem os níveis que tivesse escolhido e, portanto, que a versão internacional seria sempre em mono, ou seja, com uma só pista. Entretanto, os anos foram passando e um dia o Marcel Camus propôs-me a rodagem do filme L'OISEAU DE PARADIS no Camboja que foi o primeiro projecto que assumi integralmente:


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