CORRENTES DE AR O desaparecimento do Terço está na ordem do dia. O boato duma eventual reconversão — em sala de bingo — parece confirmar-se no dizer dos arrumadores daquela casa. Com o Terço apagam-se os vestígios duma certa forma de ir ao cinema, toda ela comprometida com a ideia de divertimento popular e com a dinâmica a ela inerente. Desde o módico preço dos bilhetes (80$00) até à mudança diária da programação, passando pelo cimento aparente do chão, todo o funcionamento do Terço aponta para um carácter provisório. Este provisório é a única caixa de surpresas que nos resta: exemplo, a melhoria de condições de projecção que se vem constatando. O espectador do Terço vai ao cinema para ser surpreendido ou para se deliciar de novo com algo que o surpreendeu. No folheto de programação os comentários são uniformemente aliciantes; a etiqueta «cinema de qualidade» não bafejou ainda aquele ecrã. No entanto, e certamente dado o grau de diversidade e a quantidade das fitas projectadas, constatamos que o Terço exibe por mês, em média, dois a três filmes a não perder (coisa de que raras salas portuenses se podem gabar). Trata-se, enfim, da única sala de cinema de reprise assumida da nossa praça. Uma das poucas em que nos podemos dar ao luxo de rever um clássico, ou «aquele rico filme», ou ainda «aquele que só ficou uma semana», sem que para tal nos sintamos no museu do cinema. A manifesta animação do público poderá perturbar mais de um cinéfilo bem como o ruidoso diálogo tu-cá tu-lá com pretensas obras de arte. Deveremos esperar que o silêncio nos cubra ou nos destape? R. G. 08-06-84